O microbioma intestinal — os microrganismos que colonizam o intestino — está surgindo como potencial "biomarcador" que pode prever a resposta à imunoterapia. E a descoberta de que as bactérias no intestino influenciam a resposta à imunoterapia abre possibilidades intrigantes de manipular o microbioma a fim de melhorar essas respostas.
Artigos publicados anteriormente sugeriram que os pacientes que respondem à imunoterapia têm um microbioma intestinal enriquecido com certos microrganismos, bem como os novos trabalhos com resultados semelhantes, em uma série de artigos publicados no periódico Science.
Estes estudos "demonstram que os pacientes podem ser estratificados em respondedores e não respondedores à imunoterapia com base na composição do microbioma intestinal deles, sugerindo que a microbiota deva ser considerada ao avaliar a intervenção terapêutica", comenta Christian Jobin, PhD, do Department of Infectious Disease and Immunology da University of Florida, em Gainesville, escrevendo em um artigo que acompanha os trabalhos.
"Uma questão importante e clinicamente relevante é se a manipulação do microbioma intestinal poderia transformar os pacientes que estão sem resposta ao bloqueio do checkpoint imunológico em respondedores", acrescentou.
Isso é de fato uma questão intrigante.
Primeira autora de um dos estudos, a Dra. Jennifer Wargo, médica do MD Anderson Cancer Center, em Houston, no Texas, assinalou: "Você pode mudar o seu microbioma, realmente não é tão difícil, então nós pensamos que estes resultados abrem grandes novas oportunidades".
Você pode mudar seu microbioma, não é realmente tão difícil Dra. Jennifer Wargo
O microbioma de uma pessoa é um fator de risco modificável que pode ser alvo de dietas, exercícios, uso de antibiótico ou probióticos, ou transplante de material fecal, comentou o principal coautor, Dr. Vancheswaran Gopalakrishnan, PhD, também do MD Anderson Cancer Center, em uma declaração à imprensa.
Na verdade, esses pesquisadores já estão projetando um ensaio clínico que combina o bloqueio do checkpoint com a modulação do microbioma.
Já existem bancos de fezes de pacientes fazendo imunoterapia
Eles não estão sozinhos. Outro grupo, liderado pelo Dr. Thomas F. Gajewski, PhD, da University of Chicago, em Illinois, já está fazendo um banco de amostras de fezes de pacientes com câncer sendo tratados com imunoterapia. A equipe isola o(s) microrganismo(s) que conferem boa resposta.
"Além disso, estamos no processo de organizar um ensaio clínico no qual a Bifidobacteria é administrada em cápsula junto com a terapia anti-PD-1 (morte de células antiprogramadas 1) no intuito de determinar se povoar a microflora intestinal com bacterias benéficas irá aumentar a resposta à terapia", disse o Dr. Gajewski ao Medscape.
O estudo da University of Chicago mostrou que aqueles que responderam à imunoterapia para o tratamento de metástases de melanoma tinham uma microbiota intestinal abundante em oito espécies de bactéria.
Este estudo foi feito com 42 pacientes tratados para melanoma metastático com anticorpos DP-1 ou com terapia anti-CTLA-4. A resposta clínica foi determinada a pela análise dos biomarcadores com cegamento. Dezesseis pacientes responderam à terapia e 26 não responderam. O índice de 38% de resposta está alinhado aos dados clínicos publicados sobre o anti-PD-1 na terapia das metástases de melanoma.
As amostras das fezes dos pacientes, obtidas antes de iniciar o tratamento, tiveram a microflora analisada por meio do sequenciamento dos amplicons dos genes do RNA 16S ribossomal (rRNA). A equipe identificou unidades taxonômicas operacionais e pareou-as às sequências 16S do banco de dados do National Center for Biotechnology Information. Eles fizeram ainda um sequenciamento metagenômico shotgun utilizando a reação em cadeia da polimerase quantitativa específica da espécie para as espécies candidatas que tinham primers validados.
