Muito se fala sobre as desvantagens e as consequências de se estar acima do peso. Mas pouco se fala sobre as "vantagens" que os pacientes alegam. Soa estranho, eu, um nutrólogo escrever sobre isso, afinal deveria "amedrontar" os pacientes com o que a ciência vem mostrando nas últimas décadas. A lista de desvantagens é quilométrica.
Então por que escrever sobre isso ? Por que colocar a obesidade ou sobrepeso como algo com vantagens ?
Simplesmente porque existem "vantagens" e elas são inegáveis (do ponto de vista do paciente). Queiramos ou não, elas existem na concepção do paciente! Se elas não existissem, a grande maioria dos pacientes não estariam acima do peso e perpetuando um processo.
Obviamente que existem fatores genéticos, bioquímicos, emocionais, comportamentais e até mesmo sociais que auxiliam nessa perpetuação da obesidade.
Em um dos questionários que aplico nos pacientes que atendo, questiono:
- Quais as vantagens e desvantagens de se estar acima do peso.
Então ao longo dos anos, anotei as principais vantagens que os pacientes alegam. Na maioria das vezes eles esquecem que a maioria dessas vantagens continuam existindo mesmo quando atingem um peso saudável. Abaixo algumas relatadas por pacientes:
- Comer o que se gosta. Não ter limites quanto à qualidade (tipo) da comida. Gostam de comer algo mais palatável ou se é algo com sabor mais comum e que não estimula tanto as papilas gustativas e a produção de dopamina).
Consideração: estando acima do peso ou magro, as comidas hiperpalatáveis continuarão existindo. Há magros que possuem paladar infantilizado ou com preferência por alimentos hiperpalatáveis.
- Comer o quanto se quer, na hora que quer, como quer. Não ter limites quanto à quantidade da comida.
- Não precisar sofrer com limites (dieta é uma restrição, é uma limitação e por isso quanto mais restritiva, maiores as chances do paciente abandonar o tratamento).
- Conhecer novos estabelecimentos de comida. Comer novidades. Há pacientes afoitos por novidades, a novidade leva a uma maior produção de dopamina. No fim, garimpar novos lugares pode se tornar um hobby e fonte de prazer.
Consideração: a não ser que o Brasil afunde em uma crise econômica sem precedentes e a maioria dos estabelecimentos de comida fechem as portas, sempre haverá novidades "alimentícias". A tendência é a variedade aumentar, produtos mais "limpos" irem surgindo, com a finalidade de atender a um consumidor cada vez mais exigente e que se preocupa com a própria saúde. Brincamos no consultório: as sobremesas não deixarão de existir e alegrar almoços. Fast-foods vão continuar existindo, assim como bons restaurantes. Então é melhor os pacientes tentarem ser mais longevos para conhecer o futuro promissor que temos no ramo da alimentação.
- Não precisar "sofrer" em academia/estúdios, sentindo dor muscular, cansando, abdicando de uma hora do dia. Por mais que na prática percebamos que a dor dá lugar a um prazer (talvez por reação bioquímica no cérebro), a idéia que os pacientes sedentários possuem é: malhar dói !
- Evitar relacionamentos amorosos e com isso evitar sofrimentos de uma vida a dois. É inegável que portadores de obesidade podem ter uma maior dificuldade para acharem parceiros (as). Com isso evitam sofrer em relacionamentos.
- A comida é um anestésico diante dos sofrimentos cotidianos, diante de situações que incomodam ou causam dor emocional. Mesmo o efeito anestésico sendo de curta duração e o prazer proporcionado por ela também. A comida pode ser uma válvula de escape.
- Sendo portador de obesidade, o paciente não precisa ficar se preocupando com a saúde. Ou seja, ele se esquiva de procurar auxílio ao médico anualmente, para realizar exames que podem escancarar uma verdade difícil de ser vista. Isso também é uma vantagem, mesmo sabendo que lá no fundo isso é mentira, que todos nós temos medo de adoecer. Muitas vezes uma negação da realidade na qual o paciente está inserido.
- Viver em sociedade é prazeroso mas pode ser doloroso. Relações interpessoais podem ser fonte de angústia, raiva, aflição. Quando você se torna obeso, você pode voluntariamente evitar eventos sociais em que terá que relacionar com pessoas que você não tem afinidade. Ou seja, o isolar-se socialmente e com isso reduzir atritos também pode ser uma das vantagens da obesidade.
