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segunda-feira, 2 de outubro de 2023

A obesidade é transmissível através da microbiota intestinal

Desde a descoberta de organismos microscópicos em 1600, os cientistas têm investigado a relação entre a nossa saúde e os micróbios que nos rodeiam e habitam. 

Hoje em dia, reconhecemos que alguns micróbios são inerentemente patogênicos, mas também que outros vivem mutuamente nos nossos corpos e contribuem para manter o nosso bem-estar. No entanto, permanece um desafio importante: ultrapassar de forma convincente a mera associação e provar a causalidade. As nossas microbiotas têm sido cada vez mais associadas a várias doenças, incluindo a obesidade, mas demonstrar uma relação entre causa e efeito é essencial – particularmente para o desenvolvimento de terapêuticas específicas.

Há dez anos, foi estabelecido um padrão ouro para a traduzibilidade no campo da pesquisa sobre microbiota e metabolismo. Através do uso meticuloso de metodologias-chave, Ridaura e colegas demonstraram de forma reprodutível que as comunidades microbianas dentro do nosso intestino podem influenciar diretamente o metabolismo do hospedeiro e a obesidade.

Usando amostras fecais de pares de gêmeos monozigóticos e dizigóticos discordantes para obesidade, os autores transferiram com sucesso os fenótipos dos gêmeos para camundongos livres de germes. 

Camundongos que receberam microbiota fecal de doadores gêmeos com obesidade (camundongos Ob) ganharam peso aumentando sua massa de tecido adiposo, enquanto camundongos que receberam microbiota fecal de doadores gêmeos magros (camundongos Ln) mantiveram um peso estável antes e depois da colonização microbiana. 

Assim, uma relação causal entre o aumento da adiposidade e a microbiota intestinal fecal na doença metabólica foi elegantemente demonstrada. 

Resultados semelhantes foram obtidos quando os autores transferiram coleções de amostras fecais de pares gêmeos cultivadas ou não cultivadas para camundongos livres de germes, fortalecendo a noção de um papel causal para a microbiota fecal associada à obesidade.

As alterações observadas na adiposidade não foram atribuídas a diferenças na ingestão de alimentos, mas sim a mudanças na paisagem funcional e metabólica da microbiota doadora: os micróbios dos camundongos Ob eram funcionalmente diferentes daqueles dos camundongos Ln, tanto em termos de funções enzimáticas como os metabólitos que foram produzidos. 

Os microbiomas dos camundongos Ln apresentaram maior capacidade de fermentação de fibras e produziram níveis mais elevados de ácidos graxos de cadeia curta, enquanto os dos camundongos Ob apresentaram maior capacidade de desintoxicação, biossíntese de vitamina B12 e metabolismo de aminoácidos, acompanhados por aumento dos níveis circulantes de aminoácidos de cadeia ramificada. 

Notavelmente, a presença de aminoácidos de cadeia ramificada e a extensão do aumento em ratos Ob foram visivelmente semelhantes às alterações relatadas em pessoas que vivem com obesidade e resistência à insulina, em comparação com indivíduos magros e sensíveis à insulina.

Os autores exploraram então a natureza coprofágica dos ratos para apresentar uma linha adicional de evidências. 

A coabitação de camundongos Ln com camundongos Ob evitou o desenvolvimento de aumento de adiposidade nos camundongos Ob por meio da invasão bem-sucedida de seu intestino por bactérias dos camundongos Ln. No entanto, a microbiota de ratos Ob não conseguiu invadir o intestino de ratos Ln, que permaneceram magros – indicando assim uma ligação robusta entre a transmissão de micróbios intestinais e a adiposidade.

Curiosamente, esta dicotomia dependia da dieta. Usando dietas humanizadas, Ridaura e colegas mostraram que camundongos Ob coalojados com camundongos Ln estavam protegidos contra o aumento da adiposidade apenas quando mantidos em uma dieta saudável, com baixo teor de gordura e rica em fibras. 

Quando os ratos Ob foram mantidos com uma dieta obesogênica, rica em gordura e pobre em fibras, os membros microbianos da microbiota magra não conseguiram colonizar os intestinos dos ratos Ob; conseqüentemente, esses ratos desenvolveram aumento da adiposidade.

Assim, estas descobertas sublinham conexões intrincadas entre dieta, micróbios intestinais e fenótipo metabólico do hospedeiro. Uma década após o estudo principal, dois estudos consecutivos sobre micróbios intestinais cimentam as descobertas pioneiras de resultados metabólicos dependentes da dieta descritos por Ridaura et al., relatando que o fenótipo metabólico após a suplementação de probióticos é dependente da dieta tanto em ratos como em humanos. 

O trabalho seminal de 2013 utilizou uma série de experimentos reprodutíveis cuidadosamente planejados e bem projetados que implantaram metodologias de última geração apropriadas à época para provar a causalidade entre a microbiota intestinal e o metabolismo do hospedeiro. 

Apesar da disponibilidade de tecnologias avançadas de sequenciação e de pipelines de bioinformática, muitos estudos atuais ainda relatam apenas associações entre alterações microbianas intestinais (“disbiose”) extrapoladas a partir da sequenciação 16S microbiana e vários contextos de doenças. 

Embora possam ser necessários maior complexidade e custos para ir além do ponto de associação, o estabelecimento de causalidade deve tornar-se uma prática padrão ao investigar um papel potencial da microbiota na doença. 

Os investigadores podem utilizar uma série de abordagens para demonstrar a causalidade entre micróbios intestinais específicos e um fenótipo hospedeiro associado: transplante de microbiota; análise e suplementação com metabólitos bacterianos; suplementação com bactérias individuais, probióticos, componentes bacterianos ou comunidades microbianas minimamente definidas; ratos com microbiota esgotada; e/ou randomização mendeliana. Várias destas técnicas foram utilizadas por Ridaura et al., e porque, ainda hoje, não é prática padrão integrar muitas destas ferramentas num único estudo, ainda podemos aprender com esta investigação chave.

É hora de reavaliar a nossa abordagem à investigação do microbioma. Até agora, a microbiota fecal tem sido objeto da maioria das investigações devido à sua acessibilidade bastante simples para amostragem. No entanto, após mais de duas décadas de intensa investigação, poderá agora ser relevante direcionar o foco para a microbiota do intestino delgado, cuja estrutura anatômica pode facilitar interações mais diretas entre hospedeiro e micróbio do que o cólon. 

Fazer isso será de grande importância para o campo. Aplicar o rigor científico, a traduzibilidade e o rigor demonstrados no passado como uma estrutura para pesquisas futuras será imperativo para compreender os efeitos causais de nichos microbianos intestinais pouco estudados na saúde do hospedeiro.

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domingo, 1 de outubro de 2023

“Medicamentos anti-obesidade” ou “medicamentos para tratar a obesidade” em vez de “remédios para perda de peso” – por que a linguagem importa

“Medicamentos anti-obesidade” ou “medicamentos para tratar a obesidade” em vez de “remédios para perda de peso” – por que a linguagem importa – uma declaração oficial da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO) e da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabolismo (SBEM)

ABSTRATO

A obesidade é em grande parte subtratada, em parte devido ao estigma que envolve a doença e o seu tratamento. A utilização do termo “remédios para emagrecer” para se referir a medicamentos para o tratamento da obesidade pode contribuir para esse estigma, levando à ideia de que qualquer pessoa que queira perder peso poderia utilizá-los e que o uso em curto prazo, apenas na forma ativa fase de perda de peso seria suficiente. Pelo contrário, a utilização de termos como “medicamentos para tratar a obesidade” ou “medicamentos anti-obesidade” transmite a ideia de que o tratamento é dirigido à doença e não ao sintoma. Este comunicado conjunto da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO) e da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabolismo (SBEM) pretende alertar a imprensa, os profissionais de saúde e a comunidade científica sobre a importância do uso adequado da linguagem, com o objetivo de melhorar o tratamento da obesidade.

INTRODUÇÃO

A obesidade é uma doença crónica comum associada a diversas comorbilidades, incapacidade e mortalidade, bem como baixa qualidade de vida; no entanto, ainda é amplamente subdiagnosticada e subtratada.

O estigma da obesidade é altamente prevalente, assim como o estigma contra o seu tratamento, seja ele médico ou cirúrgico.

Há alguns anos, um editorial da Expert Opinion on Drug Safety discutiu algumas das razões pelas quais a farmacoterapia da obesidade é estigmatizada.

Parte das razões pode ser atribuída à ideia generalizada de que, em vez de tratarem a obesidade em si, esses medicamentos são “medicamentos para perder peso”; como tal, vistos como medicamentos que devem ser usados ​​em curto prazo, apenas durante o período agudo de perda de peso.

Além disso, quando nos referimos a esses medicamentos como “remédios para emagrecer”, contribuímos para a ideia de que seu uso tem objetivo estético e pode ser consumido por qualquer pessoa que deseje emagrecer. 

Neste pequeno artigo, gostaríamos de enfatizar porque a comunidade científica, assim como a mídia, deveriam definitivamente parar de usar o termo “medicamentos para perder peso” e passar a usar “medicamentos para tratar a obesidade”, “medicamentos anti-obesidade” ou alguns termos semelhantes que enfatizam que o tratamento visa uma doença e não um sintoma.

• O estigma da farmacoterapia da obesidade

Apesar do conhecido fardo econômico e de saúde da obesidade, o tratamento farmacológico é amplamente subutilizado.

Em 2015, nos EUA, apenas um em cada 50 pacientes com obesidade recebeu prescrição.

Uma análise mais recente sugeriu um ligeiro aumento nas prescrições, atingindo 3% de adultos com obesidade em 2019.

Em 2016, o número de prescrições dispensadas para diabetes (excluindo insulina) foi 15 vezes superior ao número de prescrições para tratamento da obesidade.

