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quinta-feira, 1 de setembro de 2011

The Lancet: o controle da obesidade é urgente, mostra série de quatro artigos sobre a doença

Quero destacar deste artigo este parágrafo: “Uma premissa importante é que o aumento do peso corporal dos indivíduos é o resultado de uma resposta normal, de pessoas normais, para um ambiente anormal, segundo relatado pelo periódico The Lancet.” É preciso com urgência pensarmos no ambiente que favorece o ganho de peso, até quando aceitaremos propagandas como a da gigante Coca Cola relacionando o produto com um estilo de vida saudável?!

Quando a população perceberá que é necessário ter uma alimentação adequada com produtos mais naturais para se ter uma vida com qualidade?

The Lancet: o controle da obesidade é urgente, mostra série de quatro artigos sobre a doença

Uma série de quatro artigos sobre a pandemia1 global de obesidade foi publicada no The Lancet. O primeiro artigo resume seus condutores, o segundo fala sobre o ônus econômico e para a saúde, o terceiro desvenda a fisiologia por trás do controle de peso e sua manutenção, e o quarto conclui que a ciência fala sobre os tipos de ações necessárias para mudar nosso ambiente obesogênico e reverter o atual “tsunami” de fatores de risco para doenças  crônicas nas gerações futuras.

Os últimos dados do Centers for Disease Control and Prevention para a população dos EUA, lançados em julho de 2010, são alarmantes:
  • 12 estados têm taxas de obesidade superior a 30% e nenhum tem taxa inferior a 20%.
Já que estes valores dependem de auto-relatos sobre altura e peso, eles tendem a ser subestimados.

No primeiro artigo da série, Boyd Swinburn e colaboradores dizem que:
  • 1,46 bilhões de adultos
  • 170 milhões de crianças em todo o mundo estavam com sobrepeso ou eram obesas em 2008.

Se continuarmos sem intervenções bem sucedidas, as projeções para 2030, no segundo artigo da série, estimam:
  • Mais 65 milhões de adultos obesos só nos EUA,
  • Mais 11 milhões apenas no Reino Unido 
  • 6 a 8,5 milhões de pessoas com diabetes,
  • 5,7 a 7,3 milhões com doenças cardíacas e derrames,
  • 492.000 com câncer.
Os custos adicionais projetados para tratar essas doenças evitáveis é de 48 a 66 bilhões de dólares ao ano nos EUA, e 1,9 a 2 bilhões de libras ao ano no Reino Unido. Como os sistemas de saúde em todo o mundo já lutam para conter os custos, sem prevenção e controle dos fatores de risco para a obesidade  estes sistemas serão sobrecarregados ao ponto de ruptura.

No entanto, as reações dos governos até o momento são inadequadas e dependem da regulação da indústria de alimentos e de bebidas. Mas argumenta-se que cabe ao indivíduo fazer suas escolhas de maneira adequada. Ao contrário do tabaco, alimentos e bebidas devem ser consumidos e uma interferência do Estado poderia ser considerada uma intromissão demasiada na vida do cidadão.

O Governo do Reino Unido, em particular, deixou claro que apenas acordos voluntários com empresas de alimentos e bebidas estão na agenda, e muitos dos comitês de saúde pública são compostos de um grande número desses representantes da indústria. O artigo questiona se esses acordos voluntários funcionam, pois todas as indicações até agora são de que eles não cumprem o seu objetivo.

Uma premissa importante é que o aumento do peso corporal dos indivíduos é o resultado de uma resposta normal, de pessoas normais, para um ambiente anormal, segundo relatado pelo periódico The Lancet. A série de artigos sobre a obesidade deixa resumidamente cinco mensagens importantes sobre a complexa questão da obesidade e como ela deve ser abordada:

  • A epidemia de obesidade não será revertida sem liderança do governo.
  • Trabalhando esta questão como estamos, os custos serão dispendiosos em termos de saúde da população, despesas com cuidados de saúde e perda de produtividade.
  • As suposições atuais sobre a velocidade e a sustentabilidade da perda de peso estão erradas.
  • Precisamos monitorar com precisão e avaliar tanto os dados básicos do peso corporal da população, quanto os resultados de intervenção para esta patologia.
  • Uma abordagem sistemática é necessária, com o envolvimento de vários setores.
Fonte: The Lancet - NEWS.MED.BR, 2011. The Lancet: o controle da obesidade é urgente, mostra série de quatro artigos sobre a doença. Disponível em: http://www.news.med.br/p/saude/232070/the+lancet+o+controle+da+obesidade.htm

quarta-feira, 2 de março de 2022

[Conteúdo exclusivo para médicos] - Reavaliação do tecido adiposo humano

Introdução

O tecido adiposo é um órgão subestimado e incompreendido.  

Capaz de mais do que dobrar em massa e depois retornar à linha de base, o tecido adiposo branco (WAT) continua a desempenhar um papel essencial no desenvolvimento dos seres humanos.

O WAT armazena eficientemente energia suficiente para nos libertar da busca constante de comida, permitindo que dediquemos nossos esforços físicos e mentais para a construção da civilização.

O tecido adiposo marrom (BAT) consome glicose e triglicerídeos, gerando calor.

Um órgão projetado para a termogênese sem tremores, o BAT permitiu que os mamíferos prosperassem na atual era Cenozóica.  

Uma vez considerada fisiologicamente irrelevante em humanos adultos, a ativação a longo prazo do BAT foi hipotetizada para contribuir para amplos benefícios à saúde em tecidos tão diversos quanto os sistemas gastrointestinal, cardiovascular e musculoesquelético.  

Destacando os desenvolvimentos dos últimos 5 a 10 anos, esta revisão discute as duas principais facetas do tecido adiposo humano: seus papéis funcionais relacionados ao armazenamento de triglicerídeos, bem como seu excesso na obesidade, e seus papéis fisiológicos complementares e de longo alcance no sistema endócrino.

• Estrutura e distribuição de depósitos de tecido adiposo

Muitas pessoas estão confiantes de que sabem o que é a gordura: um apêndice corporal indesejado que se esforçam para reduzir ao longo de suas vidas.

Para aqueles que lutam para perder peso, a gordura é muitas vezes uma fonte de sofrimento, não de maravilha.  

Entre os profissionais médicos, ela foi desconsiderada na medida em que a gordura tem merecido pouca atenção nos currículos e nem figura nos atlas de anatomia.

Felizmente, as últimas três décadas testemunharam uma revolução em nossa compreensão e perspectiva sobre esse tecido.

A gordura não é uma entidade; é uma coleção de depósitos de tecido adiposo relacionados, mas diferentes, anatômicos e funcionais.

Derivado principalmente do mesoderma, o WAT humano começa a se desenvolver no segundo trimestre da gravidez e, ao nascimento, os depósitos viscerais e subcutâneos estão bem estabelecidos.

O BAT surge pela primeira vez durante o final do segundo trimestre e protege os recém-nascidos do frio à medida que desenvolvem a capacidade de tremer.

Em adultos magros, todo o depósito de WAT varia de 20 a 30 kg em mulheres (30 a 40% da massa corporal total) e 10 a 20 kg em homens (15 a 25% da massa corporal total).

A massa gorda pode ser estimada rapidamente e em muitas pessoas com o uso de métodos de baixo custo, como pinças de dobras cutâneas, circunferência da cintura ou índice de massa corporal (IMC).

As avaliações são mais precisas com análise de bioimpedância e absorciometria de raios X de dupla energia, e cálculos muito precisos podem ser realizados por meio de tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM).

As quantidades relativas e a distribuição de BAT em humanos adultos são previsivelmente influenciadas pela escala alométrica.  

Camundongos adultos, um modelo comum para estudos de fisiologia de vertebrados, pesam de 20 a 50 g, e o BAT é de 2 a 5% de sua massa corporal.

Os seres humanos são três ordens de grandeza maiores, então nossa menor proporção de área de superfície para volume e maior isolamento do músculo e do WAT reduzem a necessidade de termogênese do BAT.  

A distribuição do BAT humano adulto também é muito mais restrita, encontrada apenas em certos depósitos anatômicos no pescoço, ombros, tórax posterior e abdome.  

Uma característica unificadora é que esses depósitos drenam diretamente para a circulação sistêmica e podem levar a uma distribuição mais rápida de sangue aquecido para o resto do corpo.

A quantificação do BAT ativo é um desafio e depende de imagens não invasivas de corpo inteiro com o uso de tomografia por emissão de pósitrons – TC ou RM.

A massa de BAT máxima detectável em humanos parece ser de aproximadamente 1 kg, e em adultos de 20 a 50 anos de idade, varia de 50 a 500 g, ou 0,1 a 0,5% da massa corporal total e 0,2 a 3,0% do adiposo total.  

