O ambiente urbano é singular no sentido de que sofre fortes mudanças no sentido de acomodar um número excessivo de habitantes, muitas vezes, em quantidade maior do que o sistema natural é capaz de absorver. De acordo com World Urbanization Prospects, mais da metade da população mundial vive em áreas urbanas, com estimativa para 68,7% em 2050 (Nações Unidas, 2010).
Áreas urbanas incorporam características geoquímicas diferentes do ambiente natural (geogênico) e que podem ser comuns para a maioria das cidades de porte similar ou ser relativamente exclusiva em decorrência de um desenvolvimento histórico particular de uma área (Medeiros Filho, 2016). As assinaturas geoquímicas de uma zona urbana são influenciadas por distúrbios ou modificações no seu relevo, como também por materiais alóctones incorporados durante o desenvolvimento e degradação (erosão e intemperismo) das suas infraestruturas.
A mudança no uso da terra evidentemente influencia na biogeoquímica de bacias hidrográficas. A transformação da paisagem natural para fins agrícolas e urbanos provoca a perda de florestas e zonas úmidas e o crescimento da densidade de superfícies impermeabilizadas, com o consequente aumento do escoamento superficial e da participação de insumos químicos e de águas residuais antrópicas. Como resultado de atividades humanas, as condições de muitos ambientes aquáticos urbanos têm sido degradadas (Medeiros Filho, 2016 b). Os estudos sobre os rios urbanos descrevem o que foi caracterizado como “síndrome de corrente urbana” (Fitzpatrick et al., 2007), em que a alteração da paisagem urbana está intimamente associada à geoquímica do sistema fluvial.
Estudos sobre contaminação por metais potencialmente nocivos têm sido conduzidos em muitas partes do mundo, tanto em países desenvolvidos, como em desenvolvimento. As medições da concentração desses elementos nos solos, sedimentos de corrente, poeira e águas são procedimentos fundamentais para avaliar as condições ambientais desses materiais. A contaminação por longo tempo é comprovadamente prejudicial à saúde humana e, consequentemente, é de grande importância documentar o legado da contaminação no sentido de saber como neutralizar ou eliminar as substâncias deletérias (Medeiros Filho, 2017).
Na avaliação dos parâmetros ambientais de um material adota-se, normalmente e simplificadamente, os procedimentos de amostragem, análise química, tratamentos estatísticos e comparações com padrões pré-definidos ou valores de referência regulatórios. Uma alternativa ou uma complementação ao processo de comparação com valores de referências é a análise geoquímica periódica ou temporal para uma mesma área. A confrontação e interpretação dos resultados analíticos em um mesmo sítio, em períodos diferentes, podem permitir avaliar, criteriosamente, o comportamento e a evolução ambiental de uma área estudada.
Kaushal et al. (2018, 2020) acrescentam importantes discussões e métodos sobre a geoquímica urbana, propondo que a deposição atmosférica, o uso do solo, a geologia e o clima aumentam a formação e o transporte de novas combinações ou misturas de elementos químicos em bacias hidrográficas, denominadas ‘coquetéis químicos’.
Os coquetéis químicos distintos e diversos de bacias hidrográficas se originam de fontes como esgoto, automóveis, intemperismo de superfícies impermeáveis, produtos químicos sintéticos e proliferação generalizada de recursos minerais usados em assentamentos humanos.
Uma compreensão da formação de coquetéis químicos em bacias hidrográficas ao longo do tempo e do espaço é importante porque pode facilitar abordagens para gerenciar grupos de poluentes com destino e transporte semelhantes. Uma abordagem de coquetel químico de bacias hidrográficas também pode permitir a identificação e o desenvolvimento de controles e parâmetros de sensores contínuos para prever o comportamento simultâneo de vários contaminantes urbanos e misturas químicas ao longo do tempo (Kaushal et al., 2020).
É, portanto, inquestionável que a urbanização possibilita o aumento de concentrações de múltiplos elementos principais e traços em de bacias hidrográficas dominadas por humanos em comparação com as condições geogênicas naturais de referência. Também é indiscutível que a contaminação por longo tempo por elementos químicos pode ser prejudicial à saúde humana.
Dessa forma, programas de amostragens temporais-sistemáticas e interpretação de dados geoquímicos unielementares e multielementares, inclusive com definição de “coquetéis químicos”, são medidas essenciais para o diagnóstico e gerenciamento problemas ambientais.
Referências Bibliográficas
Kaushal, Sujay S., Gold, Arthur J., Bernal, Susana, Newcomer-Johnson, Tammy A., Kelly, Addy, Amy, Burgin, Burns, Douglas A., et al., 2018. “Watershed ‘chemical cocktails’: forming novel elemental combinations in Anthropocene fresh waters. Biogeochemistry 141 (3), 281–305. https://doi.org/10.1007/s10533-018-0502-6.
Kaushal et al. (2020). Making ‘chemical cocktails’ – Evolution of urban geochemical processes across the periodic table of elements. Applied Geochemistry 119 (2020) 104632.
Medeiros Filho, C.A. 2016. Fontes de Assinaturas Geoquímicas Urbanas. in EcoDebate, 21/06/2016.
Medeiros Filho, C.A. 2016 b. Geoquímica Urbana e Síndrome do Rio Urbano. in Portal EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/08/2016
Medeiros Filho, C.A. 2017. Análises geoquímicas temporais como método de monitoramento de parâmetros ambientais. in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 11/08/2017.
United Nations. World urbanization prospects: the 2009 revision. Washington, D.C.: United Nations Department of Economic and Social Affairs/Population Division; 2010.
0 comentários:
Postar um comentário
Propagandas (de qualquer tipo de produto) e mensagens ofensivas não serão aceitas pela moderação do blog.