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sábado, 27 de novembro de 2021

Descoberta de medicamentos anti-obesidade: avanços e desafios

Resumo

Um enorme progresso foi feito na última metade do século no controle de doenças intimamente integradas ao excesso de peso corporal, como hipertensão, diabetes na idade adulta e colesterol elevado.

No entanto, o tratamento da obesidade em si tem se mostrado amplamente resistente à terapia, com medicamentos anti-obesidade (OMA), muitas vezes apresentando eficácia insuficiente e segurança duvidosa.  

Aqui, fornecemos uma visão geral da história do desenvolvimento da AOM, com foco nas lições aprendidas e nos obstáculos contínuos.

Avanços recentes, incluindo uma maior compreensão da comunicação molecular intestino-cérebro, estão inspirando a busca por OMAs de próxima geração que parecem capazes de alcançar com segurança uma perda de peso corporal considerável e sustentada.

Introdução

O controle do excesso de gordura corporal é um dos maiores desafios da saúde da atualidade.

A prevalência global de obesidade quase triplicou desde 1975 e, nos Estados Unidos, o excesso de peso corporal atinge mais de dois terços da população, com mais de um terço dos adultos e 20% dos adolescentes apresentando obesidade (ver links relacionados).

A obesidade promove a incidência de doenças como diabetes tipo 2 (T2D)  e doenças cardiovasculares (DCV), e aumenta o risco de morte devido a câncer de esôfago, cólon e reto, fígado, vesícula biliar, pâncreas e rins.

Isso complica o manejo de várias doenças, aumentando a perspectiva de resultados desfavoráveis, conforme observado com destaque na atual pandemia de COVID-198.

Em comparação com o peso normal, os indivíduos com um índice de massa corporal (IMC) de 30–34,9 kg m – 2 carregam uma taxa de risco para a mortalidade geral que é elevada em mais de 40% e com um IMC> 40 kg m – 2 a taxa relativa  aumenta para 100% 

Estima-se que 4–9% de todos os diagnósticos de câncer são atribuíveis ao excesso de gordura corporal e que a obesidade se correlaciona com pior prognóstico para múltiplas doenças malignas.

A obesidade está associada à diminuição da expectativa de vida de 5 a 20 anos, dependendo de sua duração, da magnitude do excesso de peso e do surgimento de comorbidades associadas.

Desde cedo, a obesidade aumenta a prevalência de doenças psicológicas, neurológicas, pulmonares, gastrointestinais, renais, musculoesqueléticas e endócrinas (fig. 1).

As estimativas dos encargos financeiros da obesidade sobre os sistemas de saúde modernos são consideráveis, com mais de US $ 190 bilhões gastos anualmente apenas nos Estados Unidos para doenças relacionadas à obesidade.

Os fatores ambientais comumente reconhecidos responsáveis ​​pelo aumento acentuado da obesidade global são o maior acesso a alimentos com alto teor de energia, juntamente com a redução da atividade física.

A privação do sono, a dessincronização circadiana, o estresse crônico e o uso de antiepilépticos e psicotrópicos podem impulsionar ainda mais o ganho de peso.

Fatores genéticos e ambientais contribuem de forma apreciável para a variação do IMC.

Com uma herdabilidade estimada de ∼40-70%, a contribuição dos fatores genéticos para o IMC é comparável à relatada para a síndrome de Tourette (58-77%), psoríase (66%), doença cardíaca (34-53%) ou câncer de mama (25–56%).

O aumento do reconhecimento da obesidade como uma doença degenerativa crônica serve para desestigmatizar a crença comum de que a obesidade resulta de autodisciplina insuficiente (ver links relacionados).

Isso fornece ainda a estrutura para os provedores de saúde e seguradoras estabelecerem programas de controle da obesidade, promover financiamento para pesquisas básicas e clínicas e encorajar as empresas farmacêuticas a desenvolver estratégias para o controle do peso corporal.

O argumento central que define a obesidade como doença crônica e não como fator de risco é a distinta fisiopatologia que leva ao acúmulo de excesso de gordura e serve para defendê-la, aliada a mecanismos homeostáticos que dificultam a perda de peso e promovem maior ganho de peso.

Esses mecanismos biológicos alterados podem explicar por que as intervenções comportamentais de curto prazo são freqüentemente insuficientes para a perda de peso de longo prazo.

Como o estilo de vida e as intervenções comportamentais fornecem eficácia moderada, as estratégias de tratamento da obesidade devem ser escalonadas com a adição de intervenções farmacológicas e / ou cirúrgicas.

A cirurgia bariátrica representa a abordagem mais eficaz para perda de peso, levando à redução da mortalidade por DCV ou câncer em 30% e 23%, respectivamente.

Com a melhora constante dos procedimentos laparoscópicos, o tempo de hospitalização diminui e a cirurgia bariátrica aumenta a expectativa de vida geral em até 3 anos, com melhorias notáveis ​​e sustentáveis ​​na pressão arterial, glicose e metabolismo lipídico.

No entanto, as intervenções cirúrgicas são incapazes de atender à magnitude global das necessidades médicas.

A busca por medicamentos anti-obesidade (OMAs) tem sido tremendamente desafiadora por razões técnicas e sociais.

Somente nas últimas duas décadas a definição dos mecanismos moleculares que controlam o apetite (Quadro 1; Fig. 2) avançou a um ponto em que a descoberta de medicamentos pode ser perseguida de forma racional.

Historicamente, houve uma coleção de falhas de AOM que ocorreram após a aprovação regulatória.

A maioria deles diz respeito a efeitos cardiovasculares adversos (sibutramina, fenfluramina, dexfenfluramina, pílulas arco-íris), aumento do risco de suicídio (rimonabanto) ou aumento da probabilidade de dependência e abuso de drogas (metanfetamina) (Tabela 1).




Dessa forma, determinados medicamentos são recomendados apenas para uso em curto prazo, devido ao potencial aditivo ou surgimento de taquifilaxia (fentermina, anfepramona, cloridrato de catina).

No entanto, a fentermina não mostrou resultados cardiovasculares adversos em estudos da vida real e continua sendo uma OMA de longo prazo comumente prescrita.

Até recentemente, a farmacoterapia a longo prazo para alcançar a normalização do peso corporal, juntamente com tolerabilidade e segurança adequadas, continuava sendo um desafio insuperável.

No entanto, ensaios clínicos recentes com candidatos terapêuticos avançados, incluindo agonismo do receptor do peptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP1R), estão promovendo a crença de que o manejo inovador e baseado em drogas da obesidade pode ser possível. 

Em 4 de junho de 2021, a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA aprovou semaglutida 2,4 mg para controle de peso crônico em adultos com obesidade ou excesso de peso com pelo menos uma condição relacionada ao peso (como pressão alta ou colesterol, ou DT2), para uso além de uma dieta calórica reduzida e aumento da atividade física (consulte Links relacionados). 

Isso agora constitui o segundo agonista do GLP1R registrado para controle de peso corporal, já que a liraglutida 3 mg foi aprovado pelo FDA em 2014 para o tratamento da obesidade adulta e em 2020 para obesidade em adolescentes de 12 a 17 anos (veja Links relacionados).

Com exceção da semaglutida 2,4 mg (refs35,36,37,38), a porcentagem média de redução de peso corporal para tratamentos medicamentosos atualmente registrados varia na faixa de um dígito, com apenas uma pequena fração de indivíduos capazes de atingir e manter >10% de perda em doses toleráveis(Fig. 3). 

Embora essa perda de peso seja clinicamente significativa e sirva para melhorar a gravidade das comorbidades é insignificante quando vista contra a eficácia da cirurgia bariátrica.

Uma OMA ideal deve corrigir de forma considerável e sustentável o excesso de peso, reduzindo o risco de DCV e outras comorbidades, desprovidas do potencial de abuso, taquifilaxia e outros efeitos adversos que historicamente atormentaram esse campo.

É um objetivo elevado e, às vezes, ainda desafiado pela questão de saber se a própria obesidade constitui uma doença digna da terapia medicamentosa crônica.

Este artigo analisa a história da terapia medicamentosa para obesidade e discute os desafios contínuos e os recentes avanços no desenvolvimento de OMAs. 

Embora a compreensão mecanicista da homeostase energética tenha progredido drasticamente desde a descoberta da leptina há pouco mais de 25 anos, a tradução para terapias direcionadas tem sido amplamente empírica, com modelos de roedores permanecendo de importância seminal, mas de valor variável para a seleção de candidatos a medicamentos. 

Isso é testemunhado com destaque no debate em andamento sobre o polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP) do hormônio intestinal, onde, com base em estudos de farmacologia de roedores, tanto o agonismo ou o antagonismo GIPR podem fornecer farmacologia suplementar ao agonismo GLP1.

O manejo farmacológico ao longo da vida de doenças crônicas, como a hipertensão, pode oferecer referências relevantes para estratégias de tratamento da obesidade.

Nessas doenças, é prática comum direcionar múltiplos mecanismos para alcançar o gerenciamento ideal da doença. 

Parece inevitável, e com bons precedentes, que tal abordagem conceitual para reduzir o peso corporal acabe prevalecendo.

Caixa 1 Controle endócrino da ingestão de alimentos

Fome e saciedade são controladas por um sistema neuroendócrino complexo que depende da integração constante do sinal e do crosstalk bidirecional entre os principais centros de alimentação do cérebro e da periferia (Fig. 2). 

Vários hormônios reguladores da ingestão de alimentos são secretados pelo trato gastrointestinal, fígado, pâncreas ou tecido adiposo e atuam em conjunto no cérebro, em particular no hipotálamo e/ou no cérebro posterior, para modular o apetite e a saciedade. 

Os hormônios intestinais relacionados à ingestão alimentar podem ser classificados como reguladores de curto prazo da ingestão alimentar, que são secretados em antecipação à (grelina), resposta a (colecistocinina (CCK), peptídeo tirosina tirosina (PYY), peptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP1), polipeptídeo insulin Além da regulação homeostática da ingestão de alimentos, a fome e a saciedade são influenciadas por fatores ambientais, como palatabilidade e odor alimentar. As áreas cerebrais implicadas no comportamento alimentar hedônico incluem aquelas próximas ao hipotálamo e ao tronco cerebral, e também centros de recompensa cerebral dopaminérgicos na região do cérebro mesolímbico, bem como no hipocampo e córtex.

A comunicação entre a periferia e o cérebro é mediada através de fibras aferentes do nervo vago que se projetam, por exemplo, para o núcleo do trato solitário (NTS) do cérebro posterior, ou através da circulação, que atinge o cérebro através da eminência mediana do hipotálamo ou da área pós-trema (AP) do tronco cerebral (Fig. 2). 

O sistema melanocortinérgico hipotalâmico representa um centro-chave no controle da ingestão de alimentos homeostáticos que compreende neurônios orexígenos que co-expressam neuropeptídeo Y (NPY) e peptídeo relacionado à cutia (AgRP) e neurônios anorexigênicos que co-expressam pró- A ativação dos neurônios NPY/AgRP leva à secreção de AgRP, que estimula a ingestão de alimentos através do bloqueio do receptor de melanocortina 4 (MC4R), enquanto a ativação dos neurônios Pomc/Cart leva à secreção do hormônio estimulante de α-melanócitos (α-MSH), que ativa o MC4R para inibir a ingestão de alimentos (Fig. 2).

O hormônio peptídico derivado do estômago grelina atinge o hipotálamo através da eminência mediana e estimula a ingestão de alimentos homeostáticos através da ativação dos neurônios NPY/AgRP, enquanto estimula a alimentação hedônica através da ativação de neurônios dopaminérgicos na área tegmental ventral.