Mesmo quando se consideram programas focados na perda de peso para indivíduos com obesidade, quase toda a atenção é dada às mudanças no estilo de vida.

Num programa de controle de peso denominado MOVE!, centrado em veteranos norte-americanos com excesso de peso ou obesidade, apenas 1,1% recebeu prescrição de medicação para obesidade, sendo o orlistat o medicamento mais prescrito, atingindo 70% do total de medicamentos prescritos.

Além disso, um recente estudo de mercado sugeriu que 50% dos pacientes com obesidade nunca receberam prescrição de medicamentos anti-obesidade e, quando prescritos, a manutenção do tratamento após 12 meses foi tão baixa quanto 2%.

Além disso, mesmo quando se toma medicação antiobesidade, a persistência é baixa.

No estudo ACTION-IO, que revelou pensamentos e percepções tanto de profissionais de saúde (HCPs) quanto de pacientes que vivem com obesidade (PcO), apenas 40% dos PcO consideraram os medicamentos uma opção eficaz em comparação com 30% dos HCPs; além disso, os medicamentos foram discutidos em apenas 18% das consultas.

No entanto, as modificações no estilo de vida por si só foram consideradas eficazes por quase 80% tanto das PcO como dos profissionais de saúde, apesar de as evidências apontarem para um efeito limitado destas intervenções isoladamente.

Como exemplo, uma meta-análise altamente citada e bem conduzida mostrou que a perda média de peso a médio e longo prazo alcançada com programas abrangentes de modificação do estilo de vida é de cerca de 3 kg.

Outros estudos mostram que apenas 10% dos pacientes são capazes de perder e manter uma perda de peso de 10% após um a dois anos em programas intensivos, mas a sua combinação com medicamentos pode melhorar significativamente os resultados, como vários ensaios clínicos randomizados (ECR) bem conduzidos. concluíram.

É digno de nota, no entanto, que as respostas ACTION-IO dos profissionais de saúde apontam claramente que evidências de alto nível dos ensaios clínicos randomizados não estão sendo usadas para orientar as decisões dos profissionais de saúde sobre a obesidade.

• Algumas razões para o uso limitado da farmacoterapia para obesidade e sua estigmatização

No referido editorial de 2015, Halpern e Halpern discutiram diversas razões pelas quais existe estigma em torno dos medicamentos antiobesidade por parte de médicos, pacientes, agentes de saúde pública, partes interessadas e até agências reguladoras.

Foram elas: 1) a já citada ideia de que a obesidade não é uma doença, mas principalmente uma “escolha”; 2) o ganho de peso ocorre após a interrupção do tratamento; 3) a perda de peso é menor do que o previsto pelos pacientes e médicos; 4) drogas são comumente utilizadas por razões estéticas; 5) existe a percepção de que estão associados a muitos efeitos secundários e riscos graves (e, de fato, vários medicamentos foram retirados do mercado nas últimas décadas por razões de segurança); 6) como doença comum, a obesidade é geralmente tratada na atenção primária, onde o treinamento dos profissionais de saúde quanto ao seu tratamento é muitas vezes deficiente.

O custo também é uma razão importante para o baixo uso de medicamentos em geral e, na obesidade, pode ser um grande desafio para a adesão a longo prazo.

Isto é particularmente verdadeiro no Brasil, onde quase 100% dos medicamentos antiobesidade são pagos do próprio bolso, uma vez que não existem medicamentos antiobesidade gratuitos oferecidos pelo sistema público de saúde e os seguros de saúde geralmente não cobrem medicamentos ambulatoriais; na verdade, este cenário de baixa cobertura medicamentosa para a obesidade também é regra em vários outros países.

As discussões sobre a disponibilidade de alguns desses medicamentos no serviço público têm levado à inação, uma vez que o estigma é predominante. 

Deve-se considerar também que os custos de incorporação podem ser muito elevados, devido à elevada prevalência de obesidade na população adulta.

Contudo, como a obesidade está associada a maior morbidade e mortalidade, pode-se argumentar que tratá-la poderia reduzir custos diretos e indiretos.

Além disso, mesmo com a disponibilidade de alguns medicamentos, a falta de treinamento sobre obesidade nas escolas médicas poderia resultar no seu uso incorreto.

Uma pesquisa recente nos EUA descobriu que menos de 10% dos médicos utilizam diretrizes sobre obesidade para fundamentar suas decisões de tratamento.

Não há dúvida, porém, de que a principal razão para a rejeição de medicamentos antiobesidade é o estigma da própria obesidade.

• Estigma de peso e a importância da linguagem

O estigma na saúde é muito comum em diversos cenários e populações, como em indivíduos com doenças infecciosas, deficiências, doenças mentais, entre outros.

O estigma do peso, definido como atitudes e ações negativas em relação às pessoas com sobrepeso ou obesidade, prejudica a saúde e o bem-estar e é percebido em ambientes como no local de trabalho, na escola, em casa e até mesmo em ambientes de saúde.

Em pesquisa brasileira on-line patrocinada pelas sociedades ABESO e SBEM, constatou-se que entre os indivíduos com obesidade 72% sofreram constrangimento em casa por parte de familiares, 60% em unidades de saúde e 55% no trabalho.

Esse número é maior em indivíduos com IMC mais elevados e, naqueles com IMC acima de 40 kg/m2, 98% já passaram por algum constrangimento em algum momento e 25% relataram constrangimento diário.

Entre as diversas consequências de tais atitudes negativas está a internalização do estigma do peso.

O estigma de peso internalizado (IWS) refere-se a atitudes e pensamentos negativos sobre si mesmo (autoestigma), nos quais as pessoas com obesidade acreditam e agem como se esses estereótipos estivessem corretos. 

Indivíduos com maior IWS correm risco de compulsão alimentar e emocional, maior ganho de peso e diversas complicações de saúde.

Como tal, os profissionais de saúde devem reconhecer que também estão sujeitos a preconceitos de peso e que a forma como comunicam com os pacientes pode ter um efeito profundo nos resultados relacionados com a saúde.

Além disso, o estigma relacionado com o peso, ao contrário de outros estigmas, não parece estar diminuindo, e como a obesidade é normalmente vista como culpa do indivíduo, isto poderia levar à inação por parte dos governos e de outras partes interessadas, tanto nas estratégias de prevenção como no tratamento.

Na verdade, a retirada de alguns medicamentos pelas agências reguladoras pode ter sido, pelo menos parcialmente, influenciada pelo estigma do peso, e o fato de muitos medicamentos terem sido retirados no passado tem impacto directo no investimento em novos medicamentos.

A importância da linguagem tem sido destacada no esforço atual para reduzir o estigma relacionado ao peso, e tem sido um tema em diversas revistas sobre obesidade e diabetes, em diretrizes, bem como em publicações intersetoriais. reuniões, documentos e até um livro inteiro no Brasil.

Surgem várias questões sobre como comunicar corretamente com os pacientes – evitando o uso de palavras de julgamento, por exemplo.

Um dos pontos mais críticos é a promoção do uso da linguagem “as pessoas em primeiro lugar”.

O entendimento é que um indivíduo não deve ser definido pela sua doença (como pelo uso dos termos “obeso” ou “diabético”), mas sim conviver com essa doença (“indivíduo com obesidade” ou “com diabetes”).

Um aspecto particular das doenças crônicas como a obesidade é que, embora não tenham cura, podem ser controladas.

Dessa forma, um indivíduo que apresentou índice de massa corporal (IMC) elevado e perdeu peso considerável, apesar de não se enquadrar na classificação de obesidade pelo IMC, ainda deveria ter a obesidade (ainda que controlada) como um de seus diagnósticos.

Recentemente, a ABESO e a SBEM divulgaram uma proposta de nova classificação da obesidade baseada na trajetória do peso que destaca esses pontos e que, na opinião de ambas as sociedades, ajuda a reduzir o estigma ao destacar que a “normalização” do IMC não é o objetivo de um tratamento da obesidade , e que as metas de peso devem ser individualizadas.

Em conjunto, acreditamos que o uso comum do termo “medicamentos para perder peso” pela mídia e pelo público em geral, bem como pelos médicos e pela comunidade científica, contribui para o estigma e, certamente, que “a linguagem é importante”.

Como tal, propomos que façamos um esforço para abandonar o uso de “medicamentos para perder peso” nas publicações científicas, mas sobretudo, nos meios de comunicação social (visto que o seu uso é mais difundido).

• “Medicamentos para tratar a obesidade” ou “medicamentos anti-obesidade” são extremamente diferentes de “medicamentos para perder peso”

Numa simples pesquisa no Google até junho de 2023, o termo “medicamentos para perder peso” leva a 2.200.000 resultados e “medicamentos para perder peso”, a mais 630.000 resultados. Por outro lado, uma pesquisa por “medicamentos anti-obesidade”, “medicamentos anti-obesidade” ou “medicamentos (ou medicamentos) para tratar a obesidade”, leva a apenas 428.000 resultados, ou 14% da primeira pesquisa. 

“Medicamentos (ou drogas) para obesidade” leva a 170.000 resultados extras, mas o termo pode ser enganoso. 

É claro que existem diferenças de interpretação entre termos em diferentes línguas, mas esta pesquisa é um bom exemplo dos termos mais comuns utilizados numa base de dados pública. 

Nas bases de dados acadêmicas, felizmente, o cenário muda um pouco.

O PubMed usa, em seu banco de dados Medical Subject Headings (Mesh), o termo “agentes anti-obesidade”, no qual aparecem mais de 19.000 resultados, e “medicamentos/agentes/medicamentos para perda de peso” no PubMed leva a muito menos resultados (menos de 500). 

