quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Soroterapia - Modinha repaginada, aspectos éticos e legais

 


Com a popularização da denominada Soroterapia, praticamente todos os dias algum paciente/seguidor/colega me pergunta sobre o tema. Na maioria das vezes querendo saber a minha opinião sobre o tema. Se vale a pena fazer infusão endovenosa de nutrientes ou se é só uma modinha.

Começo do ano, escrevi um texto bem detalhado junto com amigos nutrólogos. Nele explicamos de forma detalhada quando está indicada esse tipo de terapia. Quando há indícios de infração ética. 

Mas antes de ler o texto abaixo sugiro que você me siga no instagram: @drfredericolobo para mais informações de qualidade em Nutrologia e Medicina. Lá, posto principalmente nos stories, informação de qualidade e no feed, junto com meus afilhados postamos sobre vários temas.

Aguardamos ansiosos uma resolução nova do CFM sobre o tema. Passou da hora.

att

Dr. Frederico Lobo


Soroterapia - Modinha repaginada, aspectos éticos e legais

Recentemente, temos percebido uma confusão sobre o tema “terapia com injetáveis em Nutrologia”, ou vulgarmente chamada de Soroterapia.

Classicamente, na Nutrologia/Nutrição temos a Terapia Nutricional Parenteral (inclusive é uma área de atuação dentro da Medicina). De acordo com a Portaria 120/2009 (ANVISA), consiste em uma solução ou emulsão composta por carboidratos, lipídeos, aminoácidos, vitaminas e minerais destinada à administração intravenosa, para suprir as necessidades metabólicas e nutricionais de pacientes impossibilitados de alcançá-las pela via oral ou pela via enteral. Vejam bem, IMPOSSIBILITADOS !

Há indicações bem estabelecidas na literatura e é uma prática que salva vidas, devendo ser prescrita somente por médicos (de acordo com a lei do ato médico de 2013, a infusão endovenosa de qualquer substância é um ato privativo dos médicos).

Atualmente, temos visto aplicação de aminoácidos, vitaminas, minerais e nutracêuticos por via intramuscular ou por via intravenosa, realizadas em consultórios. Alguns dermatologistas prescrevendo o denominado “Soro da beleza”. Médicos fazendo promessas de acelerar o metabolismo através de soros ou até mesmo de “desinflamar’. Qualquer tipo de infusão deve ser baseada em literatura robusta, visto que, se o paciente tiver alguma complicação, o médico terá algum respaldo.

Isso é proibido? Não, se seguir as normativas da vigilância sanitária. Ou seja, precisa ter carrinho de parada? Sim. Uma estrutura mínima, de acordo com as normas da ANVISA.

Isso é área de atuação do nutrólogo? Sim, se tiver indicação com evidência científica, mas será considerado antiético se o médico exagerar no diagnóstico do paciente, praticando atos médicos desnecessários. Nesse caso, ele pode infringir os artigos 14 e 35 do Código de Ética Médica (CEM), citados a seguir:

Art. 14. [É vedado ao médico] Praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação vigente no País.

Art. 35. [É vedado ao médico] Exagerar a gravidade do diagnóstico ou do prognóstico, complicar a terapêutica ou exceder-se no número de visitas, consultas ou quaisquer outros procedimentos médicos.

Caso o paciente apresente alguma complicação decorrente do tratamento prescrito, o médico também pode responder por infração referente ao artigo 1º do CEM:

Art. 1º [É vedado ao médico] Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.

E quais seriam as situações em que se justifica a aplicação dessas substâncias por uma via que não seja a via oral?

1º: Se:

A) O trato gastrointestinal (TGI ) não está funcionante,

B) O TGI está inacessível,

C) O TGI está com dificuldade absortiva,

C) Quando a demanda metabólica é superior a capacidade de tolerância do TGI

Aí opta-se pela nutrição parenteral, plena ou suplementar.

Temos como exemplos pacientes:

  • Portadores de síndrome do intestino curto, 
  • Oncológicos com deficiência nutricional grave, 
  • Portadores de doença inflamatória intestinal em atividade que não toleram dieta oral ou dieta enteral,
  • Dentre outras inúmeras condições clínicas e cirúrgicas. 
Vejam bem, são situações específicas, pacientes com doenças e não indivíduos saudáveis.