A quantidade de BAT também varia de acordo com o sexo, e tem associação inversa com idade e IMC.

Conforme discutido abaixo, quanto mais massa de BAT pode ser aumentada em humanos e se uma proporção maior pode afetar o equilíbrio energético ou a saúde metabólica ainda precisam ser determinados.



O tecido adiposo desempenha um papel central na distribuição de energia.

Todos os alimentos consumidos pelos mamíferos consistem em apenas três macronutrientes: carboidratos, proteínas e gorduras.

Embora as refeições individuais possam ter proporções muito variadas desses três combustíveis, o corpo humano é capaz de flexibilidade metabólica, que é a capacidade das mitocôndrias de alterar sua preferência de substrato por gordura em comparação com a oxidação de carboidratos.

Pesquisas recentes mostraram que mitocôndrias disfuncionais levam à resistência à insulina no músculo esquelético, não por causa da flexibilidade prejudicada em resposta à disponibilidade de substrato, mas por causa de uma diminuição geral na oxidação do substrato.

Portanto, a superalimentação de qualquer um dos macronutrientes – carboidratos, proteínas ou gorduras – acaba levando a um balanço energético positivo e ganho de peso.  

A contribuição da composição de macronutrientes para o gasto energético e o desenvolvimento de obesidade e doenças metabólicas é uma área de debate ativo.

A função primária do WAT é armazenar energia na forma de triglicerídeos, mas existem diferenças fisiológicas substanciais e clinicamente relevantes entre os vários depósitos de WAT.

Os riscos metabólicos para a saúde são, portanto, devidos tanto à localização do excesso de armazenamento de triglicerídeos quanto à massa gorda total do corpo.  

O WAT é comumente separado em gordura visceral e gordura subcutânea, que conferem efeitos metabólicos negativos e neutros ou positivos, respectivamente.

A gordura visceral pode ser dividida em várias regiões distintas com diferentes riscos metabólicos.

As localizações dos depósitos WAT e BAT são mostradas na Figura 1.

Com base na anatomia microscópica e na fisiologia celular, é mais apropriado referir-se à gordura como tecido adiposo, pois é composto por vários tipos celulares distintos.  

Existem os próprios adipócitos, mas também a fração vascular do estroma – fibroblastos, sangue e vasos sanguíneos, macrófagos e outras células imunes e tecido nervoso.  

Formas relativamente recentes de tecnologia envolvendo sequenciamento de RNA de célula única e de núcleo único, que estão se tornando parte integrante do mapeamento de tecidos e sua complexidade, identificaram vários subtipos de células que desempenham papéis críticos na regulação da adipogênese, termogênese e comunicação interorgânica.

Além disso, as várias proteínas e proteoglicanos na matriz extracelular desempenham um papel ativo na função de WAT e BAT.

Muitas características dos depósitos de tecido adiposo, como localização, tamanho e comportamento metabólico, são influenciadas pela origem genética e pelo sexo.

Além disso, o tecido adiposo é um órgão dinâmico.

A crença amplamente difundida de que os humanos nascem com todas as células de gordura que jamais terão, que são capazes apenas de aumentar ou diminuir, agora é entendida como incorreta.

O uso inovador da marcação isotópica permitiu aos pesquisadores medir a nova adipogênese.

Esses estudos mostraram que a adipogênese continua ao longo da vida, com uma taxa média de renovação de 8% ao ano, indicando uma reposição completa dos adipócitos no organismo a cada 15 anos.

Para perspectiva, essa taxa é semelhante à dos osteócitos e mais rápida do que a renovação de muitos cardiomiócitos.

As células precursoras de adipócitos, conhecidas como pré-adipócitos, estão presentes na fração vascular do estroma e no tecido perivascular, que são capazes de autorrenovação.

O crescimento dos adipócitos vem tanto da hipertrofia, o aumento do tamanho das células, quanto da hiperplasia, o aumento do número de células.

O equilíbrio entre hipertrofia, hiperplasia, fibrose e lipólise no WAT visceral e subcutâneo está associado a diferentes riscos de progressão para disfunção fisiológica.

A diversidade e capacidade recém-descobertas levaram ao reconhecimento de que o tecido adiposo de mamíferos é um órgão “policromático”.

Além dos brancos e marrons, existem distintos adipócitos termogênicos, denominados “beige/brite”, que possuem características de adipócitos brancos e marrons, e adipócitos rosa no tecido mamário, bem como gordura na medula óssea e na derme, cada um com  um papel fisiológico distinto.

• Função e Comunicação

O WAT tem três funções macroscópicas comumente compreendidas e relacionadas.

Ele armazena calorias dos alimentos, cria uma camada de isolamento térmico e fornece proteção mecânica, o que é importante para resistir a infecções e lesões.

A insulina é o principal fator de absorção e armazenamento de combustível, sendo o tecido adiposo responsável por 5% da captação de glicose mediada por insulina em adultos magros e 20% naqueles obesos.


Até três décadas atrás, esses papéis fisiológicos eram tudo o que a maioria das pessoas considerava quando pensava em WAT, mas as descobertas de hormônios derivados de adipócitos brancos, como leptina e adiponectina, deixaram claro que WAT também é um órgão endócrino.

Além desses hormônios, os adipócitos e os outros tipos de células residentes produzem dezenas de outras adipocinas que afetam a fisiologia local e distante, como fator de necrose tumoral pró-inflamatório α (TNF-α), proteína quimiotática de monócitos 1 e o hormônio sexual estrogênio.

O WAT como órgão mesodérmico comunica seu estado funcional nos níveis autócrino, parácrino e endócrino.

Por exemplo, a gravidez requer um suprimento suficiente de energia a longo prazo, e o TAB (WAT) é essencial para o bom funcionamento do sistema reprodutivo, que inclui a secreção de hormônios reguladores e sexuais e a lactação.

Muito pouco WAT (TAB) como visto na anorexia nervosa e lipodistrofias, interrompe a menstruação.  

Demasiado WAT leva à puberdade precoce.

O WAT também usa sinalização interorgânica para coordenar o armazenamento e o consumo de nutrientes com o fígado e o músculo esquelético.

A descoberta da leptina há três décadas anunciou uma nova era na medicina da obesidade, mas não como originalmente previsto.

A leptina não induz saciedade, mas níveis baixos de leptina sinalizam baixos estoques de energia e fome.  

Pessoas com obesidade têm resistência à leptina, de modo que a administração exógena não leva à supressão do apetite ou perda de peso, exceto em pessoas com deficiência congênita de leptina, o que é extremamente raro.

Vários estudos sobre os efeitos da leptina levaram a novos insights sobre o controle da ingestão de alimentos pelo hipotálamo e outras regiões do cérebro.

A adiponectina regula o metabolismo da glicose e dos lipídios e promove um perfil metabólico antiaterogênico, antiinflamatório e sensibilizador da insulina.

Os avanços na compreensão do tecido adiposo como um órgão endócrino têm sido apoiados pela identificação de espécies não sinalizadoras de peptídeos que têm efeitos locais e sistêmicos.

Lipídios bioativos, como o ácido 12,13-dihidroxi-9Z-octadecenóico (12,13-diHOME) e o ácido 12-hidroxieicosapentaenóico (12-HEPE) são liberados pelo BAT e estimulam a captação de glicose e ácidos graxos no BAT e no músculo, apoiando assim  termogênese.

O BAT também libera microRNAs exossomais que podem regular a expressão gênica em outros tecidos, como o fígado.

O WAT e, mais recentemente, o BAT foram identificados como componentes integrais e reguláveis ​​do metabolismo das lipoproteínas e dos ácidos biliares.

As lipoproteínas ricas em triglicerídeos, na forma de quilomícrons de uma refeição, e a lipoproteína de muito baixa densidade derivada do fígado entregam suas cargas lipídicas ao WAT e BAT.  

Estudos em roedores mostraram que a ativação prolongada do BAT leva a alterações na homeostase do colesterol hepático, no metabolismo dos ácidos biliares e na composição do microbioma.

Mais de uma década após a descoberta do BAT como um tecido funcional em humanos adultos, há evidências nascentes sugerindo que a ativação do BAT também pode diminuir o risco de aterosclerose e impulsionar o consumo de glicose e lipídios pelo músculo esquelético.

Tanto o WAT quanto o BAT participam da imunomodulação, supressão e ativação do sistema imunológico, e cada tecido libera seu perfil distinto de mediadores do sistema complemento.

A obesidade leva a citocinas pró-inflamatórias derivadas de WAT, como TNF-α, interleucina-1β, interleucina-6 e interferon-γ.

Esses compostos ativam e recrutam macrófagos, que podem aumentar de menos de 10% a quase 40% do número total de células no tecido adiposo.