Assim, pode-se concluir que o meio acadêmico está mais consciente desta diferença (embora medicamentos para emagrecer seja um termo geralmente ouvido em conferências e comunicações médicas), mas existe uma lacuna entre a produção científica de conhecimento nesta área e a como é traduzido para o público em geral, especialmente na mídia. 

Como tal, é importante que a comunidade acadêmica esteja consciente desta diferença e aumente os seus esforços para melhorar a linguagem, colmatar esta lacuna e reduzir o estigma. 

Mas por que isso importa e não é simplesmente uma questão semântica?

Em primeiro lugar, a perda de peso é apenas uma pequena parte do tratamento da obesidade em si.

Geralmente, após um curto período de perda de peso, o peso atinge um patamar, e se a perda de peso alcançada for considerada adequada, o tratamento da obesidade continua numa fase de manutenção do peso.

A retirada de medicamentos nesse período – o que é muito comum, por iniciativa do próprio paciente ou por recomendação médica – leva ao reganho de peso, como devemos esperar de qualquer doença crônica.

O fato de a suspensão de medicamentos para diabetes ou hipertensão poder levar ao comprometimento do controle glicêmico e da pressão arterial não surpreende ninguém. 

Apesar disso, com a obesidade existe um equívoco comum de que a recuperação do peso é uma falha do tratamento, e não uma recorrência esperada de uma doença crônica não tratada.

Se usarmos o termo “medicamentos para perda de peso”, a recuperação do peso após a retirada é um argumento justo contra o seu uso.

No entanto, o entendimento por parte dos profissionais de saúde e das PCO de que os medicamentos são úteis tanto para a redução como para a manutenção do peso pode ajudar muito na adesão a longo prazo.

O principal objetivo do tratamento da obesidade não é “normalizar o IMC”, mas sim melhorar a saúde e a qualidade de vida, o que pode ser alcançado através de uma perda de peso de 5%-15%, e esse conceito é destacado na recente proposta da SBEM e da ABESO de uma nova classificação de obesidade.

Quando a “normalização” do IMC é o único objetivo do tratamento, há grande probabilidade de frustração do paciente quando o peso atinge um platô, levando à ideia de que a medicação não funciona mais e deve ser interrompida.

Na verdade, no patamar de peso, a medicação atingiu o seu efeito máximo na redução de peso e a manutenção do peso durante o tratamento é um sinal de que ainda está funcionando.

Além disso, o termo “medicamentos para perda de peso” não distingue quem deve ser tratado e o tratamento da obesidade pode ser confundido com o tratamento do “desejo social de perda de peso” que é difundido na sociedade.

Isto contribui para a ideia de que os medicamentos são utilizados principalmente por razões estéticas (e por muitas pessoas que não precisam deles) e não para tratar uma doença associada a problemas de saúde e psicológicos.

Além disso, não devemos esquecer que tratar a obesidade é mais do que apenas controlar o peso, tal como endossado pelas Directrizes de Prática Clínica Canadianas, que tiveram múltiplas revisões positivas.

O foco na saúde mental, a redução do estigma internalizado, o tratamento de comorbidades, a promoção do exercício físico (que melhora a saúde independentemente da própria perda de peso), o estabelecimento de metas e objetivos de longo prazo, entre outros, são partes essenciais do tratamento.

Sendo assim, os medicamentos são apenas uma das diversas estratégias para o enfrentamento de uma doença crônica, podendo também ajudar a reduzir episódios de compulsão alimentar ou perda de controle alimentar, além de controlar a fome e aumentar a saciedade, e ainda melhorar marcadores metabólicos e comorbidades, independentemente de perda de peso.

Na verdade, existem boas evidências de que pelo menos alguns destes medicamentos são capazes de reduzir os marcadores de risco cardiovascular e melhorar as doenças relacionadas com a obesidade, embora exista uma grande variabilidade de efeitos dependendo dos mecanismos de ação de cada medicamento.

Infelizmente, não temos evidências diretas de que esses medicamentos reduzam os resultados cardiovasculares ou outros resultados graves na PcO, mas isso pode mudar no futuro, à medida que estudos mais recentes visam responder a essas questões.

Finalmente, devemos diferenciar os medicamentos aprovados pelas agências reguladoras dos medicamentos e suplementos vendidos sem receita médica, que são frequentemente vendidos como “agentes para perda de peso” e são responsáveis ​​por uma taxa inaceitavelmente elevada de consultas de emergência.

A utilização da “farmacoterapia anti-obesidade” pode ajudar a desfazer este equívoco, lembrando-nos que um medicamento a ser utilizado continuamente para tratar uma doença crônica deve ser submetido a um elevado nível de escrutínio de segurança, tal como quando aprovado pelas agências reguladoras.

Uma desvantagem potencial de enfatizar “medicamentos para obesidade” é a sua compreensão no contexto de indivíduos com excesso de peso que, no entanto, também podem se beneficiar do tratamento. 

As diretrizes e indicações nos rótulos variam de acordo com o medicamento e o país, mas indivíduos com mais de 25 ou 27 kg/m² com doenças relacionadas à obesidade são candidatos a medicamentos antiobesidade, apesar de não serem afetados pela obesidade pelos critérios de IMC.

No entanto, embora a obesidade ainda seja diagnosticada pelo IMC, várias diretrizes apontam que o IMC tem muitas limitações numa base individual, e a obesidade deve ser definida pelo seu impacto na saúde.

Na verdade, a obesidade foi definida pela Organização Mundial de Saúde como uma “acumulação excessiva de gordura que prejudica a saúde”.

Assim, utilizando esse conceito, um indivíduo com excesso de peso e com comorbidades pode ser considerado como portador de obesidade clínica, e a indicação de uso prolongado de medicamentos, neste caso, é semelhante à de um indivíduo com IMC mais elevado. 

Uma comissão foi recentemente criada pela Associação Americana de Endocrinologistas Clínicos e pelo Colégio Americano de Endocrinologia para definir a obesidade e estabelecer o seu diagnóstico independentemente de limites rigorosos de IMC.

Em relação a outras doenças crônicas, como a diabetes, a hipertensão ou a hiperlipidemia, surgem também diferentes formas de nomear os medicamentos, mas estas são geralmente condições menos estigmatizadas, em que a nomenclatura pode ser menos importante para a percepção do tratamento. 

No entanto, na hipertensão, “medicamentos anti-hipertensivos” são mais utilizados do que “medicamentos para redução da pressão arterial”, e “medicamentos hipotensores” raramente são usados; no diabetes, “antidiabético” ainda é mais comum do que “redutor de glicose” ou “anti-hiperglicêmico”. 

Uma exceção é a hipercolesterolemia, na qual “medicamentos hipolipemiantes” é um termo comum e amplamente utilizado, embora no banco de dados Mesh o termo correto seja “agentes anticolesterolêmicos”. 

Porém, a estigmatização da hiperlipidemia é quase inexistente.

Curiosamente, é comum a não adesão aos agentes anticolesterolêmicos, bem como a sua interrupção após a queda do colesterol no sangue, e é possível que apontar a importância a longo prazo não apenas da redução do colesterol em si, mas também da prevenção de doenças cardiovasculares doença, pode contribuir para maior adesão ao tratamento.

Assim, embora esta discussão sobre a obesidade pareça mais urgente para melhorar as percepções sobre o tratamento e reduzir o estigma, isso não implica que a linguagem não esteja interferindo também no tratamento de outras doenças. 

Em cada caso, é necessária uma reflexão crítica sobre as razões da escolha de termos específicos em detrimento de outros.

Na Tabela 1 resumimos os principais argumentos para o uso correto da linguagem neste contexto.

Concluindo, na obesidade, as palavras são importantes e a forma como disseminamos as mensagens pode ajudar os indivíduos que procuram apoio ou perpetuar o estigma. 

Além disso, a forma como nomeamos as coisas leva a enormes diferenças na forma como elas são percebidas e pode mudar a nossa perspectiva. 

Acreditamos que é um “apelo à ação” para divulgar a importância de evitar o termo “medicamentos para perda de peso” nos meios de comunicação e publicações científicas, e o uso generalizado de “medicamentos anti-obesidade”, ou “medicamentos para tratar a obesidade” é essencial para ajudar a reduzir o estigma e melhorar a adesão e persistência no tratamento da obesidade.

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quinta-feira, 21 de setembro de 2023

O impacto do câncer na vida das mulheres

Quando consideramos o impacto social ou econômico da morte de uma mulher com câncer, devemos reconhecer que muito mais de um problema pessoal ou familiar estamos frente a uma catástrofe social. Por todas suas consequências, a influência desproporcional que traz o câncer na vida das mulheres merece maior atenção.

O câncer de mama é o mais comum entre todos os tumores e sua incidência deve aumentar nas próximas décadas, assim como sua mortalidade. O câncer de colo de útero mata 300.000 mulheres em todo o mundo a cada ano, 90% delas em países em desenvolvimento. Dados das Nações Unidas indicam que mais de 4 milhões de mulheres morrem por câncer anualmente, deixando mais de 1 milhão de órfãos. O impacto é maior em países de baixos recursos, onde o diagnóstico precoce e o tratamento mais eficaz estão mal distribuídos ou não são acessíveis particularmente em populações marginalizadas. Existe uma associação entre a morte de uma mãe e mortalidade infantil. A estimativa é que para cada 100 mulheres que morrem por câncer em países africanos, 14-30 crianças morrem como consequência.

Mulheres dedicam 2 a 10 vezes mais tempo em trabalho não remunerado do que homens e reconhecidamente têm um papel fundamental e pouco valorizado no funcionamento social. Sociedades que cuidam de suas mulheres são mais saudáveis e têm um futuro mais próspero e produtivo.