2º: Situações de falhas no tratamento após tentativas de reposição por via oral/enteral de eletrólitos, vitaminas ou minerais. Exemplo: pacientes pós bariátricos que podem não responder a reposição de ferro, vitamina B12 por via oral. 

Ou seja, a via de escolha inicialmente sempre deve ser a via oral, seja através da alimentação, seja através da suplementação nos casos das deficiências nutricionais.

Um adendo, raríssimas vezes faz-se necessária a reposição de vitamina D intramuscular, primeiro porque por mais baixa que seja essa deficiência, ela não é uma emergência médica, segundo, que há apenas 01 guideline recomendando essa prática e mesmo assim, apenas em casos refratários a doses altas via oral. Ou seja, vitamina D, 99% das vezes subirá com a reposição via oral ou sublingual. Para piorar a situação, na indústria não temos nenhuma apresentação de vitamina D injetável, somente manipulada. Ou seja, se tiver complicação, o médico prescritor não tem respaldo científico e o advogado especialista em direito médico terá que fazer malabarismo para evitar a condenação, seja ela no CRM ou na esfera civil. 

Recentemente, a Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN) publicou nota de esclarecimento sobre a administração de soroterapia e o novo coronavírus onde esclarece que não faz parte de seus rol de procedimentos a administração de soroterapia endovenosa para a prevenção de doenças infectocontagiosas, bem como, não há nenhuma evidência científica de que a infusão de soros, com qualquer dose de vitaminas, minerais, aminoácidos, antioxidantes ou outros nutrientes, tenha efeito preventivo contra o novo Coronavírus.

https://abran.org.br/2020/03/16/nota-de-esclarecimento-relacao-entre-a-administracao-de-soroterapia-e-o-coronavirus/

Em Julho de 2022 a ABRAN também publicou em seu instagram um comunicado sobre práticas que não constam no rol de procedimentos da Nutrologia. Nessa lista incluem a Soroterapia da Beleza:

https://abran.org.br/2018/03/14/rol-de-procedimentos/

Dias antes publicaram também um comunicado sobre a Soroterapia.

https://abran.org.br/2022/07/04/%EF%BF%BCcomunicado-associacao-brasileira-de-nutrologia-abran-sobre-a-soroterapia-da-beleza/


E o pior é que as pessoas pensam que a soroterapia é novidade, mas esquecem que desde final da década de 90 essa prática já acontecia nos consultórios médicos.

Cerca de 20 anos após, em 2010 o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma resolução regulamentando a prática ortomolecular (vale ressaltar que tal resolução não reconhece a ortomolecular como uma especialidade médica) e regulamenta os procedimentos diagnósticos e terapêuticos desta prática. Criando princípios norteadores baseados em postulados científicos, tais como:

A avaliação de nutrientes, vitaminas, minerais, ácidos graxos ou aminoácidos que faz parte da propedêutica médica (ciência que estuda os sinais e sintomas de uma doença) e os tratamentos das eventuais deficiências ou excessos “devem obedecer às comprovações embasadas por evidências clínico-epidemiológicas que indiquem efeito terapêutico benéfico”, diz a resolução.

O documento também veda os métodos destituídos de comprovação científica, entre eles a prescrição de megadoses de vitaminas, proteínas, sais minerais e lipídios para a prevenção primária e secundária, e o uso de ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) para a remoção de metais tóxicos, fora do contexto das intoxicações agudas e crônicas.

Veda também o uso de EDTA e procaína como terapia antienvelhecimento, anticâncer, antiarteriosclerose e para o tratamento de doenças crônico-degenerativas. Proíbe, ainda, a análise do tecido capilar fora do contexto do diagnóstico de contaminação ou intoxicação por metais tóxico

Fonte: https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/resolucoes/BR/2010/1938_2010.pdf

Em 2012 essa resolução foi revogada e o CFM na nova resolução em 2012 ( https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2012/2004 ), considerando os riscos potenciais de doses inadequadas de produtos terapêuticos, tais como algumas vitaminas e certos sais minerais, decidiu:

Art. 2ºA avaliação de nutrientes, vitaminas, minerais, ácidos graxos ou aminoácidos que podem, eventualmente,  estar  em  falta  ou  em  excesso  no  organismo  humano,  faz  parte  da  propedêutica médica.
§  1º A  identificação  de  alguma  das  deficiências  ou  excessos  só  poderá  ser  atribuída  a  erro nutricional ou distúrbio da função digestiva após terem sido investigadas e/ou tratadas as doenças de base concomitantes.
§  2º Os  tratamentos  das  eventuais  deficiências  ou  excessos  devem  obedecer  às  comprovações embasadas por evidências clínico-epidemiológicas que indiquem efeito terapêutico benéfico. 