Os respondedores à imunoterapia tinham microflora rica em Enterococcus faecium, Collinsella aerofaciens, Bifidobacterium adolescentis, Klebsiella pneumoniae, Veillonella parvula, Parabacteroides merdae, espécies de Lactobacillus e Bifidobacterium longum. Os não respondedores tinham uma microflora rica em Ruminococcus obeum e Roseburia intestinalis.
Ao pontuar cada paciente para a microflora favorável e desfavorável, os pesquisadores observaram que a razão > 1,5 entre a microflora benéfica/não benéfica se correlacionou à resposta ao tratamento.
A relação de causalidade foi determinada em um estudo murino. O material fecal de respondedores e de não respondedores foi transferido para camundongos livres de germes e demonstrou influenciar o crescimento tumoral em um modelo murino de melanoma: os tumores de crescimento mais rápido foram observados nos camundongos que receberam o material fecal dos não respondedores, e os tumores de crescimento mais lento foram observados nos camundongos que receberam o material fecal dos respondedores. Além disso, a terapia com o ligante anti-PD 1 (anti-PD-L1) só foi eficaz nos camundongos que receberam o material fecal dos respondedores, e foi ineficaz nos camundongos que receberam o material fecal de não respondedores.
O pesquisador responsável Dr. Gajewski disse ao Medscape que, embora as respostas à imunoterapia antineoplásica tenham sido muito estimulantes, a realidade é que a maioria dos pacientes não responde a estes medicamentos.
"Embora a resposta possa ser ditada pelas diferentes vias do câncer ou por genes herdados que regulam a resposta imunológica, do ponto de vista ambiental, a microflora intestinal está surgindo como uma faceta importante da regulação da resposta imunitária das pessoas", observou o pesquisador.
"Como biomarcador de resposta à terapia, a microbiota intestinal parece atraente", disse o Dr. Gajewski. No entanto, o pesquisador reconheceu que estas observações precisam ser confirmadas em conjuntos de dados independentes.
"Estamos montando prospectivamente um banco de fezes da maioria dos pacientes com câncer tratados com anti-PD-1 na nossa instituição", acrescentou.
Outro estudo, outro grupo de bactérias
O estudo do MD Anderson Cancer Center, que foi publicado pela primeira vez no ano passado, em um congresso, encontrou um grupo diferente de bactérias no microbioma intestinal dos respondedores à imunoterapia.
Nesta análise, os respondedores eram ricos em espécies de Faecalibacterium e Bacteroides thetaiotaomicron e os não respondedores foram ricos em Escherichia coli.
Esta equipe obteve de forma prospectiva amostras orais e fecais de 112 pacientes com melanoma metastático iniciando o tratamento com anti-PD-1. Os pesquisadores também fizeram um perfil taxonômico por sequenciamento do rRNA do gene 16S em todas as amostras fecais e orais.
Os dados de 89 pacientes indicam que 54 eram respondedores e 35 eram não respondedores.
Os pesquisadores mostraram que a microflora bucal ou oral não foi significativamente associada à resposta ao tratamento com anti-PD-1, mas houve associação com a microflora intestinal.
Dos 30 pacientes que responderam à terapia, e dos 13 que não o fizeram, a sobrevida livre de progressão (SLP) da doença foi mais longa entre os pacientes que tinham maior diversidade de bactérias intestinais comparados aos que tinham diversidade baixa ou intermediária (a mediana de sobrevida livre de progressão da doença não foi alcançada no grupo de maior diversidade vs. sobrevida livre de progressão da doença de 232 dias e 188 dias, respectivamente).
Antibióticos reduzem os benefícios clínicos
Em um terceiro estudo os pesquisadores franceses liderados por Bertrand Routy, do Gustave Roussy Cancer Campus, em Villejuif (França), mostraram que os pacientes que tomaram antibióticos para tratar infecções durante a terapia contra o câncer tiveram resposta reduzida ao tratamento anti-PD-1. Resultados anteriores deste estudo foram apresentados em um congresso e publicados na época pelo Medscape.
Este estudo foi feito com pacientes com câncer do pulmão de células não pequenas (N = 140), carcinoma de células renais (N = 67) e carcinoma urotelial (N = 42) que receberam terapia com anti-PD-1 ou anti-PD-L1. Os antibióticos foram administrados para indicações comuns, como infecções dentárias, urinárias e pulmonares, nos dois meses anteriores ou no mês subsequente ao início da imunoterapia antineoplásica.
