A massa muscular magra pode proteger contra o surgimento da doença de Alzheimer, sugere nova pesquisa.
Os pesquisadores analisaram dados de mais de 450.000 pacientes registrados no UK Biobank, duas amostras independentes de mais de 320.000 indivíduos com e sem doença de Alzheimer e mais de 260.000 participantes de um estudo a parte sobre genes e inteligência.
Eles avaliaram o tecido muscular e adiposo nos membros inferiores e superiores, e encontraram mais de 500 variantes genéticas associadas à massa magra em análises ajustadas.
Em média, a massa magra geneticamente mais alta foi associada a uma redução “modesta, mas estatisticamente robusta” do risco de Alzheimer e a um desempenho superior em tarefas cognitivas.
“Usando dados genéticos humanos, encontramos evidências de efeito protetor da massa magra sobre o risco de doença de Alzheimer”, disse o pesquisador do estudo Dr. Iyas Daghlas, médico residente do Departamento de Neurologia da University of California (San Francisco), nos Estados Unidos, ao Medscape.
Embora “estudos de intervenção clínica sejam necessários para confirmar esse efeito, este achado embasa as recomendações atuais para manter um estilo de vida saudável a fim de prevenir a demência”, disse ele.
O estudo foi publicado on-line em 29 de junho no periódico BMJ Medicine.
Pesquisa naturalmente randomizada
Vários parâmetros de composição corporal foram avaliados por sua possível associação com a doença de Alzheimer. Estudos demonstraram que a massa magra – um “equivalente da massa muscular, definida como a diferença entre a massa total e a massa gorda” – é menor em pacientes com doença de Alzheimer em comparação com os controles, observaram os pesquisadores.
“Pesquisas anteriores analisaram a relação do índice de massa corporal (IMC) com a doença de Alzheimer e não encontraram evidências de um efeito causal”, disse o Dr. Iyas. “Nós nos perguntamos se o IMC era uma medida insuficientemente refinada e levantamos a hipótese de que a desagregação da massa corporal em massa magra e massa gorda poderia revelar novas associações com doenças”.
A maioria dos estudos usou um desenho de caso-controle, que pode ser influenciado por “confusão residual ou causalidade reversa”. Dados naturalmente randomizados “podem ser usados como uma alternativa aos estudos observacionais convencionais para avaliar relações causais entre fatores de risco e doenças”, escrevem os pesquisadores.
Em particular, o paradigma de randomização mendeliana aloca aleatoriamente variantes genéticas da linhagem germinativa e as usa como equivalentes a um fator de risco específico.
A randomização mendeliana “é uma técnica que permite aos pesquisadores analisar relações de causa e efeito usando dados genéticos humanos”, explicou o Dr. Iyas. “Na verdade, estamos estudando os resultados de um experimento aleatório natural em que alguns indivíduos são geneticamente predispostos a carregar mais massa magra”.
O estudo em pauta usou a randomização mendeliana para analisar o efeito da massa magra geneticamente representada no risco de doença de Alzheimer e o “fenótipo relacionado” do desempenho cognitivo.
Equivalente genético
Como equivalentes genéticos para massa magra, os pesquisadores escolheram polimorfismos de nucleotídeo único (variantes genéticas) que foram associados, em um estudo de associação do genoma (GWAS, sigla do inglês genome-wide association study), com massa magra apendicular.
A massa magra apendicular “reflete com mais precisão os efeitos da massa magra do que a massa magra do corpo inteiro, que inclui músculo liso e cardíaco”, explicam os autores.
Este estudo de associação do genoma usou dados fenotípicos e genéticos de 450.243 participantes da coorte UK Biobank (média de idade de 57 anos), todos de ascendência europeia.
Os pesquisadores realizaram ajustes para considerar idade, sexo e ancestralidade genética. Eles mediram a massa magra apendicular usando bioimpedância – uma corrente elétrica que flui em taxas diferentes pelo corpo, dependendo de sua composição.