O aumento na incidência e na mortalidade por câncer não é inevitável. Obesidade, álcool e sedentarismo, entre outros fatores de risco, podem e devem ser alvo de estratégias preventivas. Temos que enfrentar o estigma e os mitos associados com a doença e que resultam em diagnósticos tardios. De acordo com a OMS, detectar tumores de mama com menos de 2 cm aumenta as chances de cura e resulta numa diminuição progressiva da mortalidade. Devemos identificar iniquidades e corrigi-las, educar a sociedade e mudar nossa percepção com relação ao câncer na mulher e a profundidade de suas consequências, para todos. Mulheres mais cuidadas e com mais saúde representam um futuro melhor para todos nós. 

Fonte: http://sissaude.com.br/sis/inicial.php?case=2&idnot=37911

terça-feira, 22 de agosto de 2023

Obesidade’ deveria mudar de nome?


A percepção pública de uma doença é uma questão essencial. Os “diabéticos” são agora chamados de “pessoas que vivem com diabetes”; uma “pessoa obesa” agora é um “indivíduo que vive com obesidade”.

Mas qual é a definição de obesidade? Refere-se a uma doença ou a um fator de risco? E será que o termo está tão contaminado com negatividade, culpa e preconceito que a única solução é descartá-lo e substituí-lo completamente? A sociedade (e a medicina) mudou significativamente desde quando a palavra latina obesitas foi adotada, em 1600.

Embora haja tanto em jogo quando se fala em “obesidade”, é incrível que o estigma persista apesar de os conceitos subjacentes terem evoluído tanto. Então, talvez seja mais uma questão de encontrar a opção “menos pior” do que perseguir uma solução impossível que sirva para todos?

Este é o desafio da Comissão de Definição e Diagnóstico da Obesidade Clínica do periódico The Lancet Diabetes & Endocrinology, que deve publicar seus achados iniciais nos próximos meses. A força-tarefa mundial tem 60 líderes no tratamento clínico da obesidade, entre eles representantes com experiência pessoal de obesidade. O líder do projeto é o Dr. Francesco Rubino, médico e chefe de cirurgia bariátrica e metabólica no King's College London, no Reino Unido.

“Dar um novo nome à ‘obesidade’ é muito importante”, afirmou o Dr. Francesco. “A palavra é tão estigmatizada, com tantos mal-entendidos e percepções errôneas, que há quem diga que a única solução é mudar o nome.”

Um possível novo nome foi proposto pela American Association of Clinical Endocrinology e pelo American College of Endocrinology em 2016, em uma tentativa de definir a doença com base na sua característica central de adiposidade: ABCD, sigla em inglês para adiposity-based chronic disease (cuja tradução em português pode ser doença crônica baseada na adiposidade).

O Dr. Francesco é favorável ao termo “ABCD”, mas com algumas ressalvas: “É bom do ponto de vista fisiológico, mas o problema é que seria mais bem compreendido por cientistas e médicos. Não sei o quanto o termo agradaria o público em geral. ‘ABCD’ ainda fica aquém de uma boa definição da doença.”

O médico acrescentou que a abordagem da comissão do periódico The Lancet é chamá-la de “obesidade clínica”. "A ‘obesidade’ em si não transmite necessariamente a mensagem de que você tem um distúrbio ou uma doença”, observou. “É como a diferença de significado entre depressão e depressão clínica, que comunicam duas coisas diferentes.”

Mas o que justifica qualquer renomeação é um maior esclarecimento da definição e do diagnóstico de obesidade. Em 1997, a Organização Mundial da Saúde reconheceu a obesidade como uma doença crônica; em 2013, a American Medical Association (AMA) fez o mesmo, acrescentando que merecia atenção médica; por outro lado, somente em 2021 a Comissão Europeia definiu a obesidade como uma “doença crônica com recidivas, que por sua vez atua como uma porta de entrada para uma série de outras doenças não transmissíveis”.

No entanto, 25 anos após o reconhecimento inicial da obesidade como uma doença, o conceito ainda está repleto de negatividade, seja de forma explícita ou implícita. Esse estigma denigre as pessoas com sobrepeso e obesidade, taxando-as de “preguiçosas, desleixadas, pouco inteligentes e pouco atraentes”.

O Dr. Francesco explicou que, em primeiro lugar, é importante estabelecer e definir os componentes e as características essenciais da doença obesidade. Isso é fundamental para melhorar o acesso ao tratamento clínico, reduzir a culpa pessoal e fomentar um ambiente de pesquisa mais favorável para nortear a tomada de decisões clínicas e políticas.

“Esta é a questão que está no centro da nossa comissão. Temos um problema com a definição atual de obesidade, e a forma como a avaliamos não nos permite definir com precisão quando a obesidade é uma doença”, explicou.

Os rótulos moldam a percepção pública da doença, e a ‘obesidade’ é um exemplo disso

Outra especialista que defende a necessidade de um nome que reflita melhor a definição – seja lá qual for – é a Dra. Margaret Steele, Ph.D., vinculada à School of Public Health da University College Cork, na Irlanda, que, de acordo com a página da universidade, tem um interesse especial em “‘Gordura’ como um fenômeno cultural, social e político”.

Ela acredita que os rótulos — inclusive “obesidade” — têm um papel fundamental na formação das percepções do público. Na era digital e repleta de informações em que vivemos, os limites da medicina e da sociedade se sobrepõem, sendo que a percepção pública está influenciando as decisões de natureza médica de uma forma sem precedentes, gerando controvérsia e divisão – o tratamento da obesidade é um exemplo.

Especificamente, a palavra “obesidade” é amplamente associada a conotações negativas, diz ela, e, portanto, acolhe o diálogo sobre sua redefinição e renomeação. Apesar do amplo apoio geral a um nome e uma definição que reflitam a adiposidade, devido ao seu papel fisiológico central nas complicações da obesidade, a Dra. Margaret acredita que os “efeitos no tecido adiposo são decorrentes de problemas cerebrais e do ambiente alimentar”, e ela deseja que mais atenção seja dada a esses aspectos.

Referindo-se à maioria das sociedades ocidentalizadas, ela descreve como as pessoas que cresceram em tempos de escassez de alimentos, antes que os alimentos processados se tornassem amplamente disponíveis, têm um perfil de paladar diferente daqueles que cresceram depois. “As pessoas que foram criadas na Irlanda dos anos 1940 e 1950 se lembram de ganhar uma laranja como presente no Natal, porque a ideia de que você poderia ter comida o ano todo – qualquer fruta ou vegetal que quisesse e quando quisesse – simplesmente não existia.”

Em comparação, as mudanças sociais que levaram a mais pressão financeira e de tempo nas décadas posteriores fizeram com que alimentos rápidos, com alto teor de gordura, alto teor de açúcar e processados se tornassem mais desejáveis, apontou ela. “A maioria das crianças agora reconhece o nome da empresa e até mesmo a marca específica de fast-food [de que gostam] antes de conhecer o alfabeto.”

O ambiente atual cultivou “uma reação física muito diferente aos alimentos, talvez um tipo diferente de resposta emocional”, acredita ela, destacando a relação estreita entre obesidade, sociedade, saúde mental e opções alimentares.

A Dra. Margaret quer estimular o diálogo sobre o termo usado para descrever os indivíduos convencionalmente descritos como “obesos” ou usando a palavra “obesidade”. “Estamos pensando em termos como, talvez, apetite crônico, ingestão crônica de alimentos ou desregulação da ingestão alimentar.”

Mudar a terminologia médica quando ela se torna obsoleta ou prejudicial não é novidade, argumentou ela em um artigo recente sobre o assunto publicado em  coautoria com o Dr. Francis Finucane, médico endocrinologista consultor dos Galway University Hospitals, na Irlanda.

“No século 20, os termos ‘débil mental’ e ‘mongol’ passaram a ser usados de forma pejorativa na cultura em geral e foram banidos do vocabulário médico”, apontou a Dra. Margaret. Ela acrescentou que mudar o termo “obesidade” pode facilitar a busca dos objetivos estratégicos da medicina clínica “sem causar polêmica desnecessária com aqueles que, dados seus objetivos e contextos pessoais, entendem o índice de massa corporal (IMC) ou peso corporal de maneira radicalmente diferente”.

Obesidade: doença, fator de risco ou ambos?

O Dr. Francesco ressaltou que, antes de qualquer renomeação, é preciso estabelecer e definir os componentes e as características essenciais da doença obesidade. “Esta questão está no centro de nossa comissão e não é uma conversa fácil de se ter.” Ele explicou ainda que o problema com a definição atual de obesidade, e a forma como ela é concebida, concentra-se em grande parte no fato de ela ainda ser considerada um fator de risco para outras doenças.

Segundo o Dr. Francesco, a doença é caracterizada por três fatores: o fenômeno de ter uma causa patogênica, que leva a alterações fisiopatológicas (dos órgãos) e causa manifestações clínicas.

Ele acrescentou que a obesidade é atualmente descrita pelo que pode causar – por exemplo, diabetes tipo 2, câncer ou hipertensão. “Cada uma dessas doenças tem suas próprias manifestações clínicas, mas a obesidade não. [Como doença], não temos uma definição das manifestações clínicas da obesidade além do excesso de adiposidade.”

“O uso do IMC não prediz excesso de adiposidade, nem determina uma doença aqui e agora. Não existe doença sem doença, que é a manifestação clínica e a percepção do paciente de que é uma doença”, explicou o Dr. Francesco, apontando que a comissão do periódico The Lancet está preenchendo essa lacuna de conhecimento ao perguntar: “Se a obesidade é uma doença, então como ela é definida?”.

O médico acrescentou que a circunferência da cintura provavelmente fornece uma medida melhor do que o IMC para indicar diretamente a distribuição anormal da adiposidade, que sabidamente está associada a desfechos cardiometabólicos ruins, “mas não diz se o paciente tem uma doença aqui e agora – apenas que corre o risco de apresentar doenças cardiovasculares no futuro. A maioria das pessoas com acúmulo de gordura abdominal é perfeitamente funcional e não se sente doente”.