Para ativar seu receptor, a grelina requer N-octanoilação (acilação) em seu resíduo de serina 3 e, como os lipídios dietéticos são usados para a acilação da grelina, isso sugere que a grelina também pode atuar como um sensor de nutrientes que informa o cérebro sobre os nutrientes recebidos.

Embora mais conhecido por sua capacidade de baixar a glicose no sangue, a insulina foi o primeiro hormônio demonstrado a aumentar proporcionalmente à gordura corporal e diminuir a ingestão de alimentos por meio dos mecanismos do sistema nervoso central (SNC).

A amilina é co-secretada com insulina das células β pancreáticas e diminui a ingestão de alimentos homeostáticos via sinalização através da AP.

A amilina também afeta o comportamento alimentar hedônico via sinalização através do sistema dopaminérgico mesolímbico na área tegmental ventral e no núcleo accumbens (NAcc).

O FGF21 é secretado principalmente do fígado sob condições de jejum e diminui o peso corporal aumentando o gasto energético por meio de mecanismos centrais e periféricos.

A CCK é secretada das células I intestinais em resposta à ingestão de nutrientes (especialmente gordura). 

Liga-se ao receptor CCK1 (CCK1R) para diminuir a ingestão de alimentos através de uma redução no tamanho das refeições.

O CCK1R é amplamente expresso em aferentes vagais, NTS e AP sugerindo que CCK transmite o sinal de saciedade através do vago para o tronco cerebral, a partir do qual o sinal de saciedade é projetado para o hipotálamo.

A PYY é co-secretada com GLP1 de células L do intestino distal. Sua principal forma circulante (PYY3–36) tem sido sugerida para reduzir a ingestão de alimentos através da inibição mediada pelo receptor Y2 dos neurônios NPY/AgRP e, consequentemente, ativação dos neurônios POMC.

O GLP1 diminui a ingestão de alimentos via mecanismos do SNC que parecem envolver a ativação direta dos neurônios POMC/CART, mas também a ativação dos neurônios no AP e NTS.

Os agonistas do GLP1R também modulam a ingestão hedônica de alimentos, atuando no sistema de recompensa cerebral dopaminérgica na área tegmental ventral, NAcc e septo lateral.

Dependendo da molécula e da via de administração, os agonistas GLP1R atingem o cérebro posterior através da circulação ou através de aferentes vagais.

O OXM exerce sua ação anorexígena principalmente através da ligação ao receptor GLP1 (GLP1R) e, com menor afinidade, também se liga ao receptor glucagon (GCGR).

O glucagon diminui o peso corporal através de múltiplos mecanismos que incluem estimulação da lipólise e do gasto energético e inibição da ingestão de alimentos.

A supressão do glucagon da ingestão de alimentos parece ser mediada pelo eixo fígado-vago-hipotálamo, pois desconectar o ramo hepático do vago abdominal é suficiente para bloquear o efeito anorético do glucagon.

A regulação GIP do metabolismo energético permanece enigmática, pois a ativação e o bloqueio do receptor GIPR mostraram diminuir o peso corporal.

Estudos recentes sugerem que o GIP diminui a ingestão de alimentos via mecanismos do SNC e que o GIP não afeta a ingestão de alimentos em camundongos com perda de Gipr no SNC.

• Regulação do peso corporal

Ao longo da evolução humana, a pressão ambiental pela sobrevivência provavelmente incluiu um esforço para preservar a gordura corporal. Com o aumento da industrialização e o pronto acesso a alimentos ricos em gordura, esse benefício adquirido surgiu como um passivo. 

Fisiologicamente, defendemos o peso corporal por mecanismos periféricos e centrais dentro de uma faixa surpreendentemente pequena, para proteger contra uma ampla gama de condições que incluem superalimentação crônica em um extremo e fome no outro. 

Mesmo os resultados menos bem controlados a longo prazo estão associados a uma mudança de peso corporal raramente superior a 20%, em qualquer direção. 

O cérebro controla a fome e o metabolismo energético sistêmico (Quadro 1; Fig. 2) e abriga a maioria dos produtos e vias gênicas que foram associados à obesidade em centenas de estudos genéticos.

No entanto, a modulação direta com vias de sinalização do sistema nervoso central (SNC) requer direcionamento seletivo dos circuitos celulares, o que continua sendo um trecho tecnológico, como tentativas históricas mostraram mais de uma vez. 

Para uma eficácia ideal da perda de peso, parece evidente que a terapia medicamentosa teria que direcionar tanto a ingestão quanto o gasto de energia. 

No entanto, a intervenção em mecanismos centrais de "sobrevivência" é um esforço delicado que levou à retirada de muitas OMAs (Tabela 1). 


Encontrar um equilíbrio na busca por eficácia que promova a saúde metabólica e seja psicologicamente significativa para um paciente, mas de tolerabilidade e segurança crônicas adequadas, constitui o desafio medicinal. 

A maioria dos medicamentos atualmente registrados cumpre apenas uma mera fração do desempenho desejado, mas há motivos para otimismo, já que os candidatos a medicamentos em estágio avançado são muito mais promissores.

Uma questão recorrente é se a farmacologia pode ser tão eficaz na redução da gordura corporal em doses toleráveis quanto a cirurgia bariátrica ou, alternativamente, pode, com o tempo, ser superior.

Sem dúvida, os avanços na compreensão dos elementos moleculares que controlam o apetite e a utilização de energia forneceram um roteiro para o desenvolvimento mais informado da OMA (Quadro 1; Fig. 2). 

A redução considerável e rápida do peso corporal alcançada pela cirurgia bariátrica que resulta em mortalidade a longo prazo muito melhor forneceu ainda mais uma visão do que pode ser farmacologicamente possível. 

De fato, imitar os efeitos da cirurgia bariátrica tornou-se uma visão para a descoberta de futuras OMAs.

• Perspectivas e direções futuras

A busca de OMAs tem sido um esforço de longa data impulsionado nos últimos anos por vários desenvolvimentos simultâneos. 

Estes incluem o aumento dramático na prevalência global de obesidade, os avanços significativos na compreensão molecular da homeostase do apetite, juntamente com a identificação de vários novos alvos de drogas, bem como o sucesso no desenvolvimento de incretinas como drogas para DT2 que proporcionou eficácia sem precedentes no controle do peso corporal. 

Parece plausível que uma redução de 20% ou mais no peso corporal ainda possa ser possível com base em relatórios clínicos tardios. 

Se sim, é interessante ponderar se pacientes com peso corporal inicial muito maior podem achar a próxima redução de 20% mais fácil ou mais difícil de alcançar em um sentido relativo, pois esses são os sujeitos individuais de maior necessidade.

O agonismo GLP1R está estabelecendo uma base elevada para medir o desempenho com outras entidades, e a profundidade total de sua eficácia e a capacidade de sustentar cronicamente a perda de peso em várias populações, muitas distintas daquelas em que ocorreu o registro inicial de medicamentos, ainda precisam ser determinadas. 

Como em qualquer campo em rápido avanço, há mais perguntas do que respostas. 

De interesse primário é por que o agonismo GLP1R funciona tão bem e como o GIP pode sinergizar com o GLP1 para aumentar a perda de peso. 

Sem os resultados alcançados in vivo, mais notavelmente os estudos clínicos de 6 meses e 1 ano que parecem indicar benefícios adicionais significativos da semaglutida quando comparado à liraglutida, é difícil atribuir uma base molecular para essa diferença. 

Esses dois agentes são agonistas GLP1R altamente potentes e seletivos, igualmente acilados gordurosos, que fornecem concentrações plasmáticas sustentadas de drogas quando usados conforme prescrito. 

A diferença não é simplesmente uma questão de ação prolongada, pois mesmo um agonista Fc de ação prolongada, como a dulaglutida, não corresponde à redução do peso corporal da semaglutida.

Estudo inicial sugere aumento da atividade em locais centrais de importância para o controle de peso.

No entanto, isso é apenas um começo e uma compreensão molecular mais profunda pode levar a melhorias ainda maiores nos agonistas GLP1R, ou outros agentes que possam atuar por um mecanismo independente em locais anatômicos semelhantes.

Sem dúvida, os resultados clínicos com tirzepatide capturaram grande atenção e alimentaram o interesse em agonistas duplos baseados em GIP e outras abordagens combinatórias.

No entanto, esse interesse é justificado por esses resultados clínicos? A situação parece exemplificar que, apesar do enorme avanço em nossa compreensão molecular da obesidade, permanecemos relativamente primitivos na atribuição de eficácia in vivo ao mecanismo. 

Resta demonstrar em detalhes mecanicistas como o agonismo GIPR serve como base para a maior eficácia da tirzepatida em relação à dulaglutida. 

Muito recentemente, foi demonstrado que a perda de GIPR no SNC torna camundongos resistentes à perda de peso corporal induzida pela GIP, indicando que o GIP regula o metabolismo energético via sinalização GIPR do SNC. 

Fundamentando a relevância desse achado, vale ressaltar que o efeito superior de redução de peso do MAR em relação a uma monoterapia GLP1 de estrutura e farmacocinética combinadas desapareceu em camundongos knockout para o SNC Gipr.

Os mecanismos centrais e regiões-alvo para a sinergia GIP com GLP1 ainda precisam ser determinados e, notavelmente, existem resultados pré-clínicos conflitantes que promovem o antagonismo GIPR como opção terapêutica para o tratamento da obesidade.

Com o tempo, essas perguntas e incertezas acabarão sendo respondidas.

As descobertas de próxima geração são fortemente influenciadas pelo desempenho clínico atual e pelas limitações em nossa capacidade de traduzir com sucesso a farmacologia in vitro e animal para experimentos humanos. 

Semaglutida e tirzepatida em altas doses estão relatando redução sustentada no peso corporal de aproximadamente 0,5 kg por semana. 

Este é um desempenho inovador em relação às OMAs registradas que levanta a questão de qual é a próxima prioridade mais alta e se temos as habilidades necessárias para alcançá-la adequadamente. 

Claramente, mecanismos de ação adicionais que possam corresponder ao desempenho desses dois medicamentos seriam bem-vindos, mas documentar isso requer estudos sensivelmente longos. 

Estudos mal-potentes de 4 semanas, 6 semanas, 8 semanas e, até 12 semanas sem medicamentos registrados adequados como controles falharam em grande parte documentar a eficácia relativa.

Estudos de eficácia lutam com a questão de quanta redução de peso adicional é aconselhável em um período finito e a duração necessária para documentá-la com confiança. 

Dada a eficácia que está sendo alcançada e a natureza crônica da obesidade, é discutível que manter a taxa de perda de peso para indivíduos com excesso de peso contínuo é o objetivo principal. 

Esses estudos são demorados e raramente realizados até que haja grande confiança para o sucesso. 

Encurtar os estudos com o objetivo de acelerar a taxa relativa de redução de peso pode não ser aconselhável para o paciente e pode levar a efeitos adversos que eliminam abordagens que de outra forma se mostrariam viáveis, se aplicadas de forma menos agressiva. 

Este é um ponto de particular importância na avaliação de triagonistas baseados em glucagon que visam superar os co-agonistas GLP1-GIPR, já que o glucagon é provavelmente um agonista de índice terapêutico reduzido em relação às duas incretinas.

De maneira relacionada, os candidatos a medicamentos que falham em monoterapia podem ser bem-sucedidos quando adicionados às melhores incretinas da categoria no início da terapia ou após uma perda de peso considerável? 

