domingo, 9 de março de 2014
Afinal, carne faz bem ou faz mal?
Um estudo recente publicado na revista Cell Metabolism associa o alto consumo de proteína animal (carne, leite e queijo) ao risco de morte por câncer. Esse risco seria comparável ao prejuízo do tabagismo à saúde.
O estudo observacional acompanhou aproximadamente 6.500 pessoas por 18 anos. Os malefícios da proteína em excesso só valeriam para quem tem entre 50 e 65 anos, para os mais velhos teria efeito protetor. A explicação estaria no hormônio do crescimento IGF-1, que tem sido relacionado à morte por câncer. Vieses da pesquisa:
1) Ela não detalha os cruzamentos da quantidade de proteína consumida pelos entrevistados com os demais componentes da dieta. Na atualidade já foram identificados 24 mil micronutrientes presentes em vegetais que teriam um efeito protetor contra o câncer. Uma alimentação balanceada poderia neutralizar as substâncias cancerígenas.
2) Não discrimina se a proteína ingerida veio de carne vermelha, peixe, frango ou mesmo queijo e leite.
3) Ainda, a diferença entre os hábitos alimentares dos americanos e dos brasileiros deve ser considerada.
4) Questão metodológica: por se tratar de um estudo observacional, ele não permitiria chegar a conclusões de causa, nem a números absolutos.
Minhas observações:
1) A proteína presente na carne é composta por aminoácidos. Em nosso corpo, os aminoácidos podem ser metabolizados para aminas biogênicas. Na presença de nitritos, (usados para conservar a carne, se não for carne fresca), essas aminas geram nitrosaminas, substâncias cancerígenas. O ferro presente na carne é capaz de aumentar ainda mais a taxa de formação de nitrosaminas a partir da amina da carne. Já a Vitamina C presente nos vegetais diminui a formação dela, assim como outros micronutrientes. A formação de nitrosaminas ocorre predominantemente no estômago e intestino, e a relação com o câncer de estômago já está bem elucidada.
2) Os malefícios da carne vermelha e do frango estão muito mais ligados ao modo de preparo. Um estudo da Universidade de Illinois (EUA) descobriu que métodos de preparo que criam uma crosta (bordas crocantes de carnes preparadas a altas temperaturas) produzem proteínas chamadas “produtos de glicação avançada” (AGE); vale lembrar que as crostas de carboidratos também formam acrilamida (também é produzida pela Reação de Maillard) que levam à formação de AGEs. Esses AGEs por sua vez favorecem um estado pró-inflamatório no corpo, favorecendo doenças que possuem na sua fisiopatologia um processo inflamatório. Além disso, esse “tostadinho” da carne e dos carboidratos, leva a formação de aminas heterocíclicas (AH), hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA) e acrilamida. A formação das AH ocorre pela pirólise de certos aminoácidos, entre os quais triptofano, lisina, ácido glutâmico e fenilalanina, ou pela reação entre creatina e os AGES. Atualmente vem sendo analisada a correlação entre a ingestão de AH e a incidência de câncer de mama, cólon e próstata. Em animais, as AH provocam neoplasias malignas em glândulas mamárias, próstata, pulmão, cólon, pele, pâncreas, bexiga e fígado. Já os HPA são gerados principalmente em processos de combustão e pirólise de matérias orgânicas (nesse caso a carne), constituindo um grupo considerado altamente carcinogênico ou genotóxico. Durante o processo de assar a carne na brasa, a gordura é pirolisada pela ação da chama direta na carne, assim como pelo calor do carvão, gerando os HAP cancerígenos.
3) Métodos mais tradicionais de se fazer carne, como carne refogada ou ensopada, não carregam esse risco.
4) O estudo fala de consumo excessivo de proteína animal. Bem, quem tem consumo excessivo de qualquer grupo alimentar que seja, provavelmente não segue uma dieta equilibrada e supervisionada por nutricionista. Existe um grande viés. Pode ser que estes que consomem em excesso, também tenham hábitos de vida não-salutares: sedentarismo, tabagismo, etilismo não-social, baixo consumo de vegetais, carboidratos refinados, gordura trans. Já aqueles que retiram proteína animal da dieta, geralmente possuem hábitos de vida mais salutares. E como foi um estudo observacional esses vieses não foram analisados.
5) A associação de que carne causaria câncer começou na década de 70 com o Dr. Ernest Wynder. Ele alegava que existia uma relação direta (conexão causal) entre o consumo de gordura animal e incidência de câncer de cólon. Se alguém examinar detalhadamente o estudo, perceberá que ele se referia à carne processada (embutidos) e não à carne natural.
6) Alguns dos povos mais longevos do planeta têm como base da dieta, carnes. Não a carne industrializada, processada, mas sim a carne de gados e aves não-confinados. A composição nutricional dessa carne é diferente.
Fontes:
1) LEVINE, M, et al. Low Protein Intake Is Associated with a Major Reduction in IGF-1, Cancer, and Overall Mortality in the 65 and Younger but Not Older Population . Cell Metabolism. Vol. 19, N. 03, p.p 407-417, Março/2014.
Disponível em: http://www.cell.com/cell-metabolism/fulltext/S1550-4131(14)00062-X
2) MARQUES, Anne y Castro; VALENTE, Tessa Bitencourt and ROSA, Cláudia Severo da. Formação de toxinas durante o processamento de alimentos e as possíveis conseqüências para o organismo humano. Rev. Nutr. Vol. 22, N. 02 pp. 283-293, 2009.
Postado por
Dr. Frederico Lobo
às
23:22
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