Ele também explicou que persiste a confusão sobre se a obesidade – ou excesso de adiposidade – é um fator de risco ou um sintoma de outra doença. “A imagem está borrada e não sabemos como diferenciá-los. Temos apenas um nome, que se aplica a todas essas coisas, e temos um critério – IMC – para diagnosticá-lo!”

O Dr. Francesco acrescentou: “Então, o que define a obesidade? É o diabetes? Não, porque é outra doença. Você não define uma doença como outra doença. Ela tem que ser independente.”

Recentemente, a AMA recomendou que o IMC agora seja usado em conjunto com outras medidas válidas de risco, como, entre outras, gordura visceral, índice de adiposidade corporal, composição corporal, massa de gordura relativa, circunferência da cintura e fatores genéticos e metabólicos.


O Dr. Aayush Visaria, médico residente em medicina interna da Rutgers University, nos Estados Unidos, concorda que um novo nome possa ajudar a mudar a percepção pública da obesidade para melhor. Um estudo que ele apresentou na Endocrine Society Meeting de 2023 constatou que o IMC “subestima muito” a obesidade, conforme publicado pelo Medscape.

Ele concorda com o Dr. Francesco que o desafio está na falta de compreensão precisa dos mecanismos que levam à obesidade: “É multifatorial, não apenas apetite ou ingestão de alimentos. Colocar isso em uma expressão é difícil”.

No entanto, se um novo termo puder incorporar as várias facetas da doença, “no geral, reduzirá o estigma porque passaremos a pensar na obesidade como um processo patológico, não como algo pessoal relacionado à culpa”, disse o Dr. Aayush.

Mas ao mesmo tempo, ele expressou cautela em relação a possíveis conotações negativas associadas à classificação da obesidade como uma doença. A Dra. Margaret também refletiu sobre esse risco, destacando que medicalizar o tamanho corporal pode ser contraproducente ao alimentar o estigma do peso e a gordofobia.

“Medicalizar a obesidade pode desencorajar em vez de fortalecer, mas ao especificar mais claramente que estamos falando sobre um conjunto específico de doenças metabólicas inter-relacionadas, isso tornaria muito mais claro, e que... não se trata de tornar as pessoas magras, não é uma questão estética”, observou a Dra. Margaret.

A palavra ‘obesidade’ dificulta explicações sobre doenças

A Dra. Margaret explicou que seu objetivo é superar a ambiguidade em torno da palavra “obesidade” que dificulta as explicações sobre a obesidade como doença para o público em geral.

“Muita confusão e controvérsia poderiam ser evitadas se esclarecêssemos que quando os médicos dizem que a obesidade é uma doença, eles não querem dizer que ser ‘gordo’ é uma doença”.

No entanto, o tecido adiposo é um órgão endócrino ativo, produzindo hormônios que não funcionam tão bem em pessoas com obesidade, ela observou. “Esse novo conhecimento levou a melhores tratamentos, como medicamentos como semaglutida e tirzepatida. Esses medicamentos, como a cirurgia bariátrica, geralmente levam a uma perda ponderal significativa e a melhoras na saúde metabólica geral.”

O Dr. Francesco também expressou preocupação com a medicalização, conforme determinado pela definição e o diagnóstico e pela disponibilidade de tratamento medicamentoso que poderia levar ao tratamento excessivo. “Atualmente, quando todos com um IMC > 30 kg/m2 têm acesso a todos os tratamentos para obesidade existentes, temos observado escassez de medicamentos. Devemos priorizar esse tratamento.”

Em última análise, o diagnóstico da obesidade como doença precisa de um biomarcador antropométrico que forneça, em nível individual, a confiança de que uma pessoa tem uma doença hoje, ou pelo menos perto de 100% de probabilidade de evoluir com essa doença, afirmou o Dr. Francesco.

“Se usarmos o IMC, ou mesmo a circunferência da cintura, isso pode diagnosticar a doença; mas se a pessoa viver até os 90 anos, qual é o sentido de rotulá-la como doente?” apontou.

“Como médicos, temos que ser cautelosos. Dizemos que isso é uma doença, mas você deve pensar nas implicações para a pessoa que recebe o diagnóstico de uma doença crônica que é substancialmente incurável. Quando dizemos isso, precisamos para ter a certeza.”

A Dra. Margaret Steele e o Dr. Aayush Visaria informaram não ter conflitos de interesses. O Dr. Francesco Rubino informou que recebeu subsídios de pesquisa da Novo Nordisk, Medtronic e Johnson & Johnson. Também realizou trabalho remunerado de consultoria para a GI Dynamics e recebeu honorários por palestras da Medtronic, Novo Nordisk e Johnson & Johnson. É membro do comitê de monitoramento de segurança de dados da GT Metabolic Solutions e prestou consultoria científica não remunerada para a Keyron, Metadeq, GHP Scientific e ViBo Health.

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

[Conteúdo exclusivo para médicos e Nutricionistas] - Tratamento dietético da obesidade

 


sábado, 12 de agosto de 2023

Perda de peso clinicamente significativa incomum para a maioria dos adultos com sobrepeso: somente 1 em 10 com sobrepeso ou obesidade atinge 5% ou mais de perda de peso a cada ano

A perda de peso clinicamente significativa não era muito comum em adultos americanos com sobrepeso ou obesidade, sugeriu um estudo de coorte.

Em uma amostra de quase 18,5 milhões de adultos ambulatoriais acompanhados por 3 a 14 anos, a probabilidade anual de atingir uma perda de peso clinicamente significativa - definida como 5% ou mais - entre aqueles com sobrepeso e obesidade foi baixa, em apenas um em 10, relatou Lyudmyla Kompaniyets, PhD, do Centro Nacional de Prevenção de Doenças Crônicas e Promoção da Saúde do CDC em Atlanta, e colegas.

Essa probabilidade aumentou com a categoria de índice de massa corporal (IMC) inicial, de uma em 12 pessoas com sobrepeso inicial (uma em 14 homens e uma em 11 mulheres) para uma em seis homens e mulheres com um IMC inicial de 45 ou superior, observaram em JAMA Network Open.

A probabilidade anual ajustada de reduzir o IMC para a categoria de peso saudável foi alcançada em um em 19 indivíduos com sobrepeso e um em 1.667 pessoas com IMC de 45 ou superior.

Essa probabilidade foi maior entre as mulheres do que entre os homens (uma em 1.201 vs uma em 2.870).

Durante o período do estudo, 33,4% das pessoas com sobrepeso e 41,8% das pessoas com obesidade alcançaram uma perda de peso clinicamente significativa, enquanto apenas 23,2% e 2,0% desses adultos reduziram o IMC para a categoria de peso saudável, respectivamente, disseram os autores.

“Dados os benefícios para a saúde da redução de peso clinicamente significativa em qualquer nível de excesso de peso, 5% ou mais de perda de peso pode ser uma meta razoável para os esforços de controle da obesidade”, escreveram eles. “Os médicos e os esforços de saúde pública podem se concentrar em mensagens e encaminhamentos para intervenções que apoiem adultos com excesso de peso a alcançar e manter uma perda de peso clinicamente significativa”.

Kompaniyets e sua equipe notaram que não ficaram necessariamente surpresos ao ver que as mulheres tiveram uma maior incidência de perda de peso em qualquer peso inicial do que os homens, pois isso é consistente com pesquisas anteriores. Não apenas as mulheres tentam perder peso com mais frequência do que os homens, mas a cirurgia metabólica é historicamente muito mais comum em mulheres. Da mesma forma, medicamentos para perda de peso, como os agonistas do receptor GLP-1, tendem a induzir maior perda de peso em mulheres.

No entanto, Kompaniyets e seus colegas apontaram que os dados neste estudo em particular refletem uma "população que procura atendimento médico com sobrepeso ou obesidade, independentemente da intenção de qualquer indivíduo de perder peso" e, portanto, as pessoas que estão tentando ativamente perder peso podem experimentar maior reduções de peso.

Os dados para este estudo vieram do banco de dados de registros médicos eletrônicos ambulatoriais IQVIA e incluíram 18.461.623 pacientes com idades entre 17 e 70 anos (idade média de 54 anos); 56,7% eram mulheres, 72,3% eram brancos e 7,7% eram negros.

Todos os pacientes tinham no mínimo 3 anos de dados de IMC e foram acompanhados de janeiro de 2009 a fevereiro de 2022.

A probabilidade anual de uma perda de peso de 5% ou mais foi ligeiramente menor entre mulheres negras versus mulheres brancas, e ligeiramente maior entre homens negros versus homens brancos após o sobrepeso inicial, mas menor após obesidade grave inicial.

Não havia dados disponíveis sobre fatores que influenciam a perda de peso, como envolvimento em comportamentos intensivos de saúde e intervenções no estilo de vida, nível de atividade física, acesso a alimentos saudáveis ​​ou nutritivos, dieta ou determinantes socioeconômicos da saúde, o que foi uma limitação do estudo, os autores observado. 

Eles também disseram que não conseguiram diferenciar entre perda de peso intencional e não intencional.

“Compartilhar é se importar”
EndoNews: Lifelong Learning
Inciativa premiada no Prêmio Euro - Inovação na Saúde
By Alberto Dias Filho - Digital Opinion Leader
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Embaixador da Comunidade Médica de Endocrinologia - EndócrinoGram

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Doenças psiquiátricas e tempo após cirurgia bariátrica impactam no reganho de peso

A compulsão alimentar – ingestão descontrolada de grande quantidade de alimentos, sem apetite e quase sem mastigar, seguida por um sentimento de culpa e angústia – foi o transtorno psicológico mais associado ao reganho de peso em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, como mostra uma pesquisa de doutorado do Instituto de Psicologia (IP) da USP realizada em um hospital privado na cidade de João Pessoa (Paraíba).