As células dendríticas e as células B se unem para induzir a expansão das células T CD4 e CD8.

Uma consequência importante da resultante resistência à insulina dos adipócitos e ativação dos macrófagos é o aumento da liberação de ácidos graxos, que, em última análise, conduz a gliconeogênese hepática e a hiperglicemia.

Em contraste, o BAT é particularmente resistente à inflamação induzida pela obesidade e, em modelos de roedores, descobriu-se que o BAT expressa altos níveis de ligante 1 de morte programada, que reduz a ativação das células T e pode melhorar a sensibilidade à insulina.

• Obesidade como complicação de muito Tecido Adiposo Branco WAT

As pandemias de sobrepeso e obesidade afetam mais de 70% da população dos EUA e devem aumentar sua prevalência nos próximos 30 anos.

Paralelamente, houve um aumento de condições relacionadas à obesidade, como diabetes tipo 2, puberdade precoce, doenças cardiovasculares e vários tipos de câncer.

Ainda mais preocupante é a observação de que as taxas de obesidade estão aumentando muito mais rapidamente entre crianças do que entre adultos e que crianças obesas são mais propensas a se tornarem adultos obesos com alto risco de complicações graves de saúde (Figura 3).

Respostas adequadas às sequelas clínicas e sociais dessas tendências exigem uma compreensão mais precisa dos efeitos específicos dos diferentes depósitos de WAT e BAT.  

As avaliações atuais em populações adultas e pediátricas geralmente usam o IMC exclusivamente, o que, no mínimo, requer ajustes para idade, sexo e origens genéticas e étnicas.

O IMC não pode fornecer informações sobre a distribuição de WAT ou as predisposições de depósitos específicos para sua fisiopatologia distinta ou a probabilidade de uma resposta a terapias direcionadas.

No futuro, será particularmente importante realizar grandes estudos de tendências epidemiológicas que vão além do IMC e incorporem outras estimativas da distribuição dos depósitos de WAT, incluindo a circunferência da cintura, a fim de entender melhor o papel da distribuição de WAT na doença metabólica relacionada à obesidade.  

Embora seja correto atribuir o aumento das taxas de obesidade ao armazenamento excessivo de triglicerídeos no WAT, esse quadro é muito simplista e impede o desenvolvimento de estratégias de tratamento.

Desde o início da pandemia de obesidade na década de 1970, as principais causas contribuintes e sua influência individual permanecem desconhecidas.

Os papéis do tamanho das porções, classes específicas de alimentos, ingredientes específicos e mudanças nos padrões de atividade estão sendo investigados.

Concomitantemente, é útil conceituar a obesidade como uma doença do cérebro que se manifesta como excesso de TAB (WAT) e TAB disfuncional.  

Estudos mostraram os ciclos perniciosos que aceleram o desenvolvimento da obesidade quando a pessoa começa a ganhar peso.

A região hipotalâmica do cérebro é de interesse crescente porque integra vários sinais fisiológicos do corpo, os transmite para diferentes regiões do cérebro e coordena a regulação de diversos processos, incluindo temperatura corporal e alimentação.  

Estudos em roedores mapearam as vias neuronais que interpretam os sinais da alimentação e do próprio TAB em relação à sua massa e, em seguida, integram esses sinais em mensagens homeostáticas e hedônicas, que interpretam a disponibilidade de estoques de energia e o significado emocional de alimentos específicos, respectivamente.

Além do WAT, a obesidade também interrompe a capacidade do hipotálamo de estimular o gasto de energia do BAT.

A obesidade não pode ser vista simplesmente como uma falha de força de vontade.

Em vez disso, é uma interação complexa entre centenas de genes, demandas socioeconômicas e tomada de decisão pessoal que, em última análise, leva a um aumento de longo prazo na ingestão calórica média em relação ao gasto de energia.

As conexões entre a obesidade, suas complicações metabólicas e influências genéticas tornaram-se mais estabelecidas por meio de estudos de associação genômica.  

Esses estudos populacionais globais em larga escala identificaram novos loci genéticos no sistema nervoso central, indicando um componente potencialmente genético de aspectos do estilo de vida, bem como resistência à insulina, ligando a obesidade central à desregulação metabólica e, em última análise, ao risco de doença cardiovascular.

No entanto, é fundamental apreciar a distinção entre a hereditariedade da obesidade e o efeito de qualquer gene.

As influências genéticas na obesidade são substanciais, até 70% com base em estudos envolvendo populações de origem predominantemente européia, mas esse forte efeito não deve ser mal interpretado como significando que existe um único “gene da gordura”.

Atualmente, apenas 20% de toda a variação fenotípica na obesidade pode ser explicada pelos milhares de loci identificados até agora.  

Adicionando mais complexidade é o efeito da epigenética – mudanças hereditárias, mas reversíveis na função do gene que não envolvem o próprio código de DNA.

A obesidade e até mesmo os componentes dietéticos podem ter efeitos fenotípicos profundos.  

Esforços estão agora sendo focados em como os mecanismos pelos quais os genes e as vias fisiológicas associadas afetam os desequilíbrios energéticos de curto e longo prazo e as complicações de saúde subsequentes.

Como o excesso de tecido adiposo leva à doença? Como nenhuma outra célula, os adipócitos brancos são adeptos do aumento e podem inchar de um diâmetro de 30 a 40 μm a mais de 100 μm, um aumento de volume por um fator de mais de 10. 

Começando no início da idade adulta, os adultos magros dos EUA gastam o  próximas décadas desafiando seus adipócitos ganhando em média 0,5 kg (1,1 lb) por ano, com aumentos de peso ainda maiores entre os com sobrepeso e obesos, colocando uma enorme demanda nos depósitos de WAT para armazenar triglicerídeos na quinta e sexta décadas de vida.

A localização anatômica e a genética determinam em grande parte o aumento proporcional no tamanho e número de adipócitos e as respostas fisiológicas.

Por exemplo, pessoas cujos depósitos subcutâneos mantêm adipócitos menores têm menos complicações metabólicas.

Além disso, em pessoas geneticamente predispostas à lipólise mediada por catecolaminas prejudicada, os adipócitos brancos tornam-se muito grandes, uma situação exacerbada pela incapacidade genética de recrutar novos adipócitos.

À medida que a obesidade progride, a diferenciação dos pré-adipócitos torna-se disfuncional, levando à redução da sinalização da insulina, captação de glicose e liberação de adiponectina pelos adipócitos maduros.

Em última análise, o crescimento e a expansão hipertrófica do WAT restringem a capacidade do oxigênio de se difundir dos capilares para os adipócitos.

Essa hipóxia constitui um alerta vermelho biológico para as células, alterando a expressão de mais de 1.000 genes e desencadeando uma série de respostas interconectadas que acabam levando à resistência local tanto à insulina quanto à sinalização adrenérgica, aumento da inflamação e dano celular.

A falha do tecido adiposo em continuar se expandindo leva ao transbordamento e subsequente deposição de triglicerídeos por todo o corpo, com acúmulo ectópico no fígado e no músculo esquelético.

A extensão dessa lipotoxicidade é um importante determinante do desenvolvimento de desregulação metabólica, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares.

Esse meio leva à disfunção do sistema imunológico e acredita-se que contribua para o aumento da morbidade e mortalidade por doenças infecciosas, atualmente destacadas pelos preocupantes relatórios epidemiológicos sobre pessoas com obesidade e doença por coronavírus 2019. 

A obesidade também está associada a um risco aumentado de muitos tipos de câncer, incluindo câncer de mama, útero, ovário, esôfago, estômago, cólon ou reto, fígado, vesícula biliar, pâncreas, rim, tireóide e meninges, bem como mieloma múltiplo, mas os mecanismos precisos ainda não são claros.

Três agentes causadores identificados até agora são hiperinsulinemia, fatores liberados durante a inflamação crônica e aumento da produção de estrogênio.

Dada a extensão dos distúrbios, a questão que surge é se o excesso de triglicerídeos armazenados é sempre benigno.

Foi postulado um fenótipo obeso metabolicamente saudável, que tem sido associado a vários aspectos da função dos adipócitos, como a liberação de adipocinas específicas.  

Se as pessoas obesas que são metabolicamente saudáveis ​​estão, no entanto, em um caminho inexorável para a doença metabólica ainda não foi determinado.

• Tratamentos para sobrepeso e obesidade

Existem três maneiras de alcançar um balanço energético negativo líquido: reduzir o consumo de alimentos, reduzir a absorção de nutrientes e aumentar o gasto energético.

Todos os três finalmente convergem para o objetivo comum de reduzir o teor de triglicerídeos WAT.