O sucesso clínico do GLP1 com GIP levanta a questão de saber se a terapia adjuvante da semaglutida com outro agente redutor de peso, como amilina, PYY ou FGF21, pode reduzir com segurança o peso corporal além do que é possível com qualquer um dos medicamentos isoladamente. 

A esse respeito, deve-se notar que a terapia com leptina provou ser bem-sucedida na redução do peso corporal quando usada após uma perda de peso considerável em camundongos obesos.

O mesmo pode ser verdade em pacientes selecionados com obesidade, agora que reduções percentuais comparáveis no peso corporal com o que provou ser bem-sucedido pré-clínica estão sendo alcançadas com semaglutida e tirzepatida?

Finalmente, há a questão do que é mais necessário para acelerar a realização do próximo salto em frente na normalização segura do peso corporal. 

A multiômica de próxima geração forneceu alguns novos alvos, mas, em geral, as tecnologias facilitadoras em rápida evolução têm sido mais úteis na caracterização do mecanismo de ação pré-clínico do que na descoberta de candidatos a medicamentos clinicamente bem-sucedidos. 

O teste iterativo de roedores em grande parte usando camundongos e ratos obesos induzidos pela dieta tem sido a principal tela para avaliar a redução do peso corporal. 

Modelos genéticos e, ainda mais, camundongos projetados onde receptores específicos foram excluídos, e cada vez mais de maneira específica do alvo, provaram ser de valor indispensável para a investigação do mecanismo de ação.

A situação clínica é mais desafiadora, onde há acesso pouco frequente a indivíduos homozigotos-deficientes em um mecanismo biológico específico. 

Nesses raros casos, a natureza da obesidade e a resposta à terapia diferem da população em geral. 

Além disso, antagonistas seletivos adequados para uso farmacológico raramente estão disponíveis para silenciar seletivamente um único mecanismo de ação para explorar sua relação com o controle endógeno do peso corporal, ou para bloquear a ação de uma droga específica ou de um único elemento em um peptídeo multi-ação, como os co-agonistas da incretina. 

Por fim, a comparação simultânea de peptídeos combinados em estrutura e farmacocinética, mas desprovidos de uma única atividade biológica, constitui um investimento proibitivo quando a duração do estudo é medida em meses.

Consequentemente, o que mais precisamos para acelerar a descoberta e otimização de medicamentos são meios de diagnóstico correlativos para complementar uma balança de peso corporal.

Se pudéssemos prever sorologicamente ou não invasivamente com maior confiança os pacientes e mecanismos que provavelmente terão sucesso a longo prazo, isso promoveria melhores resultados e aumentaria a pesquisa clínica exploratória para identificar entidades moleculares e combinações que mais justificam a avaliação em estudos de longo prazo. 

Em analogia, é prontamente reconhecido o que a monitoração da glicose plasmática e a HbA1c significaram para o cuidado com o diabetes e a descoberta de medicamentos em relação ao teste de urina ou monitoramento de resultados microvasculares a longo prazo. 

Se um correlato preditivo entre o perfil metabólico e a propensão à perda de peso puder ser estabelecido, isso pode ter uma profunda influência no futuro da saúde na obesidade.

• Resumo

O manejo farmacológico da obesidade tem uma longa história povoada por múltiplas decepções proeminentes. 

A base da falha tem sido multifatorial e diz respeito ao valor translacional limitado dos modelos animais para prever a segurança cardiovascular, juntamente com uma heterogeneidade considerável do paciente. 

Pacientes com obesidade geralmente têm alto risco de doenças vasculares e sofrem de comorbidades que dificultam a avaliação da segurança dos medicamentos. 

Ensaios clínicos de longo prazo e em larga escala em pacientes heterogêneos com obesidade são caros de conduzir e difíceis de justificar quando o sucesso tem sido tão indescritível e as falhas tão proeminentes.

Os recentes resultados precedentes com semaglutida e tirzepatida, nos quais cada um relatou perda média de peso bem superior a 10%, empregando um mecanismo GLP1 que provou melhorar separadamente os resultados cardiovasculares em estudos de DT2, inspira confiança para o futuro. 

A aplicação clínica continuará e se concentrará na eficácia e segurança relativas, que são difíceis de atribuir quando os melhores candidatos da categoria estão avançando rapidamente simultaneamente e não são imediatamente acessíveis para estudo clínico comparativo direto. 

Independentemente, setmelanotida e leptina provaram ser bem-sucedidas no manejo da obesidade de indivíduos com deficiência congênita em genes da via leptinérgico-melanocortinérgica. 

Esses sucessos iluminam os caminhos para pesquisas futuras direcionadas a outras formas monogenéticas da doença e a possibilidade de farmacologia aditiva em populações mais amplas de pacientes com obesidade. 

Uma caracterização mais completa dos pacientes deve servir para aumentar a probabilidade de sucesso a curto prazo e fornecer instruções informadas para o avanço da próxima geração de OMAs. 

Estudos clínicos em andamento determinarão se drogas mais eficazes do que semaglutida e tirzepatida podem alcançar eficácia comparável à cirurgia bariátrica. 

As muitas perspectivas atualmente consideradas sugerem que uma ou mais podem atingir esse objetivo elevado.

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quarta-feira, 8 de novembro de 2023

FDA Aprova novo medicamento para obesidade que competirá com o Wegovy


A Food and Drug Administration aprovou na quarta-feira um medicamento para obesidade da empresa Eli Lilly que será um concorrente direto do popular Wegovy.

O medicamento se chama tirzepatida e será vendido sob o nome Zepbound. Ele se junta a uma classe de novos medicamentos que estão transformando a obesidade, uma condição que afeta 100 milhões de adultos americanos e está ligada a um espectro de doenças, incluindo diabetes, doenças cardíacas, apneia do sono, doenças hepáticas, renais e dores nas articulações.

Os pacientes que usaram tirzepatida perderam em média 18% do peso corporal, de acordo com a FDA, quando esta foi tomada na dose mais alta em um ensaio clínico. Isso é comparado com o Wegovy, fabricado pela Novo Nordisk, que produziu uma perda média de peso de 15%.

O FDA aprovou o Zepbound para pessoas com obesidade e para aquelas que estão acima do peso e têm pelo menos uma condição relacionada à obesidade.

A tirzepatida já está aprovada para diabetes sob a marca Mounjaro, onde compete com o medicamento para diabetes da Novo Nordisk, semaglutida, mais conhecido como Ozempic. Mas até agora, o Wegovy – também semaglutida, mas com uma dose máxima mais elevada do que o Ozempic – era o único medicamento aprovado que poderia provocar com segurança uma perda de peso substancial apenas em pessoas com obesidade.

Os efeitos colaterais do Zepbound, semelhantes aos do Wegovy, Ozempic e Mounjaro, são principalmente gastrointestinais, como náuseas e diarreia. A maioria dos pacientes os tolerou ou superou.

Em um comunicado à imprensa, o Dr. John Sharretts, diretor da Divisão de Diabetes, Distúrbios Lipídicos e Obesidade do Centro de Avaliação e Pesquisa de Medicamentos da FDA, disse, a aprovação de hoje atende a uma necessidade médica não atendida.”

Susan Yanovski, codiretora do escritório de pesquisa sobre obesidade do Instituto Nacional de Diabetes e Doenças Digestivas e Renais, disse: “Há apenas alguns anos seria difícil imaginar dois medicamentos como a semaglutida e a tirzepatida que levassem à perda de peso que anteriormente só era visto quando as pessoas faziam cirurgia bariátrica”, referindo-se a um tratamento cirúrgico comprovadamente eficaz para a obesidade.

A aprovação ocorre num momento em que a Novo Nordisk não consegue produzir Wegovy suficiente para satisfazer a enorme procura do medicamento. A tirzepatida, que os pacientes tomam por injeção autoadministrada uma vez por semana, como fazem com o Wegovy, poderia aliviar essa escassez.

A concorrência também poderia resultar em preços líquidos mais baixos para ambos os medicamentos, ou em quanto os pagadores realmente gastam com eles. A lista e os preços líquidos são altos para Wegovy.

“Gostaríamos que a concorrência de preços acontecesse mais cedo ou mais tarde”, disse Craig Garthwaite, economista de cuidados de saúde da Northwestern University. 

Quando as pessoas começam a tomar um desses medicamentos, disse ele, “elas ficam presas”. Eles resistem à mudança mesmo que um medicamento concorrente custe menos.

O desenvolvimento do Zepbound começou em 2017 com um pequeno estudo envolvendo 300 pessoas com diabetes tipo 2. Após 3 meses, muitos perderam pelo menos 13% do peso corporal. A Eli Lilly apresentou os dados numa reunião sobre diabetes na Alemanha. Alguns na plateia engasgaram.

Depois veio um grande estudo de 72 semanas patrocinado pela Eli Lilly sobre tirzepatida em 2.539 pessoas com obesidade.

Numa sala lotada numa reunião da Associação Americana de Diabetes no ano passado, a investigadora principal do estudo, Dra. Ania Jastreboff de Yale, revelou os resultados. Mais da metade dos pacientes que receberam a dose mais alta perderam pelo menos 20% do peso corporal. Nenhum medicamento jamais demonstrou uma perda de peso tão profunda.

Para a Eli Lilly, os resultados foram o culminar de uma investigação iniciada há uma década. Mas, tal como a Novo Nordisk, a empresa estava  tentando produzir um novo medicamento para a diabetes.

“A obesidade não era o foco principal para nós”, disse o Dr. Daniel Skovronsky, diretor científico e médico da Eli Lilly, acrescentando que “não foi vista como uma oportunidade comercial”.

A triste história dos medicamentos para perder peso foi uma lição, pensou ele. “Nunca houve um medicamento contra a obesidade com sucesso”, disse ele, “e os medicamentos anteriores não causaram perda de peso suficiente para ter impacto na saúde das pessoas”.

Mas os pesquisadores da Eli Lilly começaram a investigar um medicamento para diabetes que combinava duas moléculas. Uma molécula atua como um hormônio, o GLP-1, que estimula o corpo a secretar insulina quando o açúcar no sangue aumenta. Isso foi semelhante aos efeitos do Ozempic e do Wegovy da Novo Nordisk. E como essas drogas, também suprime o apetite.

Mas mais de um hormônio está envolvido quando o corpo regula o açúcar no sangue, então os cientistas da empresa decidiram tentar combinar a molécula que imita o GLP-1 com uma segunda molécula que atua como o hormônio intestinal GIP. 

Embora o GIP tenha um efeito mais modesto quando administrado isoladamente, amplificou o efeito do GLP-1 quando os dois mimetizadores hormonais foram combinados.

Nos ratos, a combinação de dois medicamentos não apenas reduziu o açúcar no sangue, mas também teve um efeito profundo no peso. Foi “a maior perda de peso que já vimos”, disse Skovronsky.

Os cientistas da empresa testaram o medicamento em voluntários saudáveis. Mesmo não tendo obesidade, as pessoas perderam peso.

De repente, a opinião da Eli Lilly sobre estudar a perda de peso mudou.

“Pensamos: ‘Este medicamento pode mudar o mundo’”, disse o Dr. Skovronsky. “Dissemos: ‘É este. Esta é a nossa prioridade.’”