O estudo envolveu 121 pacientes entre 18 e 65 anos, submetidos à cirurgia bariátrica no Centro de Tratamento Médico e Obesidade do Hospital Samaritano, na capital paraibana. Mais de 90% deles voltaram a engordar depois do procedimento cirúrgico, sendo que 16% apresentaram transtorno de compulsão alimentar leve e 6%, a forma grave. A coleta de dados foi obtida de forma on-line entre 2020 e 2022. A pesquisa ainda contou com uma revisão da literatura científica sobre o tema a partir de bases de dados nacionais e internacionais.

“A cirurgia bariátrica é considerada padrão ouro para o tratamento da obesidade mórbida, mas a recidiva de peso observada em alguns pacientes é preocupante sob o aspecto do desfecho em relação ao controle metabólico e nutricional”, explica ao Jornal da USP a autora do estudo, a enfermeira especialista no pós-cirúrgico de obesos mórbidos, Jogilmira Macedo Silva Mendes.

A obesidade é classificada de acordo com o Índice de Massa Corporal (IMC), calculado a partir da divisão do peso (em quilos) pela altura ao quadrado (em metros). Se o resultado for entre 25 e 29, a pessoa é considerada com sobrepeso; entre 30 e 34, é obesidade grau I; entre 35 e 39, é obesidade grau II; e igual ou superior a 40, é obesidade grau III. Os pacientes avaliados por Jogilmira Macedo haviam passado pelo procedimento cirúrgico há, pelo menos, três anos; sofriam de obesidade graus II e III (os tipos mais graves); e apresentavam reganho de peso de mais de 10% do valor perdido logo após a cirurgia.

O cálculo para o reganho de peso foi obtido por meio da diferença entre a maior perda alcançada pelo paciente após a cirurgia (denominado nadir) e o peso que ele voltou a ter (a recidiva). “É o momento ‘lua-de-mel’ pós-bariátrica, que corresponde a um período de mais ou menos 18 meses após a realização do procedimento cirúrgico, quando a pessoa perde mais peso, está mais motivada e disposta a seguir as recomendações médicas e nutricionais. Passado esse momento, o apetite, que estava reduzido, volta a crescer; o peso se estabiliza e depois passa a aumentar”, diz.

A pesquisa

Para avaliar os pacientes, Jogilmira Macedo utilizou questionários contendo perguntas relacionadas aos dados sociodemográficos e clínicos dos pacientes e três escalas – a de Compulsão Alimentar Periódica (Ecap), para avaliar a compulsão alimentar; a Ehad, para medir o nível de ansiedade e a depressão; e a Audit, para medir o consumo e provável dependência de álcool.

A Ecap é composta de 16 itens que avaliam a gravidade da compulsão alimentar dos pacientes levando em conta as manifestações comportamentais e os sentimentos e cognições envolvidos num episódio de compulsão alimentar. A classificação é feita de acordo com a pontuação obtida, sendo indivíduos com pontuação menor ou igual a 17 considerados sem compulsão; com pontuação entre 18 e 26, com compulsão moderada; e aqueles com pontuação maior ou igual a 27, com compulsão grave.

Também foram feitos cálculos porcentuais com o excesso de peso (EP) antes da cirurgia, da perda de excesso de peso (PEP) e do reganho de peso (RP), cruzando os dados referentes ao três momentos distintos: o peso pré-operatório (até 30 dias antes da cirurgia), o peso nadir (menor peso atingido pós-cirurgia) e o peso recidiva (peso recuperado em relação ao nadir).

Resultados

Feitas as correlações entre comorbidades psíquicas e reganho de peso, Jogilmira Macedo relata que, embora os pacientes apresentassem níveis variados de transtornos psíquicos (como ansiedade, depressão e alcoolismo), o que apresentou uma maior associação ao reganho de peso foi o transtorno de compulsão alimentar. De acordo com a escala Ecap, 16% tiveram a forma mais leve desse transtorno e 6% a forma grave. O porcentual de pessoas que voltaram a engordar após a cirurgia bariátrica (cálculo feito entre o menor peso atingido pelo paciente depois da cirurgia e a recidiva) foi de 92,4%.

A pesquisadora reforça a importância de um acompanhamento médico multidisciplinar dos pacientes antes, durante e após a cirurgia bariátrica, o que, em sua opinião, garantiria melhores resultados do procedimento.

“A cirurgia bariátrica controla a obesidade, mas não trata da dinâmica psíquica que leva a pessoa a usar a comida como mediadora para lidar com os seus conflitos. O corpo foi cuidado, mas as questões emocionais que levaram ao comportamento alimentar disfuncional podem persistir”, diz.

Tempo pós-cirúrgico e impacto na manutenção do peso
Para Leorides Severo Duarte Guerra, psicóloga e pós-doutoranda da Faculdade de Medicina (FMUSP), os transtornos psiquiátricos são comuns em pacientes com obesidade grave e podem afetar os resultados de perda de peso após a cirurgia bariátrica. No entanto, ela diz que a relação de longo prazo entre transtornos psiquiátricos e mudanças de peso ainda não está clara.

Em uma pesquisa que fez com 189 pacientes do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP, a psicóloga investigou essa associação ao longo de um período de oito anos (2011 a 2019). Segundo a pesquisadora, neste estudo, o aumento de peso após a cirurgia não ficou associado à presença dos transtornos psiquiátricos. “Observamos que os transtornos psiquiátricos – incluindo depressão e compulsão alimentar – tiveram uma tendência a aumentar após a cirurgia bariátrica, porém, o tempo decorrido pós-cirúrgico teve maior impacto na manutenção do peso do que os transtornos psiquiátricos. O aumento de peso ocorreu ao longo do tempo, independentemente dos transtornos psiquiátricos”, relata.

A pesquisa com os pacientes do HC foi orientada pelo professor Wang Yana Pang, médico psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital da Clínicas da FMUSP, e supervisão do professor Francisco Lotufo Neto, do Instituto de Psicologia.

Comorbidades psiquiátricas

Sobre o resultado do estudo realizado com pacientes no hospital na Paraíba, a psicóloga diz que, apesar da compulsão alimentar ser frequente entre pacientes com reganho de peso, ela não responde sozinha pelo problema porque os transtornos psiquiátricos são comórbidos.

“A compulsão alimentar é uma condição complexa e multifatorial e pode incluir diversos fatores, como emocionais, biológicos, ambientais, sociais, padrões alimentares disfuncionais e dietas restritivas. Cada indivíduo pode ter uma combinação única de causas subjacentes à sua compulsão alimentar”, diz.

“O acompanhamento de longo prazo e o suporte são cruciais para otimizar os resultados de perda de peso e tratar as comorbidades psiquiátricas em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica”, reforça.

A tese de doutorado Aspectos psicológicos associados ao reganho e excesso de peso tardios em pessoas submetidas a cirurgia bariátrica teve orientação do professor Francisco Lotufo Neto, do Instituto de Psicologia da USP, e foi defendida em julho deste ano. Um artigo de revisão foi publicado na Research Society and Development. Outro artigo, sobre perfil clínico de pacientes bariátricos, foi submetido à revista ABCD Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva.

sábado, 5 de agosto de 2023

Aula sobre Obesidade: O baralho: Obesidade, cartas sobre a mesa

 


Esse baralho, elaborei em parceria com o meu nutricionista (Rodrigo Lamonier) e utilizamos na primeira consulta, dos pacientes portadores de obesidade. Espero que gostem das explicações sobre as cartas. 

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Preciso emagrecer: Nutrólogo ou Nutricionista qual devo procurar ?


Frequentemente amigos, colegas de profissão, seguidores e até familiares questionam: Preciso emagrecer, quem eu devo procurar primeiro? Nutrólogo ou Nutricionista? Por ser uma pergunta rotineira resolvi responder na forma de texto, assim facilito para todos e exponho a minha opinião.

Primeiramente devemos entender a diferença entre o Nutrólogo e Nutricionista. A compreensão da diferença já responde parte da pergunta, pois o âmbito de atuação é diferente, o tipo de diagnóstico é diferente e a abordagem terapêutica é diferente.

O  Nutrólogo é o médico que se especializou em Transtornos relacionados a Alimentação. Ou seja, doenças nutricionais, doenças que sofrem influência da alimentação. Precisou cursar 6 anos de Medicina, depois fazer residência de clínica médica ou cirúrgica por 2 anos e posteriormente 2 anos de residência de Nutrologia. Totalizando, no mínimo 10 anos de estudo. 6 de graduação e 4 de especialização. Pode ser que esse médico tenha feito a graduação em Medicina, posteriormente fez uma pós-graduação em Nutrologia  e comprovado o tempo de atuação na área, recebeu o aval para prestar a prova de título (geralmente 8 anos de formado, sendo 4 anos de atuação em Clínica Médica ou cirúrgica e 4 de atuação em Nutrologia). Uma vez aprovado na prova de título, ele pode se intitular Nutrólogo e tirar no conselho um número chamado Registro de Qualificação de Especialista (RQE), referente à Nutrologia. 

O foco do médico é no diagnóstico da situação (sinais/sintomas) relatada pelo paciente, escolha do tipo de tratamento (Clínico/cirúrgico), melhora do prognóstico, reabilitação e prevenção. Uma abordagem bem ampla. Mas gravem esse termo: "Diagnóstico". 

Na parte de tratamento, o nutrólogo pode prescrever nutrientes (alimentos, macronutrientes, vitaminas, minerais, fibras), pela via oral, enteral e se necessário por via parenteral (endovenosa ou intramuscular), além de medicamentos. 

Pode prescrever dieta? Sim, de acordo com o Conselho Federal de Medicina sim, de acordo com o Conselho Federal de Nutrição não. Isso é um tema polêmico e espinhoso, o qual já escrevi aqui. 