A sobrevida livre de progressão da doença e a sobrevida global (SG) foram menores para os pacientes com exposição aos antibióticos em comparação com o grupo de pacientes em geral, ou o grupo de pacientes de cada tipo de tumor. Em todos os grupos de pacientes, a sobrevida global mediana foi de 20,6 meses para os que não receberam antibióticos vs. 11,5 meses para aqueles que receberam antibióticos (P < 0,001). Nos pacientes com câncer de pulmão, a sobrevida global mediana foi de 15,3 meses para os que não tomaram antibióticos vs. 8,3 meses para os que tomaram antibióticos (P = 0,001).
Foi feita a determinação da microflora intestinal por meio de sequenciamento metagenômico shotgun para analisar mais de 20 milhões de leituras de sequências curtas de DNA por amostra, e compará-las a um catálogo de referência com 9,9 milhões de genes. Espécies metagenômicas correlacionadas às respostas foram apresentadas como "códigos de barras" para cada paciente. A Akkermansia muciniphila surgiu como as espécies mais presente nos pacientes com desfecho clínico favorável.
"Os nossos resultados sugerem que o microbioma regula o ponto de ajuste câncer-imunitário dos pacientes com câncer, e oferece novas vias de manipulação do ecossistema intestinal a fim de contornar a resistência primária aos inibidores do checkpoint imunitário (ICI)", concluem os autores.
Implicações para o tratamento com inibidores do checkpoint imunitário
Em seu artigo insights, o Dr. Jobin se pergunta se estas conclusões sobre a relação entre o microbioma intestinal e a imunoterapia oncológica podem, por fim, "se traduzir em novos tratamentos".
O pesquisador destaca o sucesso dos transplantes fecais em outra área: o transplante da microbiota fecal de dadores saudáveis forneceu um índice de resposta clínica de 90% em pacientes com infecção recorrente por Clostridium difficile, uma das principais causas de diarreia associada a uso de antibióticos.
"Poderiam ser criadas comunidades microbianas sintéticas ser para otimizar as respostas dos pacientes à imunoterapia", sugere Dr. Jobin.
No entanto, ele também observa que nenhuma espécie bacteriana universal definiu a resposta à terapia. Cada um dos três estudos publicados recentemente identificou um conjunto diferente de bactérias. Contudo, a divergência das observações pode estar relacionada com o tipo de câncer ou a população estudada, indicou o pesquisador.
Dr. Gajewski também lembrou que o método de dividir os pacientes em respondedores e não respondedores diferiu entre os estudos, assim como os métodos de análise. "A comparação direta das espécies identificadas pelos estudos deve ser vista com cautela", disse.
"Serão necessários estudos sobre os mecanismos detalhados por meio dos quais as bactérias reenergizam o microambiente imunológico tumoral para compreender este fenômeno em sua totalidade", concluiu o Dr. Jobin.
Divulgações de conflitos de interesse de todos os pesquisadores podem ser encontradas nos artigos. Dr. Thomas F. Gajewski tem os seguintes conflitos de interesse: é membro do conselho consultivo das empresas para Roche-Genentech, Merck, Abbvie, Bayer, Aduro e Fog Pharma; recebe apoio de pesquisa das empresas Roche-Genentech, BMS, Merck, Incyte, Seattle Genetics e Ono; é sócio cofundador de Jounce Therapeutics; mantém uma licença com a Evelo; é detentor da patente 15/170,284 apresentado pela University of Chicago, que abrange o uso de microbiota para melhorar a imunoterapia no câncer.
Artigo Original: Gut microbiome influences efficacy of PD-1–based immunotherapy against epithelial tumors, BERTRANDO, et al. Science, Jan, 18. p. 91-97
Fonte: https://portugues.medscape.com/verartigo/6501951?faf=1&src=soc_fb_190117_mscpmrk_ptpost_bioma#vp_1
domingo, 21 de janeiro de 2018
Postado por
Dr. Frederico Lobo
às
23:16
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