Decidiram acelerar o desenvolvimento com uma abordagem conhecida como “investir em risco”, na qual não esperam que cada fase de testes seja concluída antes de iniciar a próxima e na qual começam a construir capacidade de produção antes de os estudos serem concluídos. O resultado foi um ritmo recorde para a empresa – seis anos desde a primeira dose em voluntários humanos até o FDA. aprovação. Uma estratégia semelhante também foi usada para acelerar o desenvolvimento da vacina contra a Covid.

A esperança é que o Zepbound possa reduzir as chances de pessoas com obesidade desenvolverem as complicações potencialmente mortais que acompanham a doença.

Mas Zepbound é apenas o começo para a Eli Lilly. A empresa e outros fabricantes farmacêuticos estão trabalhando em medicamentos que poderão ser ainda mais poderosos.

O próximo medicamento da Lilly adiciona glucagon, outro hormônio intestinal, aos dois do Zepbound. Aparentemente estimula o metabolismo e retira gordura do fígado.

E, como a Novo Nordisk e outras empresas, a Eli Lilly está trabalhando em uma forma de comprimido de tirzepatida. Está passando por testes clínicos.

Fabricar medicamentos injetáveis ​​é complicado e desafiador. Os comprimidos são mais simples e baratos, o que poderia melhorar o problema de abastecimento que tem afetado os pacientes que usam Ozempic e Wegovy.

Estima-se que até 2030, um bilhão de pessoas no mundo terão obesidade.

“Todas as empresas do mundo não conseguem aplicar tantas injeções”, disse Skovronsky. “É evidente que, se quisermos satisfazer as necessidades da epidemia global, precisamos de medicamentos orais.”]

domingo, 28 de maio de 2023

[Conteúdo exclusivo para Médicos e Nutricionistas ] - Guia Brasileiro de Nutrição em Cirurgia Bariátrica e Metabólica

A cirurgia bariátrica (CB) tem se mostrado uma opção de tratamento eficaz para promover a perda de peso a curto prazo, além de controlar e reverter diversas doenças, o que justifica a necessidade de ter um guia brasileiro para tal condição.

Nos últimos anos, observou-se no Brasil um aumento de quase 85% no número de procedimentos e, com isso, a necessidade de condutas nutricionais adequadas para garantir o sucesso da cirurgia também cresceu.

Para suprir a lacuna de recomendações específicas para a nossa população, foram elaboradas diretrizes que abordam os critérios estabelecidos para a realização da cirurgia bariátrica, bem como as novas indicações sugeridas pela Associação Americana de Cirurgia Bariátrica e Metabólica e pela Federação Internacional de Cirurgia da Obesidade.

Foram incluídas recomendações para auxiliar na prática clínica individualizada dos nutricionistas brasileiros, no manejo nutricional de pacientes bariátricos, incluindo tratamento nutricional pré e pós-operatório, suplementação nutricional, hipoglicemia e hiperinsulinemia reativa, recorrência de obesidade, microbiota e doenças inflamatórias intestinais.

Recomendações nutricionais para pacientes submetidos a cirurgia bariátrica

A diretriz elenca uma série de recomendações que envolve tanto técnicas não-cirúrgicas e mais simples, como o balão intragástrico, como as técnicas cirúrgicas convencionais, incluindo fatores de indicação, métodos a serem considerados na avaliação nutricional e as principais recomendações no tratamento pré e pós cirúrgico.

Avaliação e diagnóstico nutricional

A avaliação nutricional deve ser realizada em todas as fases do tratamento e é fundamental conhecer o histórico do paciente, seus hábitos, tratamentos anteriores, presença de comorbidades, presença de transtornos alimentares, alergias, padrões alimentares e investigar o histórico familiar (obesidade ou outras condições crônicas).

Alguns aspectos devem ser levados em consideração:
  • Classificação de peso corporal: eutrófico/IMC normal (IMC 25 kg/m²), obesidade grau I (IMC 30 kg/m²) e obesidade grave (IMC ≥ 50 kg/m²).
  • Peso adequado: definido por meio da dedução do peso adequado (IMC 25 kg/m² × Altura² ou IMC 30 kg/m² × Altura²) com relação ao peso atual.
  • Circunferência da cintura: parâmetro para avaliar o risco de doenças cardiovasculares, com limitações devido à adiposidade na região (recomenda-se medir a circunferência considerando a maior protuberância, preferencialmente na altura do umbigo).
  • Circunferência da panturrilha: método para estimar a massa muscular e diagnosticar a sarcopenia do envelhecimento e obesidade sarcopênica, podendo ser afetada pelo excesso de gordura subcutânea ou acúmulo de fluidos (deve ser usada na ausência de edema).





Orientações nutricionais após a introdução de uma dieta sólida:
  • Introduzir gradativamente os alimentos sólidos;
  • Priorizar a mastigação;
  • Ingerir alimentos sempre cozidos (evitando alimentos crus);
  • Limitar a ingestão de pães e massas (aderem ao balão e podem causar halitose);
  • Ingerir ½ copo de água 30 minutos antes e após as refeições;
  • Evitar deitar-se após as refeições (aguardar pelo menos 2 horas);
  • Exercitar-se por 15 a 30 minutos diariamente (caminhadas e exercícios leves).

10 passos para uma manutenção de peso bem-sucedida:
  • Continuar o acompanhamento nutricional mensalmente ou a cada dois meses para manter a perda de peso (por seis meses);
  • Seguir as recomendações nutricionais (perda de peso insuficiente está associado à não adesão às recomendações e não cumprimento das orientações dietéticas);
  • Comer 3 refeições e 2 pequenos “lanches inteligentes” ao longo do dia;
  • Comer devagar e mastigar bem a comida;
  • Evitar alimentos ricos em açúcar e carboidratos simples e limitar o consumo de álcool 1-2 bebidas/semana;
  • A ingestão de líquidos deve ser de 8 a 10 copos de água/dia;
  • Ingerir proteínas de alto valor biológico em todas as refeições;
  • Monitorar o peso uma vez por semana;
  • Praticar exercícios físicos regularmente (pelo menos 3 vezes por semana), atingindo o objetivo de 10.000 passos/dia;
  • Evitar: lanches entre as refeições, se alimentar pouco antes de dormir, alimentos processados (batata frita, barra de cereais e biscoitos, pois a maioria desses alimentos contém ingredientes que estimulam o apetite e são ricos em sódio, gordura e carboidratos).

Para uma adequação alimentar completa, deve-se seguir os modelos My Plate e DASH, que recomendam refeições menores e ricas em proteínas, grãos integrais, vegetais, frutas e alimentos fontes de ômega 3, excluindo doces.

  • Proteína: entre 60 e 120g/dia, ou 1,5g/kg/dia de peso ideal para adultos, podendo ser maior em alguns casos (manutenção da massa magra).
  • Água: ingestão mínima de 1,5L de água por dia.
  • Carboidratos: no pós-operatório deve iniciar com 50g e aumentar gradativamente.
  • Fibras: pelo menos cinco porções/dia de frutas e vegetais frescos (400g), incluindo prebióticos.
  • Lipídios: 20 a 35%.
  • Comportamentos alimentares: mastigação adequada, alimentação consciente, saciedade, evitar líquidos durante as refeições e limitar o consumo de açúcares simples, bebidas gaseificadas e álcool.
Por que ter Guia Brasileiro de Nutrição em Cirurgia Bariátrica e Metabólica?

O Nutritotal conversou com a nutricionista Carina Rossoni, Doutora em Ciências da Saúde e uma das autoras desse guia para entender a sua importância para os profissionais brasileiros. Veja o que o ela nos disse sobre as cirurgias bariátricas e metabólicas no Brasil.

Carina, qual o perfil dos pacientes que buscam a cirurgia bariátrica no Brasil?

Perfil dos pacientes submetidos ou que têm acesso ao tratamento cirúrgico da obesidade no Brasil, são mulheres, jovens e homens com superobesidade, ambos que apresentam comorbidades associadas de forma elevada, tais como hipertensão arterial, diabetes, esteatose hepática, dislipidemia, síndrome metabólica, síndrome de apneia obstrutiva do sono, osteoartropatias, síndrome de ovários policísticos e demais.  Que realizaram inúmeros tratamentos para a redução do peso, com acompanhamento, por meio de dietas hipocalóricas e medicamentos, sem resposta considerando o quadro clínico de indicação para a cirurgia bariátrica e metabólica: IMC ≥ 35kg/m2 com comorbidades, ou IMC ≥ 40kg/m2.

Cabe destacar que, há 7 anos, o Conselho Federal de Medicina (CFM), aprovou o tratamento cirúrgico do diabetes tipo 2, com critérios para a falha de tratamento e obesidade leve com IMC entre 30kg/m2 e 34,9kg/m2. Logo no ano passado, 7% de todas as cirurgias bariátricas e metabólicas realizadas no Brasil, 21.875 mil pessoas portadoras de DM2 foram beneficiadas (SBCBM, 2023).

Logo este perfil, amplia-se a medida que pessoas mais doentes, metabolicamente falando, possuem indicação de tratamento cirúrgico, com uma obesidade grau I.

Quanto o nutricionista é procurado para fazer uma carta de indicação para cirurgia, o que ele deve considerar?

Ele deve conhecer: história/curso das doenças (obesidade e/ou diabetes), tratamentos previamente realizados, história familiar, doenças associadas, aspectos sociais, econômicos e emocionais, rede de apoio, atividade laboral, prática de atividade física. E claro, avaliação nutricional formal e sistematizada: antropométrica, bioquímica, dietética, (padrão/comportamento alimentar) composição corporal, exame físico.  Conhecer o contexto, assim como estudar e muito sobre a obesidade/doenças metabólicas, os critérios de indicação de tratamentos.

Já a emissão do laudo nutricional para a cirurgia: além de constar as informações descritas acima, a descrição da evolução do tratamento nutricional no pré-operatório.

Qual é a importância de ter um guia nacional sobre o tema?

Nortear a prática clínica dos nutricionistas que atuam na área do tratamento da obesidade, em todas as esferas de atendimento em nutrição no Brasil, baseada em evidências científicas nacionais e internacionais, a fim de promover qualidade e segurança no tratamento das pessoas que vivem com esta doença tão grave e estigmatizada. Cabe destacar que neste guia além de estar adequado aos novos critérios, atualizados, de indicação  para a cirurgia bariátrica e metabólica, contempla: sistematização do tratamento nutricional a qual abrange desde a pré-admissão, pré-operatório e o pós operatório (adolescente, adulto, idoso, gestante e vegetarianismo), suplementação nutricional,  hipoglicemia e hiperinsulinemia reativa; recorrência da obesidade e o manejo nutricional nas doenças inflamatórias intestinais e microbiota.

Pensando na prática clínica, o que você considera essencial para que nutricionistas atendam esse público da melhor forma possível, pensando em proporcionar saúde e qualidade de vida a longo prazo?

Ter conhecimento sobre a doença obesidade, doença metabólica, sobre o que é! Compreender os aspectos fisiológicos do trauma, pois precisamos lembrar sempre que o nosso paciente é um paciente cirúrgico. Estar em constante atualização e aperfeiçoamento sobre a obesidade e o diabetes. Avaliação, diagnóstico e a intervenção nutricional nas doenças metabólicas.

Somente a partir do conhecimento (baseado em evidências) permite-se:

– Acolher este público, uma vez que são pessoas que vivem com doenças complexas (obesidade e diabetes) estigmatizadas, de difícil controle e redicivantes.

– Iniciar o processo de educação alimentar, e não reeducação, de acordo com a realidade de cada um e do que a CBM exige:  desenvolvimento de hábitos alimentares saudáveis e sustentáveis, associados aos bons hábitos de vida (atividade físicas) para a manutenção da remissão das doenças metabólicas a longo prazo.

