Uma recente pesquisa mostrou que pessoas que meditam podem ter experiências inesperadas, complicadas, difíceis, angustiantes, que podem inclusive causar prejuízo funcional.
As dificuldades encontradas na meditação budista são bem descritas na tradição budista, o que não ocorre na mesma proporção na literatura científica ocidental, dizem os pesquisadores.
"Evidentemente, não estamos tentando depreciar os muitos benefícios da meditação, todos devidamente comprovados. Mas não é porque algo é bom que devemos ignorar suas demais possibilidades", afirmou ao Medscape Jared Lindahl, PhD e professor-assistente visitante do Brown University Cogut Center for the Humanities, em Providence, Rhode Island.
"Escolhemos especificamente pessoas que pudessem falar sobre experiências inesperadas, complicadas, difíceis, angustiantes ou que tenham causado prejuízo funcional. Nós queríamos aprofundar o conhecimento sobre o assunto. Pensamos que isso é de fato importante para a pesquisa sobre meditação, porque este campo está crescendo", explicou Lindahl.
O estudo foi publicado on-line em 24 de maio no periódico PLOS ONE.
Experiências inesperadas
No intuito de compreender a extensão das experiências vivenciadas pelos budistas ocidentais praticantes de meditação, os pesquisadores entrevistaram quase 100 praticantes e professores de meditação de cada uma das três principais escolas budistas: Theravāda, Zen e Tibetana.
Os autores utilizaram métodos de pesquisa qualitativa para analisar as entrevistas e métodos padronizados de avaliação de causalidade, a fim de assegurar a probabilidade de a meditação ter desempenhado um papel causal nas experiências documentadas.
Com base nessas entrevistas, os pesquisadores desenvolveram uma taxonomia de 59 experiências organizadas em sete domínios: cognitivo, perceptivo, afetivo (emoções e humores), somático (relativos ao corpo), conativo (motivação ou vontade), senso de identidade e social.
Todos os praticantes de meditação descreveram diversas experiências inesperadas nos sete domínios. Por exemplo, uma experiência difícil muito relatada no domínio perceptivo foi a hipersensibilidade à luz ou ao som. Alterações somáticas também foram mencionadas, tais como, insônia ou movimentos involuntários do corpo.
Experiências emocionais difíceis foram o medo, a ansiedade, o pânico ou a perda de todas as emoções, afirmaram os pesquisadores.
A duração dos efeitos descritos pelos entrevistados variou bastante, indo de alguns dias a meses, ou até mais de uma década, de acordo com os pesquisadores.
Algumas experiências eram francamente desejáveis, como o sentimento de unidade ou união com os outros, mas alguns praticantes disseram que esses sentimentos foram longe demais ou duraram tempo demais, ou que se sentiram violados, expostos ou desorientados.
Algumas pessoas que tiveram experiências de meditação positivas durante retiros, contaram que a persistência dessas experiências interferiu na capacidade de funcionamento ou de trabalho, quando deixaram o retiro e retornaram à vida normal.
Os pesquisadores também identificaram categorias de "fatores de influência" ou circunstâncias que podem afetar a intensidade, a duração ou o sofrimento (ou comprometimento) associado. "Há uma série de fatores passíveis de exercer alguma influência, que fazem parte da história e constituem a razão pela qual certos fenômenos podem ser angustiantes ou negativos para uma pessoa, mas não para outra", disse Lindahl.
Muitos instrutores de meditação citaram a intensidade da prática, a história psiquiátrica ou o histórico de trauma do praticante, e observaram que a qualidade da supervisão é importante. No entanto, esses fatores pareceram só fazer diferença para alguns praticantes.
"Os resultados também desafiam outras atribuições causais comuns, como o pressuposto de que as dificuldades relacionadas com a meditação só acontecem com pessoas com doenças predisponentes (história psiquiátrica ou história de traumas), que participam de retiros longos ou intensivos, que são mal supervisionadas, que praticam incorretamente ou cuja preparação é inadequada ", observaram os autores no artigo.
Tipos de meditação
A coautora do estudo, Willoughby Britton, PhD e professora assistente do Departamento de Psiquiatria e Comportamento Humano da Brown University, descreveu os fatores de influência identificados como "hipóteses testáveis" do que poderia afetar a trajetória de um praticante de meditação.
Por exemplo, novas pesquisas poderiam investigar se determinados tipos de prática estão associados a diferentes tipos de experiências difíceis, ou se o grau de suporte social percebido influencia a duração do sofrimento e do comprometimento.
"As pessoas meditam por motivos muito diferentes, têm constituições diferentes e podem precisar de diferentes tipos de abordagem", disse Willoughby ao Medscape.
"A boa notícia é que existem vários programas e diferentes práticas disponíveis por aí. Basta procurar um pouco e se informar antes de escolher para que as pessoas encontrem boas alternativas ao que procuram", afirmou.
"Mas eu acho que muitas vezes as pessoas topam fazer o que for mais conveniente ou o que tiver uma propaganda mais apelativa, e esta nem sempre é uma opção condizente com a constituição ou os objetivos delas".
"Nossa esperança em longo prazo é que esta pesquisa, bem como as próximas pesquisas, possam ser usadas pela comunidade de praticantes de meditação para criar sistemas de suporte para toda a gama de experiências relacionadas com a meditação", afirmou Willoughby em um comunicado à imprensa.
"De fato, o primeiro passo é reconhecer a diversidade de experiências que as pessoas podem vir a ter".
Publicado na: PLoS One. Publicado on-line em 24 de maio de 2017.
Fonte: http://portugues.medscape.com/verartigo/6501285
sábado, 8 de julho de 2017
Meditação: nem tudo são flores
Postado por
Dr. Frederico Lobo
às
19:18
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