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quarta-feira, 5 de junho de 2024

"Não emagreci com Ozempic e agora?"



Pergunta frequente no meu cotidiano. Respostas complexas rs. 

Então vamos aos trechos dos diálogos:

- Dr. Frederico eu tomei Ozempic por 2 meses e não perdi nada de peso.
- Nada mesmo?
- Nada!
- Quem prescreveu o Ozempic (Semaglutida) ?
- Comprei sem receita e tomei igual o senhor prescreveu pra minha amiga.
- E o que te leva a acreditar que você á uma paciente que se enquadra no perfil do Ozempic?
- Se funcionou pra ela, pensei que funcionaria comigo.
- Qual dose você usava?
- Não passei de 0,5mg, porque senão eu passava muito mal.
 

Fatores genéticos
 
A semaglutida não é para todos. Trabalhos mais recentes mostram que existem fatores genéticos que determinam se o paciente será um bom respondedor ou não. No EUA até existe esse exame genético para fazer e custa cerca de $350. Espero que chegue logo no Brasil. Esse teste genético poderia ser o primeiro passo em direção à medicina de precisão para o tratamento da obesidade
 
Um dos grandes mistérios dos análogos de GLP-1 para perda de peso é por que algumas pessoas perderão 20% ou mais de seu peso corporal inicial com as medicações (Semaglutida/Liraglutida), enquanto para outras o peso não cai, como o caso dessa paciente acima.
 
Um estudo descobriu que cerca de 1 em cada 7 pessoas que usaram semaglutida por mais de um ano não perdeu pelo menos 5% de seu peso inicial, indicando que a medicação não funcionou bem para elas. 
 
“Achamos que o teste será capaz de explicar quem será capaz de perder peso, e podemos prever com 95% de precisão quem perderá mais de 5% com este teste genético”, disse o Dr. Andres Acosta, gastroenterologista e pesquisador da Mayo Clinic que auxiliou no desenvolvimento do teste genético. 
 
Os análogos de GLP-1 não são baratos e muitos pacientes compram na expectativa de que funcionará com eles. Um teste capaz de prever se os análogos funcionarão pode poupar gastos desnecessários e muita frustração. 
 
O teste, MyPhenome, foi desenvolvido por pesquisadores da Mayo Clinic e foi licenciado no ano passado por uma empresa chamada Phenomic Sciences. Custa US$ 350 e deve ser solicitado por um profissional de saúde. Ele procura 6.000 mudanças em 22 genes que estão na via de sinalização do hormônio GLP-1, e usa os resultados para atribuir a cada pessoa uma pontuação de risco que a classifica como “intestino faminto”-positivo ou “intestino faminto”-negativo.
 
Pessoas com fome positivas para intestinos têm respostas normais à sinalização hormonal no cérebro, enquanto pessoas com fome para intestino-negativo não parecem responder tão bem aos sinais hormonais do estômago que dizem ao cérebro para parar de comer. De acordo com o Dr. Acosta, o teste classifica essas pessoas como tendo um cérebro com fome, e elas podem precisar de diferentes tipos de abordagens para perder peso, como a cirurgia bariátrica.
 
Em um pequeno estudo recente com 84 pessoas inscritas em um registro de perda de peso na Clínica Mayo, os pesquisadores executaram o teste em amostras armazenadas de sangue ou saliva. Após nove meses usando a semaglutida, as pessoas que foram classificadas como intestinais positivas para fome perderam significativamente mais peso do que aquelas que estavam com fome intestinal-negativo.
 
Após um ano, as pessoas classificadas como positivas para intestinos com fome perderam uma média de 19% de seu peso inicial, ou quase o dobro, em média, do que os 10% do peso corporal total perdido por pessoas que foram classificadas pelo teste como negativos para intestino com fome.


Fatores comportamentais 
 
- Mas você fez alguma dieta?
- Fiz
- Com acompanhamento de algum nutricionista?
- Não, eu tirei arroz e parei de jantar. Mesmo assim não consegui emagrecer. Entende porque eu tô preocupada Dr? Eu comia pouco e não emagreci com o Ozempic!
- E final de semana, como era?
- Final de semana meu marido faz churrasco, eu comia só carne e feijão tropeiro, além de refrigerante zero.
- Quanto de carne?
- Uns 3 bifes de picanha, uns 350g de carne, umas 2 colheres de servir de tropeiro e 2 latas de coca zero.
- Comia sobremesa?
- Não, sem sobremesa. Tá vendo Dr, mesmo comendo pouco eu não emagreci.
- E esse churrasco é só no sábado ou no domingo?
- Sábado e domingo, mas eu como pouco.
- Você tem noção que 300g de picanha fornece cerca de 900 a 1000kcal? Além disso tem o tropeiro, 100g fornece cerca de 250kcal, 2 colheres de servir cheia fornece cerca de 300kcal. Ou seja, em uma única refeição você consumiu cerca de 1300kcal, fora as outras refeições. 
- Sério Dr?
- Sim. E a atividade física, qual você fez nesses 2 meses usando o Ozempic?
- Chego tarde do trabalho e infelizmente só fazia caminhada no sábado e domingo, uns 45 minutos no parque
 
Ou seja, a paciente não seguiu um plano alimentar elaborado por um profissional. Não praticou exercício físico diariamente. Isso diminui as chances do paciente responder à medicação. Associado a isso há ainda os fatores genéticos.  O próprio fabricante do medicamento coloca isso em bula: praticar um programa de reeducação alimentar e de exercícios. 
 
- Mas Dr. minha amiga tomou e não fez atividade física. Perdeu peso mesmo assim
- Será que ela perdeu gordura somente ou perdeu gordura e bastante músculo?
- Aí não sei, só sei que ela emagreceu. 
- É aí que mora o perigo. Em um processo de emagrecimento a atividade física muitas vezes auxilia pouco no processo de emagrecimento, mas ela protege a massa magra do paciente. Evita o reganho do peso perdido. Melhora a resistência insulínica. A gente não indica a toa, não é porque queremos ver o paciente sofrendo, sentindo dor durante o treino. 


- E o seu sono, como está?
- Dr eu trabalho muito, as vezes chego em casa 21:00, por isso que não treino. Aí até comer, tomar banho, olhar minhas redes sociais, já são 01:00. Durmo e acordo 07:00. 
- Então você dorme menos de 6 horas por noite?
- Geralmente sim.
- Entendi.
- E agora Dr, o que faço ?
- E agora que a gente começará do zero, avaliando: 
  • História do ganho de peso
  • Tentativas de perda de peso
  • Ferramentas já utilizadas durante o processo de emagrecimento.
  • Análise dos hábitos de vida
  • Recordatório alimentar de 7 dias com posterior análise conjunta (eu e meu nutricionista dentro do consultório)
  • Detecção do padrão alimentar
  • Escolha de medicação baseada no padrão alimentar identificado
  • A dose da medicação está adequada? Faz-se necessário escalonamento da dose? Dá para optimizar essa dose? 
  • Elaboração do plano alimentar baseado no padrão alimentar identificado
  • Escolha do exercício físico baseado na composição corporal, comorbidades, afinidade e disponibilidade
  • Acompanhamento psicoterápico para entender a baixa adesão ao que é proposto, fatores sabotadores.
  • Mudança no padrão de sono
Ou seja, não é porque falhou com Ozempic que já indicaremos cirurgia bariátrica. Há outras medicações que podem ser utilizadas.
 