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Dormir mal pode te ajudar a engordar?

 Quando falamos sobre maus hábitos que contribuem para a obesidade e ganho de peso, é comum nos limitarmos a falar apenas de má alimentação e ausência de prática de atividades físicas. Mas além desses dois fatores importantíssimos, algo muito presente no nosso dia a dia e que pode estar passando despercebido é a má qualidade do sono, que também é determinante para o ganho de peso e obesidade.

Muitos estudos já comprovaram que, mesmo que você tenha ótimos hábitos de saúde, se você dorme mal, as chances de ter ganho de peso são muito maiores. Dormir bem é fundamental para a manutenção e bom funcionamento do nosso organismo, inclusive para funções relacionadas a gasto energético e saciedade.

Por que dormir bem é importante para manter o peso saudável?

O período de sono é responsável, além do relaxamento do corpo, por conservar nossa energia, restaurar tecidos, reter e organizar a memória, fortalecer o sistema imunológico e regular a quantidade de secreção de certos hormônios pelo nosso corpo.

O principal estudo que comprova a relação entre sono e obesidade, feito nos Estados Unidos, concluiu que os participantes do estudo que possuíam algum distúrbio ou má qualidade do sono apresentavam alterações significativas na quantidade de hormônios reguladores do apetite, e também tinham um índice de massa corporal maior.

Pessoas com má qualidade de sono, ou que dormiam menos de sete horas por dia, possuíam uma diminuição dos níveis do hormônio leptina e aumento nos níveis do hormônio grelina. A leptina é um hormônio que atua como mediador e regulador do gasto energético que reduz a vontade de comer, enquanto a grelina é um hormônio de ação rápida que estimula a sensação de fome.

Quando a pessoa tem uma desregulação desses hormônios provocada por um sono irregular, o seu gasto de energia é reduzido, a saciedade diminui e o corpo busca compensar o cansaço e a falta de saciedade através do aumento do consumo de alimentos calóricos, contribuindo para a obesidade e criando um ciclo vicioso.

Obesidade prejudica o sono ou sono leva à obesidade?

Quando consideramos a relação entre o sono e a obesidade, vale dizer também que em muitos casos essa é uma via de mão dupla: não só a má qualidade do sono contribui para a obesidade, como pessoas com obesidade tendem a ter uma pior qualidade do sono.

Além da insônia, que é um dos principais distúrbios que atrapalham o sono, outro problema comum é a apneia do sono, que em muitos casos pode ser causada pelo excesso de peso.

A apneia do sono ocorre quando a respiração sofre interrupções por cerca de 10 segundos ou mais, várias vezes durante o sono. Essas paradas respiratórias despertam o cérebro, o que reduz e prejudica o tempo de descanso que o corpo necessita, além de também fazer com que ocorra toda aquela desregulação na secreção de hormônios já citada.

A questão é que pessoas com excesso de peso e obesidade estão mais sujeitas a ter apneia do sono porque elas acumulam gordura em diferentes partes do corpo, inclusive em volta do pescoço e na traqueia. Isso dificulta a passagem do ar e deixa a língua maior e os músculos da laringe mais flácidos. Por isso, durante o sono esses músculos relaxam e obstruem as vias respiratórias, levando ao quadro de apneia e ronco.

Para garantir uma boa qualidade do sono, que seja uma aliada à prática de atividades físicas e à boa alimentação, é necessário, além de tratar esses possíveis distúrbios como apneia e insônia, ter também um horário regular de sono, dormir cedo e horas suficientes por dia (8 horas), além de garantir um ambiente confortável para o sono.

Assim, o corpo terá as condições necessárias para lidar com o gasto energético e se beneficiar da prática de atividades físicas e de uma alimentação saudável.

Autor: 
Dr. Leônidas Silveira – CRM 52-86694-6
Médico especialista em Clínica Médica, Nutrologia, Endocrinologia e Metabologia.

sábado, 9 de janeiro de 2016

Estudo Internacional sobre Obesidade

Considerado um dos grandes problemas de saúde pública, a obesidade vem crescendo a cada dia no mundo todo. Diversos estudos são realizados tentando compreender e combater essa doença. Uma pesquisa recente na área, da Revista CellMetabollism, é de um grupo de cientistas da Universidade de Copenhagem, na Dinamarca, coordenado por RomainBarrès.

O trabalho mostrou que o excesso de peso modifica o padrão de metilação de genes nos espermatozoides, o que poderia influenciar a adiposidade nos filhos, levando ao desenvolvimento de obesidade. Os resultados foram divulgados no início de dezembro na Revista CellMetabolism.

O estudo intitulado Obesity and Bariatric Surgery Drive Epigenetic Variation of Spermatozoa in Humans analisou o padrão de metilação de genes, a partir de DNA extraído de espermatozoides de seis homens obesos, que estavam passando pelo procedimento preparatório para cirurgia de perda de peso.

O material colhido dos pacientes foi examinado antes do tratamento, uma semana depois e um ano depois. Neste processo, foi constatado que houve alterações epigenéticas,  nos espermatozoides.

A Dra. Maria Edna Melo, membro do Departamento de Obesidade da SBEM e diretora da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO), explicou o que a metilação em um gene reduz a expressão do mesmo, consequentemente ocorre diminuição na produção da respectiva proteína.”

“O estudo apresenta padrões diferentes de metilação em genes que controlam o desenvolvimento e função cerebral entre obesos e magros. E a análise, após cirurgia bariátrica, mostra que o padrão de metilação nos obesos modifica-se, especialmente, nos genes relacionados à regulação central do apetite”, afirmou a endocrinologista.

A especialista esclarece que alterações epigenéticas podem ser transferidas aos filhos. Com isso, pode haver predisposição para o desenvolvimento da obesidade no bebê.

A médica ainda destacou que pesquisas envolvendo mecanismos epigenéticos, normalmente, é feita com mulheres, e o fato desta ter como foco os homens amplia nosso conhecimento dos inúmeros fatores que influenciam no desenvolvimento da obesidade.

“Os estudos clássico,s avaliando metilação em mulheres que foram submetidas à restrição calórica importante durante a segunda guerra mundial, mostraram que as mesmas tiveram mais filhos com obesidade. Assim, alterações epigenéticas podem ser transmitidas à descendência. Da mesma forma, a obesidade nos homens no referido estudo pode determinar um processo semelhante, embora numa situação de consumo energético elevado.”

Por fim, o próximo passo deverá ser a observação e acompanhamento dos filhos destes pacientes, para confirmar a relação entre essas modificações epigenéticas e a obesidade nos mesmos, finalizou a endocrinologista.

Para obter mais informações sobre o estudo acesse o link Revista CellMetabollism.

Fonte: http://www.endocrino.org.br/estudo-internacional-sobre-obesidade-genetica/

domingo, 10 de outubro de 2021

Obesidade em portadores de Dm 1

Resumo

Embora o diabetes tipo 1 seja tradicionalmente considerado uma doença de pessoas magras, o sobrepeso e a obesidade estão se tornando cada vez mais comuns em indivíduos com diabetes tipo 1.

A reposição não fisiológica de insulina que causa hiperinsulinemia periférica, perfis de insulina que não correspondem às necessidades de insulina basal e das refeições, lanches defensivos para evitar a hipoglicemia, ou uma combinação destes, acredita-se que afetam a composição corporal e conduzem o acúmulo excessivo de gordura corporal em pessoas com  diabetes tipo 1.

As consequências do sobrepeso ou obesidade em pessoas com diabetes tipo 1 são particularmente preocupantes, pois aumentam o risco de complicações relacionadas ao diabetes e à obesidade, incluindo doenças cardiovasculares, derrame e vários tipos de câncer.

Nesta revisão, resumimos o entendimento atual da etiologia e das consequências do peso corporal excessivo em pessoas com diabetes tipo 1 e destacamos a necessidade de otimizar futuras estratégias de prevenção e tratamento nessa população.

• Introdução

Desde a descoberta da insulina, há 100 anos, o progresso farmacológico e tecnológico melhorou muito o atendimento clínico diário para pessoas com diabetes tipo 1.

No entanto, alcançar o controle glicêmico continua sendo um desafio e requer uma alfabetização alimentar completa e esforços diários para combinar a ingestão de alimentos com as necessidades de insulina.  

Portanto, como a pandemia de obesidade global em curso afeta pessoas com diabetes tipo 1 requer uma extensa pesquisa, porque o sobrepeso e a obesidade são conhecidos por ter efeitos deletérios em vários resultados de saúde.

As causas do ganho de peso em pessoas com diabetes tipo 1 são consideradas principalmente  relacionados à terapia de reposição de insulina exógena, que (apesar do progresso contínuo) permanece não fisiológica.

Portanto, as estratégias de controle de peso em pessoas que vivem com diabetes tipo 1 envolvem desafios específicos e requerem aconselhamento e educação adicionais, mas ainda podem ser uma forma eficaz de evitar o ganho excessivo de peso em pessoas com diabetes tipo 1.

Os agonistas do receptor de GLP-1 e inibidores de SGLT têm benefícios claros para o controle de peso em pessoas com diabetes tipo 2 e também provaram ser úteis em pessoas com diabetes tipo 1, embora continuem subutilizados.

Na seção a seguir, resumimos o conhecimento atual sobre controle de peso em pessoas com diabetes tipo 1.

• Uma tendência global

O aumento na prevalência de sobrepeso e obesidade na população em geral está bem documentado, e padrões claros surgiram sobre quais subpopulações (em termos de idade, sexo, classe social, raça ou origem étnica e estilo de vida) são mais afetadas.

Esses padrões são muito menos estudados para pessoas com diabetes tipo 1, porque o estado catabólico (felizmente agora raro) do diabetes tipo 1 mal controlado tende a levar à perda de peso em vez de ganho de peso.

No diabetes tipo 1 estabelecido, existem grandes disparidades globalmente na prevalência de sobrepeso (IMC 25–29 · 9 kg / m2) e obesidade (IMC ≥30 kg / m2).

Além disso, estudos relevantes não usaram um grupo de controle adequado de membros da população geral pareados por idade, sexo, hábitos de fumar, status social, uso de medicação concomitante e presença de comorbidades.

Na Áustria, a prevalência de sobrepeso e obesidade em uma pequena coorte de adultos (n = 186) com diabetes tipo 1 foi semelhante à da população geral, mas entre os participantes com idade entre 30-49 anos, o IMC foi significativamente maior em pessoas com diabetes tipo 1 do que naqueles sem (IMC médio de 26,7 kg / m2 [SD 4,4] vs 24,8 kg / m2 [4,3]; p corrigido <0,01).

Na Bélgica, um estudo publicado em  2021 relatou que a prevalência de sobrepeso e obesidade em uma grande coorte de 89.834 pessoas com diabetes tipo 1 (idade de 1-80 anos) foi semelhante à da população em geral e permaneceu estável durante a última década.

Em contraste com a Europa, dados do RENACED-DT1, uma iniciativa nacional de registro de diabetes tipo 1 no México, mostraram que, entre as pessoas com diabetes tipo 1, 34,3% tinham sobrepeso e 8,1% tinham obesidade.

As prevalências de sobrepeso e obesidade em pessoas com  diabetes tipo 1 foi significativamente mais baixo do que para a população em geral, porque o México tem uma das maiores taxas de sobrepeso e obesidade de todos os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

Nos Estados Unidos, onde a obesidade também é uma grande preocupação de saúde pública, sua prevalência permanece marcadamente mais baixa em pessoas com diabetes tipo 1 em comparação com a população em geral.