Além dos participantes do UK Biobank, os pesquisadores também se basearam em uma amostra independente de 21.982 pessoas com doença de Alzheimer; um grupo de controle de 41.944 pessoas sem doença de Alzheimer; uma amostra replicada de 7.329 pessoas com e 252.879 sem doença de Alzheimer para validar os resultados; e 269.867 pessoas que participaram de um estudo com todo o genoma de desempenho cognitivo.
Foram identificadas 584 variantes que atenderam aos critérios para uso como equivalentes genéticos para massa magra. Nenhum foi localizado na região do gene APOE. No agregado, essas variantes explicaram 10,3% da variação na massa magra apendicular.
Cada aumento do desvio padrão na massa magra geneticamente aproximada foi associado a uma redução de 12% no risco de doença de Alzheimer (razão de chances [RC] = 0,88; intervalo de confiança [IC] de 95% de 0,82 a 0,95; P < 0,001). Este achado foi replicado no consórcio independente (RC = 0,91; IC 95% de 0,83 a 0,99; P = 0,02).
Os dados permaneceram “consistentes” nas análises de sensibilidade.
Um fator de risco modificável?
Maior massa magra apendicular foi associada a níveis mais altos de desempenho cognitivo, com cada aumento de um desvio padrão (1:1) na massa magra associado a um aumento no desvio padrão no desempenho cognitivo (RC = 0,09; IC 95% de 0,06 a 0,11; P = 0,001).
“Ajustar para mediação potencial pelo desempenho não reduziu a associação entre massa magra apendicular e risco de doença de Alzheimer”, escreveram os autores.
Eles obtiveram resultados semelhantes usando um equivalente genético aproximado e massa magra de corpo inteiro, após ajuste para massa gorda.
Os autores observaram várias limitações, como o fato de que as medidas de bioimpedância “apenas preveem, e não medem diretamente, a massa magra”.
Além disso, a abordagem não estudou se existe uma “janela crítica de tempo do fator de risco”, durante a qual a massa magra pode desempenhar um papel na influência do risco de doença de Alzheimer e após a qual “as intervenções não seriam mais eficazes”. O estudo também não pôde determinar se o aumento da massa magra poderia reverter a patologia da doença de Alzheimer em pacientes com doença pré-clínica ou comprometimento cognitivo leve.
No entanto, os resultados sugerem “que a massa magra pode ser um possível fator protetor modificável para a doença de Alzheimer”, escrevem os autores. “Os mecanismos subjacentes a essa descoberta, bem como as implicações clínicas e de saúde pública, justificam estudos mais aprofundados”.
Novas estratégias
Para o Medscape, a Dra. Iva Miljkovic, Ph.D., médica e professora associada do Departamento de Epidemiologia da University of Pittsburgh, nos EUA, disse que os pesquisadores usaram uma “metodologia muito rigorosa”.
O achado sugerindo que a massa magra está associada a uma melhor função cognitiva é “importante, pois o comprometimento cognitivo pode se tornar estável em vez de progredir para um estado patológico; e, em alguns casos, pode até ser revertido”.
Nessas circunstâncias, “identificar a causa subjacente – por exemplo, baixa massa magra – pode melhorar significativamente a função cognitiva”, disse a Dra. Iva, que é autora sênior de um estudo comentado anteriormente pelo Medscape mostrando a gordura muscular como um fator de risco para o declínio cognitivo.
Mais pesquisas nos permitirão “expandir nossa compreensão” dos mecanismos envolvidos e determinar se as intervenções destinadas a prevenir a perda muscular e/ou aumentar a gordura muscular podem ter um efeito benéfico na função cognitiva”, disse ela. “Isso pode levar a novas estratégias para prevenir a doença de Alzheimer”.
Dr. Iyas recebe apoio do British Heart Foundation Centre of Research Excellence do Imperial College, no Reino Unido, e é funcionário em tempo parcial da Novo Nordisk. As informações dos demais autores estão disponíveis no artigo original. A Dra. Iva informou não ter conflitos de interesses.
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