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terça-feira, 19 de setembro de 2023

Tenho gases ao comer pão, será que não posso com glúten?


Nas consultas em consultório, a maioria dos pacientes que relatam ter gases ao consumir alimentos com farinha de trigo (pão, bolo, biscoitos, dentre outros) acreditam que o problema está diretamente ligado ao GLÚTEN, devido a alguma sensibilidade ou intolerância a essa proteína. Alguns já até afirmam: acho que tenho doença celíaca. 

Mas antes de explicar, sugiro que você me siga no instagram: @drfredericolobo para mais informações de qualidade em Nutrologia e Medicina. Lá, posto principalmente nos stories, informação de qualidade e no feed, junto com meus afilhados postamos sobre vários temas.

E se eu te disser que provavelmente essa piora nos seus sintomas de gases não está relacionado ao glúten, mas sim com os carboidratos fermentáveis presentes no trigo?

O trigo possui uma quantidade considerável de um grupo de carboidratos conhecidos como FRUTANOS ou FRUCTANOS, que podem ser os causadores dos seus sintomas gastrointestinais. Os frutanos são carboidratos fermentáveis, resistentes à digestão e que, quando são ingeridos, são fermentados pelas bactérias presentes em todo o trato digestivo.

Essa fermentação altera o pH e a osmolaridade local, puxando água para a luz intestinal, além de produzir gases, o que resulta em meteorismo: quadro composto por distensão abdominal, sensação de empachamento, dor abdominal tipo cólica, diarreia ou até mesmo constipação.
Fezes com odor pútrido, percepção dos movimentos peristálticos e até mesmo ouvir barulhos oriundos do abdome não são incomuns. 

O grande ponto é que muitas pessoas só se lembram do glúten e de alguns FODMAPs (carboidratos fermentáveis) que são mais falados como a lactose e a frutose. No entanto, desconhecem que há uma gama de intolerâncias alimentares (nesse texto tratamos disso) possíveis e bem comuns na prática clínica que precisam ser investigadas, incluindo intolerância aos polióis, a rafinose, estaquiose, dentre outras. Além disso, essas intolerâncias alimentares podem cursar com SIBO, o supercrescimento de bactérias no intestino delgado, o que piora as intolerâncias e exacerba o quadro, gerando ainda mais gases.

Mas e o pão de fermentação natural ? É melhor?

Sim, alguns pacientes referem melhor digestibilidade com os panificados de fermentação natural, principalmente os de longa fermentação. Porém, há pacientes que mesmo com esses produtos, apresentam sintomas como distensão abdominal, pirose, gases e até diarreia. 

E caso você tenha sintomas gastrointestinais, agende seu horário para uma consulta com a gente.

Nosso trabalho é diferenciado. Eu (Frederico Lobo) sou portador de múltiplas intolerâncias alimentares e desde 2010 me dedico a tratar pacientes com dificuldade na alimentação. O Rodrigo Lamonier trabalha comigo, dentro do consultório desde 2018, é portador de Doença celíaca e também tem uma vasta experiência com intolerâncias alimentares.  Atendemos presencial em Goiânia e por telemedicina. Caso queira agendar, clique aqui.

Aproveite e siga nosso instagram: @drfredericolobo e @rodrigolamoniernutri

Autores: 
Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 / CRM-SC 32949 - RQE 22416
Dr. Rodrigo Lamonier - Nutricionista e Profissional da Educação física

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Aerofagia, Gases (flatos) e Distensão abdominal: causas, diagnóstico e tratamento



Uma das queixas mais comuns no meu consultório são os gases e a investigação não é tão simples como muitos acreditam. Se a investigação não é tão simples, quem dirá o tratamento. O nutrólogo necessita ser capacitado para conduzir o diagnostico e tratamento desse sintoma: Gases (flatos).

