Notícias de invasões de terras indígenas por garimpeiros incrementam antigas discussões sobre mineração e garimpagem em áreas preservadas da floresta amazônica e sobre danos ambientais de atividades de mineração artesanal ou garimpos em rios.
Entre os principais impactos gerados na maioria das atividades garimpeiras em aluviões destacam-se: desmatamento de mata ciliar imediatamente adjacente ao curso d’água; desmatamento da floresta para construção de acessos; turbidez, assoreamento dos rios e contaminações por metais tóxicos, especialmente por mercúrio nos solos, nos sedimentos, nas águas dos rios e no ar, com consequências danosas na saúde ocupacional, na biota e na flora.
O uso não controlado de mercúrio na recuperação do ouro, por amalgamação, é uma questão amplamente discutida, dispondo de rica e vasta literatura técnica-científica. Com a retomada do assunto, dentro de um cenário de grave crise ambiental, entende-se ser importante elaborar notas sintéticas sobre os fundamentos do uso e as consequências do mercúrio na mineração de ouro.
O mercúrio (Hg) é usado na mineração de ouro para extrair ouro do minério formando “amálgama” – uma mistura composta de partes aproximadamente iguais de mercúrio e ouro (1). O amálgama é normalmente isolado e depois aquecido – muitas vezes com uma tocha ou sobre um fogão – para destilar o mercúrio e isolar o ouro (3).
O mercúrio vaporizado é muito reativo e em contato com a atmosfera oxida e, nessa forma, ele retorna à terra por precipitação inorgânica. O mercúrio inorgânico nos sedimentos do fundo pode ser biometilado por bactérias em metilmercúrio CH3Hg+, que é um composto tóxico. Uma vez convertido, o metilmercúrio entra na cadeia alimentar e o teor de Hg aumenta simultaneamente nos tecidos adiposos (2).
No que diz respeito à poluição da água, parte do Hg metálico despejado em rios e cursos d’água é transformado em metil Hg, por microrganismos ingeridos por espécies aquáticas, que por sua vez são consumidos pelo homem. Assim como a bioacumulação de muitos contaminantes ambientais, a do Hg se acumula ao longo da cadeia alimentar dos organismos aquáticos (4). Peixes e outros animais selvagens de vários ecossistemas comumente atingem níveis de Hg de preocupação toxicológica quando diretamente afetados por emissões de Hg de atividades iniciadas pelo homem (5).
Trinta e sete por cento das emissões atmosféricas globais de Hg são produzidas pela mineração de ouro em pequena escala (1). A mineração artesanal de ouro e a combustão de carvão foram identificadas como as principais fontes de emissões antropogênicas de mercúrio para o ar e a água (2). A mineração de ouro artesanal e em pequena escala dependente de mercúrio é a maior fonte de poluição por mercúrio na Terra (3).
O mercúrio é um contaminante notoriamente perigoso devido à sua alta toxicidade, persistência e comportamento cumulativo no ambiente e na biota (6). Os efeitos sobre a saúde dos mineiros são graves, com o mercúrio inalado levando a danos neurológicos e outros problemas de saúde. As comunidades próximas a essas minas também são afetadas devido à contaminação da água e do solo por mercúrio e subsequente acúmulo em alimentos básicos, como peixes. Os riscos para as crianças também são substanciais, com as emissões de mercúrio resultando em deficiências físicas e mentais e comprometimento do desenvolvimento (3).
Foram identificados estudos relatando avaliações de saúde, disfunção renal, distúrbios e sintomas neurológicos e imunotoxicidade/disfunção autoimune em indivíduos que vivem em ou perto de uma comunidade garimpeira. Esses estudos, realizados em 19 países diferentes da América do Sul, Ásia e África, demonstraram que as concentrações de mercúrio em cabelo e urina estão bem acima dos valores de orientação de saúde da Organização Mundial da Saúde (1).
No médio rio Tapajós, no Pará, povos indígenas estão sofrendo com o impacto do mercúrio usado largamente em atividade de garimpo. Estudo realizado pela Fiocruz em parceria com o WWF-Brasil indica que a maioria dos participantes da pesquisa estão afetados por este contaminante. De cada 10 participantes, 6 apresentaram níveis de mercúrio acima de limites seguros: cerca de 57,9% dos participantes apresentaram níveis de mercúrio acima de 6 µg/g – que é o limite máximo de segurança estabelecido por agências de saúde. A contaminação é maior em áreas mais impactadas pelo garimpo, nas aldeias que ficam às margens dos rios afetados (7).
A Convenção de Minamata sobre Mercúrio – que recebeu o nome de uma cidade no Japão onde ocorreram sérios danos à saúde como resultado da poluição por mercúrio em meados do século XX – fornece controles e propostas de reduções em uma série de produtos, processos e indústrias onde o mercúrio é usado, liberado ou emitido. O objetivo da Convenção, de 2013, é proteger a saúde humana e o meio ambiente das emissões e liberações antropogênicas de mercúrio e compostos de mercúrio, estabelecendo um conjunto de medidas para atingir esse objetivo.
Carlos Augusto de Medeiros Filho, geoquímico, graduado na faculdade de geologia da UFRN e com mestrado na UFPA. Trabalha há mais de 35 anos em Geoquímica em Pesquisa Mineral e Ambiental.
Referências Bibliográficas
(1) Gibb H, O’Leary KG. 2014. Mercury exposure and health impacts among individuals in the artisanal and small-scale gold mining community: a comprehensive review. Environ Health Perspect 122:667–672.
(2) Voros, D.; DíazSomoano, M.; Gerslov, E.; Sýkorov, I.; Suarez-Ruiz, I. 2018. Mercury contamination of stream sediments in the North Bohemian Coal District (Czech Republic): Mercury speciation and the role of organic matter. Chemosphere 211 (2018) 664-673.
(3) Esdaile, L.J. & Chalker, J.M. 2018. The Mercury Problem in Artisanal and Small-Scale Gold Mining. Chem. Eur. J. 2018, 24, 6905 – 6916
(4) Veiga MM, Hinton J, Lilly C. 1999. Mercury in Amazon: A Comprehensive Review with Special Emphasis on Bioaccumulation and Bioindicators. Proceeding of National Institute for Minamata Disease Japan. 1999: 19–39.
(5) Limbong, D.; Kumampung, J.; Rimper, J.; Arai, T.; Miyazaki, N. 2003 Emissions and environmental implications of mercury from artisanal gold mining in north Sulawesi, Indonesia. The Science of the Total Environment 302 (2003) 227–236.
(6) Chiarantini, L.; Benvenuti, M.; Beutel, M.; Costagliola, P.; Covelli, S.; Gabbani, G.; Lattanzi, P.; Pandeli, E.; Paolieri, M.; Petranich, E.; Rimondi, V. 2016. Mercury and Arsenic in Stream Sediments and Surface Waters of the Orcia River Basin, Southern Tuscany, Italy. Water Air Soil Pollut (2016) 227:408.
(7) https://ciclovivo.com.br/planeta/meio-ambiente/contaminacao-mercurio-chega-aldeias-indigenas/2020
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