A farmacoterapia voltada para essas diferentes vias tem sido extensivamente revisada.

Vários tratamentos atualmente aprovados pela Food and Drug Administration para o tratamento da obesidade envolvem diretamente os tecidos adiposos.

Por exemplo, os agonistas do receptor do peptídeo 1 do tipo glucagon, como a liraglutida, causam perda de peso por meio da inibição do apetite e são ainda mais eficazes com o exercício, mas seus efeitos benéficos também podem ser mediados pela estimulação da lipólise do WAT e da termogênese do BAT.

Potenciais novas terapias com foco no tecido adiposo incluem bimagrumab, um inibidor do receptor de activina tipo II, que reduz a massa de WAT enquanto aumenta o crescimento do músculo esquelético.

A abordagem mais eficaz para a perda de peso que também resulta em melhorias metabólicas é a cirurgia bariátrica.

Embora essas operações reduzam as complicações da obesidade por meio de múltiplos mecanismos, grande parte da eficácia se deve à profunda perda de massa de WAT.

Os estudos atuais estão determinando os mecanismos pelos quais a perda de peso é alcançada, os efeitos adversos a longo prazo e a durabilidade das várias intervenções cirúrgicas.

Há também a abordagem direta de remover o tecido adiposo, mas, como sugerido acima, a ressecção do depósito de tecido adiposo errado pode piorar o efeito metabólico.

A lipoaspiração não cosmética de gordura subcutânea não leva a perda de peso a longo prazo ou melhora da saúde.

Além disso, é essencial reter pelo menos um mínimo de tecido adiposo.  

As síndromes lipodistróficas associadas à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana e os medicamentos usados ​​para tratá-la, bem como síndromes genéticas mais raras, mostraram que muito pouco WAT leva a disfunção metabólica lipotóxica e disfunção reprodutiva por deficiência de leptina.

Em certas circunstâncias, é até benéfico aumentar a massa de tecido adiposo.

As tiazolidinedionas são medicamentos que tratam o diabetes ativando o receptor nuclear PPAR-γ (receptor γ ativado por proliferador de peroxissoma) e aumentando o número de adipócitos menores e mais responsivos à insulina que podem armazenar triglicerídeos com mais segurança.

Ao induzir hiperplasia em vez de hipertrofia, as tiazolidinedionas levam a uma melhora paradoxal no perfil metabólico do paciente enquanto aumentam a massa de adipócitos.

A ativação do BAT a longo prazo poderia ajudar a tratar a obesidade ou doenças metabólicas relacionadas?  

Em roedores, a resposta é inequivocamente sim, mas em humanos, a resposta ainda não foi determinada.

Como já discutido, os humanos têm proporcionalmente menos BAT do que mamíferos menores, mas os humanos contemporâneos podem ter ainda menos BAT do que o necessário para atender às suas necessidades fisiológicas e metabólicas.

A massa de BAT diminui drasticamente com o aumento da temperatura ambiente, e o envelhecimento também parece induzir a atrofia de BAT, aumentando a possibilidade de que humanos contemporâneos que criam um ambiente termoneutro estejam diminuindo artificialmente sua massa de BAT e sua contribuição para o equilíbrio energético e a saúde metabólica.

Mesmo a limitada BAT presente em adultos parece ter um efeito clínico substancial, porque estudos retrospectivos e prospectivos mostram uma associação inversa entre a atividade da BAT e o IMC.  

Além disso, um estudo recente mostrou que pessoas com BAT tinham níveis mais saudáveis ​​de glicose no sangue, triglicerídeos e lipoproteínas de alta densidade do que pessoas sem BAT.

Aqueles com BAT apresentaram menor prevalência de doenças cardiometabólicas, como diabetes tipo 2, dislipidemia, doença arterial coronariana, doença cerebrovascular, insuficiência cardíaca congestiva e hipertensão.

Ensaios clínicos são necessários para determinar os resultados da ativação do BAT a longo prazo, uma vez que estudos em roedores sugerem que a ativação do BAT pode levar à ingestão alimentar compensatória ou, o contrário, à supressão do apetite.

Os estudos clínicos prospectivos iniciais mostraram que o tratamento a longo prazo com agonistas dos receptores β3-adrenérgicos aumenta a massa do BAT e o escurecimento do WAT e está associado a melhorias na sensibilidade à insulina e fatores de risco cardiometabólicos.

• Conclusões

A abordagem mais arriscada do tecido adiposo humano é descartar sua importância.

O WAT está no centro da pandemia de obesidade e sua resposta ao excesso de calorias afeta todos os sistemas orgânicos, com efeitos profundos na morbidade e mortalidade em todo o mundo.

A última década, e particularmente os últimos 5 anos, viu um crescimento explosivo em nossa compreensão do tecido adiposo, com trabalhos que reconhecem o WAT e o BAT humanos como órgãos que possuem diversidade anatômica, funcional e genética.

No futuro, a gordura será idealmente apreciada pelo que é, um tecido policromático, tão relevante e influente quanto outros órgãos para a manutenção da saúde humana.

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terça-feira, 26 de março de 2019

Jantar depois das 20 horas pode aumentar o risco de obesidade

A obesidade é um problema de saúde pública que vem aumentando em todo o mundo. 

Entre as causas da doença estão fatores, como genética, doenças endócrinas, excesso de alimentação, falta de atividade física e problemas para dormir. 

Outra possível causa para o excesso de peso é o horário das refeições, especialmente as realizadas à noite, indica estudo preliminar apresentado este final de semana durante a ENDO 2019, uma conferência médica realizada nos Estados Unidos. 

De acordo com os pesquisadores, indivíduos que jantam tarde estão em maior risco de apresentar níveis mais altos de gordura corporal e, consequentemente, maior Índice de Massa Corporal (IMC) – fator de risco para a obesidade.

A obesidade é um problema de saúde pública que vem aumentando em todo o mundo. Entre as causas da doença estão fatores, como genética, doenças endócrinas, excesso de alimentação, falta de atividade física e problemas para dormir. Outra possível causa para o excesso de peso é o horário das refeições, especialmente as realizadas à noite, indica estudo preliminar apresentado este final de semana durante a ENDO 2019, uma conferência médica realizada nos Estados Unidos. De acordo com os pesquisadores, indivíduos que jantam tarde estão em maior risco de apresentar níveis mais altos de gordura corporal e, consequentemente, maior Índice de Massa Corporal (IMC) – fator de risco para a obesidade.

Estudos anteriores já haviam feito associação similar, destacando que a ingestão alimentar feita após as 20 horas pode aumentar a probabilidade de desenvolver obesidade.

O estudo

Para chegar a este resultado, a equipe da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, recrutou 31 pessoas (90% mulheres, com idade média de 36 anos) que estavam acima do peso ou obesas. Para avaliar o máximo de variáveis capazes de interferir nas descobertas, os pesquisadores recolheram informações sobre o sono, os níveis de atividade e a dieta dos participantes. Além disso, cada um dos voluntários recebeu equipamentos para monitorar o ciclo de sono e o tempo gasto em atividades físicas ou sedentárias. A ingestão alimentar foi monitorada através de um aplicativo de telefone que permitia aos participantes fotografar as refeições, o que ajudava a registrar os horários da alimentação. Os níveis de glicose no sangue também foram acompanhados.

Os dados coletados apontaram que os participantes se alimentaram ao longo de 11 horas (do acordar ao dormir), sendo a última refeição realizada por volta das 20 horas da noite. A partir dessas informações, os pesquisadores perceberam que aqueles que comiam no final do dia tinham IMC mais alto, assim como maiores níveis de gordura corporal. “Comer no final do dia, mais à noite, parece estar ligado ao armazenamento de mais gordura corporal devido a diferenças hormonais a esta hora do dia”, explicou Lona.

A equipe ainda descobriu que esses indivíduos tinham um média de sono de 7 horas por noite – o que pode descartar a ideia de que a falta de sono interfere no risco de apresentar excesso de peso (pelo menos nesses voluntários). Apesar dos resultados, os cientistas ressaltam que os achados são preliminares e, portanto, será necessário dar continuidade às investigações para entender os mecanismos que ligam o horário da refeição ao aumento do risco de obesidade.

Dados de 2018 do Ministério da Saúde indicam que 18,9% da população acima de 18 anos nas capitais brasileiras é obesa. O percentual é 60,2% maior do que o obtido na primeira vez que o trabalho foi realizado, em 2006, quando essa parcela era de 11,8%. Esses números preocupam já que estudo do ano passado publicado no periódico Cancer Epidemmiology indicou que o Brasil terá 640.000 casos de câncer em 2025 – e quase 30.000 deles vão estar associados à obesidade.