Autor: Dr. Frederico Lobo – Médico Nutrólogo – CRM-GO 13192 – RQE 11915 – CRM-SC 32949 – RQE 22416

sábado, 4 de maio de 2024

Ozempic é uma nova droga antiinflamatória?

Quase uma década atrás, uma mulher de vinte e poucos anos magra e de fala suave chamada Megan entrou no meu escritório e me presenteou com um meticuloso arquivo escrito à mão contendo seu histórico gastrointestinal. 

O arquivo incluiu descrições de seu diagnóstico inicial de doença de Crohn quando adolescente, as múltiplas operações que ela sofreu para remover partes doentes de seus intestinos e a variedade de sintomas que ela sofria, incluindo náuseas, uma dúzia de movimentos intestinais por dia e uma total dependência da nutrição obtida através de suas veias, conhecida como nutrição parenteral total (TPN). 

Em vez de vinte pés de intestino delgado que a maioria das pessoas tem, ela só tinha cerca de vinte polegadas restantes e foi diagnosticada com uma condição chamada síndrome do intestino curto. 

Tentamos uma variedade de tratamentos nos meses seguintes, mas ela permaneceu infeliz e principalmente em casa, incapaz de se concentrar em seus estudos ou tirar férias curtas com seus amigos. 

Finalmente, comecei com um medicamento injetável relativamente novo chamado Gattex (teduglutide), um análogo de um hormônio humano secretado por células intestinais conhecidas como peptídeo-2 semelhante ao glucagon (GLP-2).

Gattex melhorou o fluxo e a absorção do sangue intestinal, retardando o esvaziamento gástrico e aumentando a altura das pequenas projeções semelhantes a dedos nos intestinos de Megan conhecidas como vilosidades. Seis meses ou mais depois que ela começou a droga, Megan não estava apenas livre de sintomas gastrointestinais: ela também conseguiu descontinuar seu TPN nos fins de semana, uma liberdade anteriormente inimaginável. Gattex é um medicamento caro e apropriado para uso apenas em determinados contextos clínicos para pacientes com doenças raras. A droga foi lenta para chamar atenção dentro ou fora da gastroenterologia. Nos anos que se seguiram, continuei a usá-lo para pacientes como Megan. Para esses pacientes, parecia nada menos que um milagre.

Hoje, outro peptídeo semelhante ao glucagon, o GLP-1, é amplamente aclamado como milagroso.

O GLP-1, como o GLP-2, é um hormônio secretado pelas células intestinais e está sendo estudado em pacientes com síndrome do intestino curto. 

Ao contrário do Gattex, no entanto, as drogas que imitam o GLP-1 (GLP 1s) são atualmente prescritas para algumas das condições crônicas mais comuns nos EUA hoje - diabetes e obesidade - e foram banhadas com a atenção da mídia nos últimos dois anos no contexto do controle de peso. 

Tradicionalmente, os GLP-1s foram desenvolvidos para tratar o diabetes tipo 2. 

Essas drogas injetáveis se assemelham aos hormônios que o corpo produz depois de comer, estimulando a secreção de insulina pelo pâncreas e diminuindo os níveis de açúcar no sangue. 

Eles retardam a digestão e diminuem o apetite. Eles afetam partes do cérebro que controlam a fome, dizendo ao seu cérebro para se sentir cheio por um longo período de tempo. Não surpreendentemente, os GLP-1s podem levar a menor gordura corporal - um efeito colateral bem-vindo para muitos pacientes diabéticos que lutam com problemas de peso. 

Alguns GLP-1s agora são aprovados pela FDA para controle de peso crônico, incluindo Wegovy (semaglutida) e Saxenda (liraglutida), enquanto outros como Ozempic (semaglutida) são aprovados para diabetes tipo 2, mas são usados off-label para controle de peso—inclusive para perda de peso cosmética, depois de serem popularizados por celebridades e influenciadores de mídia social.

Se os agonistas do GLP-1 como Wegovy e Ozempic são drogas maravilhosas modernas, seus efeitos no peso corporal e no açúcar no sangue são apenas uma parte de sua história sensacional. 

Uma característica menos conhecida dos GLP-1s - e GLP-2s - é seu potencial de reduzir a inflamação local e sistêmica dentro do corpo, tanto nos intestinos quanto além. 

Sabemos hoje que a inflamação pode ser um fator de risco importante para o desenvolvimento de todos os tipos de doenças. 

A inflamação de baixo nível está ligada a uma grande variedade de condições crônicas, incluindo doenças cardíacas, câncer, obesidade, diabetes e distúrbios neurodegenerativos, todos os quais podem ser considerados, pelo menos em parte, distúrbios inflamatórios crônicos (CIDs).

Em indivíduos obesos, o excesso de gordura corporal - particularmente a gordura visceral armazenada profundamente dentro do corpo - produz inflamação de baixo nível a todas as horas do dia. 

A inflamação pode ser um mecanismo central pelo qual indivíduos obesos desenvolvem DICs adicionais, incluindo os principais assassinos, como doenças cardíacas e câncer. 

Pesquisas novas e emergentes sugerem que os GLP-1s, agindo através de vias anti-inflamatórias, podem ser benéficos em uma variedade de DICs, com o potencial de ajudar não apenas pacientes com diabetes e obesidade, mas também aqueles sem essas condições.

Dados recentes revelam que os GLP-1s são úteis em doenças cardíacas, uma condição que atualmente é a principal causa de morte em homens e mulheres em todo o mundo. 

Em agosto de 2023, um estudo patrocinado pelo fabricante Wegovy Novo Nordisk foi publicado no New England Journal of Medicine (NEJM). 

Os pesquisadores rastrearam 529 pacientes com obesidade e insuficiência cardíaca, designando-os para receber semaglutida semanal ou placebo por um ano. Eles descobriram que os pacientes tratados com semaglutida tiveram não apenas maior perda de peso do que aqueles em placebo, mas também menos sintomas e limitações físicas, bem como melhor tolerância ao exercício.

Alguns meses depois, em novembro de 2023, os resultados de um ensaio clínico histórico conhecido como o ensaio SELECT, que também foi patrocinado pela Novo Nordisk, causaram um alvoroço. 