No T1D Exchange Estudo de registro dos EUA, entre adultos com diabetes tipo 1, 29% tinham sobrepeso e 20% tinham obesidade. As razões para as disparidades na prevalência global de sobrepeso e obesidade em pessoas com diabetes tipo 1 permanecem indescritíveis, mas podem estar relacionadas a desafios de custo e acessibilidade na obtenção de tratamento adequado para diabetes em alguns países. A existência dessas disparidades não deve justificar a complacência, pois há evidências claras de que o aumento das taxas de sobrepeso e obesidade não poupará as pessoas com diabetes tipo 1, conforme detalhado na seção seguinte.

Primeiro, há uma alta prevalência relatada de sobrepeso e obesidade entre crianças e adolescentes com diabetes tipo 1.

O estudo SEARCH for Diabetes in Youth descobriu que, de crianças e adolescentes (de 3 a 19 anos) nos EUA com diabetes tipo 1, 22,1% tinham sobrepeso, em comparação com apenas 16,1% de seus pares sem diabetes tipo 1 e 12,6% tinham obesidade em comparação com 16,9%.

Um estudo com 5.529 adolescentes (com idades entre 13-18 anos) dentro do registro T1D Exchange de pessoas com diabetes tipo 1 nos EUA revelou uma incidência semelhante ou ligeiramente maior de sobrepeso (22,9%) e obesidade (13,1%), em comparação com SEARCH.

Dentro do subgrupo de diabetes tipo 1, sexo feminino, idade avançada, renda familiar anual abaixo de US $ 35.000 (vs ≥ $ 200.000) e maior escolaridade dos pais sendo o ensino médio (vs pós-graduação ou superior), foi associado a uma prevalência elevada de  sobrepeso e obesidade, o que sugere fatores de risco semelhantes aos observados na população em geral.

Outro estudo avaliou os escores Z de IMC (IMCz) de crianças e adolescentes (com idade de 2 a 18 anos) do registro T1D Exchange (EUA) e do registro de Acompanhamento Prospectivo de Diabetes (Alemanha e Áustria), e descobriu que o IMC médio registrado  os valores foram maiores para pessoas em ambos os registros do que para pessoas na população em geral, usando as taxas internacionais de obesidade desenvolvidas pela OMS ou a frequência nacional do país.

Dados globais do registro internacional SWEET (55 centros pediátricos de diabetes de todos os continentes e mais de 30.000 pessoas) relataram prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes (de 2 a 18 anos) com diabetes tipo 1 de 27,2% para meninas e 22,3% para meninos.

Em segundo lugar, também foi relatado ganho de peso drástico após o diagnóstico de diabetes tipo 1 na infância.

Por exemplo, o estudo de Epidemiologia de Complicações do Diabetes de Pittsburgh revelou que a prevalência de sobrepeso aumentou de 29% para 42%, e a prevalência de obesidade aumentou de 3% para 23%, em pessoas maiores de 18 anos com diabetes tipo 1.

Os autores do estudo sugeriram que o ganho de peso nesse grupo não poderia ser explicado apenas pelo envelhecimento ou estilo de vida e, em vez disso, propuseram que era resultado da terapia de reposição de insulina.

Embora a prevalência de sobrepeso e obesidade em pessoas que vivem com diabetes tipo 1 mostre diferenças notáveis ​​entre as regiões em todo o mundo, outros estudos devem comparar a evolução da disposição de gordura entre pessoas com diabetes tipo 1 e seus pares ao longo de toda a vida.

A ausência de tais estudos é lamentável, pois podem ser a chave para um melhor entendimento dos motivadores e das consequências da combinação dessas duas doenças crônicas, prevenindo, tratando ou mesmo curando.

• Uma relação bidirecional

Não só está se tornando cada vez mais claro que o tratamento com insulina em pessoas que vivem com diabetes tipo 1 afeta a composição corporal e pode ter um papel na disposição excessiva de gordura, que então apresenta um risco para a saúde, como também há uma preocupação crescente de que o diabetes tipo 1 seja cada vez mais provável para se desenvolver em pessoas com sobrepeso e obesidade.  

A hipótese do acelerador propõe que a distinção entre diabetes tipo 1 e tipo 2 é obscura, com o ganho de peso sendo um gatilho chave consistente para ambas as doenças.

Alguns dados sugerem que uma história familiar de diabetes tipo 2 é aumentada em pessoas com diabetes tipo 1, em particular em pessoas que não são brancas.

Isso sugere que a predisposição para diabetes tipo 1 e tipo 2 torna-se evidente quando o peso aumenta.

No entanto, como os dados sobre o IMC no início do diabetes tipo 1 parecem diferir entre as regiões globais, é difícil chegar a conclusões finais sobre a validade dessa hipótese.

Wilkin baseou sua hipótese do acelerador principalmente em uma pequena coorte de 168 jovens (com idades entre 1,1-15,7 anos) apresentando diabetes tipo 1 entre 1980 e 2002.

No diagnóstico, a altura média, peso e IMC padronizado (IMC SDS) estavam todos próximos da média da população.

Houve uma relação inversa entre a idade no diagnóstico de diabetes tipo 1 e IMC SDS 6 meses após o diagnóstico (r = −0,30; p <0,0010), sugerindo que as crianças com IMC mais elevado desenvolveram diabetes mais cedo ou foram diagnosticadas mais cedo do que crianças com  menor IMC.

Essa relação inversa foi confirmada em uma coorte de crianças alemãs e austríacas e adultos jovens (de 0 a 20 anos), enquanto uma relação positiva entre SDS de IMC e idade no diagnóstico de diabetes tipo 1 foi encontrada em crianças catalãs (com idade <16 anos, n = 3534).

No entanto, após o diagnóstico de diabetes tipo 1, o aumento do peso corporal e o aumento da demanda de insulina foram associados a uma progressão mais rápida da doença.

Mecanisticamente, há argumentos para apoiar uma influência negativa do sobrepeso ou obesidade na fisiopatologia do diabetes tipo 1, devido à influência negativa de altas concentrações de ácidos graxos e glicose na saúde das células β, tornando essas células cada vez mais suscetíveis ao ataque do sistema imunológico.

• Fatores de ganho de peso em diabetes tipo 1

A Figura 1 mostra os fatores de sobrepeso e obesidade em pessoas que vivem com diabetes tipo 1.  

Embora não haja debate sobre o benefício do controle rigoroso da glicose para a prevenção de complicações nesta população, a intensificação da terapia com insulina necessária para atingir o controle rigoroso da glicose muitas vezes vem à custa do ganho de peso.

Amplas evidências  sugere que o ganho de peso em todas as formas de diabetes é em grande parte resultado da própria terapia intensiva com insulina, com vários estudos apoiando uma associação entre ganho de peso e intensificação da terapia com insulina em pessoas com ambos os tipos de diabetes.

Diabetes Control and Complications Trial (DCCT), em que os indivíduos foram aleatoriamente designados para terapia intensiva (HbA1c 6,7–7,2%) ou convencional (HbA1c 8,7–9,2%), durante o primeiro ano, pessoas  no grupo intensivo ganhou significativamente mais peso do que no grupo convencional (5,1 kg [SD 4,6] vs 2,4 kg [3,7]; p <0,0001).  

Concentrações basais mais altas de HbA1c e maiores decréscimos em HbA1c durante a terapia intensiva foram ambos associados a um maior aumento no IMC.

Indivíduos tratados intensivamente com pelo menos um episódio de hipoglicemia grave também ganharam mais peso do que as pessoas tratadas intensivamente sem episódios de hipoglicemia grave.

Curiosamente, não houve relação entre a ingestão calórica relatada ou a quantidade de exercício e a mudança de peso.

Um estudo de coorte observacional retrospectivo de crianças e adolescentes (de 0 a 18 anos) com diabetes tipo 1 descobriu que o ganho de peso estava associado à idade e ao tempo desde  diagnóstico de diabetes tipo 1, que pode estar diretamente associado ao uso prolongado e intensivo de insulina.

Embora os mecanismos responsáveis ​​pelo ganho de peso associado à insulina ainda não sejam totalmente compreendidos, várias hipóteses foram levantadas.

Uma explicação é que, à medida que as pessoas alcançam um estado aprimorado de controle glicêmico, as concentrações de glicose no sangue caem abaixo do limiar renal, aumentando assim a conservação das calorias ingeridas.

Em pessoas com diabetes tipo 1, a mudança para um regime intensivo de insulina resultou em redução significativa da HbA1c em comparação com o tratamento convencional (9,6% [SD 0,6] vs 12,9% [0,9]; p <0,0100) e uma eliminação quase completa da glicosúria.

Consistente com os achados de outros estudos, participantes também mostraram um aumento médio do peso corporal de 2,6 kg (DP 0,8), que os autores propuseram foi amplamente contabilizado pela maior conservação das calorias ingeridas e, em parte, pela diminuição do gasto energético diário.

No entanto, é necessário cautela na interpretação desses resultados, visto que o controle glicêmico deficiente foi registrado entre os participantes no início do estudo.

Uma explicação alternativa (se não mutuamente exclusiva) para o ganho de peso induzido pela insulina é que as pessoas com diabetes tipo 1 administram insulina perifericamente, evitando assim os efeitos no fígado e potencialmente causando hiperinsulinemia e acúmulo de gordura nos tecidos periféricos.

Desenvolvimento de  insulinas cada vez mais específicas do fígado devem aliviar o desequilíbrio entre a insulina periférica e hepática e ter benefícios no controle de peso.

Alguns ensaios e estudos do mundo real relatam menos ganho de peso com insulina detemir do que com insulina isofano ou insulina glargina.

A insulina detemir liga-se à albumina, estendendo a meia-vida da insulina, e também cria uma espécie maior que atravessa mais facilmente os capilares fenestrados do fígado, o que melhora a proporção distorcida da distribuição de insulina hepática para periférica.

No entanto, algumas espécies de insulinas hepáticas-específicas parecem induzir esteatose hepática, o que tem dificultado seu posterior desenvolvimento clínico.

Embora a insulina basal polietilenoglicol lispro (peglispro) visasse preferencialmente o fígado e fosse mais eficaz na redução das concentrações de HbA1c do que a insulina glargina, o desenvolvimento da insulina basal peglispro foi suspenso devido a preocupações de que pudesse induzir esteatose hepática.

As insulinas preferenciais estão em andamento, e essas insulinas continuam sendo uma abordagem promissora para controlar o diabetes tipo 1 e controlar o peso.

Outras vias que explicam o ganho de peso induzido pela insulina foram propostas, incluindo alterações no hormônio do crescimento ou no sistema IGF-1, que tem um papel fundamental na manutenção da composição corporal, equilibrando o anabolismo e o catabolismo.

Existem controvérsias sobre a via de administração ideal  de terapia de reposição de insulina.

Embora tenha sido proposto que a infusão subcutânea contínua de insulina pode promover aumento de ganho de peso em pessoas com diabetes tipo 1, não há ensaios clínicos randomizados e prospectivos de alta qualidade (RCTs) sobre isso.  

No entanto, um estudo retrospectivo que comparou a infusão subcutânea contínua de insulina versus múltiplas injeções diárias de insulina durante um período de estudo de 10 anos não encontrou nenhuma diferença no ganho de peso entre os dois grupos, embora as pessoas no grupo de infusão subcutânea contínua de insulina tenham mostrado melhorias mais substanciais no controle glicêmico e uma redução nas necessidades de dose diária de insulina ao final do estudo.

