Objetivos
Tem sido sugerido que fatores contextuais podem estar relacionados à obesidade; no entanto, eles ainda não foram amplamente investigados. O objetivo principal deste estudo ecológico de série temporal foi analisar os fatores associados ao aumento da obesidade na população adulta e idosa no Brasil de 2006 a 2020.
Design de estudo
Este é um estudo ecológico de séries temporais. Os dados foram coletados pelo Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL), principal inquérito de saúde do Brasil.
Métodos
O resultado foi a taxa de crescimento anual da obesidade (em pontos percentuais).
As variáveis independentes foram fatores comportamentais e contextuais.
A análise dos dados foi realizada por meio de regressão de Prais-Winsten para análise temporal e correlação de Spearman e regressão linear bruta e ajustada (beta e intervalos de confiança de 95% [IC]).
Resultados
A taxa anual de crescimento da obesidade foi de 0,58 pontos percentuais (p.p.) (IC 95%: 0,54; 0,63) por ano.
A densidade demográfica e o percentual da população ocupada mostraram associação inversa com o crescimento da obesidade.
Variáveis como Produto Interno Bruto (PIB) per capita, coeficiente de Gini, taxa de urbanização, percentual da população com baixa escolaridade e percentual da população sem renda estiveram diretamente associadas ao aumento das taxas de obesidade.
As variáveis mantidas no modelo final explicaram 81% do crescimento da obesidade no Brasil nos últimos 15 anos (2006-2020).
Conclusões
O crescimento da obesidade no Brasil foi explicado principalmente por fatores contextuais, principalmente os de natureza socioeconômica.
Portanto, as intervenções para mitigar o aumento da obesidade devem ir além dos fatores comportamentais.
Introdução
A obesidade é atualmente um dos problemas de saúde pública mais preocupantes do mundo.
O aumento exponencial da obesidade em todos os continentes demonstra sua característica pandêmica e tem sido denominada 'globesidade' pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
A obesidade global triplicou desde 1975, totalizando 650 milhões de obesos em 2016, e afetando 13% da população adulta mundial.
A prevalência de obesidade em adultos varia de 5,1% na Índia a 42,3% nos EUA.
Mesmo em países com menor prevalência de obesidade, como a Índia, uma tendência ascendente continuou nas últimas duas décadas.
No Brasil, dados do Ministério da Saúde indicam que a prevalência de obesidade aumentou 72% em um período de 13 anos, totalizando 20,3% da população adulta em 2019.
Estudos anteriores identificaram alguns fatores que podem estar associados a essa tendência de aumento da obesidade, incluindo características sociodemográficas, como sexo, idade, escolaridade e renda mais baixas.
Uma complexa interação de fatores genéticos, metabólicos, comportamentais e ambientais pode levar a um aumento na prevalência da obesidade.
A transição nutricional, associada a outros fatores como sedentarismo, ocasionado por condições ambientais e sociais desfavoráveis, além de comportamentos como uso de álcool e cigarro, têm demonstrado relação com a obesidade.
O aumento da obesidade, antes visto apenas em países de alta renda, atualmente está ocorrendo também em países de baixa e média renda, como o Brasil, e tem sido atribuído às desigualdades socioeconômicas.
Para uma maior compreensão desse aumento da obesidade nas últimas décadas, é importante analisar fatores contextuais de desigualdade social, como taxas de urbanização, acesso a serviços de saúde e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Esses fatores ainda não foram amplamente investigados no Brasil e podem estar associados ao aumento da obesidade, uma vez que as disparidades socioeconômicas, de saúde e de urbanização estão distribuídas de forma diferenciada nas regiões geográficas do país.
Compreender a contribuição de fatores contextuais e comportamentais para o crescimento da obesidade pode fornecer os dados necessários para acessar subsídios.
O financiamento adicional possibilitaria a implementação de políticas públicas de saúde para prevenir e reduzir a obesidade e, consequentemente, reduzir os custos para o sistema de saúde decorrentes dessa morbidade.
Diante da necessidade de investigar o recente aumento da prevalência da obesidade e diante das evidências sobre a magnitude e complexidade dos problemas causados pela obesidade, o objetivo deste estudo foi analisar os fatores associados ao crescimento da obesidade em adultos e idosos. população no Brasil nos últimos 15 anos (2006-2020) e avaliar a distribuição espacial nas capitais brasileiras no mesmo período.