E o Nutricionista?

De acordo com o Conselho Federal de Nutrição (CFN), a Nutrição é definida como o conjunto de competências específicas resultante do aprofundamento da Ciência da Nutrição (Ciências Nutricionais) na dimensão biopsicossocial do indivíduo e da coletividade, que caracteriza o núcleo de exercício profissional de nutricionista em caráter não generalista. A nutrição consiste em uma ciência da saúde que estuda:
1) Os alimentos,
2) Os nutrientes presentes nos alimentos,
3) A ação dos alimentos na nossa saúde (o que o alimento faz com o nosso corpo),
4) O que o nosso corpo faz com os alimentos,
5) Interação entre nosso corpo e os nutrientes, bem como interação entre os alimentos,
6) Os processos pelos quais o organismo ingere, absorve, transporta, utiliza e elimina os nutrientes.

Muitos querem atuar na Nutrição no Brasil e ter a prerrogativa de prescrever um plano alimentar e/ou suplementos. Mas poucos querem sentar em uma cadeira de faculdade e estudar ao longo de no mínimo 4 anos, posteriormente fazer residência e/ou pós-graduações, mestrado, doutorado. Para se tornar Nutricionista, o indivíduo deve cursar uma faculdade (graduação) em Nutrição. No Brasil, o curso de graduação em Nutrição tem uma duração média de 4 anos, em período integral (nas Universidades Federais). Durante esse período, os futuros nutricionistas adquirem conhecimentos teóricos e práticos relacionados à ciência da nutrição, dietética, saúde, alimentação e outras áreas afins. O currículo inclui aulas teóricas, práticas em laboratórios, estágios e atividades complementares. Estudará matérias comuns ao ciclo básico da área da saúde (Anatomia, Histologia, Fisiologia, Bioquímica), posteriormente disciplinas do ciclo clínico.

É importante ressaltar que a duração do curso pode variar em algumas instituições de ensino, podendo ser um pouco mais curto (4 anos) ou mais longo (5 anos) dependendo da grade curricular específica adotada pela universidade. Após terminar a graduação, o Nutricionista pode fazer residência multiprofissional em diversas áreas, dentre as reconhecidas pelo CFN como especialidades da Nutrição.

I. Educação Alimentar e Nutricional
II. Gestão de Políticas Públicas e Programas em Alimentação e Nutrição;
III. Nutrição Clínica;
IV. Nutrição Clínica em Cardiologia;
V. Nutrição Clínica em Cuidados Paliativos;
VI. Nutrição Clínica em Endocrinologia e Metabologia;
VII. Nutrição Clínica em Gastroenterologia;
VIII. Nutrição Clínica em Gerontologia;
IX. Nutrição Clínica em Nefrologia;
X. Nutrição Clínica em Oncologia;
XI. Nutrição Clínica em Terapia Intensiva;
XII. Nutrição de Precisão;
XIII. Nutrição e Alimentos funcionais;
XIV. Nutrição e Fitoterapia;
XV. Nutrição em Alimentação Coletiva;
XVI. Nutrição em Alimentação Coletiva Hospitalar;
XVII. Nutrição em Alimentação Escolar;
XVIII. Nutrição em Atenção Primária e Saúde da Família e Comunidade;
XIX. Nutrição em Esportes e Exercício Físico;
XX. Nutrição em Estética;
XXI. Nutrição em Marketing;
XXII. Nutrição em Saúde Coletiva;
XXIII. Nutrição em Saúde da Mulher;
XXIV. Nutrição em Saúde de Povos e Comunidades Tradicionais;
XXV. Nutrição em Saúde Indígena;
XXVI. Nutrição em Saúde Mental;
XXVII. Nutrição em Transtornos Alimentares;
XXVIII. Nutrição em Vegetarianismo e Veganismo;
XXIX. Nutrição Materno-Infantil;
XXX. Nutrição na Produção de Refeições Comerciais;
XXXI. Nutrição na Produção e Tecnologia de Alimentos e Bebidas;
XXXII. Qualidade e Segurança dos Alimentos;
XXXIII. Segurança Alimentar e Nutricional; e
XXXIV. Terapia de Nutrição Parenteral e Enteral.

O nutricionista também pode fazer pós-graduação em alguma dessas áreas e posteriormente fazer a prova de título de especialista pela Associação Brasileira dos Nutricionistas (ASBRAN). Atuar em qualquer uma dessas áreas, já que diferente do CFM, o CFN não obriga que a pessoa tenha título de especialista para atuar.

Agora que entendemos a diferença entre o Nutricionista e o Nutrólogo, esmiuçarei a resposta para a pergunta: Qual devo procurar.

O Nutrólogo ele é responsável pelo diagnóstico nosológico, ou seja, diagnóstico da Doença. O Nutricionista dá o diagnóstico Nutricional, ou seja, ele não pode dar diagnóstico de doença de acordo com o Conselho Federal de Nutrição. O Diagnóstico de doença é uma prerrogativa médica. Mas por que? Pelo simples fato de que para se diagnosticar é preciso entender de inúmeras disciplinar que os Nutricionistas não possuem durante a graduação. Exemplo: 
1) Exames laboratoriais mais complexos
2) Holter, MAPA, Teste ergométrico, Cintilografia, Densitometria óssea, Ultrassonografia, Ressonância magnética, Raio X, Polissonografia e outras dezenas de exames.

Ora, se o paciente apresenta um sintoma ou sinal, este deve ser investigado a fim de que se faça um DIAGNÓSTICO correto. Quem faz essa investigação? O Médico. No caso de doenças nutricionais, o Nutrólogo. 

O primeiro passo é dar o diagnóstico, então o primeiro passo é passar pelo médico.

- Mas Dr. Frederico eu já fui ao médico e ele diagnosticou, não posso ir direto ao Nutricionista? 

Sim, você é livre, tem o direito constitucional de ir e vir. Ir ao nutricionista está dentro do seus direitos.
Ele fará uma anamnese, exame físico, as vezes solicitação alguns exames adicionais e instituirá um tratamento. Tratamento este que pode ser apenas com um plano dietético, mas que também pode incluir prescrição de suplementos alimentares, vitaminas, minerais, fibras, probióticos e até mesmo fitoterápicos. Aqui cabe um adendo, a prescrição feita por nutricionistas tem limites. Ou seja, doses mais elevadas de nutrientes (Ex. Doses altas de ferro, B12, Zinco, etç) exigem prescrição médica. Alguns fitoterápicos são de prescrição exclusiva de médicos:
  • Actaea racemosa L (Cimicífuga); 
  • Ginkgo biloba L. (Ginkgo)
  • Hypericum perforatum L. (Hipérico)
  • Piper methysticum G. Forst. (Kava-kava)
  • Valeriana officinalis L. (Valeriana) 
Ou seja, esses o nutricionista não pode prescrever. Além disso, diferente do médico nutrólogo, medicamentos alopáticos de nenhum tipo o nutricionista pode prescrever. Em relação à via: só pode prescrever por via oral ou enteral (sonda). A prescrição via parenteral é exclusiva de médicos. Ou seja, nutricionista não pode prescrever nada endovenoso ou intramuscular. 

- Mas Dr. Frederico eu já sei que estou acima do peso, já sei o meu IMC, sei que estou com quadro de obesidade grau II, não posso ir diretamente ao nutricionista?

Sim, lembra da constituição? Do seu direito de ir e vir? Sim, pode ir, mas não é o que recomendo e abaixo te explicarei os motivos. 

A obesidade é uma DOENÇA, incurável, crônica, com várias etiologias (multifatorial), vários fatores agravantes, com forte componente genético e que necessita de intervenção multidisciplinar. Se você focar somente no percentual de gordura corporal, deixará passar várias doenças que somente o médico é capaz de diagnosticar. Exemplo: Síndrome de Apnéia Obstrutiva do Sono (SAOS). Durante a consulta com o Nutrólogo, ele medirá a sua circunferência do pescoço, ele aplicará questionários que podem indicar privação de sono, avaliará exames que podem indicar que você esteja fazendo apnéia (ficando sem respirar), como por exemplo o MAPA ou HOLTER. E muitas vezes, se essa apnéia não for tratada, você terá muito mais dificuldade para perder gordura. Sentirá cansaço crônico pela privação de sono promovida pelos vários microdespertares no período do sono. A Apnéia associada a privação promoverá um aumento de substâncias como a Grelina, que promove aumento do apetite e predileção por carboidratos e gorduras. Se for homem, promoverá redução dos níveis de testosterona. Se existir resistência insulínica (o que provavelmente existe) terá maiores níveis de insulina e de glicemia. 

Entende a complexidade?

Além disso, temos que ser realistas quando se trata de obesidade (doença). A maioria dos pacientes não conseguirão perder peso e SUSTENTAR essa perda de peso apenas com mudança de estilo de vida (dieta e atividade física). Isso quem afirma não sou eu e sim inúmeros estudos. Cerca de 90% dos pacientes não conseguirão, 10% consegue e sustenta a perda de peso após 5 anos. 5% sustenta após 10 anos. Ou seja, altíssima taxa de falha, péssimo prognóstico. Quanto mais precoce a intervenção melhores os desfechos. Resumindo, na maioria das vezes o tratamento medicamentoso ou até cirúrgico se faz necessário. Reflita sobre quantas pessoas portadoras de obesidade você conheceu ao longo de toda a sua vida. Quantas conseguiram perder peso somente com dieta e atividade física e conseguiram sustentar essa perda de peso por 5, 10 ou mais anos? Estou a frente de um ambulatório de Nutrologia no SUS, mais de 8 mil pacientes atendidos e ao longo de quase 10 anos, afirmo categoricamente que é uma situação delicada, com altas taxas de falha, abandono do tratamento e desesperança, mesmo com profissionais capacitados. No consultório a situação não é diferente, mesmo os pacientes tendo melhores condições financeiras e disponibilidade de acesso a abordagem mais modernas (Fármacos de custo elevado, personal trainer, nutricionista, psicoterapia). 