Cerca de 17.000 pacientes com doença cardiovascular que estavam acima do peso ou obesos, mas não tinham diabetes, foram randomizados para receber semaglutida semanal ou placebo por vários meses. No final do período do estudo, os pesquisadores descobriram que os pacientes que receberam semaglutida não apenas perderam peso: eles tiveram uma impressionante diminuição de 20% nos eventos cardiovasculares, incluindo morte cardiovascular, ataques cardíacos e derrames. 

Além disso, a semaglutida diminuiu a insuficiência cardíaca e a mortalidade por todas as causas em 18% e 19%, respectivamente. 

Curiosamente, a semaglutida parecia estar prevenindo ataques cardíacos nos primeiros meses de tomar o medicamento, antes que os participantes do estudo perdessem muito peso, apoiando a ideia de que os pacientes não precisavam perder peso antes de começar a experimentar os benefícios cardiovasculares do medicamento.

Aqueles que tomaram a dose mais alta de semaglutida no ensaio SELECT tiveram quedas na inflamação sistêmica. 

Essa redução da inflamação pode ser um mecanismo importante pelo qual a semaglutida produz seus benefícios cardíacos. 

Estudos mostraram que a inflamação elevada de baixo nível é um fator de risco independente para o desenvolvimento de ataques cardíacos, derrames e morte por eventos cardíacos.

A semaglutida também ajudou a melhorar os fatores de risco tradicionais para doenças cardíacas, incluindo sobrepeso e obesidade, bem como níveis elevados de pressão arterial, açúcar no sangue e colesterol.

Esses fatores de risco tradicionais, por sua vez, também estão ligados à inflamação crônica e de baixo nível.

Além das doenças cardíacas, os GLP-1s podem ter um papel em outros DCIs.

Nas últimas décadas, a incidência de câncer de início precoce, ou seja, câncer diagnosticado em adultos com menos de 50 anos de idade, tem aumentado. 

Acredita-se que esta epidemia global emergente se deva em grande parte a fatores ambientais e de estilo de vida, como uma dieta subótima, falta de exercício e poluição - todos os quais podem desencadear inflamação no corpo. 

Em dezembro de 2023, pesquisadores da Case Western University publicaram resultados de um estudo observacional nacional envolvendo mais de um milhão de pacientes com diabetes tipo 2 que receberam medicamentos antidiabéticos de 2005 a 2019.

Em comparação com outros medicamentos antidiabéticos, incluindo insulina e metformina, os GLP-1s foram associados a um risco diminuído de câncer colorretal, um achado que se manteve forte, independentemente de o paciente ter diabetes sozinho ou diabetes, além de sobrepeso ou obesidade. 

Estudos observacionais não podem provar a causalidade, e descobrir como o GLP-1 afeta o câncer provavelmente será complexo, dada a natureza multifatorial da causa do câncer, que inclui influências genéticas e ambientais.

Ainda assim, sabemos hoje que a inflamação é uma das características do câncer.

A inflamação, em muitos casos, alimenta o início e o desenvolvimento do câncer, desde as primeiras influências genéticas e epigenéticas que transformam células normais em malignas até o crescimento e disseminação contínuos do câncer por todo o corpo. 

Os GLP-1s podem influenciar as vias que promovem o câncer não apenas controlando o peso e o açúcar no sangue, mas também através de seus efeitos anti-inflamatórios, independentemente desses fatores de risco tradicionais.

Uma proporção significativa de pacientes com diabetes ou obesidade está destinada a desenvolver doença renal. 

Profissionais que implantam GLP-1s para diabetes notaram que esses medicamentos também pareciam estabilizar a função renal dos pacientes. 

Tanto os ensaios experimentais quanto, mais recentemente, clínicos mostraram que os GLP-1s podem retardar o declínio renal e prevenir a perda substancial da função renal em pacientes diabéticos. 

GLP-1s como semaglutida e liraglutida demonstraram proteger os rins através da alteração do metabolismo da gordura e da energia.

Os pacientes que tomam GLP-1s tendem a ter melhor controle do açúcar no sangue, menor peso corporal e menor pressão arterial, o que também pode diminuir a inflamação e impactar positivamente a função renal. 

Além disso, pesquisadores da Universidade Monash, na Austrália, publicaram um estudo no início deste ano, revelando que o agonista GLP-1 liraglutida, com receptores nos rins, pode suprimir a inflamação e diminuir os marcadores de dano renal em modelos de doença renal de camundongos diabéticos e não diabéticos.

Outra complicação comum em pacientes com diabetes ou obesidade é a doença hepática esteatótica associada à disfunção metabólica (MASLD), anteriormente denominada doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD).

O MASLD é agora a doença hepática crônica mais prevalente no mundo ocidental e afeta cerca de um terço da população dos EUA. 

Enquanto isso, faltam farmacoterapias licenciadas para esta doença. 

No MASLD, gotículas de gordura se acumulam no fígado, o que, por sua vez, pode levar à inflamação do fígado e cicatrizes ao longo do tempo - enquanto isso, a própria inflamação pode ajudar a alimentar esse caminho. 

A perda de peso é fundamental para reverter a doença em estágio inicial. 

Os GLP-1s estão sendo avaliados atualmente para o tratamento do MASLD.

Ensaios clínicos randomizados mostram que a semaglutida pode diminuir a gordura e a inflamação no fígado e melhorar os marcadores de lesão hepática, embora ainda não tenha sido demonstrado melhorar os estágios de cicatrizes hepáticas.

O tratamento com semaglutida também está associado a uma diminuição da inflamação de baixo nível em todo o corpo em pacientes em risco de desenvolver MASLD. 

A inflamação de baixo nível é preditiva do MASLD e tem sido associada à presença e gravidade das cicatrizes hepáticas subjacentes. 

Testes estão em andamento para determinar se a semaglutida atenderá aos desfechos clínicos para aprovação da FDA.

Os GLP-1s receberam atenção em doenças pulmonares e intestinais. 

Os resultados de alguns ensaios clínicos, bem como estudos observacionais, lançaram luz sobre os potenciais benefícios dos GLP-1s na asma, enfisema e bronquite crônica, embora ensaios clínicos em larga escala sejam necessários para confirmar esses achados. 

A obesidade, que cria inflamação crônica contínua no corpo, está cada vez mais associada à doença inflamatória intestinal (DII) e pode influenciar negativamente o curso da doença. 

Os cientistas também levantam a hipótese de que a obesidade contribui para o desenvolvimento da DII. 

Alguns estudos mostraram que pacientes com DII que tomam GLP-1s para diabetes reduzem a necessidade de esteróides ou medicamentos biológicos e têm menos hospitalizações ou cirurgias relacionadas ao IBD, sugerindo que os GLP-1s podem influenciar a atividade da doença na DII. 

Mais pesquisas são necessárias, no entanto, para determinar definitivamente se os GLP-1s são realmente benéficos para os resultados da doença em pacientes com DII.