Além disso, no DCCT, o grupo tratado intensivamente teve ganho de peso, independentemente do método de terapia de reposição de insulina.

Outra razão óbvia pela qual a terapia com insulina visando controle glicêmico rígido está associada ao ganho de peso é o risco aumentado de hipoglicemia.

No DCCT, indivíduos tratados com terapia intensiva com insulina não apenas tiveram concentrações reduzidas de HbA1c e ganho de peso, mas também tiveram 3 vezes mais probabilidade de ter um evento hipoglicêmico grave do que pessoas em terapia convencional.

As razões óbvias para o ganho de peso em pessoas com diabetes tipo 1 são lanches defensivos para evitar a hipoglicemia durante o exercício, ou ingestão compensatória de carboidratos quando ocorrem eventos de hipoglicemia.

Embora o risco de hipoglicemia tenha sido reduzido pela disponibilidade de análogos de insulina, ela continua a ser a complicação aguda mais frequente em pessoas com diabetes tipo 1.

Sistemas de pâncreas artificiais híbridos, de circuito fechado, podem reduzir ainda mais a frequência de hipoglicemia ao combinar melhor a administração de insulina com  a concentração glicêmica, mas seu uso é atualmente baixo e nenhuma conclusão firme pode ser tirada sobre se eles reduzirão substancialmente os lanches defensivos e o ganho de peso.

O medo de hipoglicemia durante o exercício pode ser um fator importante que contribui para o ganho de peso em pessoas com diabetes tipo 1.

Os dados de atividade física obtidos por meio de acelerômetros em adultos recém-diagnosticados com diabetes tipo 1 mostraram menor quantidade de atividade física moderada-vigorosa por dia em pessoas com diabetes tipo 1 do que em adultos sem diabetes tipo 1, mas esses dados estavam longe de serem abrangentes.

No entanto, o risco de hipoglicemia da atividade física significa que as pessoas com diabetes tipo 1 devem modular suas doses de insulina antes do exercício (o que requer planejamento adicional) ou manter a glicose no sangue em concentrações mais elevadas, aumentando a ingestão de carboidratos antes e durante o exercício (o que pode desequilibrar o gasto de energia  e levar ao ganho de peso).

Assim, em pessoas com diabetes tipo 1, é necessária uma melhor educação sobre como adaptar as doses de insulina à atividade física porque, do contrário, parte dessa população pode ser impedida de praticar exercícios, o que pode contribuir para problemas de controle de peso.

Fatores genéticos e fenotípicos também podem contribuir para o ganho de peso em pessoas com diabetes tipo 1.

Há um aumento da probabilidade de uma história familiar de diabetes tipo 2 entre pessoas com diabetes tipo 1 e obesidade, e a idade e a duração do tempo desde o diagnóstico são fatores no desenvolvimento de sobrepeso ou obesidade nessa população.

No entanto, é claro que a abordagem glicocêntrica que governa o tratamento do diabetes, embora benéfica para evitar complicações de longo prazo, parece colocar as pessoas com diabetes tipo 1 em risco de ganho de peso e desencadear os mesmos distúrbios metabólicos, como aumento da resistência à insulina, como visto em pessoas com diabetes tipo 2.

• Consequências do ganho de peso em pessoas vivendo com diabetes tipo 1

Embora a insulinoterapia intensiva tenha demonstrado reduzir a prevalência de muitas complicações a longo prazo do diabetes tipo 1, o consequente efeito colateral do aumento do peso corporal é quase garantido para causar problemas de saúde adicionais.

Pesquisas de longo prazo em pessoas sem diabetes mostraram claramente que sobrepeso e obesidade são importantes fatores de risco para diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, alguns tipos de câncer e morte prematura.

A obesidade também está altamente associada a piores resultados de saúde mental, como ansiedade, depressão e comportamentos de automutilação. 

Embora dados longitudinais abrangentes em pessoas com diabetes tipo 1 são atualmente inexistentes até onde sabemos, é razoável supor que os efeitos do sobrepeso e da obesidade também afetarão essa população e podem até ser mais prejudiciais do que na população em geral.

No estudo de Edqvist e colegas, 26 125 pessoas com diabetes tipo 1 (idade média de 33,3 anos, 45% mulheres) registradas no Registro Nacional Sueco de Diabetes foram acompanhadas de 1998 a 2012, para avaliar o risco de morte por doenças cardiovasculares, eventos graves de doenças cardiovasculares, hospitalizações por insuficiência cardíaca e mortes totais.

Os autores do estudo concluíram que o risco de doenças cardiovasculares maiores, insuficiência cardíaca, morte cardiovascular e mortalidade aumentou com o aumento do IMC, com associações mais aparentes em homens do que em mulheres. 

A resistência à insulina é comum entre indivíduos com sobrepeso ou obesidade sem diabetes, e evidências atuais sugerem que também afeta pessoas com diabetes tipo 1 e sobrepeso ou obesidade (figura 2).

No entanto, há evidências escassas no cenário clínico, principalmente porque é difícil medir a resistência à insulina em pessoas com diabetes tipo 1. 

Nos poucos estudos disponíveis, a resistência à insulina foi maior em uma coorte de adolescentes de peso saudável com diabetes tipo 1 em comparação com controles pareados por peso.

Não está claro se os fatores clínicos mais facilmente obtidos podem identificar pessoas com diabetes tipo 1 que provavelmente terão resistência à insulina.

O uso de clamps euglicêmico-hiperinsulinêmicos é invasivo e caro e, portanto, não é facilmente feito em grandes coortes. 

Uma meta-análise em larga escala de 38 estudos que usaram clamps euglicêmico-hiperinsulinêmicos para medir a resistência à insulina em pessoas com diabetes tipo 1 concluiu que a resistência à insulina foi maior em pessoas com diabetes tipo 1 do que em controles saudáveis e pareados por peso.

A metanálise sugeriu que a resistência à insulina que se desenvolve em pessoas com diabetes tipo 1 se deve à entrega exógena de insulina e apresenta um fenótipo único que se correlaciona com desfechos fisiológicos aberrantes, independentemente do peso. 

No entanto, a obesidade também pode aumentar a resistência à insulina em pessoas com diabetes tipo 1.

Assim, o estado de resistência à insulina que se desenvolve nessas pessoas difere da resistência à insulina em pessoas com obesidade, mas suas consequências são claramente deletérias. 

Por exemplo, um estudo descobriu que pessoas com diabetes tipo 1 com a menor taxa estimada de descarte de glicose (uma indicação de resistência à insulina) eram mais propensas a ter complicações microvasculares do que pessoas com diabetes tipo 1 com taxas mais altas de eliminação de glicose.

Esse achado foi confirmado por um estudo que investigou o desenvolvimento de nefropatia em pessoas com diabetes tipo 1.

Evidências fracas foram fornecidas por um estudo de uma coorte de 40 pessoas com diabetes tipo 1 (idade média de 45.2 [DP 9,2] anos; duração média do diabetes 22,6 [7,8] anos), no qual foi observada uma correlação positiva entre resistência à insulina e calcificação da artéria coronária.

Em qualquer caso, a doença cardiovascular continua sendo a principal causa de mortalidade em adultos que vivem com diabetes tipo 1, o que pode estar relacionado à resistência à insulina.

Dieta e o exercício podem melhorar a resistência à insulina e, embora isso seja melhor estudado em pessoas com diabetes tipo 2 - nas quais apenas uma pequena mudança de peso ou aumento no exercício, ou ambos são benéficos - é possível que um efeito semelhante também exista em pessoas com diabetes tipo 1, o que é enfatizado em declarações de posição que enfatizam claramente o benefício do exercício e da perda de peso em pessoas com diabetes tipo 1.

Além disso, a metformina como terapia adjuvante também afeta positivamente a resistência à insulina no diabetes tipo 1, que é mais elaborada na seção de tratamentos que se segue.

Finalmente, o ganho de peso também pode afetar negativamente a adesão ao tratamento com insulina e, portanto, o controle glicêmico.  

Algumas pessoas que vivem com diabetes tipo 1 usam subdoses de insulina para perder peso, aumentando o risco de eventos de cetoacidose diabética aguda e complicações de diabetes em longo prazo.

Com base nas evidências disponíveis, as taxas de não adesão à insulina em pessoas que vivem com diabetes tipo 1 variam de 44% a 77% globalmente e são geralmente mais altas em países de baixa e média renda.

Existem inúmeras razões para um indivíduo renunciar a seu compromisso com um regime de insulina (por exemplo, regimes de terapia de reposição de insulina onerosos e pesados ​​ou educação inadequada), mas uma das principais razões para omitir a terapia com insulina é evitar o ganho de peso.

Um estudo dos EUA com 341 meninas e mulheres (com idades entre 13 e 60 anos) com diabetes tipo 1 descobriu que 31% omitiram intencionalmente o tratamento com insulina, com 9% relatando que esta era uma ocorrência frequente e metade dos omitentes afirmando que era para finalidades de controle de peso.

• Prevenindo e tratando o ganho de peso excessivo em pessoas vivendo com diabetes tipo 1

Como o diabetes tipo 2 abrange a maioria dos casos de diabetes, e a incidência de sobrepeso ou obesidade é maior na população de diabetes tipo 2 do que na população de diabetes tipo 1, muitas estratégias de controle de peso para pessoas que vivem com diabetes foram testadas e implementadas principalmente em pessoas que vivem com essa condição (figura 3).

Não se sabe se essas mesmas estratégias de tratamento são eficazes, ou mesmo seguras, para pessoas que vivem com diabetes tipo 1, e todas as abordagens para perda de peso apresentam dificuldades específicas (por exemplo, hipoglicemia ao jejuar, cortar carboidratos ou durante o exercício) para pessoas que vivem com diabetes tipo 1.

• Modificações de estilo de vida e comportamento

O tratamento da obesidade envolve uma abordagem multidisciplinar que também inclui modificações no estilo de vida e no comportamento (ou seja, dieta e atividade física).

A atividade física pode ajudar não apenas no controle do peso, mas também pode reduzir o risco de doenças cardiovasculares e mortalidade, melhorar o perfil lipídico e melhorar os resultados de saúde mental.

A atividade física também melhora a sensibilidade à insulina em pessoas que vivem com diabetes tipo 2, reduzindo assim  necessidades de dose de insulina e limitação do ganho de peso associado à insulina.

No entanto, a atividade física na população com diabetes tipo 1 está associada a um risco aumentado de hipoglicemia, o que provavelmente contribui para que menos de 5% dos adolescentes com diabetes tipo 1 atinjam as diretrizes clínicas pediátricas para atividade física.

Um RCT piloto multicêntrico está investigando a eficácia e custo-efetividade de um programa educacional fornecido a pessoas com diabetes tipo 1 para facilitar o exercício seguro e eficaz (registrado como ISRCTN61403534 e em andamento).

Os avanços nos sistemas de pâncreas artificiais híbridos, de circuito fechado, podem permitir exercícios mais seguros, evitando a hipoglicemia, proporcionando uma melhor correspondência entre as concentrações de glicose e a administração de insulina.

Outras intervenções no estilo de vida incluem modificações na dieta.

No estudo DiRECT, quase metade dos participantes com diabetes tipo 2 alcançaram remissão para um estado não diabético sem medicamentos antidiabéticos após uma dieta de baixa caloria consistindo em uma fase de substituição total da dieta de até 5  meses (dieta com fórmula de 825-853 kcal / dia), seguidos por uma fase estruturada de reintrodução de alimentos.