Então, se eu pudesse te dar uma dica seria: Quer emagrecer? Procure um Médico, especialista na área (com RQE de Nutrlogia). Você merece um olhar amplo, uma abordagem mais ampla. O bom nutrólogo não exclui o Nutricionista do tratamento, muito menos o profissional da Educação física e principalmente o Psicólogo. Ele tem discernimento que a obesidade é uma Doença Crônica, incurável, com forte componente genético, multifatorial, de difícil tratamento e que os melhores resultados são alcançados através de uma intervenção multidisciplinar. 

- OK, eu irei ao médico, mas precisa ser mesmo o Nutrólogo? Não pode ser um Endócrino?

Isso é tema para um outro post. 

Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 / CRM-SC 32949 - RQE 22416

sábado, 29 de julho de 2023

Potencial "anti-inflamatório" da dieta e a excreção urinária de polifenóis

A excreção urinária de polifenóis tem despertado interesse como um biomarcador da ingestão de uma dieta com potencial ação anti-inflamatória. Estudos mostram que fatores de risco como tabagismo, consumo excessivo de álcool, estilo de vida sedentário e uma dieta não saudável podem aumentar o risco de doenças cardiovasculares e processos inflamatórios. No entanto, adotar uma alimentação saudável, rica em polifenóis encontrados em alimentos à base de plantas, pode contribuir para a prevenção dessas doenças.

Nesse contexto, o Índice Inflamatório da Dieta (IID) foi proposto como uma forma de avaliar o potencial inflamatório da alimentação, classificando alimentos e nutrientes como pró ou anti-inflamatórios.

Este estudo buscou analisar a relação entre as concentrações de polifenóis excretados na urina e as mudanças no escore do IID, com a hipótese de que o potencial inflamatório da dieta está inversamente relacionado às concentrações de polifenóis. Acontece que existem inúmeros compostos bioativos com "potencial ação" anti-inflamatória in vitro e que não são polifenóis.

Investigou-se a associação entre as concentrações de polifenóis na urina e as mudanças na Síndrome Metabólica, sugerindo uma possível melhoria dessa condição com o aumento da ingestão de polifenóis. Porém, existe o viés de uma dieta com menos ultraprocessados, mais rica em alimentos in natura ou minimamente processados, maior ingestão de fibras, alterações na microbiota, além de perda de peso que obviamente promoverá melhora dos parâmetros relacionados à síndrome metabólica.

Avaliando os efeitos da Dieta Mediterrânea na prevenção primária de doenças cardiovasculares.

O estudo PREDIMED, foi realizado em forma de ensaio clínico randomizado, multicêntrico, controlado e em grupo, na Espanha, de 2003 a 2010, com o objetivo de avaliar os efeitos da Dieta Mediterrânea na prevenção primária de doenças cardiovasculares (DCVs).

A população do estudo incluiu 7.447 homens e mulheres, com fatores de risco para DCVs, como diabetes tipo 2, tabagismo, hipertensão, colesterol de lipoproteína de baixa densidade alto, colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL) baixo, sobrepeso ou obesidade e história familiar de DCV prematura.

O acompanhamento foi realizado por 5 anos, e os participantes foram avaliados por excreção total de polifenóis, questionário de frequência alimentar (QFA), medidas antropométricas e exames de pressão arterial, glicose e perfil lipídico.
  • Avaliação dietética: QFA semiquantitativo e um questionário sobre adesão à dieta tradicional do Mediterrâneo e ingestão de energia e nutrientes (estimada por tabelas de composição de alimentos espanholas).
  • Avaliação do estilo de vida: questionário geral sobre estilo de vida, educação, histórico de doenças e uso de medicamentos e atividade física (avaliada por Questionário de Atividade Física de Lazer do Minnesota).
  • Avaliação antropométrica e clínica: peso, altura, IMC, pressão arterial sistólica e diastólica, amostras biológicas de plasma e urina (coletadas no início do estudo após um jejum de 12 horas), glicose no sangue, colesterol total, triglicerídeos e colesterol HDL.
  • Avaliação da excreção total de polifenóis: amostras de urina espontânea. A excreção total de polifenóis foi determinada utilizando o método de Folin-Ciocalteu com uma extração em fase sólida, removendo interferências urinárias (a PTE é expressa em mg de equivalente de ácido gálico – EAG – por grama de creatinina).
Índice Inflamatório da Dieta (IID)

O Índice Inflamatório da Dieta (IID) foi desenvolvido com base em dados da literatura sobre o efeito de 45 parâmetros dietéticos em 6 biomarcadores de inflamação, onde cada parâmetro recebeu uma pontuação de acordo com seu efeito: 
  • pró-inflamatório (+1), anti-inflamatório (1) ou nulo (0) nos biomarcadores.
A ingestão diária média global de cada parâmetro foi estimada a partir de um banco de dados, e a ingestão individual foi comparada com essa média para calcular um escore z. Os escores, por sua vez, foram centralizados e multiplicados pelo efeito inflamatório geral do alimento.

As variáveis dietéticas avaliadas incluíram energia total, macronutrientes, ácidos graxos, vitaminas, minerais e outros componentes alimentares.

Síndrome Metabólica (SM)

Participantes que preenchiam 3 ou mais dos seguintes critérios receberam o diagnóstico de SM:

  • Circunferência da cintura aumentada: Homens = >102cm | Mulheres = >88cm.
  • Concentrações elevadas de triglicerídeos: >150mg/dL | Tratamento medicamentoso para triglicerídeos elevados.
  • Baixo colesterol HDL: Homens = <40mg/dL | Mulheres = <50mg/dL.
  • Pressão arterial alta: Sistólica = >130mmHg | Diastólica = >85mmHg | Tratamento medicamentoso anti-hipertensivo.
  • Concentrações elevadas de glicose em jejum: >100mg/dL | Tratamento medicamentoso para glicose elevada.
Características gerais dos participantes

Dados demográficos e de saúde foram coletados para a realização do estudo. As principais condições de saúde observadas foram hipertensão e hipercolesterolemia, com tratamentos medicamentosos.

Além disso, cerca de 20% dos participantes eram fumantes, e observou-se uma maior prevalência de prática de atividade física em homens.

Em relação às concentrações de polifenóis na urina, foi constatado que as mulheres apresentaram uma excreção maior (média de 18,3mg EAG/g de creatinina), enquanto os homens apresentaram uma média de 5,7mg EAG/g de creatinina. As mudanças na excreção de polifenóis (PTE) foram semelhantes para homens e mulheres, com média de 7,9mg EAG/g de creatinina para mulheres e 7,7mg EAG/g de creatinina para homens.

Mudanças na ingestão dietética – Após 5 anos

Os resultados do estudo mostraram que na dieta menos inflamatória houve uma menor ingestão de proteínas, especialmente entre as mulheres e um maior consumo de gordura poli-insaturada, incluindo azeite extra virgem, vegetais, frutas, nozes e peixes.

As variáveis dietéticas analisadas diferiram significativamente tanto no início do estudo quanto após 5 anos de acompanhamento, embora não tenham sido encontradas diferenças significativas nas variáveis relacionadas a ácidos graxos monoinsaturados (MUFAs), consumo de álcool e chá entre os participantes.

Principais achados

  • Mulheres: aumento no potencial inflamatório da dieta inversamente associado às mudanças na PTE urinária; dietas mais inflamatórias apresentaram uma PTE menor em comparação com as menos inflamatórias, e a relação foi linear.
  • Homens: nenhuma relação significativa observada entre os grupos de mudança no escore IID e as mudanças na PTE urinária quando comparados os níveis de inflamação nas dietas.
Após 5 anos: aumento na PTE inversamente associado à reversão da SM, em todos os participantes.
Dieta rica em polifenóis como estratégia benéfica na promoção da saúde cardiovascular e metabólica
O estudo revelou uma relação positiva entre a dieta anti-inflamatória e os níveis de polifenóis na urina em mulheres, além de constatar que altos níveis de polifenóis podem estar associados a uma melhora na Síndrome Metabólica em adultos mais velhos com risco de doenças cardiovasculares.

A Dieta Mediterrânea, utilizada no estudo, rica em cereais, vegetais, frutas, nozes e azeite de oliva extravirgem, é conhecida por seu potencial anti-inflamatório devido aos polifenóis presentes em seus alimentos. Os polifenóis têm a capacidade de inibir enzimas pró-inflamatórias e estimular enzimas antioxidantes, contribuindo para seus efeitos benéficos.

No estudo, foi observada uma correlação significativa entre a ingestão de polifenóis e os níveis excretados na urina, e embora homens e mulheres tenham mostrado tendências semelhantes nas mudanças dietéticas ao longo do tempo, apenas as mulheres apresentaram uma associação entre uma dieta anti-inflamatória e níveis de polifenóis urinários.

Os achados ainda mostram os múltiplos benefícios para a saúde associados aos polifenóis, como a redução do risco de desenvolvimento de Síndrome Metabólica e melhora do dismetabolismo pós-prandial.

Em conclusão, o uso do PTE urinário como biomarcador da ingestão de polifenóis mostrou-se preciso e objetivo, ou seja, PTE urinário pode ser um indicador do consumo de uma dieta anti-inflamatória.

Referência:
  • Riveros, C. A.; Lopez, I. D.; Rimbau, A. T.; et al. Total urinary polyphenol excretion: a biomarker of an anti-inflammatory diet and metabolic syndrome status. The American Journal of Clinical Nutrition, vol. 117, Issue 4, 2023.