* Como os GLP-1s podem diminuir a inflamação no corpo?

O melhor controle de DCIs como diabetes e obesidade reduz os níveis de gordura corporal e açúcar no sangue, o que significa menos inflamação. 

Mas foi demonstrado que os GLP-1s têm efeitos anti-inflamatórios independentemente do peso corporal ou do açúcar no sangue. 

Ensaios em humanos revelam que eles reduzem os biomarcadores inflamatórios do sangue, especialmente quando comparados com outros tratamentos antidiabéticos padrão. 

E eles parecem afetar a inflamação local e de todo o corpo. 

Os GLP-1s têm efeitos anti-inflamatórios em vários tecidos, reduzindo a produção de citocinas inflamatórias e impedindo o movimento de células imunes nos tecidos. 

Os receptores para GLP-1s são expressos em algumas células imunes - falando em seu potencial de modular o sistema imunológico e a inflamação - bem como em outras células ao redor do corpo. 

Eles são encontrados não apenas no pâncreas, mas em uma ampla variedade de órgãos, incluindo coração, rins, pulmão, fígado, vasos sanguíneos, estômago, intestinos e cérebro. 

Na verdade, a prevalência de receptores GLP-1 no corpo ajudou a despertar o interesse inicial em estudos que investigam o uso de GLP-1s para outros distúrbios além do diabetes.

No entanto, a distribuição de células imunes contendo receptores GLP-1 em vários tecidos é altamente desigual, sugerindo que as ações dos GLP-1s em alguns órgãos podem ser mais importantes do que em outros quando se trata de regular a inflamação. 

As células imunes ativadas pelos GLP-1s estão especialmente repletas nos intestinos—que abrigam grande parte do sistema imunológico do corpo—bem como no cérebro. 

De acordo com o cientista canadense Dr. Daniel Drucker, cuja pesquisa pioneira deu origem aos medicamentos modernos GLP-1, o eixo intestinal-cérebro-imune pode ser central para a capacidade dos GLP-1s de influenciar a inflamação no corpo, como sugere seu último estudo realizado em animais e publicado no início deste ano. 

A comunicação bidirecional entre o intestino e o cérebro incorpora sinais de trilhões de micróbios intestinais conhecidos coletivamente como microbiota intestinal e afeta uma infinidade de processos ao redor do corpo, incluindo a inflamação.

Os GLP-1s podem modular a microbiota intestinal e atingir células imunes no cérebro e no intestino para reduzir a inflamação em todo o corpo.

Dados os benefícios potenciais dos GLP-1s no cérebro, não é surpresa que haja um interesse crescente no uso de GLP-1s para doenças neurodegenerativas. 

Ensaios controlados apontam para a capacidade dos GLP-1s de reduzir as taxas de demência em pacientes diabéticos, e ensaios clínicos em larga escala estão em andamento para estudar a eficácia desses medicamentos para doenças como Alzheimer e Parkinson. 

Acredita-se que os GLP-1s modulam a função imunológica no cérebro, prevenindo o acúmulo contínuo de proteínas mal dobradas e diminuindo a inflamação - caminhos que contribuem para a doença de Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas.

Por todas as possibilidades que os GLP-1s parecem ter no gerenciamento de inflamação e CIDs, deve-se ter cuidado ao avaliar e implantar esses medicamentos fora de seus contextos tradicionais.

Seus efeitos anti-inflamatórios são amplos, visando diferentes vias em diferentes tecidos, e sua gama de benefícios potenciais também pode ser acompanhada por problemas.

Embora os GLP-1s sejam geralmente bem tolerados, com efeitos colaterais comuns, incluindo problemas gastrointestinais como náuseas, vômitos, diarréia e constipação, complicações raras e mais graves incluem problemas como paralisia estomacal, pancreatite, obstrução intestinal, insuficiência renal e câncer de tireóide. 

Dados de segurança de longo prazo em populações não diabéticas são necessários para os GLP-1s mais recentes que são mais eficazes para perda de peso.

Os medicamentos também são caros, muitas vezes exigindo custos significativos do próprio bolso. 

Em suma, os GLP-1s não devem ser usados como uma solução rápida para perder alguns quilos, mas sim para pacientes em que o perfil risco-benefício faz sentido - em indivíduos obesos com alto risco de desenvolver DCIs adicionais, por exemplo, nos quais o uso de GLP-1s parece menos preocupante do que os riscos associados a uma vida de problemas graves de peso. 

Para muitos indivíduos obesos, os transtornos metabólicos, incluindo um ambiente hormonal alterado, podem tornar difícil perder e manter o excesso de peso indefinidamente sem terapias médicas ou cirúrgicas adjuvantes.

Infelizmente, as pessoas que mais precisam de GLP-1s para o controle de peso muitas vezes lutam para obtê-lo.

Prescrever GLP-1s para obesidade—ou qualquer distúrbio crônico—não evita a necessidade de mudanças no estilo de vida, que são fundamentais para diminuir a inflamação e o risco de desenvolver DCIs. 

Na verdade, certas mudanças no estilo de vida, como incorporar fibra mais solúvel - um tipo de fibra que alimenta nossos micróbios intestinais - na dieta, ou se exercitar regularmente, podem aumentar os níveis endógenos de GLP-1.

As prescrições de estilo de vida também podem ajudar a diminuir os riscos dos GLP-1s, permitindo que os pacientes sejam mantidos com a menor dose efetiva ou até mesmo desmamem totalmente os GLP-1s em algum momento.

Drogas GLP-1 como Ozempic e Wegovy ganharam imensa tração clínica, bem como fama cultural popular devido ao seu sucesso no tratamento do sobrepeso e da obesidade, doenças conspícuas que sobrecarregam mais de dois terços de todos os adultos americanos.

No entanto, seus efeitos podem ser mais amplos do que nunca imaginado: evidências estão se acumulando sobre o potencial dos GLP-1s para combater a inflamação invisível e de baixo nível, bem como várias das condições crônicas associadas a ela.

Mas, embora os GLP-1s possam ser promissores para o tratamento de uma variedade de doenças, mais pesquisas são necessárias para estabelecer exatamente quais populações de pacientes além das existentes podem se beneficiar desses medicamentos.

Enquanto isso, os pacientes devem discutir a potencial utilidade dos GLP-1s para uma condição específica com seus médicos.

E como no caso da minha paciente Megan, que entrou no meu escritório há muito tempo com uma doença rara terrível, o uso de peptídeos semelhantes ao glucagon - que são poderosos hormônios intestinais - não deve ser arrogante.


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quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Efeito rebote da Semaglutida (Ozempic), isso existe? Por Dra. Natália Jatene

 

sábado, 15 de julho de 2023

Será que a Berberina é um Ozempic natural?