Não existe ser humano que não produza gases intestinais. Até a Gisele Bundchen. Todos nós os produzimos regularmente e, quando em excesso, devem ser eliminados. Esses gases são resultantes de um processo biológico normal, chamado fermentação, que ocorre durante a digestão dos alimentos mas podem ter outras causas. 

Sem alimentos o nosso intestino possui menos de< 200 mL de gases por dia. 

A quantidade de gases expulsos por dia vai variar de 600 a 700 ml, após uma ingestão diária com cerca de 200g de feijão cozido.

Cerca de 75% dos flatos são derivados da fermentação promovida pelas bactérias que se situam no intestino grosso, sobre os nutrientes ingeridos e glicoproteínas endógenas. E quais são os principais gases? Os gases incluem H2 (Hidrogênio), CH4 (metano) e CO2 (gás carbônico), H2S (Gás sulfídrico ou sulfeto de Hidrogênio). O cheiro dos gases se correlaciona com a concentração de sulfeto de hidrogênio. 

O ar deglutido (aerofagia) e a difusão do sangue para a luz intestinal também contribuem para os gases intestinais. Os gases passam entre a luz e a corrente sanguínea em uma direção dependente da diferença nas pressões parciais. 

O acúmulo excessivo de gases no intestino delgado e no grosso promove distensão, também chamada de meteorismo. Quando esses gases são também responsáveis por desconforto e/ou dor abdominal e excessiva eliminação pelo ânus, temos um quadro de flatulência.

Os 3 tipos de apresentação de excessos de gases

Existem 3 queixas principais relacionadas com gases: 

  1. Eructações excessivas (arrotos), 
  2. Distensão (meteorismo),
  3. Flatulência excessiva, 
Crianças entre 2 e 4 meses de idade com crises de choro repetidas geralmente parecem, a quem as observa, estarem com dor devido cólicas decorrentes de gases. Entretanto, estudos mostram que não há aumento na produção de H2 ou no tempo de trânsito orocecal em crianças com cólicas. Consequentemente, a causa da cólica infantil continua obscura. Ou seja, o tema é controverso, pois ao utilizarmos algumas cepas de probióticos, os gases melhoram e consequentemente as cólicas. 


Eructações excessivas

As eructações resultam de ar deglutido ou de gás presente em bebidas gaseificadas (refrigerantes, água com gás, soda italiana). 

A ingestão de ar ocorre normalmente em pequenas quantidades quando se bebe ou ingere alguma coisa, mas algumas pessoas inconscientemente deglutem ar de modo repetido enquanto comem ou fumam e em especial quando estão ansiosas ou na tentativa de induzir a eructações. 

Salivações excessivas aumentam a aerofagia e podem estar associadas a vários distúrbios gastrointestinais (como DRGE), dentaduras mal ajustadas, determinados fármacos, chicletes, ou náuseas de qualquer causa.

Grande parte do ar deglutido é eructada (arrotada). Apenas pequena parte desse ar passa para o intestino delgado; essa quantidade é aparentemente influenciada pela posição em que o indivíduo se encontra. Em uma pessoa em pé, o ar é rapidamente eructado; em uma pessoa em posição deitada o ar é preso acima do líquido do estômago e tende a ser empurrado para o duodeno. 

A eructação excessiva pode também ser voluntária; pacientes que arrotam depois de ingerirem antiácidos tendem a atribuir a melhora dos sintomas mais à eructação do que aos antiácidos e podem intencionalmente eructar para ter seu desconforto aliviado.

Distensão abdominal (excesso de gases)

A sensação de distensão abdominal pode ocorrer sozinha ou junto com outros doenças gastrointestinais.

Por exemplo, distensão abdominal associada a distúrbios funcionais (p. ex., aerofagia, dispepsia funcional, gastroparesia, síndrome do intestino irritável) e orgânicos (p. ex., câncer de ovário, câncer de cólon). 

A gastroparesia (e consequente distensão abdominal) também tem muitas causas não funcionais, a mais importante das quais é a neuropatia autonômica visceral decorrente do diabetes; outras causas são a infecção pós-viral, fármacos com propriedades anticolinérgicas e consumo prolongado de opioides. 