Para esses pesquisadores, o aumento da obesidade está associada a industrialização e o alto consumo de alimentos processados. “A industrialização de sistemas alimentares mudou profundamente as culturas alimentares tradicionais, que eram geralmente composta de alimentos frescos e minimamente processados”, escreveram no relatório. A sugestão para solucionar a questão, de acordo com eles, é adotar intervenções e políticas de saúde pública capazes de reduzir o problema a nível populacional.

Além disso, as novas descobertas apontam para outra possível solução: antecipar o horário do jantar e evitar ingerir muitas calorias antes de dormir.

sexta-feira, 30 de março de 2018

Obesidade pode afetar a memória

Além dos diversos problemas já conhecidos relacionados ao excesso de peso, novas descobertas o relacionam a danos no cérebro

O sobrepeso e a obesidade estão relacionados a uma série de problemas no organismo, como a hipertensão arterial, alterações do colesterol e aumento do risco de desenvolver uma série de doenças, entre elas o diabetes. De acordo com uma pesquisa do Centro de Neurociências Comportamentais da American University, em Washington, D.C., a condição também pode ser ruim para o cérebro.

A descoberta se deu enquanto o a equipe buscava informações sobre o hipocampo, uma parte do cérebro que está fortemente relacionada à memória. Ele tentava descobrir quais eram as atribuições das diferentes partes do hipocampo. Um dos estudos, realizado com ratos, verificava o que ocorria após danos específicos no hipocampo.

Nesta etapa, notou-se que os ratos com danos no hipocampo procuravam alimentos com mais frequência do que os demais, mas comiam um pouco e logo deixavam a comida de lado.

A conclusão foi de que esses ratos não sabiam se estavam satisfeitos. Os pesquisadores acreditam que o mesmo possa acontecer em cérebros humanos, quando as pessoas mantêm uma dieta rica em gordura e açúcar.

A partir daí, eles cruzaram os resultados de outros estudos sobre o tema, e chegaram à conclusão de que uma dieta rica em gorduras saturadas e açúcares pode, sim, afetar regiões do cérebro importantes para a memória.

Novos caminhos para o tratamento da obesidade

O entendimento de como a obesidade afeta o cérebro e a memória pode ser um grande caminho para evitar que as pessoas se tornem obesas.

Se a qualidade dos alimentos contidos na dieta das pessoas obesas pode causar prejuízos à memória e torná-las mais propensas a comer demais, então talvez fazer das refeições mais marcantes possa ajudar a comer menos coisas ruins. Assistir televisão durante o almoço, por exemplo, faz com que as pessoas se distraiam e acabem comendo mais. Também aumenta a probabilidade de ter fome na parte da tarde e novamente comer excessivamente no jantar.

Evitar assistir televisão durante as refeições, portanto, é uma pequena mudança, bastante simples, que não envolve muito autocontrole ou sacrifício, mas que pode fazer uma diferença significativa.

Pesquisadores da Universidade de Cambridge, que teve um dos estudos utilizados pela equipe de Washington, afirmam que o vínculo entre a obesidade e o cérebro vem crescendo como campo de pesquisa, e a ideia é que surjam novas formas de direcionar o tratamento da obesidade.

Os estudos analisados

O primeiro estudo utilizado pela equipe foi publicado em 2015 no Journal of Pediatrics e apontava para o fato de crianças obesas terem poiores resultados em tarefas de memória que testaram o hipocampo, em comparação com crianças que não tinham excesso de peso.

Em julho de 2016, o estudo Obesity associated with increased brain-age from mid-life, do Cambridge Center for Aging and Neuroscience, revelou que o volume de matéria branca cerebral no grupo com excesso de peso e obesidade estava associado a um maior grau de atrofia, com efeitos na idade média do órgão, sugerindo que a obesidade pode aumentar o risco de neurodegeneração.

Já no estudo Higher Body Mass Index is Associated with Episodic Memory Deficits in Young Adults, publicado no The Quarterly Journal of Experimental Psychology, em novembro daquele mesmo ano, reuniu pessoas obesas e magras para uma tarefa de memória. Em uma caça ao tesouro virtual, os participantes escondiam algo em uma cena, ao longo de várias sessões de computador. Mais tarde, foram perguntados sobre o que esconderam, onde e em que sessão. Os resultados das pessoas obesas foram 15% a 20% inferiores ao das pessoas com peso adequado em todos os aspectos da experiência.

A análise destes dados evidencia que o excesso de peso pode acarretar em prejuízo para diferentes tipos de memória, como a espacial ou a temporal, bem como à capacidade de integrá-las que, segundo a pesquisadora, é um dos aspectos mais fundamentais da memória. Ao final, o estudo concluiu que uma pessoa obesa pode ser até 20% mais propensa, por exemplo, a não lembrar onde colocou suas chaves.

No estudo mais recente analisado, pesquisadores da Universidade do Arizona reforçaram sua teoria ao identificar, em Body mass and cognitive decline are indirectly associated via inflammation among aging adults, que a combinação entre índice de massa corporal alto e processos inflamatórios pode levar ao declínio cognitivo.

Ao avaliar adultos idosos, cruzando informações sobre o funcionamento da memória, massa corporal e inflamação sistêmica, a maior massa corporal foi indiretamente associada a declínios na memória ao longo de seis anos, bem como a níveis relativamente mais altos de inflamação, medidos por meio de proteína C-reativa (PCR).

É importante lembrar que, assim como os alimentos, a obesidade também traz mudanças significativas ao organismo, aumentando os níveis de açúcar no sangue, causando prejuízos ao sistema cardiovascular, entre outros. Estas alterações também podem afetar o cérebro.

Cientistas dizem que, muito provavelmente, o efeito da obesidade no cérebro está relacionado a não apenas uma causa, mas a uma combinação de causas.

Após o estudo, ficou mais claro para a equipe que a dieta rica em gorduras saturadas e açúcares, além dos danos ao cérebro, torna as pessoas mais propensas a optar por alimentos não saudáveis em sua alimentação.

Há, segundo os autores, um ciclo vicioso envolvendo dietas não saudáveis e alterações no cérebro, tornando cada vez mais difícil evitar estes alimentos. Os prejuízos vão além da função cerebral, repercutindo, inclusive, na função cognitiva.

sexta-feira, 8 de julho de 2022

Disparada nos casos de obesidade infantil - Obesidade na geração tik tok por Camile Lichotti

A Revista Piauí fez uma reportagem bastante interessante sobre a disparada dos casos de obesidade entra a faixa etária pediátrica. Para acessar os gráficos e tabelas acesse: https://piaui.folha.uol.com.br/fome-na-geracao-tiktok/

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Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo
CRM-GO 13.192 | RQE 11.915 / CRM-SC 32.949 | RQE 22.416 

Taxa de crianças obesas ou acima do peso cresce 70% no Brasil e convive com a fome persistente entre a população mais vulnerável do país, revela levantamento inédito

Esta é a reportagem de apresentação da série Má alimentação à brasileira, sobre a fome e a epidemia de obesidade que afetam a população mais pobre do país. Participaram Camille Lichotti e Rubens Valente (reportagem), Plínio Lopes (checagem), Fernanda da Escóssia (edição) e José Roberto de Toledo (coordenação).

Na porta de um pequeno mercado localizado entre dois terrenos baldios, em uma rua poeirenta do interior do Maranhão, pacotes de salgadinho brilham sob o implacável sol das 10 horas da manhã. A temperatura passa dos 30° C em Trizidela do Vale, região central do estado, quando um menino de 11 anos, descalço e vestindo apenas uma bermuda azul, entra na loja para comprar um adoçante a pedido da mãe. Antes de pagar, agarra um dos pacotes brilhantes: um salgadinho de milho sabor calabresa acebolada – que de calabresa só tem o aroma artificial –, vendido a 50 centavos. Uma banana custa 75 centavos, mas o garoto nem chega perto das frutas guardadas no refrigerador no corredor mais distante da porta. As prateleiras de destaque destinam-se aos salgadinhos de pacote. “É para chamar as crianças”, explica o atendente.

O salgadinho de pacote é ingrediente central do cardápio de má nutrição das crianças brasileiras. Mas não é o único vilão. A fome persistente convive com a crescente epidemia de obesidade, e os dois fenômenos atingem a população mais vulnerável. Dados compilados pela piauí e pela agência de dados públicos Fiquem Sabendo, com base no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), do Ministério da Saúde, mostram que a proporção de crianças de 5 a 10 anos acima do peso explodiu nos últimos treze anos. A taxa de crianças com obesidade subiu 70% de 2008 a 2021. Praticamente uma em cada cinco crianças atendidas pelo sistema público de saúde está obesa.

