Objetivos
Examinamos o impacto das mudanças nos fatores de risco modificáveis na mortalidade por DCV em 26 estados brasileiros de 2005 a 2017.
Métodos
Os dados foram adquiridos do estudo Global Burden of Diseases (GBD) e de fontes oficiais do governo brasileiro, totalizando 312 observações estaduais-ano. As frações atribuíveis à população (PAFs) foram calculadas para determinar o número de óbitos atribuídos a alterações em cada fator de risco. Modelos de regressão linear multivariada de efeitos fixos foram realizados, ajustando para renda, desigualdade de renda, pobreza e acesso à saúde.
Resultados
Entre 2005 e 2017, as mortes por DCV diminuíram 21,42%, acompanhadas por uma diminuição do tabagismo (-33%) e aumento da hiperglicemia (+9,5%), obesidade (+31%) e dislipidemia (+5,2%).
A redução do tabagismo preveniu ou adiou quase 20.000 mortes por DCV nesse período, enquanto o aumento da exposição à hiperglicemia resultou em mais de 6.000 mortes por DCV.
A associação entre hiperglicemia e mortalidade por DCV foi 5 a 10 vezes maior do que a encontrada para outros fatores de risco, especialmente em mulheres (11; IC 95% 7 a 14, mortes por aumento de 1 ponto na exposição à hiperglicemia).
É importante ressaltar que a associação entre hiperglicemia e mortalidade por DCV foi independente do nível socioeconômico e acesso aos cuidados de saúde, enquanto associações para outros fatores de risco após os mesmos ajustes.
Conclusão
A redução do tabagismo foi o fator de risco que levou ao maior número de mortes por DCV prevenidas ou adiadas, enquanto a hiperglicemia apresentou a associação mais deletéria com a mortalidade por DCV. As políticas de saúde devem ter como objetivo reduzir diretamente a prevalência de hiperglicemia para mitigar a carga populacional de DCV no Brasil no futuro.
Introdução
As doenças cardiovasculares (DCV) são a principal causa de morte na maioria dos países de baixa e média renda (PBMRs), como o Brasil, apesar da tendência de diminuição da mortalidade nos últimos anos.
Dentre os diferentes tipos de DCV, eventos isquêmicos, como acidente vascular cerebral isquêmico e cardiopatia isquêmica, têm maior impacto na saúde da população brasileira.
A probabilidade de desenvolver DCV ou morrer de um evento cardiovascular isquêmico é dramaticamente aumentada pela presença de fatores de risco comportamentais e metabólicos comuns, como hiperglicemia, obesidade, dislipidemia, hipertensão e tabagismo.
Dentre estes, um recente estudo prospectivo mostrou que diabetes e hipertensão foram os fatores de risco que levaram ao maior número de mortes por eventos cardiovasculares em países de baixa renda (LICs).
No entanto, não está claro como os diferentes fatores de risco estão associados à mortalidade por DCV em países de baixa e média renda, especialmente em países com um sistema de saúde universal, uma vez que a atenção primária demonstrou diminuir a carga populacional de DCV.
Além dos fatores de risco metabólicos e comportamentais, reconhece-se que a carga de DCV difere entre homens e mulheres.
Por um lado, os homens apresentam uma maior carga de mortalidade por DCV quando comparados às mulheres na pré-menopausa.
Esta tendência é principalmente igualada entre homens idosos e mulheres na pós-menopausa.
Paralelamente, foi demonstrado que as mulheres são mais propensas do que os homens a apresentar vários fatores de risco concomitantes (por exemplo, as mulheres diabéticas tendem a viver mais com obesidade e dislipidemia do que os homens.
Apesar disso, as mulheres eram menos propensas a serem tratadas adequadamente para essas condições.
Ao todo, tem-se reconhecido que existem disparidades entre os sexos no que diz respeito à prevalência de fatores de risco e mortalidade por DCV, mas ainda não está claro em que medida a tendência de fatores de risco comuns está associada à diminuição da mortalidade por DCV em países de baixa e média renda, como Brasil.
É importante ressaltar que pode haver algum tipo de hierarquia entre os fatores de risco em que alguns são mais relevantes do que outros para explicar a tendência das DCV em nível populacional.
Portanto, investigamos a associação entre vários fatores de risco comportamentais e metabólicos comuns (hiperglicemia, obesidade, dislipidemia, obesidade e tabagismo) e DCV usando informações estaduais de 2005 a 2017 no Brasil.