Art. 3º – A reposição medicamentosa em comprovadas deficiências de vitaminas, minerais, ácidos graxos ou aminoácidos será feita de acordo com a existência de nexo causal entre a reposição de nutrientes e a meta terapêutica ou preventiva;

Ou seja, o médico deve comprovar a real necessidade da utilização do soro. Na prática não é existe nexo causal na maioria das prescrições que recebemos na nossa prática clínica. 

Art. 4º – Medidas higiênicas, dietéticas e de estilo de vida não podem ser substituídas por qualquer tratamento medicamentoso, suplementos de vitaminas, sais minerais, ácidos graxos ou aminoácidos

Além de comprovar a nexo causal, a via de escolha deve ser sempre a alimentação. Se o caso é refratário à mudança na alimentação, aí instituímos a reposição do suplemento Via Oral.

Se a suplementação não funciona, aí sim, pode-se postular em aplicar o nutriente por dia endovenosa ou intramuscular.

Infelizmente a grande totalidade dos casos que recebo no meu consultório (e os membros do movimento Nutrologia Brasil também vivenciam dessa forma), a grande maioria dos casos, os pacientes recebem indicação de terapias endovenosas ou intramusculares por comodidade de via. Ou seja, pode existir aí indícios de uma infração ética ao código de ética médica. Cabendo ao CRM abrir sindicância para averiguar se houve ou não infração ética.

Além disso, cobram preços exorbitantes em produtos que geralmente custam 15 vezes menos no mercado comum. Exemplo: 3 ampolas de vitamina B12 em uma drogaria custa cerca de 20 reais. As mesmas 3 ampolas em clínicas de soroterapia, cada aplicação custa cerca de 300 reais. 20:300 = 15. 5 ampolas de ferro endovenoso em uma farmácia comum custa no máximo R$ 100, 20 reais por ampola de ferro. A mesma aplicação em clínicas de soroterapia podem custar até 300 reais. Obviamente aqui cabe discussão de preço e valor.

A maioria afirmam que pacientes pós-bariátricos necessitam de soroterapia. No ambulatório de Nutrologia que (eu Frederico Lobo) coordeno no SUS temos mais de 600 pacientes e afirmo categoricamente, uma grande parte não precisa. Exceto de Ferro ou B12. Quase todos respondem ao uso de polivitamínicos/poliminerais disponíveis no mercado. Sendo assim, conseguem atingir bons níveis de vitamina D apenas com reposição convencional, bem como a maioria dos minerais e vitaminas.

Ou seja, a prática já existia, só repaginaram a terapia.

É importante deixar claro que da forma que está sendo feito, não faz parte da Nutrologia e a própria Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN) já se posicionou contra em suas redes sociais e site. Para se aplicar um nutriente faz-se necessário ter nexo causal e a via digestiva deve ser prioridade. Dieta e suplemento via oral são mandatórios e a primeira escolha: https://abran.org.br/2022/07/04/%ef%bf%bccomunicado-associacao-brasileira-de-nutrologia-abran-sobre-a-soroterapia-da-beleza/

A BRASPEN (Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral) também emitiu parecer sobre a utilização de micronutrientes endovenosos em adultos.


De acordo com a ANVISA, esse tipo de prática não é proibida, desde que a clínica siga as normativas da vigilância. Mas perante o CFM, será considerado antiético se o médico exagerar no diagnóstico do paciente, praticando atos médicos desnecessários: Infração dos artigos 14 e 35 do Código de ética médica.

Acreditamos que logo a modinha passa e será repaginada. Percebam que nada explanado aqui é sem fundamento, é baseado nas resoluções do próprio CFM.