Entretanto o gás excessivo no intestino não está claramente relacionado a essas queixas. Em muitos pacientes saudáveis, 1 L/h de gás pode ser infundido no intestino de forma assintomática, ou seja, o paciente nem sentirá nada. Parece que muitos sintomas são incorretamente atribuídos ao “excesso de gás”.

Por outro lado, alguns pacientes com sintomas gastrointestinais recorrentes frequentemente não toleram pequenas quantidades de gás: distensão colônica retrógrada por meio de insuflação de balão ou instilação de ar durante colonoscopia geralmente causam desconforto significativo em alguns pacientes (p. ex., aqueles com síndrome do intestino irritável), mas provocam sintomas mínimos em outros. 

De maneira similar, pacientes com distúrbios alimentares (p. ex., anorexia nervosa, bulimia) com frequência têm a percepção alterada e são particularmente incomodados por sintomas como distensão. Logo, a anormalidade básica nos pacientes com sintomas relacionados a “gases” pode ser um intestino hipersensível. Motilidade alterada pode contribuir para os sintomas.

Algo que vejo comumente no consultório é o paciente afirmando que acorda com o abdome plano e termina o dia com uma protuberância abdominal, quase semelhante a uma gravidez. Na maior parte das vezes esse sintoma tem correlação com a dieta, mas pode ter outras causas, cabendo ao Nutrólogo ou Gastro investigar. 

Na prática, o que faço com o meu nutricionista (Rodrigo Lamonier) são diários alimentares funcionais. No qual o paciente relata a ingestão, descreve a composição da refeição e relaciona o sintoma gastrintestinal que surgiu. Depois procede-se com a análise diante do paciente.

Flatulência excessiva

Existe grande variabilidade na quantidade e frequência da passagem de gases pelo reto (o famoso soltar pum). 

Muitas vezes os pacientes que se queixam de flatulência em geral têm uma concepção errada do que é normal. A média de flatos eliminados por dia gira em torno de 13 a 21. Ou seja, soltar 13 a 21 "puns" por dia pode ser aceitável, o problema é que muitos deles são eliminados de forma imperceptível.

A flatulência, que pode causar angústia psicossocial significativa, é extraoficialmente descrita de acordo com suas características marcantes:


  • O tipo “deslizante” (que ocorre em um elevador cheio de pessoas), que é liberado lentamente e silenciosamente, às vezes com um efeito devastador
  • O esfíncter aberto, ou tipo "pooo", que se diz ser de maior temperatura e mais aromático
  • O "staccato” (notas musicais separadas) ou em “barulho de tambor”, eliminado privadamente e com prazer
  • O tipo “latido” é caracterizado por eliminação rápida e fina que interrompe eficazmente (e em geral termina) uma conversa (o odor não é uma característica proeminente)

Como já dito, os gases são sub-produtos metabólicos das bactérias intestinais; quase nada vem do ar deglutido ou pela difusão retrógrada de gases (primariamente nitrogênio) a partir da corrente sanguínea. O metabolismo bacteriano produz volumes significativos de H2, CH4 e CO2.

H2

O hidrogênio é produzido em grandes quantidades em pacientes com síndromes de má absorção e depois da ingestão de certas frutas e vegetais que contêm carboidratos não digeríveis ou problemáticos (p. ex., feijões cozidos, brócolis), açúcares (p. ex., frutose) ou açúcares de álcool (sorbitol). Tem um texto grande aqui no blog que explica bem sobre esses carboidratos problemáticos, os FODMAPS: http://www.drfredericolobo.com.br/2016/07/estrategia-fodmaps-voce-ainda-ouvira.html

Em pacientes com deficiência de dissacaridase (mais comumente deficiência de lactase), grandes quantidades de sacarídeos chegam ao cólon e são fermentados em hidrogênio. 