Esqueça as afirmações do TikTok: “Ozempic Natural” não existe, dizem especialistas

Se acreditarmos nos influenciadores do TikTok, o composto à base de plantas chamado berberina pode ser um substituto para medicamentos populares para diabetes e perda de peso, como Ozempic e Wegovy.

O uso da berberina como suplemento tornou-se tão recorrente, na verdade, que foi apelidado de “Ozempic Natural” pelos usuários de mídia social. Alguns fabricantes estão pulando na tendência.

“A berberina se tornou minha nova melhor amiga porque tem me ajudado na perda de peso”, disse uma influenciadora, acrescentando que um dos fabricantes do suplemento de ervas está oferecendo a ela – e a alguns de seus telespectadores – o suprimento para um ano

Alguns especialistas médicos com quem a CNN conversou, no entanto, tinham preocupações sobre o uso deste suplemento não regulamentado.

Como um extrato de plantas como goldenseal, bérberis e várias papoulas, a berberina é considerada um suplemento dietético pela Food and Drug Administration, agência dos Estados Unidos semelhante à Anvisa, e, portanto, é regulamentada como alimento, não como medicamento.

“Esse é o problema com a berberina e todas essas substâncias à base de plantas – elas normalmente não são rigorosamente estudadas em grandes ensaios clínicos randomizados pelos quais submetemos drogas reais. Portanto, você deve ter muito cuidado”, disse a Dra. Caroline Apovian, professora de medicina na Harvard Medical School e codiretora do Centro de Controle de Peso e Bem-Estar do Brigham and Women’s Hospital em Boston.

“Quanto a ser o Ozempic da natureza, não há evidências que sugiram que isso seja verdade”, acrescentou Apovian, que foi o principal autor das diretrizes de prática clínica da Endocrine Society para o tratamento farmacológico da obesidade.

O efeito de perda de peso da berberina é significativo?

Isso não significa que a erva não tenha nenhum impacto nos sistemas metabólicos do corpo.

Uma meta-análise agrupada de vários pequenos estudos clínicos sobre o impacto da berberina nos fatores de risco cardiovascular, incluindo obesidade, encontrou um benefício de perda de peso muito pequeno, mas estatisticamente significativo.

“Mas a significância estatística não significa clinicamente significativo”, disse o Dr. Justin Ryder, pesquisador de obesidade pediátrica e professor associado de cirurgia e pediatria na Feinberg School of Medicine da Northwestern University, em Chicago.

“O que quero dizer com isso? Em média, entre os estudos, a resposta combinada foi de cerca de 0,25 redução no índice de massa corporal ou IMC em comparação com o placebo”, disse.

O índice de massa corporal é uma medida da gordura corporal de uma pessoa com base na altura e no peso.

“Para Ozempic e Wegovy, a diminuição do IMC em comparação com o placebo foi de 4,61 unidades de IMC, ou 18 vezes mais eficaz do que a berberina, acrescentou Ryder.

“Então, a berberina tem efeito? Os dados sugerem que sim. O efeito é significativo? Provavelmente não.”

História da berberina

Algumas das cerca de 500 espécies diferentes de plantas que pertencem ao gênio Berberis têm sido usadas há séculos no Ayurveda e na medicina tradicional chinesa para combater inflamações e curar feridas, curar constipação e hemorróidas e combater infecções do ouvido, olho, boca e aparelho digestivo.

“Faz parte do arsenal de ervas usadas pelos médicos naturopatas”, disse o Dr. Joshua Levitt, um médico naturopata em Hamden, Connecticut.

“Quando se trata de controle glicêmico e regulação do colesterol e outros lipídios e usos antimicrobianos, há algumas coisas legais a serem feitas com ervas e nutrientes.”

Na verdade, a biblioteca do imperador assírio Ashurbanipal tem tabuletas de argila que datam de 650 aC, afirmando que o fruto picante da planta bérberis era usado como agente purificador do sangue.

“Geralmente é usado em sua forma de extrato de planta inteira – folhas, raízes, casca, tudo transformado em uma tintura em pó ou algo assim”, disse Levitt.

Os cientistas conseguiram extrair a berberina como ingrediente ativo nessas plantas há mais de 100 anos, disse ele, e começaram a estudar o composto para problemas metabólicos como colesterol, diabetes e obesidade.

A berberina pode aumentar a produção natural do corpo de GLP-1, ou peptídeo 1 semelhante ao glucagon, um hormônio gastrointestinal usado no Ozempic e em outros novos medicamentos para perda de peso.

É assim que o composto “se encaixa nessa discussão. No entanto, em termos de benefícios de perda de peso, eles são modestos na melhor das hipóteses”, disse ele.

Possíveis efeitos colaterais da berberina

A berberina pode ter efeitos colaterais quando misturada com outros medicamentos, incluindo o medicamento metformina, frequentemente prescrito para pessoas com diabetes e síndrome do ovário policístico e, mais recentemente, para perda de peso.

“A metformina reduz o açúcar no sangue e a berberina reduz o açúcar no sangue”, disse Levitt.

“E se você tomar dois itens que reduzem o açúcar no sangue ao mesmo tempo, pode ter um problema como hipoglicemia excessiva, quando o açúcar no sangue cai.”

Além disso, a berberina é “diretamente antimicrobiana”, que era seu uso mais comum na medicina herbal histórica, Levitt disse: “Os efeitos antimicrobianos podem irritar o trato GI, a menos que uma pessoa tenha um crescimento excessivo de insetos ruins podem causar problemas digestivos”.

A berberina pode ser perigosa se tomada com ciclosporina, um medicamento imunossupressor usado para tratar a rejeição de órgãos pós-transplante, pois pode aumentar os efeitos desse medicamento e possíveis efeitos colaterais.

Outra interação conhecida é com medicamentos sedativos, pois a berberina pode causar sonolência adicional e respiração lenta, de acordo com a Biblioteca Nacional de Medicina.

Além disso, a berberina não deve ser tomada durante a gravidez ou amamentação.

“A berberina pode atravessar a placenta e causar danos ao feto. Kernicterus, um tipo de dano cerebral, se desenvolveu em recém-nascidos expostos à berberina”, observa a Biblioteca Nacional de Medicina em seu site.

Por esses motivos, é importante consultar seu médico primeiro se estiver pensando em tomar berberina ou qualquer outro suplemento não regulamentado.

Apesar da pesquisa que investiga o impacto potencial da erva na diabetes, colesterol alto e doenças cardíacas, o FDA “ainda não aprovou a berberina para qualquer prescrição ou uso de medicamentos sem receita e enviou avisos de violação a empresas que fizeram reivindicações de medicamentos em seus sites”, de acordo com a American Chemical Society.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Semaglutida 2,4mg - 9 fatos que você precisa saber sobre o mais novo fármaco antiobesidade do mercado

No dia 02/01/2023 a ANVISA liberou a venda de uma "nova" droga para obesidade. Ela se chama Semaglutida. Faz parte da classe dos análogos de GLP-1, classe desenvolvida para tratar diabetes mas que em doses maiores promove perda de peso. 