Além disso, quantificamos o quanto da diminuição da mortalidade por DCV entre 2005 e 2017 pode ser explicada por mudanças nas prevalências estaduais desses fatores de risco.
No geral, nossas descobertas podem ajudar os formuladores de políticas a implementar estratégias mais eficazes para direcionar esses fatores de risco e, portanto, reduzir a carga de DCV no Brasil.
• Discussão
Este estudo fornece uma análise completa do impacto dos fatores de risco modificáveis na tendência decrescente da mortalidade por DCV no Brasil.
A redução do tabagismo levou ao maior número de mortes evitadas ou adiadas, enquanto a hiperglicemia foi o único fator de risco com uma forte e impactante associação com a mortalidade por DCV, principalmente para as mulheres.
A associação entre hiperglicemia e mortalidade por DCV foi estável após verificações abrangentes de robustez e foi independente de variáveis socioeconômicas e acesso aos cuidados de saúde.
Em conjunto, os dados aqui coletados sugerem que a hiperglicemia está associada à mortalidade por DCV na população brasileira, que essa associação é independente do acesso à saúde e que existem diferenças específicas por sexo.
Nossos resultados também mostraram que a redução do tabagismo pode explicar parcialmente a tendência de diminuição da mortalidade por DCV observada no Brasil entre 2005 e 2017.
Esses achados podem ajudar os formuladores de políticas a construir melhores políticas para prevenir ou adiar a mortalidade por DCV.
De modo geral, a mortalidade por DCV padronizada por idade vem diminuindo no Brasil nas últimas décadas.
Isso pode ser devido a fatores socioeconômicos, como aumento do PIB per capita, níveis educacionais e cobertura de atenção primária à saúde, todos associados à diminuição da mortalidade por DCV.
Além disso, calculamos que a redução acentuada do tabagismo na população brasileira evitou ou adiou cerca de 17.000 mortes em ambos os sexos combinados.
Apesar da redução anual das mortes por DCV observadas até agora, é provável que, à medida que o Brasil transite para uma sociedade de alta renda, essa tendência possa desacelerar ou mesmo reverter, como observado para vários países de alta renda.
Diante da necessidade de encontrar estratégias mais eficazes para reduzir a mortalidade por DCV, exploramos as associações da exposição da população a fatores de risco metabólicos e comportamentais comuns com eventos de DCV.
Após verificações abrangentes de robustez, ficou evidente que a hiperglicemia era o fator de risco com a associação mais robusta e estável com a mortalidade por DCV.
Paralelamente, a hipertensão, mas não a hiperglicemia, foi associada à incidência de DCV.
Isso está de acordo com um estudo de coorte recente que mostrou que a magnitude da associação de diabetes e hipertensão com mortalidade por DCV foi maior do que a encontrada para outros fatores de risco metabólicos em LICs.
No entanto, não encontramos associações estáveis entre hipertensão e mortalidade por DCV na população brasileira.
É possível que, devido a um sistema de saúde universal e um aumento significativo na cobertura de atenção primária, a hipertensão tenha um efeito menor na mortalidade por DCV em comparação com os PBMRs sem um sistema de saúde universal.
De fato, a saúde universal efetiva pode reduzir significativamente as mortes por DCV, enquanto um estudo global mostrou que o Brasil tem uma alta proporção de taxa de controle da hipertensão quando comparado a outros países da América Latina e LMICs.
O controle eficaz da hipertensão demonstrou reduzir drasticamente o risco de desenvolver eventos cardiovasculares.
Em contraste, ainda não está claro se o tratamento do diabetes com medicamentos hipoglicemiantes pode reduzir as mortes por DCV, como exemplificado por estudos de metformina amplamente utilizada e o novo medicamento dapagliflozina.
Encontramos algumas disparidades sexuais na forma como a hiperglicemia está associada à mortalidade por DCV.
Por exemplo, hiperglicemia e diabetes foram consistentemente associados à mortalidade por acidente vascular cerebral isquêmico em mulheres, mas não em homens.
Isso é consistente com estudos anteriores que mostram que diabetes/hiperglicemia é um fator de risco mais forte para acidente vascular cerebral em mulheres do que em homens.
Essas diferenças específicas do sexo podem ser devidas a fenômenos sociais, psicológicos ou biológicos, embora os determinantes sociais subjacentes das disparidades sexuais sejam amplamente pouco estudados.