Doença celíaca, espru tropical, insuficiência pancreática e outras causas de má absorção de carboidratos também devem ser consideradas em casos de excesso de gás colônico.

Metano 

Metano também é produzido pelo metabolismo bacteriano dos mesmos alimentos (p. ex., fibra dietética). Contudo, cerca de 10% dos indivíduos tem bactérias que produzem CH4, mas não H2.

Dióxido de carbono ou gás carbônico

O dióxido de carbono também é produzido pelo metabolismo bacteriano e gerado pela reação de íons de bicarbonato e hidrogênio. 

Os íons de hidrogênio provêm do ácido clorídrico gástrico ou dos ácidos graxos liberados durante a digestão das gorduras. 

Os produtos ácidos liberados pela fermentação bacteriana de carboidratos não absorvíveis no cólon podem também reagir com o bicarbonato para produzir CO2. Embora possa ocorrer distensão ocasionalmente, a rápida difusão de CO2 para o sangue costuma prevenir a distensão.

A dieta é responsável por grande parte da variação da produção de flatos entre os indivíduos, mas fatores ainda não compreendidos (p. ex., diferenças na microbiota do intestino grosso e motilidade) podem também ter participação.

Avaliação clínica e diagnóstico

Aerofagia: Quando o paciente relata que está arrotando muito, comumente investigamos as causas de aerofagia, aplicamos o diário funcional e muitas vezes solicitamos alguns exames. 

Já nos pacientes com queixa de distensão abdominal ou flatulência, investigamos se não há nenhuma alteração orgânica no trato digestivo. Afastamos Síndrome do intestino irritável pois pode coexistir. Investigamos as principais intolerâncias à carboidratos fermentáveis. 

Além disso, algo que tem se tornado comum é o diagnóstico de Disbiose intestinal ou de Síndrome de Supercrescimento bacteriano do intestino delgado (SCBID ou SIBO). 

O termo Disbiose é usado de forma errada e na verdade considera-se Disbiose como qualquer alteração qualitativa e quantitativa da microbiota ao longo do trato digestivo. Já os supercrescimento se refere mais ao Intestino delgado. 

A SCBID é geralmente definida pela presença de uma população bacteriana no intestino delgado que excede 105-106 ufc/ml. Ou pela presença no Intestino delegado  ≥ 103 ufc/mL com predomínio de bactérias que normalmente ficariam no intestino grosso e que não estão presentes na saliva ou no suco gástrico




Quando essa colonização é leve a moderada o paciente pode apresentar: 

  1. Flatulência
  2. Distensão abdominal
  3. Desconforto abdominal
  4. Borborigmos
  5. Dor abdominal
  6. Dispepsia

Caso a colonização seja maciça, o paciente pode cursar com:

  1. Diarréia disabsortiva
  2. Desnutrição
  3. Manifestações neurológicas

Nesse caso investigamentos a relação entre os sintomas e as refeições (tanto a hora quanto o tipo e a quantidade de alimento), evacuações e esforços. Investigamos o histórico medicamentoso do paciente, quais drogas ele utilizou nos últimos 3 anos e que possam ter impactado nessa microbiota do trato digestivo. Aplicamos a Escala de Bristol e muitas vezes solicitamos a Pesquisa de Supercrescimento bacteriano, Coprológico Funcional, Coprocultura. Investigamos déficit de nutrientes.


Exame físico

O exame físico geralmente apresenta alteração na percussão do abdome do paciente, muitas vezes visivelmente distendido. Além disso há um aumento do número e intensidade dos ruídos hidroaéreos. 

Tratamento

Eructações e distensão são difíceis de serem aliviados, já que com frequência são causados por aerofagia inconsciente ou sensibilidade aumentada a quantidades normais de gases.  A aerofagia pode ter uma melhora com algumas medidas dietéticas, uso de técnicas cognitivo-comportamentais para evitar a deglutição de ar. Além de melhora no padrão inspiratório. As drogas muitas vezes têm pouco benefício. Simeticona, um agente que rompe as pequenas bolhas de gás, e vários agentes anticolinérgicos geram maus resultados clínicos. Alguns pacientes com dispepsia e empachamento pós-prandial se beneficiam com o uso de antiácidos, antidepressivos tricíclicos em baixas doses ou ambos para reduzir a hipersensibilidade visceral. Alguns gastroenterologistas utilizam procinéticos, o que pode auxiliar alguns casos.