Mesmo em pessoas com diabetes tipo 2, essas dietas não são amplamente utilizadas e é difícil cumpri-las.

No entanto, devido à escassez de ensaios clínicos randomizados de boa qualidade no diabetes tipo 1, não está claro se as dietas cetogênicas são uma opção segura para pessoas com essa condição.

Um estudo observacional em uma coorte de 11 pessoas com diabetes tipo 1 em monitoramento contínuo de glicose sugeriu que uma dieta cetogênica rica em gordura pode reduzir a variabilidade glicêmica, embora às custas de um risco aumentado de hipoglicemia.

Uma das estratégias mais eficazes para prevenir o ganho de peso em pessoas com diabetes tipo 1 é provavelmente o fornecimento de educação adicional sobre nutrição, o que permite um ajuste cada vez mais preciso das doses de insulina para concentrações que imitam as concentrações fisiológicas, permitindo que a insulina seja administrada com  eficiência máxima.  

Por exemplo, apesar do fato de que a terapia intensiva com insulina pode promover ganho de peso em pessoas que vivem com diabetes tipo 1 ou diabetes tipo 2, em um pequeno estudo (n = 16), os participantes do tratamento intensivo com insulina melhoraram o controle glicêmico e reduziram as necessidades diárias de dose de insulina, evitando ganho de peso.

Esse resultado foi possível ao fornecer educação adicional aos participantes, permitindo-lhes contar com cada vez mais precisão os carboidratos e ajustar suas concentrações de insulina basal e prandial.

Este estudo sugeriu que a contagem aprimorada de carboidratos em combinação com a terapia intensiva com insulina pode ser uma estratégia eficaz para melhorar o controle glicêmico e controlar o ganho de peso no diabetes tipo 1.

No entanto, essa abordagem provavelmente varia entre os indivíduos e os recursos financeiros necessários para educar adequadamente os pacientes com base em seu estilo de vida não estão disponíveis atualmente.

Embora este estudo tenha sido pequeno e a disponibilidade de recursos seja um impedimento para uma aplicabilidade mais ampla, ele sugeriu que a otimização do manejo da insulina deve se concentrar na redistribuição da insulina para a proporção recomendada de 50% basal-50% prandial, com atenção cuidadosa à dosagem precisa de insulina para ingestão de carboidratos, em vez de apenas aumentar a dose total de insulina.

• Agentes farmacológicos como terapias adjuvantes

Um meio promissor de controle de peso em pessoas com diabetes tipo 1 é o uso de terapias adjuvantes para reduzir a dose de insulina necessária para manter o controle glicêmico rígido, por meio da melhora da sensibilidade à insulina (metformina), retardo do esvaziamento gástrico (pramlintida), supressão de  glucagon e apetite (pramlintida), efeitos baseados em incretina (agonistas do receptor de GLP-1) ou glicosúria (inibidores de SGLT).

Embora essas terapias tenham sido projetadas com o objetivo de melhorar o controle glicêmico, elas também mostraram benefícios no controle de peso.

A metformina tem sido a terapia adjuvante mais amplamente estudada em ensaios clínicos para insulina.

O estudo REMOVAL em pessoas com diabetes tipo 1 estudou o efeito da metformina na espessura da íntima média da carótida, um substituto para doença cardiovascular, e confirmou um efeito estatisticamente significativo na mudança de peso (-1,17 kg; IC 95% -1,66 a –0,69; p <0,0001), embora não tenha atingido seu ponto final primário para a espessura da íntima média da carótida.

Embora as evidências do mundo real sugiram que o efeito observado na perda de peso é transitório, a metformina ainda é usada como terapia adjuvante em adolescentes com sobrepeso e diabetes tipo 1, com base no fato de ser útil em meninas  (de 8 a 18 anos) com síndrome do ovário policístico, para quem promove a sensibilização à insulina e perda de peso, estimula a ovulação e regula a menstruação.

Efeitos promissores sobre o peso foram relatados para agonistas do receptor de GLP-1 em pessoas com diabetes tipo 1.

Em particular, a liraglutida foi estudada como terapia adjuvante no diabetes tipo 1, com os estudos ADJUNCT relatando uma perda de peso dependente da dose em pessoas com diabetes tipo 1 (tabela 1).

É importante ressaltar que a perda de peso associada ao uso de liraglutida em pessoas com sobrepeso ou obesidade e diabetes tipo 1 foi causada por uma redução na massa gorda, sem alteração na massa magra.

No entanto, houve um pequeno aumento na hipoglicemia sintomática, mas taxas de hipoglicemia severa não aumentaram, embora o número de eventos tenha sido muito baixo para tirar conclusões firmes.

A única terapia adjuvante aprovada pela regulamentação para o controle da glicose em pessoas com diabetes tipo 1 nos EUA é a pramlintida, um análogo sintético da amilina humana, um hormônio co-secretado com insulina pelas células β pancreáticas, que retarda o esvaziamento gástrico, suprime a secreção de glucagon, e reduz a ingestão de alimentos.

Se tomado com insulina, a pramlintida reduz a HbA1c, as doses diárias de insulina e as concentrações de glicose pós-prandial.

Em um RCT de 1 ano que testou a segurança e eficácia da pramlintida em pessoas com diabetes tipo 1, também se descobriu que tinha um efeito modesto sobre o peso corporal, com pessoas usando pramlintida tendo uma redução média de 0,4 kg no peso corporal, uma diferença significativa em comparação com um aumento médio de 0,8 kg no grupo de placebo.

Além de alguns problemas de tolerabilidade (náuseas e vômitos), o uso de pramlintida  foi associado a um risco 4 vezes maior de hipoglicemia grave.

No entanto, a frequência das injeções e o custo são os maiores fatores que limitam seu uso generalizado em pessoas que vivem com diabetes tipo 1.

Os inibidores de SGLT controlam o ganho de peso em pessoas com diabetes tipo 1 sem comprometer o controle glicêmico e foram aprovados na Europa e no Japão para o tratamento de pessoas com diabetes tipo 1 e sobrepeso ou obesidade (tabela 2).

Apesar da aprovação regulatória, questões de segurança e reembolso inadequado significam que os inibidores de SGLT permanecem subutilizados na prática clínica.

É importante projetar estratégias para mitigar o risco de cetoacidose diabética associada ao uso de inibidores SGLT em pessoas com diabetes tipo 1.

Pesquisas adicionais sobre abordagens de medicamentos para melhorar o controle de peso em pessoas com diabetes tipo 1 são cruciais, mas esta população é  frequentemente esquecido pela indústria e pelos legisladores, porque representa apenas um pequeno subconjunto das pessoas que vivem com obesidade.

• Cirurgia bariátrica

Para muitas pessoas com diabetes tipo 1, reverter a obesidade por meio de dieta, exercício ou terapias adjuvantes provou ser uma tarefa impossível, e a cirurgia bariátrica foi proposta como solução (figura 4).

Um pequeno estudo retrospectivo de 22 pessoas na Bélgica com diabetes tipo 1 que já fizeram cirurgia bariátrica revelou uma diminuição consistente no IMC e nas necessidades de dose de insulina, mas nenhuma melhora no controle glicêmico.

Um estudo retrospectivo com 61 pessoas com diabetes tipo 1 em Abu Dhabi encontrou uma redução mediana no IMC de 9,2 kg/m2 (IC 95% 5·8-10·8) aos 6 meses e 11,4 kg/m2 (9·2-13·1) aos 12 meses, acompanhada de uma redução na HbA1c de 8,6% (7,8–9,2) para 7,8% (7,2–8,5), com apenas três casos relatados de cetoacidose diabética. 

Um estudo observacional sueco em pessoas com diabetes tipo 1 comparou 387 pessoas que tiveram Bypass Gástrico em Y-de-Roux versus um grupo controle de 387 pessoas com obesidade, pareadas por idade, sexo, IMC e ano civil da cirurgia.

Os autores viram um risco menor de doença cardiovascular (taxa de risco [HR] 0,43 [0,20–0,9]), morte cardiovascular (0,15 [0,03–0,68]) e acidente vascular cerebral (0,18 [0,04–0,82]) para o grupo de bypass, mas nenhuma melhora no controle glicêmico e maior risco de eventos hiperglicêmicos (1,99 [1,07–3,72]) e uso indevido de substâncias (3,71 [1,03–3,29]), em comparação com o grupo controle.

Outros estudos produziram resultados semelhantes, mas todos os estudos enfatizaram que, embora resultados a curto prazo da cirurgia bariátrica em pessoas com diabetes sejam encorajadores, estudos maiores e de longo prazo são necessários.

No entanto, ensaios prospectivos em larga escala são difíceis de fazer neste grupo de pacientes, porque a cirurgia bariátrica não é frequentemente feita em pessoas com diabetes tipo 1, portanto, para que os estudos incluam números suficientes, é necessária colaboração internacional.

• Conclusão e próximas etapas

As taxas de sobrepeso ou obesidade na população com diabetes tipo 1 são mais altas do que se pensava e estão aumentando.

Um dos desafios para as pessoas que vivem com diabetes tipo 1 é atingir simultaneamente o controle glicêmico e de peso, o que é difícil porque se acredita que a intensificação da terapia com insulina seja o maior impulsionador do ganho de peso.

De modo geral, os fatores determinantes e o fardo do sobrepeso ou obesidade em pessoas que vivem com diabetes tipo 1 permanecem em grande parte pouco estudados.  

Como ponto de partida, um esforço deve ser feito para compreender melhor a prevalência exata em pessoas que vivem com diabetes tipo 1 de acúmulo atípico ou excessivo de gordura corporal que eventualmente leva ao sobrepeso e à obesidade.

Em primeiro lugar, estudos adicionais devem ser feitos para comparar a evolução da disposição de gordura entre pessoas com diabetes tipo 1 e seus pares ao longo de toda a vida.  

Isso permitiria avaliar se a natureza e os efeitos sobre a saúde do acúmulo atípico de gordura diferem entre pessoas que vivem com diabetes tipo 1 e seus pares.

Em segundo lugar, novos tratamentos e tecnologias devem se concentrar não apenas em melhorar o controle da glicose, mas também em facilitar o controle do peso em pessoas que vivem com diabetes tipo 1.

O desenvolvimento de insulinas preferenciais hepáticas é promissor, mas uma melhor educação e suporte para as pessoas em relação à combinação das doses de insulina com a ingestão de alimentos e exercícios já podem ajudar muito as pessoas com diabetes tipo 1 a controlar seu peso.

Terapias adjuvantes que podem melhorar o controle glicêmico por meio de vias independentes de insulina também devem ser exploradas mais detalhadamente.

Em termos de consequências, pesquisas adicionais são necessárias para avaliar a magnitude exata dos efeitos deletérios sobre a saúde geral de pessoas que sofrem de sobrepeso ou obesidade e diabetes tipo 1.

A evidência existente já indica que o ganho de peso indesejado é um motivo de preocupação no tratamento de pessoas que vivem com diabetes tipo 1, mas há uma escassez de dados de boa qualidade.

Esta revisão faz parte de um esforço maior para chamar a atenção para o tópico do controle de peso em pessoas que vivem com diabetes tipo 1.

Esperamos que fomente mais pesquisas, pois somente o conhecimento nos permitirá melhorar o atendimento clínico às pessoas com diabetes tipo 1.

O aumento do conhecimento também ajudará no desenvolvimento de diretrizes consensuais baseadas em evidências para ajudar os médicos em sua prática diária.

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