Biologicamente, foi demonstrado que as mulheres tendem a ter maiores taxas de obesidade, hipertensão e dislipidemia e são menos propensas a receber tratamento adequado para essas condições.
Ao todo, nossos dados concordam com observações anteriores de que a hiperglicemia/diabetes está mais fortemente associada à mortalidade por DCV em mulheres do que em homens (este tópico foi resumido por uma declaração da American Heart Association), enquanto não encontramos associação com a incidência de CVD.
Nosso estudo tem algumas implicações para a política de saúde.
Em primeiro lugar, os dados sugerem que as políticas de saúde devem ter como objetivo reduzir diretamente a prevalência e a exposição à hiperglicemia no Brasil.
Em segundo lugar, o amortecimento proporcionado pela saúde universal e as melhorias na atenção primária podem não ser suficientes para mitigar os efeitos deletérios da hiperglicemia na mortalidade por DCV.
Essas suposições são corroboradas pela associação de alta magnitude entre hiperglicemia e mortalidade por DCV, que se manteve estável mesmo após ajuste para acesso aos cuidados de saúde.
Portanto, o aumento da prevalência de diabetes pode eventualmente ser acompanhado por aumentos na mortalidade por DCV se diferentes estratégias não forem implementadas.
Esses achados levantam a necessidade de um debate urgente sobre políticas mais efetivas para diminuir a hiperglicemia e o diabetes, como: melhorias na alimentação escolar, políticas de preços para reduzir o consumo de bebidas açucaradas e alimentos ultraprocessados e coibir a comercialização e disponibilidade desses produtos (todos os quais foram revisados recentemente em [27, 28]).
No entanto, o debate sobre a necessidade de tais políticas e as evidências de seu impacto ainda é incipiente, principalmente em países em desenvolvimento como o Brasil.
Reconhecemos várias limitações em nosso estudo.
Usamos estimativas de exposição a fatores de risco, que são baseadas em estudos observacionais de pesquisadores independentes e pesquisas nacionais conduzidas por entidades governamentais.
Portanto, é possível que a exposição a fatores de risco tenha incluído indivíduos com condição cardiovascular preexistente, o que poderia influenciar nossos achados.
Apesar do erro de medição de exposições e desfechos que precisam ser contabilizados, os dados coletados do IHME e do estudo GBD são o maior banco de dados desse tipo e foram consistentes com um grande estudo prospectivo ligando fatores de risco modificáveis e mortalidade por DCV em 21 países.
As medidas de mortalidade podem ter sido sub-representadas no Brasil, especialmente em estados mais pobres.
No entanto, os dados utilizados ainda foram considerados de alta qualidade.
Os dados do IHME foram suavizados pelo IHME, o que poderia mascarar mudanças sutis ao longo do tempo.
Para superar tais limitações, efeitos fixos para estado e tempo foram usados para reduzir a probabilidade de mudanças não observadas na notificação de mortalidade serem associadas a mudanças na desigualdade de renda.
Os dados foram agregados aos estados, portanto, mais estudos são necessários para testar as associações observadas neste estudo no nível individual.
Além disso, não conseguimos fazer interpretações causais dos modelos ajustados, apesar do uso de efeitos fixos e variáveis de controle relevantes.
Nossos resultados apoiam uma associação forte e estável entre hiperglicemia e mortalidade por DCV no Brasil, que parece ser mais robusta em mulheres do que em homens.
A associação entre hiperglicemia e mortalidade por DCV pode durar até 10 anos e pode ser independente do acesso aos cuidados de saúde.
De fato, as mudanças na exposição da população à hiperglicemia levaram ao maior número de mortes entre 2005 e 2017 em homens e mulheres, enquanto a redução do tabagismo levou ao maior número de mortes evitadas ou adiadas.
As disparidades sexuais reiteram que o diabetes e a hiperglicemia são fatores de risco mais fortes para DCV em mulheres do que em homens.
Em conjunto, nossos achados fornecem evidências de que as estratégias para reduzir o tabagismo foram fundamentais para a redução da mortalidade por DCV observada no Brasil nas últimas décadas, enquanto há uma necessidade urgente de políticas que visem diminuir a hiperglicemia na população brasileira a fim de mitigar a carga de mortalidade por DCV.
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By Alberto Dias Filho - Digital Opinion Leader
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