quarta-feira, 5 de junho de 2024

"Não emagreci com Ozempic e agora?"



Pergunta frequente no meu cotidiano. Respostas complexas rs. 

Então vamos aos trechos dos diálogos:

- Dr. Frederico eu tomei Ozempic por 2 meses e não perdi nada de peso.
- Nada mesmo?
- Nada!
- Quem prescreveu o Ozempic (Semaglutida) ?
- Comprei sem receita e tomei igual o senhor prescreveu pra minha amiga.
- E o que te leva a acreditar que você á uma paciente que se enquadra no perfil do Ozempic?
- Se funcionou pra ela, pensei que funcionaria comigo.
- Qual dose você usava?
- Não passei de 0,5mg, porque senão eu passava muito mal.
 

Fatores genéticos
 
A semaglutida não é para todos. Trabalhos mais recentes mostram que existem fatores genéticos que determinam se o paciente será um bom respondedor ou não. No EUA até existe esse exame genético para fazer e custa cerca de $350. Espero que chegue logo no Brasil. Esse teste genético poderia ser o primeiro passo em direção à medicina de precisão para o tratamento da obesidade
 
Um dos grandes mistérios dos análogos de GLP-1 para perda de peso é por que algumas pessoas perderão 20% ou mais de seu peso corporal inicial com as medicações (Semaglutida/Liraglutida), enquanto para outras o peso não cai, como o caso dessa paciente acima.
 
Um estudo descobriu que cerca de 1 em cada 7 pessoas que usaram semaglutida por mais de um ano não perdeu pelo menos 5% de seu peso inicial, indicando que a medicação não funcionou bem para elas. 
 
“Achamos que o teste será capaz de explicar quem será capaz de perder peso, e podemos prever com 95% de precisão quem perderá mais de 5% com este teste genético”, disse o Dr. Andres Acosta, gastroenterologista e pesquisador da Mayo Clinic que auxiliou no desenvolvimento do teste genético. 
 
Os análogos de GLP-1 não são baratos e muitos pacientes compram na expectativa de que funcionará com eles. Um teste capaz de prever se os análogos funcionarão pode poupar gastos desnecessários e muita frustração. 
 
O teste, MyPhenome, foi desenvolvido por pesquisadores da Mayo Clinic e foi licenciado no ano passado por uma empresa chamada Phenomic Sciences. Custa US$ 350 e deve ser solicitado por um profissional de saúde. Ele procura 6.000 mudanças em 22 genes que estão na via de sinalização do hormônio GLP-1, e usa os resultados para atribuir a cada pessoa uma pontuação de risco que a classifica como “intestino faminto”-positivo ou “intestino faminto”-negativo.
 
Pessoas com fome positivas para intestinos têm respostas normais à sinalização hormonal no cérebro, enquanto pessoas com fome para intestino-negativo não parecem responder tão bem aos sinais hormonais do estômago que dizem ao cérebro para parar de comer. De acordo com o Dr. Acosta, o teste classifica essas pessoas como tendo um cérebro com fome, e elas podem precisar de diferentes tipos de abordagens para perder peso, como a cirurgia bariátrica.
 
Em um pequeno estudo recente com 84 pessoas inscritas em um registro de perda de peso na Clínica Mayo, os pesquisadores executaram o teste em amostras armazenadas de sangue ou saliva. Após nove meses usando a semaglutida, as pessoas que foram classificadas como intestinais positivas para fome perderam significativamente mais peso do que aquelas que estavam com fome intestinal-negativo.
 
Após um ano, as pessoas classificadas como positivas para intestinos com fome perderam uma média de 19% de seu peso inicial, ou quase o dobro, em média, do que os 10% do peso corporal total perdido por pessoas que foram classificadas pelo teste como negativos para intestino com fome.


Fatores comportamentais 
 
- Mas você fez alguma dieta?
- Fiz
- Com acompanhamento de algum nutricionista?
- Não, eu tirei arroz e parei de jantar. Mesmo assim não consegui emagrecer. Entende porque eu tô preocupada Dr? Eu comia pouco e não emagreci com o Ozempic!
- E final de semana, como era?
- Final de semana meu marido faz churrasco, eu comia só carne e feijão tropeiro, além de refrigerante zero.
- Quanto de carne?
- Uns 3 bifes de picanha, uns 350g de carne, umas 2 colheres de servir de tropeiro e 2 latas de coca zero.
- Comia sobremesa?
- Não, sem sobremesa. Tá vendo Dr, mesmo comendo pouco eu não emagreci.
- E esse churrasco é só no sábado ou no domingo?
- Sábado e domingo, mas eu como pouco.
- Você tem noção que 300g de picanha fornece cerca de 900 a 1000kcal? Além disso tem o tropeiro, 100g fornece cerca de 250kcal, 2 colheres de servir cheia fornece cerca de 300kcal. Ou seja, em uma única refeição você consumiu cerca de 1300kcal, fora as outras refeições. 
- Sério Dr?
- Sim. E a atividade física, qual você fez nesses 2 meses usando o Ozempic?
- Chego tarde do trabalho e infelizmente só fazia caminhada no sábado e domingo, uns 45 minutos no parque
 
Ou seja, a paciente não seguiu um plano alimentar elaborado por um profissional. Não praticou exercício físico diariamente. Isso diminui as chances do paciente responder à medicação. Associado a isso há ainda os fatores genéticos.  O próprio fabricante do medicamento coloca isso em bula: praticar um programa de reeducação alimentar e de exercícios. 
 
- Mas Dr. minha amiga tomou e não fez atividade física. Perdeu peso mesmo assim
- Será que ela perdeu gordura somente ou perdeu gordura e bastante músculo?
- Aí não sei, só sei que ela emagreceu. 
- É aí que mora o perigo. Em um processo de emagrecimento a atividade física muitas vezes auxilia pouco no processo de emagrecimento, mas ela protege a massa magra do paciente. Evita o reganho do peso perdido. Melhora a resistência insulínica. A gente não indica a toa, não é porque queremos ver o paciente sofrendo, sentindo dor durante o treino. 


- E o seu sono, como está?
- Dr eu trabalho muito, as vezes chego em casa 21:00, por isso que não treino. Aí até comer, tomar banho, olhar minhas redes sociais, já são 01:00. Durmo e acordo 07:00. 
- Então você dorme menos de 6 horas por noite?
- Geralmente sim.
- Entendi.
- E agora Dr, o que faço ?
- E agora que a gente começará do zero, avaliando: 
  • História do ganho de peso
  • Tentativas de perda de peso
  • Ferramentas já utilizadas durante o processo de emagrecimento.
  • Análise dos hábitos de vida
  • Recordatório alimentar de 7 dias com posterior análise conjunta (eu e meu nutricionista dentro do consultório)
  • Detecção do padrão alimentar
  • Escolha de medicação baseada no padrão alimentar identificado
  • A dose da medicação está adequada? Faz-se necessário escalonamento da dose? Dá para optimizar essa dose? 
  • Elaboração do plano alimentar baseado no padrão alimentar identificado
  • Escolha do exercício físico baseado na composição corporal, comorbidades, afinidade e disponibilidade
  • Acompanhamento psicoterápico para entender a baixa adesão ao que é proposto, fatores sabotadores.
  • Mudança no padrão de sono
Ou seja, não é porque falhou com Ozempic que já indicaremos cirurgia bariátrica. Há outras medicações que podem ser utilizadas.
 
Autor: Dr. Frederico Lobo – Médico Nutrólogo – CRM-GO 13192 – RQE 11915 – CRM-SC 32949 – RQE 22416

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