Discussão
Apesar do aumento da proporção de indivíduos fisicamente ativos nos últimos anos e de hábitos alimentares mais saudáveis (maior consumo regular de frutas e hortaliças e redução do consumo de refrigerantes), a prevalência de obesidade no Brasil vem crescendo a cada ano.
A proporção de obesos no Brasil quase dobrou nos últimos 15 anos, passando de 12% em 2006 para 22% em 2020.
Com a taxa média de crescimento da obesidade de 0,6 p.p. por ano, estima-se que nos próximos 15 anos, aproximadamente um terço dos indivíduos com idade ≥18 anos serão obesos no Brasil.
É importante destacar que a taxa de crescimento da obesidade tendeu a aumentar ligeiramente com o início da pandemia de COVID-19 em 2020.
Desde o início da pandemia e a introdução de medidas de contingência social, houve um aumento na prevalência da obesidade em alguns paises.
Esse aumento pode ser devido ao aumento do consumo alimentar e diminuição da atividade física.
Além disso, o trabalho remoto também pode ter contribuído para esse aumento da obesidade.
Portanto, na ausência de intervenções ou políticas públicas de saúde, estima-se que até 2030 a prevalência de obesidade no Brasil possa chegar a 30%.
Nos EUA, país com uma das maiores taxas de obesidade do mundo, 42% da população adulta é obesa.
Em 2000, a prevalência de obesos nos EUA era em torno de 20%, valor próximo ao verificado no Brasil 20 anos depois.
Por outro lado, na Índia, um dos países com as menores taxas de obesidade do mundo, apenas 5% da população é obesa.
Estima-se que até 2040, a obesidade atingirá cerca de 12% da população indiana, prevalência encontrada no Brasil em 2006.
Assim, as taxas de obesidade no Brasil apresentam valores intermediários em uma situação global; no entanto, as taxas no Brasil estão se aproximando dos valores relatados nos países com as maiores frequências de obesidade do mundo.
Nos países de baixa e média renda, há tendência de aumento da obesidade, sendo a América Latina, que inclui o Brasil, uma das regiões do mundo com maior prevalência de obesidade.
A transição alimentar e nutricional nessas nações foi favorecida pelo processo de globalização e urbanização, que facilitou o acesso a alimentos não saudáveis por meio de diversas políticas de crescimento econômico.
Isso levou à redução do custo dos alimentos ultraprocessados e ao crescimento de seu consumo em todas as camadas da população, inclusive naquelas de menor renda.
O principal achado deste artigo foi que o crescimento da obesidade no Brasil foi explicado principalmente por fatores contextuais, principalmente os de natureza socioeconômica.
Os resultados mostraram que as seguintes variáveis juntas explicaram 81% do aumento da obesidade no Brasil no período estudado (2006-2020): coeficiente de Gini, densidade demográfica, PIB per capita, taxa de urbanização, percentual da população com baixa escolaridade, percentual da população ocupada (economicamente ativa) e percentual da população sem renda.
Entre as variáveis comportamentais, a associação mais forte com o crescimento da obesidade, inversamente, foi a prática de atividade física (P = 0,05).
O crescimento econômico, em nível nacional, tem sido associado ao aumento da prevalência da obesidade, pois favorece a ocorrência de mudanças nos sistemas alimentares e a instalação de um ambiente obesogênico para a população.
Esse ambiente é majoritariamente composto por maior acesso, disponibilidade e consumo de alimentos ultraprocessados e adoção de comportamentos alimentares não saudáveis.
Estudo com a população brasileira mostrou maior consumo de alimentos ultraprocessados em regiões com maiores desigualdades socioeconômicas, como as regiões Norte e Nordeste.
Ressalta-se que os alimentos ultraprocessados possuem maior vida útil, portanto, seu consumo pode ter aumentado durante o período de distanciamento social.
Assim, é compreensível que as maiores taxas de crescimento da obesidade no Brasil tenham sido relatadas para estados com menor proporção de indivíduos economicamente ativos, maior proporção de indivíduos com baixa escolaridade e maior proporção de indivíduos sem renda.
Tendências semelhantes também foram relatadas em países europeus.
Esses achados corroboram o chamado “paradoxo da pobreza-obesidade” (ou gradiente reverso).
De acordo com esse paradoxo, países de baixa renda tendem a ter maior concentração de indivíduos obesos com status socioeconômico mais elevado, como foi observado em países de alta renda algumas décadas atrás.
Em países de alta renda, a obesidade é mais comum em indivíduos de menor nível socioeconômico.