Recebemos inúmeras mensagens então resolvemos preparar esse texto que explica 9 fatos essenciais sobre "a nova" droga.

1 - Mecanismo de ação

Mas afinal, o que é a Semaglutida? O que ela faz? Por que é tão cara? Realmente emagrece? Essas são algumas das perguntas que me fizeram. Então, vamos por partes. Antes de explicar o que é a droga e o seu mecanismo de ação, precisamos saber sobre o GLP-1. 

Em nosso corpo, temos um órgão chamado pâncreas (que fica próximo ao Duodeno ( a primeira porção do intestino delgado). 

O pâncreas é uma glândula mista, ou seja, tem uma função secretora endócrina (produz hormônios) e uma função exócrina (digestão de gordura). Sua porção endócrina é formada por um conjunto de células, denominadas ilhotas de Langerhans. 

Essas ilhotas tem 2 tipos de células, as células betas, responsáveis pela produção de insulina e outra  células alfas, produtoras de glucagon, ambos são lançados no sangue. E é importante saber que esses dois hormônios possuem efeitos antagônicos, ou seja, atividade fisiológica inversa.

A insulina tem sua atuação favorecendo a entrada das glicose nas células. Com isso, nosso corpo não fica em hiperglicemia (muita glicose no sangue), pois, a insulina favorece a entrada de glicose nas células do fígado, músculos esqueléticos e tecido adiposo. 

Já o glucagon, tem atividade estimulante oposta, faz aumentar o concentração de glicose na corrente sanguínea a partir da quebra do glicogênio (substância de reserva energética) e com isso evita que tenhamos hipoglicemia (pouca glicose no sangue)

No nosso intestino, temos células chamadas de células L (localizadas em sua maioria no íleo e no cólon), que são células epiteliais com função enteroendócrina, ou seja, que produzem substâncias (petídeos) que tem ação parecida com o Glucagon produzido pelo pâncreas. São os peptídeos semelhantes ao glucagon, (GLP)s.

A secreção de GLP-1  por células enteroendócrinas do íleo depende da presença de nutrientes no intestino delgado. Os secretagogos (agentes  que causam ou estimulam alguma secreção) desse hormônio incluem nutrientes como carboidratos, proteínas e lipídeos. 

Porém, nosso corpo destrói rapidamente o GLP-1 logo que ele é liberado pelas células L. Uma vez na circulação, o GLP-1 possui uma meia vida de menos que 2 minutos, devido à rápida degradação pela enzima dipeptidil peptidase 4 (DPP-IV). Com isso o GLP-1 não consegue fazer todos os efeitos benéficos que ele tem. 

Então, por anos, a indústria farmacêutica buscou a elaboração de duas estratégias terapêuticas: a criação de análogos (substância que imitam) de GLP-1 que sejam resistentes à enzima (DPP-IV) e sintetização de peptídeos inibidores da enzima, que elevam o nível de GLP-1 endógeno intacto. Estas abordagens potencializam as vantagens terapêuticas do uso de GLP-1 no controle do diabetes e mantêm o risco de hipoglicemia baixo, já que a ação da GLP-1 é glicose-dependente. Ou seja, se a glicose está equilibrada, a droga não estimulará mais tanta insulina e nem reduzirá tanto a liberação de glucagon. 

Mas afinal, o que o GLP-1 faz?

Ele é um potente hormônio anti-hiperglicêmico (reduz a glicose no sangue, evitando a hiperglicemia), induzindo estimulação dependente de glicose da secreção de insulina, enquanto suprimindo a secreção de glucagon. Tal ação dependente de glicose é particularmente atraente por que, quando os níveis de glicose plasmática estão na faixa normal de jejum, o GLP-1 não estimula mais a insulina, não levando à hipoglicemia. 

Os principais mecanismos de ação do GLP-1 são:
  1. Melhora a produção de insulina pelas células β do pâncreas
  2. Diminui a liberação de glucagon pelo pâncreas, por ação nas células α
  3. Inibição da secreção gástrica (que favorece a digestão)
  4. Diminuição da motilidade do trato gastrintestinal (em especial o retardo do esvaziamento gástrico), o que retarda a absorção de carboidratos e contribui para um efeito de saciação.
Para o GLP-1 agir, ele precisa se ligar ao seu receptor, podendo este ser encontrado nas
células α e β das ilhotas pancreáticas, no sistema nervoso central (em especial no hipotálamo), no pulmão, no coração, nos rins, estômago e no intestino. 

No cérebro existe uma região chamada Hipotálamo e nele há uma região chamada tuberal. Dentro dessa região há 2 núcleos importantes: Núcleo da Fome e o Núcleo da Saciedade. Ambos possuem receptores para o GLP-1. Ou seja, o GLP-1 estimula o núcleo da saciedade e inibe o núcleo da fome. Ou seja, inibe o apetite e estimula a saciedade. O que é potencializado pela ação do GLP1 na redução do esvaziamento do estômago. Resultado: come-se menos. 

Então, pesquisadores desenvolveram os análogos de GLP-1:  liraglutida, a albiglutida, a dulaglutida, a semaglutida, exenatida e a lixisenatida

A semaglutida é um análogo do GLP-1 94% igual ao GLP-1 humano, ou seja, se liga bem (seletivamente) ao receptor de GLP1. Nos casos do paciente fazer hipoglicemia, ela diminui a liberação de insulina e não inviabiliza a liberação do glucagon. Ou seja, é uma droga segura, não favorecendo hipoglicemia. 

A droga foi originalmente desenvolvida para tratar o diabetes tipo 2, porém, viram que os pacientes apresentavam perda de peso por inibição da fome e por maior saciedade, sendo dose dependente. Ou seja, quanto maior a dose, maior o efeito na perda de peso.

2 - Apresentação

A droga tem apresentação injetável, de uso semanal (é importante frisar isso, pois, há profissionais que por conta própria prescrevem uso diário e o próprio laboratório contraindica essa prática) e a apresentação oral (comprimido). 

A de uso injetável é aplicada na região subcutânea, com auxílio de uma agulha de 4 ou 6mm. Já a de uso oral, é utilizada diariamente. 

Como a dose deve ser escalonada, há apresentação com 0,25mg e 1mg. Agora teremos a apresentação de 2,4mg.

A droga não é uma nova droga para obesidade. Desde 2018 a Semaglutida é comercializada para tratamento do Diabetes Mellitus tipo 2. Mas muitos já prescreviam para perda de peso. Ou seja, ela não tinha recomendação em bula para o tratamento da obesidade. Dia 02/01/2023 a ANVISA oficialmente reconheceu que a droga, na dose de 2,4mg de uso semanal, pode ser utilizada para tratar obesidade. 