Autores:

Dra. Karoline Calfa – Médica Nutróloga, com título de especialista na área de atuação em Nutrição Enteral e Parenteral, Especialista em Clínica Médica – CRM-ES 6411 | RQE Nº: 6156, RQE Nº: 10585, RQE Nº: 10584. Conselheira do CRM-ES. Responsável pela Câmara técnica de Nutrologia do CRM-ES.

Dr. Frederico Lobo – Médico Nutrólogo – CRM-GO 13192 – RQE 11915 e CRM-SC 32949 RQE 22416.

Dr. Pedro Dal Bello – Nutrólogo e Oncologista clínico.

Dr. Rafael Iazetti – Médico Nutrólogo.

Dra. Edite Melo Magalhães – Médica Nutróloga, com título de especialista na área de atuação em Nutrição Enteral e Parenteral, Especialista em Clínica Médica

Dra. Camila Froehner – Médica Nutróloga, com título de especialista na área de atuação em Nutrição Enteral e Parenteral, Especialista em Clínica Médica

Dra. Aritana Alves – Médica Nutróloga

Em tempo: 20/03/2024

A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) se posicionou sobre a Soroterapia, bem como o CREMESP.


A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) vem a público se manifestar quanto a prática da SOROTERAPIA devido aos inúmeros questionamentos que temos recebido de veículos de imprensa e dos próprios pacientes nos consultórios dermatológicos.

Nos últimos anos, observamos uma crescente divulgação entre a população de novos métodos terapêuticos baseados no emprego de suplementos (como vitaminas, minerais, aminoácidos e outros compostos) para fins estéticos, de melhora da imunidade e desempenho esportivo, além de tratamentos, que deveriam ser prescritos por médicos dermatologistas, como o tratamento de alopecias (calvície). É importante dizer que esses métodos não possuem evidências clínico-científicas consistentes que comprovem a sua segurança e eficácia.

A soroterapia não faz parte do rol de procedimentos médicos. A prática da soroterapia com fins dermatológicos carece de estudos científicos na literatura médica.

Os medicamentos e nutrientes endovenosos podem ser muito úteis em casos específicos de prescrição para reposição em pacientes com deficiências. A reposição de vitaminas e minerais endovenosa deve ser realizada apenas quando o paciente não responde à reposição oral, sendo um procedimento aplicado em pacientes crônicos portadores de má absorção intestinal, além de outras condições e doenças clinicas e laboratorialmente diagnosticadas. O emprego de doses em excesso pode ser tóxico ao organismo do paciente, causando uma série de efeitos adversos indesejáveis.

As intervenções médicas sempre devem ter por base as melhores evidências clínico-epidemiológicas disponíveis, que indiquem que o efeito terapêutico benéfico é superior a potenciais efeitos adversos, preferencialmente através de estudos prospectivos e controlados. É vedado ao médico usar experimentalmente qualquer tipo de terapêutica ainda não liberada para uso em nosso país sem a devida autorização dos órgãos competentes e sem o consentimento do paciente ou de seu responsável legal, que devem estar devidamente informados da situação e das possíveis consequências.



4 comentários:

Anônimo disse...

Nessa de acreditar em médico de instagram, eu e minha filha gastamos quase 10 mil reais em soros. Depois descobrimos que o médico nem nutrólogo era. E o CRM não faz nada?

Anônimo disse...

Picaretagem das brabas, amigas de trabalho caíram na lábia de um portador de diploma aqui em Curitiba. Ficaram meses sendo depenadas com tratamento sem evidência e eu acho é bem feito. Eu como amiga alertei, mas não me ouviram. Cada uma deve ter gasto pelo menos uns 5 mil reais com esses soros coloridos. Enquanto existir cavalo, São Jorge não anda a pé.

Marcio disse...

"Todo dia sai de casa um malandro e um otário. Quando os dois se encontram, alguém faz negócio" é assim na soroterapia. Bando de trouxas que caem no golpe desses médicos safados e criminosos.

Anônimo disse...

Tem uma clínica de tratamento capilar com filiais em alguns estados, inclusive em Goiás, aplicando essa "metodologia". Em todo tratamento é indicada a soroterapia "por ter 100 por cento" de aproveitamento, a custo de muito $$$, sabidamente muitas vezes o valor das vitaminas utilizadas.

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