Em países de renda média, como o Brasil, têm sido relatadas tendências semelhantes às dos países de renda alta.
Os achados relatados no presente estudo podem ser incorporados ao sistema de saúde brasileiro como justificativa para maiores investimentos financeiros no combate ao crescimento da obesidade.
As estratégias de saúde devem buscar a equidade na prevenção e tratamento do problema da obesidade e ser adaptadas às diferentes realidades de cada região do país.
As regiões que aparecem no topo do ranking de crescimento da obesidade devem receber maior atenção e receber recursos específicos para a criação de programas regionalizados de combate à obesidade.
Além disso, os resultados do presente estudo destacam que os estados mais afetados pela obesidade são aqueles com menor desenvolvimento socioeconômico.
Assim, propõe-se que essas regiões sejam priorizadas, com a implementação de programas que incorporem o problema da obesidade nas políticas de acesso às necessidades básicas, como educação, desenvolvimento social e aumento de renda, pois estes provavelmente serão os maiores contribuintes às altas taxas de obesidade nessas regiões.
No Brasil, embora não haja uma política exclusiva de combate à obesidade, o tema é recorrente dentro de políticas que focam principalmente na promoção da alimentação adequada e no incentivo à adoção de hábitos de vida saudáveis.
Até o momento, essas políticas não parecem, por si só, ter tido impactos significativos na contenção do aumento da obesidade no país.
Isso pode ser explicado, em parte, pelos resultados do presente estudo, que demonstram que fatores contextuais parecem contribuir enormemente para o aumento da prevalência de obesidade.
As referidas políticas utilizam ações que transferem a responsabilidade pelo 'fato de ser obeso' para o indivíduo quando, na realidade, o maior motivo da obesidade pode ser o nível de desenvolvimento socioeconômico da região onde o indivíduo reside ou o ambiente obesogênico em que são ritmadas.
Portanto, acredita-se que políticas voltadas exclusivamente para o combate à obesidade em nível individual continuarão apresentando resultados insatisfatórios no Brasil.
Limitações
Algumas limitações do presente estudo merecem ser mencionadas.
Em primeiro lugar, a amostra do VIGITEL, inquérito do qual foi extraída a taxa de crescimento da obesidade e outros fatores comportamentais, incluiu apenas indivíduos residentes nas capitais brasileiras e no Distrito Federal e em domicílios com telefone fixo, semelhante ao Risco Comportamental Norte-Americano Pesquisa do Sistema de Vigilância Fatorial (BRFSS).
Para mitigar essa limitação, a atribuição de pesos amostrais aproxima a população estudada da população estimada para cada município estudado.
Segundo, os resultados encontrados para os fatores comportamentais podem ser impactados pelos aspectos ecológicos; no entanto, o desenho utilizado é o único método adequado para analisar o efeito de variáveis contextuais em determinados resultados de saúde.
Terceiro, a obesidade foi estimada a partir do peso e altura auto-referidos, que forneceram estimativas para o cálculo do IMC.
Embora esta seja uma limitação do presente estudo, medidas autorreferidas de peso e altura podem ser utilizadas como indicadores confiáveis para estimar os níveis de obesidade em estudos epidemiológicos.
Por fim, destaca-se que os fatores contextuais foram coletados em tempo hábil, devido à ausência de estimativas anuais ou seriadas; entretanto, sabe-se que esses fatores não são tão sensíveis às variações temporais.
Forças
Há muitos pontos fortes no estudo, incluindo o seguinte: (a) ao contrário da maioria dos estudos que avaliam fatores de risco para obesidade, avaliamos fatores de risco para o crescimento da obesidade; (b) fatores individuais (que já estão bem estudados) e fatores contextuais (que ainda possuem baixo nível de evidência) foram incluídos nas análises; (c) o crescimento da obesidade foi avaliado em um período de 15 anos, com estimativas coletadas anualmente; (d) todas as capitais do país foram incluídas, o que reforça a representatividade nacional dos dados, abrangendo uma amostra de 757.382 indivíduos, tornando o presente estudo o maior realizado até o momento no Brasil, em termos de abrangência geográfica e tamanho amostral; (e) até onde sabemos, este é o único estudo nacional a investigar fatores relacionados ao crescimento da obesidade; e (f) as análises geoespaciais permitiram identificar, por meio de mapas, como ocorre a concentração espacial (autocorrelação) dos fenômenos estudados.
“Compartilhar é se importar”
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By Alberto Dias Filho
twitter: @albertodiasf
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