Crianças obesas têm mais chance de se tornarem adultos obesos – e podem adquirir ao longo da vida uma série de doenças relacionadas ao excesso de peso, como hipertensão, diabetes e problemas cardiovasculares. Enquanto a obesidade infantil traz uma nova carga de vulnerabilidade aos mais pobres, o Brasil caminha para ter uma população doente. “A consequência disso é a mortalidade prematura”, explica a nutricionista Daniela Neri, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP. 


Do outro lado da balança, a taxa de crianças abaixo do peso adequado para a idade parou de cair em 2021, interrompendo a tendência de queda registrada desde 2008. Em nove estados, a taxa de crianças de 5 a 10 anos em situação de magreza ou magreza acentuada aumentou nos últimos dois anos. No caso do Distrito Federal, o salto na proporção de crianças abaixo do peso adequado foi de 23% – e o índice voltou a um patamar semelhante ao de 13 anos atrás. 

O Sisvan registra peso e altura de crianças que chegam à rede de atenção primária do sistema público de saúde, a maioria atendida por programas sociais. Como os dados se referem prioritariamente a crianças em situação de vulnerabilidade social, o sistema serve de guia para todas as estratégias e ações do Ministério da Saúde na área de alimentação e nutrição.

No país onde 125 milhões de pessoas não sabem se vão conseguir se alimentar adequadamente todo dia – e das quais 33 milhões passam fome, segundo pesquisa da rede Penssan –, a obesidade está conectada à pobreza. Especialistas ouvidos pela piauí concordam que o aumento da obesidade infantil também é produto do empobrecimento e da insegurança alimentar. “A obesidade está se tornando uma marca da população mais pobre”, diz a endocrinologista Maria Edna de Melo, professora da Universidade de São Paulo. Hoje quem tem dinheiro pode escolher com mais folga o tipo de alimento que vai comer e optar por pratos mais saudáveis e diversos. Quem não tem, come o mais barato – que quase sempre é também o mais calórico ou de qualidade nutricional inferior. 

Relatório publicado pelo Unicef no final de 2021 revelou um alto consumo de ultraprocessados entre crianças integrantes do programa Bolsa Família (substituído em novembro passado pelo Auxílio Brasil). Esses produtos são basicamente uma mistura de sal, açúcar, gordura e conservantes e sequer são considerados comida de verdade. Recebem uma série de aditivos industriais para alterar seu gosto e prazo de validade, o que os torna mais palatáveis, baratos, práticos e acessíveis – apesar de não terem valor nutricional. “As pessoas sentem uma falsa sensação de saciedade porque na verdade não estão se alimentando quando comem esses produtos”, diz a endocrinologista Zuleika Halpern, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Em metade dos domicílios pesquisados pelo Unicef, as crianças com menos de 6 anos consomem salgadinho de pacote, macarrão instantâneo e refrigerante de uma a três vezes por semana. O estudo concluiu que a vulnerabilidade socioeconômica das famílias é um fator que influencia no consumo de ultraprocessados, e a maior dificuldade para melhorar os hábitos alimentares foi o alto custo dos alimentos saudáveis. “O preço de uma salsicha pouco aumentou, enquanto o da cenoura disparou. As pessoas mais pobres estão comendo comida de baixa qualidade porque é mais barato”, diz o economista Arnoldo de Campos, ex-secretário nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Um levantamento feito por ele mostra que, das 20 maiores altas de preços acumuladas este ano até o mês de abril, 19 foram de alimentos in natura. 

Uma série de estudos já investigou a relação entre a falta de recursos para a compra de alimentos saudáveis e o ganho de peso. Algumas dessas pesquisas mostram que, por mais contraintuitivo que pareça, a epidemia de obesidade no Brasil não é oposta à insegurança alimentar, mas uma consequência dela. “Antes as crianças pobres morriam porque não tinham acesso à comida. Agora elas comem, mas vão desenvolver uma série de doenças porque comem mal”, diz Zuleika Halpern. 

A obesidade já vinha avançando entre as crianças vulneráveis de todos os estados brasileiros e, com o início da pandemia, teve um salto em 2020 em relação ao ano anterior. Os casos mais críticos são os estados do Rio Grande do Sul, onde um quarto das crianças de 5 a 10 anos eram obesas (25% dos pesados), Ceará (23%) e Rio Grande do Norte (23%). O problema atinge estados com perfis socioeconômicos diferentes. No Rio, que tem o segundo maior produto interno bruto (PIB) do país, a obesidade infantil subiu de 11% em 2008 para 18% em 2021. Mas o aumento mais acentuado aconteceu em Rondônia, que tem um dos menores PIBs, saltando de 7% para 15%. A obesidade infantil aumentou em todos grupos raciais, mas as crianças brancas apresentaram o índice mais alto em 2021 – 21% delas tinha obesidade ou obesidade grave, ante 18% entre crianças pretas e 16% entre pardas, que por sua vez tiveram índices maiores de magreza e magreza acentuada.

A proporção de crianças com obesidade grave pode crescer ainda mais nos próximos anos, já que também tem aumentado a taxa de sobrepeso na faixa etária de 5 a 10 anos de idade – 16% dos pesados em 2021, ante 14% no início da série histórica. Somando com os obesos, pode-se dizer que cerca de um terço das crianças acompanhadas pela pesquisa no Brasil estava com excesso de peso em 2021 – taxa que, em alguns estados, como o Rio Grande do Sul, chegava a quase metade das crianças pesadas. 

Os dados do Sisvan também mostram a consequência direta da má alimentação ao longo dos anos. Mais de 8% das crianças de 5 a 10 anos têm altura baixa ou muito baixa para a idade. O crescimento infantil é usado como um indicador de saúde das crianças. Até os 5 anos de idade, se as necessidades de saúde e nutrição das crianças são atendidas, o padrão de crescimento médio é semelhante. O déficit na altura é a característica mais representativa do quadro de desnutrição crônica no Brasil. Enquanto o baixo peso é um problema que pode ser revertido, o potencial de crescimento perdido na infância não pode ser recuperado. A proporção de crianças abaixo da altura ideal vinha caindo e atingiu o menor índice da série histórica em 2019 – 8% das crianças de 5 a 10 anos medidas – mas voltou a subir no ano seguinte. 

“A deficiência de estatura é muito mais preocupante do que a do peso. É o que se chama fome crônica, quando a criança cresce menos do que deveria porque não se alimentou direito”, diz o professor Rodrigo Vianna, do departamento de Nutrição da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). “ No caso da estatura, quem comeu menos e ficou magro começa a crescer menos. A magreza é rápida, temporária e pode ser revertida. Já a estatura é a fome crônica, é ela que mostra o grande atraso do desenvolvimento do país”.

Na base de dados do Sisvan, o sudoeste do Amazonas aparece como a pior mesorregião do país em termos de estatura abaixo do esperado entre crianças dos 5 aos 10 anos de idade. A insegurança alimentar na região desafia o senso comum de que na Amazônia não se passa fome porque os recursos naturais são abundantes. O município de Atalaia do Norte (AM), perto da fronteira com a Colômbia – que ganhou notoriedade nas últimas semanas após o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips – detém o mais baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) entre os 62 municípios do estado do Amazonas, segundo os dados de 2010. De um total de 1.027 crianças de 0 a 5 anos pesadas em Atalaia em 2021, 89 tinham “magreza acentuada” (5% do total, portanto acima dos 3% da média nacional no período) ou “magreza” ( 4%, também acima dos 3,4% da média nacional).

Estado brasileiro com maior proporção de pobres, o Maranhão é um exemplo da dupla carga de má alimentação que atinge o Brasil. Tem taxas acima da média nacional de crianças abaixo do peso e também abaixo da altura esperada para a idade. Enquanto isso, a proporção de crianças acima do peso – embora não seja a mais alta no país – cresce ano a ano. Em Trizidela do Vale, onde os salgadinhos de pacote brilham sob o sol nos mercadinhos, o índice de obesidade (somando a moderada e a grave) mais do que triplicou: subiu de 4% em 2008 para 16% em 2021 entre as crianças de 5 a 10 anos. Já o índice de crianças abaixo do peso, que vinha caindo nos últimos anos, voltou em 2021 ao mesmo patamar de 2008. Ou seja: levando em conta o início da série histórica de dados do Sisvan e a situação atual, a desnutrição deixou de ser o principal problema nutricional em Trizidela do Vale – mas não porque deixou de existir. Agora desnutrição e a obesidade são problemas que se somam.