- Mas para outros, viver em sociedade é prazeroso e a comida é um dos meios de agrupar pessoas queridas. Ou seja, se uns tiram vantagem ao evitar o contato, outros veem isso como uma forma de socializar. Socializar, confraternizar, comemorar, "resenhar" geralmente envolve comes e bebes.
- Fuga da auto-responsabilidade e de autocuidados. Ter consciência de que está acima do peso e assumir a responsabilidade de parte disso é um ato que demonstra maturidade emocional e até mesmo intelectual. Quando o portador de obesidade se nega a assumir isso, ele traz à tona um lado rebelde, infanto-juvenil, no qual ele se exime de se responsabilizar por parte do problema. Menos peso no ombro, mesmo que isso custe mais peso no corpo.
- Ser portador de obesidade, faz com que algumas pessoas se vejam na obrigação de ser legal com as pessoas, boazinhas, engraçadas, inteligentes e mais competente que as demais. Um fato de compensação pois se acha inferior por estar acima do peso. Ser uma pessoa mais legal e querida pela maioria (mesmo que essa maioria seja veladamente preconceituosa) pode ser uma vantagens para alguns.
Entenderam as inúmeras vantagens? O porquê de tanta gente perpetuar o processo ?
Obesidade é muito mais complexo do que se pensa. Não é apenas chegar e cuspir as desvantagens. Muitas vezes precisamos entender o que a pessoa ganha com o excesso de peso. Essas vantagens como citei acima existem e devem ser levadas em conta. Barganhas inconscientes.
Explicar ao paciente o quanto elas são ilusórias e superficiais. Tais "vantagens" devem ser detectadas e o paciente encaminhado para a psicoterapia. Tratamento da obesidade deve ser multidisciplinar para que se obtenha êxito. Médico + Nutricionista + Psicólogo + Profissional da educação física.
Obviamente a lista de desvantagens é infinitamente maior, com eficácia comprovada através de inúmeros estudos publicados nas ultimas 3 décadas, mas isso é assunto para o próximo texto: A dor da obesidade.
Autor: Frederico Lobo (Médico Nutrólogo)
Revisor: Rodrigo Lamonier e Márcio José de Souza (Nutricionistas e Profissionais da Educação física)
10 comentários:
Achei o texto genial. Parabéns. Por mais profissionais realistas e empáticos
Ótima postagem!
Fred o texto está muito bom. Vai direto ao ponto mais complicado em alguns pacientes. Parabéns pra vc e pra Rodrigo.
Muito interessante.
Inegável que se fazemos algo que nos faz mal, é porque existe um valor naquilo. Admitir que há prazer em comer ao invés de negar esse prazer é o início para o equilíbrio. Ótima reflexão para começarmos a quebrar o ciclo de restrição (negação do prazer)/compulsão que vemos tanto hoje nos consultórios. Parabéns a esses profissionais tão competentes que indico sempre!
Parabéns, Fred e Rodrigo! Sempre digo que a psicologia positiva deveria ser matéria do Ensino Básico! Temos que nos conhecer como corpo e como mente. Normalmente só conhecemos nosso corpo (justamente pq é o aparece), mas a mente é outro mundo a ser conhecido! Além disso, lembremos que a vida é um risco diário! Precisamos escolher aqueles riscos por meio do qual caminharemos e os que não caminharemos, todavia, em todos os dois casos, haverá causas e efeitos!!! Por fim, estar ao lado do paciente sempre, tentando viver como ele vive! Abraços e parabéns pelo texto!
Amei! Parabéns pelo texto!
Amei! Parabéns pelo texto, Fred!
ÓTIMO TEXTO DOUTORES. PARABÉNS
Achei esse texto de uma sensibilidade ímpar. Parabéns Dr. Frederico Lobo.
Felizmente há profissionais que ainda conseguem enxergar a pessoa com corpo obeso como ser humano. É vergonhoso a forma que a sociedade e especialmente profissionais da saúde nos tratam. Como os senhores disseram: existe vantagem e existe barganha. E se a gente ainda não mudou foi porque as vantagens ainda são maiores que as desvantagens. Parabéns pelo texto. Adorei. att Tânia Maia
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