Flatulência excessiva, via de regra, é tratada abstendo-se dos agentes causadores de gases. Nesse caso o diário funcional tem um papel essencial. O que desencadeia gases em um, pode não desencadear em um outro indivíduo. Brinco com meus pacientes que é um trabalho duplo-detetive. A investigação as vezes dura de 6 meses a 1 ano.

Pode-se utilizar substâncias não absorvíveis (p. ex., psyllium e outras fibras) com o intuito de aumentar o trânsito colônico; entretanto, em alguns pacientes os sintomas podem piorar.  

A mesma coisa ocorre com uso de probióticos. Tem uma grande quantidade de pacientes que vem encaminhado por Nutricionistas, alegando que após utilizarem probióticos os gases aumentam e os sintomas pioram. Isso é algo que ocorre muito comumente na SIBO. E se o paciente tiver SIBO, ele pode utilizar o tanto de prebiótico ou probiótico que for. Os sintomas só vão piorar, enquanto não se utilizar a antibioticoterapia específica. 

Carvão ativado pode, às vezes, ajudar a reduzir os gases e o odor desagradável; contudo, ele mancha as roupas e cora a mucosa oral. 

Fonte: 

  1. http://www.betterhealth.vic.gov.au/bhcv2/bhcpdf.nsf/ByPDF/Flatulence/$File/Flatulence.pdf
  2. http://www.shs.uconn.edu/docs/educational_handouts/flatulence.pdf
  3. http://digestive.niddk.nih.gov/ddiseases/pubs/gas/index.aspx
  4. http://www.nhs.uk/conditions/flatulence/Pages/Introduction.aspx
  5. https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/dist%C3%BArbios-gastrointestinais/sintomas-dos-dist%C3%BArbios-gi/queixas-relacionadas-a-gases

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Gases intestinais

Talvez uma das queixas mais frequentes no meu consultório seja essa: Gases e distensão abdominal. Há anos venho me aprofundando no estudo desse sintoma, elaborando protocolos de investigação e tratamento em conjunto com outros Nutrólogos e a participação de amigos nutricionistas.

É uma queixa muito comum e muitas vezes negligenciada por alguns profissionais: médicos e nutricionistas. E muitas vezes por pura ignorância acreditam que dar probióticos pode melhorar o quadro, quando na verdade pode é piorar.

Nos últimos 3 anos é raro um dia que não atendo alguém com essa queixa. Brinco que virou o meu feijão com arroz no consultório.

Abaixo posto um vídeo de um amigo (Dr. Joffre Rezende Neto) que esclarece de forma clara e didática as principais causas de gases e distensão abdominal.

O nutrólogo geralmente é capacitado para investigar o sintoma e instituir um tratamento adequado de acordo com a etiologia. Só depois que o paciente apresenta um diagnóstico (que somente o profissional médico pode dar) encaminhamos para o Nutricionista.


sábado, 15 de novembro de 2014

A Estratégia FODMAP Contra os Gases por Dr. Leandro Minozzo



O problema é sério e está espalhado por aí de uma maneira impressionante. Não chega a ser uma questão de vida ou morte, mas incomoda, e muito. Refiro-me aos gases – quase sempre acompanhados de inchaço abdominal, borborigmos (aqueles sons embaraçosos vindos da barriga) e desconforto, que pode ser dor do tipo cólica. Quem apresenta esse quadro, sabe do que estou falando, e de como a vida poderia ser bem melhor sem esses sintomas.