3 - Estudos mostrando a eficácia

Em 2021, foram divulgados os ensaios clínicos Semaglutide Treatment Effect in People with obesity (STEP). E os resultados foram recebidos com entusiasmo pela comunidade médica. Na Tabela abaixo é possível ver o resumo dos resultados.




Os estudos foram divulgados em três dos principais periódicos médicos da atualidade. The New England Journal of Medicine, The Lancet e Nature Medicine.

O STEP 1 foi um randomized clinical trial (RCT) duplo-cego envolveu 16 países. Detalhes sobre os participantes do estudo:
  • Pacientes adultos não portadores de diabetes mellitus (ou seja, apesar da droga ter sido desenvolvida para pacientes com diabetes mellitus tipo 2, no STEP 1 os pacientes não eram diabéticos, apenas com IMC ≥27 kg/m2). É importante salientar isso, pois muitos dos críticos da droga, sequer leram os estudos e afirma que é uma droga para tratar apenas diabetes. 
  • Pacientes com IMC ≥30 kg/m2 ou ≥27 kg/m2
  • Pelo menos uma comorbidade associada. Hipertensão, dislipidemia, apneia obstrutiva do sono ou doença cardiovascular
  • Registo de falha de uma ou mais tentativas de perda ponderal com dieta
Foram excluídos pacientes com:
  1. Diabetes mellitus
  2. Hemoglobina glicada ≥6,5%
  3. Antecedente de pancreatite
  4. Tratamento cirúrgico de obesidade prévio
  5. Uso de medicações para perda de peso nos últimos 90 dias 
Desenho do estudo: os pacientes foram randomizados na proporção 2:1. Para um tratamento de 68 semanas com uma injeção subcutânea semanal de 2,4mg de semaglutida ou placebo. Associado a intervenções no estilo de vida (dieta e atividade física). 

O tratamento com semaglutida foi iniciado em uma dose semanal de 0,25mg por quatro semanas. Aumentada mensalmente até atingir a dose de 2,4mg na semana 16.

As mudanças de estilo de vida incluíram uma redução de 500kcal em relação à ingestão diária habitual. E pelo menos 150 minutos de atividade física semanal.

Os pacientes também receberam aconselhamento individual mensal. Para ajudar na adesão às intervenções e receber orientações a registrar os hábitos diários. O seguimento dos pacientes foi mantido até sete semanas após o final do tratamento.

Resultados do estudo: Os desfechos primários foram o percentual de mudança do peso corporal. E a ocorrência de redução de, pelo menos, 5% do peso. O que é considerada clinicamente relevante, de acordo com a literatura.

Os secundários mostram uma redução de mínima de 10% ou 15% do peso. E mudanças na circunferência abdominal e na pressão arterial. Escore da capacidade funcional. 

Com relação à segurança, foram avaliados o número de eventos adversos durante o período do tratamento. E a ocorrência de eventos adversos graves entre o início do estudo e a semana 75.

Os eventos cardiovasculares, pancreatites e óbitos foram revisados por um comitê externo.

Os resultados mostraram:
  1. Redução de 14,9% do peso corporal no grupo que usou a semaglutida. Comparado a -2,4% com o placebo. Diferença gritante. Lembre-se: o grupo placebo também fez dieta e atividade física, ou seja, as intervenções para mudança de estilo de vida aconteceu em ambos os grupos. 
  2. Diferença de -12,4% entre os grupos
  3. Maior redução da circunferência abdominal (–13,54 cm vs. –4.13 cm com placebo; diferença de –9,42 cm).
  4. IMC: –5,54 vs. –0,92 com placebo; diferença de –4,61.
  5. Os pacientes tratados com semaglutida tiveram uma melhora dos escores de capacidade funcional
  6. Os efeitos da droga sobre a perda ponderal são decorrentes da diminuição do apetite e, consequentemente, menor ingestão calórica.
Uma perda ponderal de 15% tem uma grande importância clínica. Uma perda moderada, de 5 a 10% do peso, já está associada a uma melhora de alguns fatores:
  • Níveis glicêmicos,
  • Fatores de risco cardiovascular (pressão arterial, lipidemia),
  • Bem-estar referido pelos pacientes e dos seus aspectos funcionais. 
  • Perdas maiores que 10% levam a uma melhora continuada destes parâmetros. Além de melhorar sintomas de apneia obstrutiva do sono e escores de esteatohepatite não-alcoólica.
Para a remissão de diabetes e redução dos eventos cardiovasculares, é necessária uma perda ponderal maior ou igual a 15%.

Os críticos (e ignorantes de plantão) falam que consegue-se perder peso somente com atividade física e dieta. Estão errados? Não. Mas, vale salientar que o estudo mais intensivo feito até hoje, foi o DIRECT (2018). Nele os participantes fizeram dieta, atividade física e mudanças comportamentais. Perderam em média 9% do peso em 12 meses. Porém, em 24 meses, devido o reganho de peso, esse efeito já caiu para 5%. Teve quem perdeu mais? Sim. Teve quem perdeu menos de 9% ? Também teve. 

Nos últimos dias cansei de ver nutricionistas e profissionais da educação física criticando a droga. Invalidando o processo de quem utiliza a droga. Briga por mercado? Medo de perder o paciente pra droga? Ignorância? Desconhecimento do mecanismo de ação da droga? Ausência de mínimas noções sobre a fisiopatologia da obesidade? Ou apenas, má fé? Um misto de tudo e nós médicos que tratamentos de pacientes portadores de obesidade entendemos. Os resultados são realmente muito bons e vários pacientes tem benefício com a utilização. Isso é inegável e por isso o medo de alguns. 

Um ponto a ser analisado nos estudos: "A semaglutida foi prescrita junto com dieta, atividade física, portanto só funcionou porque houve mudança no estilo de vida". Será? Será que se não tivessem feito exercício e dieta não adiantaria de nada?

Como disse o nutricionista Igor Eckert em um post: 

"Mudança no estilo de vida faz parte do cuidado usual e precisa ser prescrito para ambos os grupos. Não orientar essa mudança seria uma intervenção anti-ética e o estudo perderia validade externa, afinal na vida real se orienta a mudança de estilo de vida. E esse é o ponto chave para entender o efeito da semaglutida". 

Como a dieta e atividade física foi prescrita para os 2 grupos, a diferença na perda de peso entre os 2 grupos foi atribuida à semaglutida.
  • Grupo Semaglutida perdeu 14,9%. 
  • Grupo placebo (atividade física e dieta) perdeu 2,4%.
A única diferença entre os 2 grupos foi o uso da Semaglutida. Logo, -12,4% de perda  foi causada pelo uso da droga. Ou seja, a princípio, esse é o efeito da droga, independentemente da mudança de estilo de vida. É a perda de peso que a semaglutida causa comparado a quem já faz dieta e exercício fisico. Mas será que o efeito da Semglutida não pode ter sido potencializado pela recomendação de mudanças de estilo de vida? Talvez. E se isso for real, o efeito isolado da droga na realidade seria inferior a -12,4%. 