Na penúltima semana de junho, Anajara Guimarães levou o filho caçula, Marcos, de 6 anos, a uma consulta médica. Era uma campanha da igreja do bairro Aeroporto, região afastada do centro de Trizidela do Vale, onde a paisagem já começa a ganhar características rurais. No projeto social, as crianças são pesadas, medidas e os voluntários calculam o Índice de Massa Corporal (IMC) usando um programa de computador. Marcos estava pesando 15 kg. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o peso ideal para um menino da sua idade é de 20 a 23 kg. Além do baixo peso, que, de acordo com os critérios do projeto da igreja, configura um quadro de desnutrição, os exames do garoto também mostraram uma anemia severa. “Nesse dia eu voltei para casa chorando igual criança”, lembra a mãe, que passou a tomar remédios para conseguir dormir. 

Anajara Guimarães com o filho Marcos, de 6 anos, desnutrido. O garoto pesa 15 kg e está abaixo do peso considerado adequado para a idade - Foto: Camille Lichotti

A casa que Anajara Guimarães divide com os três filhos fica escondida num matagal do bairro. É uma construção de pau a pique, na qual o único vão foi dividido em dois quartos, separados por lençóis, sala e cozinha. Como ela está desempregada, o único dinheiro que entra regularmente na casa são os 400 reais do Auxílio Brasil. Mas o valor não é suficiente para garantir a alimentação da família, especialmente com a alta do preço dos alimentos. No fim de junho passado, por exemplo, só havia água na geladeira. No armário, meio saco de arroz e um punhado de feijão. “Não resta quase nada para comer”, diz Guimarães, apontando para o pequeno armário instalado na parede. Ela calcula que a família não come carne de gado há cerca de seis meses. As compras do mês costumam durar duas semanas – nas outras duas, é preciso “dar um jeito”. Guimarães conta que, quando ninguém aparece para ajudar, ela passa dias sem comer para garantir a acanhada alimentação dos filhos. 

A igreja forneceu algumas vitaminas e sulfato ferroso para tratar a anemia do filho mais novo, mas nenhum comprimido substitui a comida. E é justamente ela, a comida, que está em falta. A alimentação de Marcos é basicamente leite em pó e bolacha recheada, diz a mãe. Ele não come arroz e feijão, que é o que sobra no fim do mês, e na escola só toma sopa (a outra opção é arroz com sardinha, que ele não come). O menino gosta mesmo é das frutas: maçã, banana, mamão. Mas elas estão caras demais e a mãe deixou de comprá-las. “Aqui a gente mal tem o básico”, explica, resignada. 

A poucos minutos dali, num outro bairro pobre da mesma Trizidela do Vale, Maria de Fátima Nery, de 27 anos, mora com as três filhas, o namorado e a mãe. Ela diz se lembrar até hoje de quando a filha Maria Clara, de 6 anos, comeu o primeiro pacote de macarrão instantâneo, aos 9 meses de idade. Assim que terminou a refeição ultraprocessada, começou a ter febre e convulsões que duraram vinte dias. Hoje o macarrão instantâneo é uma de suas comidas favoritas. “Não sei que gosto tem, só sei que é bom”, explica a menina. Na última vez em que foi pesada, Maria Clara – que tem a mesma idade de Marcos –, estava com 45 kg. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o peso ideal para meninas nessa idade é de 20 a 23 kg.

Quando recebe algum dinheiro dos pais ou da avó, Maria Clara percorre os mercadinhos próximos à sua casa atrás dos pacotes de salgadinhos de milho, doces e biscoitos recheados – 4 reais garantem uma farra. Dentro de casa, a alimentação não costuma ser melhor. Verduras e legumes, já escassos, são os primeiros a desaparecer quando o orçamento aperta. Maria Clara não sabe, por exemplo, o que é couve. “É uma folha parecida com alface”, disse a mãe ao seu lado, ensaiando uma explicação. A menina também nunca comeu inhame ou beterraba. “É aquela vermelhinha”, a mãe teve que explicar mais uma vez. 

Maria de Fátima Nery com a filha Maria Clara, de 6 anos, e, abaixo, um dos mercados onde as crianças de Trizidela do Vale compram salgadinhos - Fotos: Joaquim Cantanhêde

A família recebe 400 reais por mês do Auxílio Brasil. Só o aluguel da casa onde moram custa 250 reais, e a conta de luz fica em torno de 150 reais por mês. “Para comer, a gente vai se ajeitando como dá”, conta a dona de casa. Nery não consegue planejar a alimentação das crianças porque não faz compras de mês – vai comprando a comida conforme o namorado, ajudante de pedreiro, recebe dinheiro. Às vezes o pai das duas filhas mais velhas paga a pensão de 150 reais ou a avó das meninas manda algum alimento. Mas quando manda, é sempre algo do agrado das netas: pacotes de macarrão instantâneo ou biscoitos recheados. A carne sumiu do prato. Para substituir, Nery agora compra salsicha – uma proteína ultraprocessada com alto teor de gordura –, ovo ou alguma outra mistura. “Estamos acostumados a comer o que aparecer”, diz.

Às vezes o que aparece à noite é o macarrão instantâneo. Maria Clara, a filha mais nova, prepara a refeição ultraprocessada sozinha e come assistindo televisão com a irmã. Também gosta de abrir algum pacote de salgadinho para beliscar enquanto assiste a vídeos no TikTok – fica acordada até quase 2 horas da manhã, diz a mãe. A exposição a telas, especialmente as digitais, durante as refeições é um dos piores hábitos alimentares dessa geração – e também está relacionada ao sedentarismo e aumento dos níveis de obesidade entre as crianças. Maria Clara não costuma passar por exames de rotina, mas a mãe percebe que ela está ficando cada vez mais cansada e às vezes reclama de fadiga quando sai para brincar. “Não considero nossa alimentação saudável porque a gente só vive comendo salsicha, macarrão, essas coisas. Eu nem gosto muito, mas a gente tem que fazer como dá. E não tem outra opção. Ou come isso, ou…”, diz Nery, sem completar a frase.

A endocrinologista Maria Edna de Melo acompanha de perto a transição nutricional no Brasil. Desde 2007 ela chefia a Liga de Obesidade Infantil da Faculdade de Medicina da USP, um grupo que acompanha pacientes da instituição ou casos indicados por outros especialistas. Nos últimos anos, Melo começou a notar uma diferença no padrão de atendimento de crianças com obesidade: elas chegam ao hospital mais jovens e com quadros cada vez mais graves. Há pouco tempo atendeu um menino de 7 anos que sentava no chão porque não conseguia subir na cadeira e tinha dificuldade até para se locomover. Também se tornou assustadoramente comum atender meninas e meninos que têm colesterol alto, hipertensão e diabetes antes de chegar à adolescência. “Eu nunca tinha visto isso antes”, diz a especialista. 

Além das doenças crônicas relacionadas ao excesso de peso, muitas crianças com obesidade – incluindo os níveis mais severos – não escapam da desnutrição. Não porque elas não têm o que comer, mas porque suas dietas costumam ser pobres em nutrientes essenciais. Assim como dividem o mesmo país, desnutrição e obesidade podem dividir a mesma cidade, a mesma casa e até o mesmo corpo. Exames de sangue dos pacientes atendidos no ambulatório da USP mostram deficiências de todos os tipos: de ferro, de vitaminas, de minerais. “Até a década de 1990, a fome era nossa principal preocupação quando falávamos sobre saúde nutricional das crianças. Mas agora temos esse outro problema”, explica Melo. Para ela, a tendência é que aumente o número de pessoas com excesso de peso, mas desnutridas, graças à má qualidade dos alimentos ingeridos. “Hoje não vejo luz no fim desse túnel”, diz.  

Quando o programa Fome Zero foi criado pelo governo federal em 2003, no primeiro ano do primeiro mandato do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o principal desafio do Brasil no campo da nutrição era acabar com a fome. Depois da implementação de uma série de programas, a desnutrição entre crianças caiu mais de 70%, a mortalidade infantil despencou e o país finalmente saiu do Mapa da Fome. O passo seguinte era avaliar a população de forma mais detalhada e organizar ações específicas para resolver problemas pontuais e mais complexos.

Em 2013, na gestão de Dilma Rousseff (PT), o governo federal começou a desenhar o programa Brasil Saudável e Sustentável, uma iniciativa da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), no guarda-chuva do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). O objetivo era articular políticas públicas para enfrentamento do sobrepeso e obesidade. “Hoje nem se fala mais nesse programa, está abandonado”, diz a economista Tereza Campello, ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome durante o governo de Dilma Rousseff, de 2011 a 2016. 