No consultório, quando recebo os pacientes com os exames, corro logo ver o resultado do teste de intolerância à lactose. Em outros casos, vou direto para os anticorpos ou resultado da biópsia de duodeno quando suspeito da doença celíaca. Não que eu queira que os pacientes tenham essas duas condições, só que o que fazer quando todos esses exames vêm com resultados negativos? O que fazer com os gases? O que resta investigar? Será então a síndrome do cólon irritável, logo devo entrar com medicações para aliviar a dor e parar por ai? Indicar dieta com fibras, pouco álcool, pouca cafeína e gordura além de prescrever probióticos?  O artigo no qual me lanço trata justamente sobre esses casos e nele abordarei uma conduta para reduzir ou acabar com os gases e inchaço: a estratégia FODMAP.

Curiosamente, um achado comum nesses pacientes é a restrição que possuem a determinados alimentos, sendo os principais deles o feijão, o brócolis, o pimentão e a lentilha. Eles relatam que quase imediatamente ao consumi-los, apresentam os sintomas digestivos do começo do texto. Logo, fica evidente que essas pessoas não conseguem digeri-los adequadamente, sofrendo efeitos de sua fermentação dentro dos intestinos. Acredito que essa foi a pista inicial para pesquisadores australianos, em especial Sue Shepherd, debruçarem-se sobre a composição de determinados alimentos e tentar identificar quais causam sintomas. O nome da abordagem – FODMAP – é um acrônimo para um conjunto de carboidratos osmóticos que podem ser de difícil digestão para algumas pessoas (“fermentable oligosaccharides, disaccharides, monosaccharides and polyols”) – veja a tabela abaixo com uma lista resumida.





Quem sofre com os gases não necessariamente apresenta intolerância a todos os carboidratos FODMAP, podendo, em grande parte dos casos, ter dificuldade com um ou dois tipos. É comum, no entanto, a intolerância combinada à lactose e à frutose, assim como ocorre com quando da doença celíaca, quando muitos pacientes não toleram o glúten e a lactose simultaneamente– mais de 30% dos celíacos também não consegue digerir a lactose.

Outro detalhe importante, em especial para colegas médicos e nutricionistas, é que alguns desses carboidratos, como as fructanas e a rafinose são digeridos por bactérias da flora intestinal e, caso ela não se encontre em equilíbrio – condição chamada de disbiose –, os sintomas prevalecerão sempre. A flora intestinal é alvo frequente de pesquisas envolvendo não só aspectos digestivos, mas relacionados ao sistema imunológico e obesidade. A prescrição de probióticos e prebióticos é crescente e encontra espaço em casos de distensão, diarreia e constipação. Por último, colegas, como essas queixas guardam relação com o sobrepeso e obesidade, preparem-se para trata-las no dia-a-dia, pois elas serão cada vez mais frequentes!

Voltando aos FODMAP’s, agora falando sobre a frutose, há problemas tanto na sua quantidade quanto na relação à de glicose: mesmo alimentos não tão ricos em frutose podem causar sintomas quando a relação está aumentada (maior que um) – é o caso da manga, por exemplo, que apresenta 3 gramas de frutose por 100g (o que não tão elevado), porém a relação frutose/glicose é de 3,1.

Para muitos leitores, acredito que essa questão FODMAP soe como uma novidade, porém, há pesquisas que a embasam cientificamente há pelo menos 15 anos e, com as recentes publicações em revistas indexadas de nutrição e gastroenterologia, o assunto ganha relevância.  Os resultados do benefício de uma dieta com baixo FODMAP são, com o perdão do exagero da palavra, extraordinários em pacientes com a síndrome do cólon irritável – até 74% de redução nos sintomas.  Ressaltando que essa síndrome é  uma condição de prevalência significante – mais de 10% da população adulta – e ainda carece de recomendações nutricionais específicas, ficando o tratamento focado na redução dos sintomas, nem sempre às causas.  Nela, acredita-se que o paciente acometido tenha a percepção da distensão intestinal alterada, ou seja, tolera menos o excesso de gazes, que no caso, pode ser causado pela intolerância aos carboidratos fermentáveis da lista. Em dissertação defendida em 2013, na USP, o feijão foi indicado como um dos alimentos que mais deflagrou crises em pacientes com a síndrome do cólon irritável.