Assumindo então que existe essa interação, o resultado visto seria um efeito sinérgico entre as 2 intervenções. Nesse caso, daria para dizer que parte do benefício depende da mudança de estilo de vida? Não dá para saber. A boa notícia é que a gente não precisa desse dado. Não mudaria a conduta. Por que? Porque a mudança de estilo de vida é padrão e precisa ser prescrita, sempre."

Vale ressaltar que o grupo placebo também apresentou resultados interessantes.

O que reforça a importância e o impacto das mudanças de estilo de vida. 31% dos pacientes perderam 5% do peso, 12% perderam pelo menos 10% e 5% perderam pelo menos 15%. O que corrobora com o que vemos na prática. Por um tempo, vários pacientes conseguem perder peso em um primeiro momento, porém, essa perda vai se diluindo com o passar dos anos. 

4 - Efeito se utilizada de forma isolada (sem dieta e atividade física)

Como relatado acima, pode ser que a droga por si só gere a perda de peso. Mas é anti-ético um médico não prescrever a mudança de estilo de vida. Geralmente, quando o paciente pára de utilizar a droga, ocorre reganho parcial do peso. É o que chamam de efeito rebote. Quer dizer que a droga induz isso? Não. A droga ela tem a sua eficácia e quando está sendo utilizada ela alcança o que "promete". 

Sendo assim, esse "rebote" é minimizado quando se combina o uso da droga com dieta, atividade física e mudanças permanentes no estilo de vida. Por isso é importante o acompanhamento contínuo. Uma vez portador de sobrepeso/obesidade, o indivíduo terá que se policiar por toda a vida. E isso é algo que todo paciente deve receber de recomendação, desde a primeira consulta. Jamais criar falsas esperanças com relação ao tratamento. 

5 - Efeitos colaterais e adversos

Os principais eventos adversos associados ao tratamento foram a ocorrência de náuseas, vômitos e diarreia. Esses efeitos já conhecidos dos análogos de GLP-'. Por isso, a recomendação de escalonar a dose. 

Em acréscimo, houve uma maior ocorrência de colelitíase no grupo semaglutida (2,6% vs. 1,2% no grupo placebo). Mas uma investigação dos efeitos adversos gastrointestinais. O que pode ter levado a um maior diagnóstico dessa condição em relação ao grupo placebo. 

Os efeitos mais preocupantes são a rara ocorrência de pancreatite e a contraindicação. No segundo caso, ocorre em pacientes com história pessoal ou familiar de neoplasia endócrina múltipla ou carcinoma medular da tireoide. 

A semaglutida já é amplamente utilizada para tratamento de diabetes. Ela faz parte de uma classe de medicamentos com um perfil de segurança conhecido. O que traz uma tranquilidade ao uso desta medicação para o tratamento da obesidade. 

O que tem-se visto na prática é que alguns pacientes após meses de uso podem apresentar Supercrescimento bacteriano do intestino delgado, talvez pela estase gástrica e intestinal. 



6 - Custo

Infelizmente ainda é uma droga cara, mas acreditamos que com o passar dos anos o valor reduzirá. A semaglutida de 1mg gira em torno de R$930. O valor da de 2,4mg ainda não sabemos.

7 - Pacientes não respondedores

Existem pacientes que não vão responder bem ao tratamento, não porque a medicação seja ruim, mas apenas por uma característica de alguns pacientes em não ter o efeito esperado com o uso daquela determinada droga ou efeitos colaterais mais expressivos que o normal (o que dificulta a adesão ao tratamento), assim como ocorre em diversas outras medicações. Uma área da medicina que tenta explicar essa diferença de efeitos é a Farmacogenômica. Além disso, não é incomum alguns pacientes responderem bem ao uso diário da Liraglutida e não responderem à Semaglutida semanal.

8 - Associação com outros fármacos antiobesidade

Por se tratar de um análgo de GLP-1, a Semaglutida 2,4mg não deve ser utilizada junto de outras drogas da mesma classe, como Liraglutida, Dulaglutidam, Exenatida e a própria Semaglutida 1mg. Devido a diferença de mecanismo de ação, a Semaglutida 2.4mg pode ser associada à outros fármacos antiobesidade em terapia combinada quando necessário e sempre prescrito por um médico especialista na área. 

Pacientes diabéticos usando medicações para controle da glicemia da classe dos inibidores de dipeptidil peptidase 4 (gliptinas) também não devem usar a medicação devido interação entre as duas classes e risco de reações adversas.

Alguns pacientes redução dos efeitos da Semaglutida e para isso podemos utilizar uma associação com outras medicações antiobesidade, O médico especialista na área saberá orientar bem o paciente sobre quais podem ser combinadas com a Semaglutida. 

9 - Automedicação

Infelizmente a automedicação é muito comum no Brasil e com medicações voltadas para o tratamento da obesidade não é diferente, principalmente se a medicação puder ser adquirida sem receita ou por “outros meios”. 

Toda medicação por mais segura que seja apresenta riscos mesmo quando bem indicada, o grande problema é que esses riscos aumentam muito quando o uso da droga é feito de forma errada e por pacientes que nem deveriam estar usando a medicação. Além de colocar em risco a própria saúde, quem usa a droga sem precisar e por conta própria também prejudica outros pacientes por aumentar a demanda nas farmácias gerando a falta da medicação para quem realmente precisa do tratamento. 

A obesidade é uma doença crônica, redicivante, com forte componente genético e ambiental, ou seja, bastante complexa. Nós médicos estudamos por muitos anos para entender qual o melhor tratamento e como faze-lo com segurança, procure sempre seu médico e de preferencia um especialista na área antes de iniciar um tratamento, tire suas dúvidas e faça da maneira correta.

Bibliografia: 

Wilding et al. Once-Weekly Semaglutide in Adults with Overweight or Obesity. N Engl J Med, 2021. Disponível em: www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMoa2032183.

Ingelfinger JR e Rosen CJ. STEP 1 for Effective Weight Control — Another First Step?. N Engl J Med, 2021. Disponível em: www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMe2101705

Adler AI. The STEP 1 trial for weight loss: a step change in treating obesity? Nat Med, 2021. Disponível em: www.nature.com/articles/s41591-021-01319-4

Ryan DH. Semaglutide for obesity: four STEPs forward, but more to come. Lancet Diabetes Endocrinol, 2021. Disponível em: www.thelancet.com/journals/landia/article/PIIS2213-8587(21)00081-4/fulltext

Autores:

Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13.192 - RQE 11.915
Dr. Limiro Silveira - Médico Nutrólogo - CRM-DF  28172  - RQE 19162
Dra. Edite Melo Magalhães - Médica especialista em Clínica médica e Nutróloga - CRM-PE 23994 - RQE 9351