O problema da fome entre os povos indígenas era outro passo a ser dado. “Essa situação não se resolve com Bolsa Família, tem que ter um conjunto de políticas específicas”, defende Campello. Os indígenas no Rio Grande do Sul, por exemplo, são completamente diferentes de povos mais distantes dos centros urbanos da região Norte. Certas comunidades têm problemas gravíssimos de carência de vitamina A – o que não significa que o governo precise distribuir vitamina A a toda a população. “A gente já estava chegando nesse nível de detalhamento, de fazer busca ativa em contextos específicos”, lembra Campello. “Agora não, agora voltamos a ter uma coisa massiva, uma Inglaterra inteira passando fome”. Com o retrocesso no quadro da fome, o Brasil precisa novamente apagar um incêndio de proporções gigantescas – mas dessa vez, com o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional desmantelado. 

Em seu primeiro dia de governo, o presidente Jair Bolsonaro extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), comitê que reunia representantes da sociedade civil e da administração pública para pautar e monitorar as políticas de segurança alimentar e nutricional. O conselho era a cabeça do sistema de segurança alimentar no Brasil. Do dia para a noite, a área ficou acéfala. “O Sisan ainda era um embrião, toda a articulação entre os programas ainda estava sendo construída, mas o processo foi minado na origem”, explica Campello. “É como se tivessem destruído o SUS em 1990.”

Como o sistema é transversal e não se restringe a um ministério, há iniciativas em vários braços do governo. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), um dos mais importantes para a segurança alimentar do país, é responsabilidade do Ministério da Educação. Durante a pandemia, o PNAE ficou à deriva, o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) foi esvaziado e substituído pelo Alimenta Brasil, que teve o orçamento quase zerado em 2021. O Programa de Cisternas também foi praticamente extinto. O Brasil passou pela maior crise sanitária do século – justamente os anos em que aumentaram a fome e a obesidade infantil – sem um Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Até hoje, o governo Bolsonaro não apresentou o documento que deveria orientar as políticas nutricionais entre os anos de 2020 e 2023. E não existe mais Consea para cobrá-lo. 

Para Ana Maria Segall, médica epidemiologista e especialista em saúde coletiva, o país está perdendo a liderança no combate à fome porque as coisas estão sendo feitas “de forma improvisada”. “Nós entramos numa situação terrível de retrocesso das políticas sociais e agora estamos no pior dos mundos”, diz ela, que foi membro do extinto Consea até 2014. Na avaliação da ex-ministra Tereza Campello, o enfraquecimento da rede assistencial e a perda de direitos trabalhistas também contribuíram para a volta da insegurança alimentar. “Para fome não há vacina. Se a população perde renda, a fome volta”, resume. “Se as pessoas não têm acesso à alimentação saudável, pode não voltar a fome, mas vai voltar a desnutrição. E logo em seguida também volta a mortalidade infantil. É um escândalo.”

As duas faces da má alimentação no Brasil entraram no radar das organizações internacionais que há anos atuam no combate à fome. O Programa Mundial de Alimentos (WFP, na sigla em inglês), agência humanitária ligada à Organização das Nações Unidas, já considera o duplo fardo da desnutrição como um desafio sem precedentes. A “fome oculta” – ou seja, a deficiência de vitaminas e minerais –, a obesidade e a desnutrição andam juntos. E embora aparentemente não relacionados, “esses problemas têm as mesmas causas: pobreza, desigualdade e dietas pobres”, diz o site da WFP. “O que as crianças comem precisa ser suficiente para uma vida saudável, para que elas possam se desenvolver”, afirma Daniel Balaban, representante da agência no Brasil e diretor do Centro de Excelência Contra a Fome. “Não basta só dar comida. Para zerar a fome precisamos pensar também no tipo de comida que chega para as crianças.”

Balaban acompanhou de uma posição privilegiada a infame trajetória do Brasil, que deixou de ser exemplo para o mundo para se tornar o caso a não ser seguido. Como diretor do Centro de Excelência Contra a Fome, ele estava acostumado a receber comitivas internacionais para tratar de boas notícias. Seu trabalho era justamente ensinar outros países a combaterem a fome tomando como exemplo as ações brasileiras. “Nosso escritório recebeu mais de cinquenta países diferentes, ajudamos mais de trinta nações a criarem políticas in loco. Levamos a ideia do Consea a esses países, as políticas públicas, tudo”, lembra Balaban. Agora, quando recebe visitas internacionais, o economista se vê numa saia justa diplomática. Todos perguntam o que aconteceu com o Brasil, e ele diz que fica até sem graça: “Esse sempre é o momento mais triste.”

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Manual de Obesidade da ANS

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) lançou, no Hotel Vila Galé, na Lapa/Rio de Janeiro, o Manual de Diretrizes para o Enfrentamento da Obesidade na Saúde Suplementar Brasileira. O material foi divulgado no Seminário de Enfrentamento do Excesso de Peso e da Obesidade na Saúde Suplementar, promovido pela ANS.
A Dra. Maria Edna de Melo, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO), que responde pelo Departamento de Obesidade da SBEM, foi uma das palestrantes do Seminário.
A endocrinologista participou da mesa que destacou as propostas práticas de abordagem do excesso de peso na saúde suplementar. Durante a apresentação foram discutidas a regulação do balanço energético, a importância do diagnóstico nutricional e a abordagem do paciente com obesidade.
Dra. Maria Edna explicou que a obesidade é uma doença crônica, como diabetes e hipertensão, e não tem cura, nem mesmo com a cirurgia bariátrica. Por isso, a especialista enfatiza a importância do diagnóstico nutricional. “Esse diagnóstico do paciente é tão simples de ser feito. Basta a verificação do IMC. Uma das primeiras recomendações da OMS é a obrigatoriedade da verificação do estado nutricional da criança abaixo de cinco anos. Essa orientação deve ser estendida para todas as faixas etárias. Recomenda-se que o cálculo do IMC seja feito em todos os pacientes que procuram assistência médica.”
De acordo com o documento, a verificação do IMC do paciente é uma das ferramentas mais importantes na prevenção e tratamento precoce da obesidade. A partir dos dados do IMC é possível desenvolver estratégias para prevenir a doença. “A ideia é intervir precocemente no surgimento da doença, o que ajuda a reduzir a morbimortalidade, os custos e melhorar a qualidade de vida do paciente. Não é necessário deixar chegar ao IMC 40 para tentar a cirurgia. O paciente precisa ser monitorado desde jovem porque a tendência do IMC é subir até os 65 anos.”
Outro ponto em debate no Seminário foi a criação de Centros de Referências. Segundo a especialista, o Manual destaca a importância da formação destes locais para que o paciente possa receber uma abordagem especializada e dentro das recomendações científicas.
Acesse no link abaixo o manual completo:

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Seis questões preveem risco de obesidade infantil ao nascer



Pesquisadores britânicos afirmam que uma fórmula relativamente simples, com seis perguntas, é capaz de prever o risco de obesidade de uma criança logo após seu nascimento.

Eles descobriram que apenas a análise de algumas questões simples já é o bastante para prever a obesidade.

A lista tem seis questões:


  1. O peso da criança ao nascer;
  2. o índice de massa corporal dos pais;
  3. o ganho de peso da mãe durante a gravidez;
  4. se a mãe fumou ou não durante a gravidez;
  5. o número de pessoas que moram na casa da criança recém-nascida; e
  6. o status profissional da mãe.

Fórmula da obesidade

Todos são fatores de risco para obesidade já muito conhecidos, mas os pesquisadores decidiram colocá-los juntos em uma fórmula.

As três primeiras perguntas são respondidas com dados numéricos, enquanto as demais são respondidas como sim ou não - resposta "não" vale 0 e resposta "sim" vale 1.

A fórmula exige dados adicionais sobre raça, uma vez que os dados estatísticos variam entre brancos, negros, hispânicos e asiáticos

Além da genética

Anteriormente, os especialistas acreditavam que fatores genéticos eram os maiores determinantes de problemas de peso em crianças, mas apenas cerca de um em cada dez casos de obesidade é resultado de uma mutação genética rara que afeta o apetite.

Os dois últimos itens da lista, por exemplo, estão relacionados ao ambiente social no qual a criança nasce e que pode elevar o risco de obesidade.

"Quanto menor o número de pessoas morando na residência, maior o risco de obesidade da criança, pois este número está ligado às mães solteiras", afirmou a Marjo-Riitta Jarvelin, que participou do estudo.

"E quanto ao status profissional da mãe, sabemos que uma mãe com maior (nível de) educação é mais bem preparada, sabe mais a respeito da saúde da criança", acrescentou.

"A equação é baseada em dados de um recém-nascido que todos podem obter e descobrimos que pode prever cerca de 80% (dos casos de) crianças obesas", afirmou Philippe Froguel, do Imperial College de Londres, que liderou o estudo.

A pesquisa foi publicada na revista especializada PLos One.

Fonte: http://www.diariodasaude.com.br/news.php?article=questoes-prever-risco-obesidade-infantil-nascer&id=8378&nl=nlds#.UL3Ngdy2SjI.twitter