E como seria a estratégia FODMAP? Nela, retiram-se da dieta todos os alimentos contidos numa grande lista. É claro, outra grande lista de alimentos permitidos também é oferecida! Orienta-se o paciente a seguir com a dieta de baixo FODMAP por 4 a 6 semanas, logo, “desafios alimentares” são feitos com a introdução dos mesmos por grupos e em baixa quantidade. Inicia-se por frutose, lactose, sorbitol e manitol. Após, continua-se com fructanas e GOS (rafinose). Deve-se tentar aumentar as quantidades de cada grupo até a tolerância máxima, isso porque como você pode constatar na tabela, a maioria dos alimentos ricos em FODMAP é muito saudável, apresentando efeitos benéficos também para a digestão – pelo efeito prebióticos e quantidade de fibras.

Existem outras condições que ainda estão sendo estudadas e que estão relacionadas aos sintomas, como a intolerância ao glúten na ausência da doença celíaca e a dificuldade na digestão de algumas substâncias como a cafeína. Quanto à condição de intolerância ao glúten na ausência de testes confirmatórios para a doença celíaca, há grande possibilidade da intolerância de base ser exclusiva ao trigo – não ao glúten!  Impressiono-me com a quantidade de estudos nessa área e a “fermentação” do tema nutrição e saúde intestinal na medicina. Existem pistas, porém ainda muitas incertezas e desconfianças.

Trazendo para o campo das soluções, além da identificação e retirada dos carboidratos que causam os gases, alguns recursos terapêuticos podem ajudar. No caso dos GOS (rafinose), há a opção de beta-galactosidade no mercado brasileiro (Digeliv, do Laboratório Apsen) – até há pouco tempo era necessário adquirir nos Estados Unidos (Beano). Há também uma infinidade de probióticos nas prateleiras de farmácias e supermercados, que podem ser bastante úteis.

No próximo artigo falarei um pouco mais sobre o papel do nutrólogo no diagnóstico desse tipo de intolerância e os recursos disponíveis. Lembrando sempre que ninguém deve começar uma dieta restritiva ou tratamento por conta própria. Procure sempre um profissional para orientá-lo.

Bom, espero ter dado esperanças para os leitores que sofrem diariamente com os gases, inchaço e cólicas, ah! e com os borborigmos. Quem sabe, com essas informações, algum leitor até se aventure a encarar uma boa feijoada sem medo.

Abraços,

Leandro Minozzo – Médico Nutrólogo



Bibliografia

  1. Gibson PR, Shepherd SJ. Evidence-based dietary management of functional gastrointestinal symptoms: The FODMAP approach. J Gastroenterol Hepatol. 2010 Feb;25(2):252-8.

  2. Fedewa A, Rao SS. Dietary Fructose Intolerance, Fructan Intolerance and FODMAPs. Curr Gastroenterol Rep. 2014 Jan;16(1):370.

  3. Halmos EP, Power VA, Shepherd SJ, Gibson PR, Muir JG. A Diet Low in FODMAPs Reduces Symptoms of Irritable Bowel Syndrome. Gastroenterology. 2014 Jan;146(1):67-75.e5.

  4. Mearin F1, Peña E2, Balboa A3. Importance of diet in irritable bowel syndrome. Gastroenterol Hepatol. 2014 Feb 27.

  5. Biesiekierski JR., ET AL. No effects of gluten in patients with self-reported non-celiac gluten sensitivity after dietary reduction of fermentable, poorly absorbed, short-chain carbohydrates. Gastroenterology. 2013 Aug;145(2):320-8.e1-3




Fonte: http://www.leandrominozzo.com.br/blog/?p=688