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terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

28/02 - Dia Mundial das doenças raras


De acordo com Ministério da Saúde, as doenças raras são aquelas que atingem no máximo 65 pessoas a cada 100.000. Existem mais de 6.000 doenças raras descritas, acometendo de 260 a 450 milhões de pessoas no mundo, sendo mais de 13 milhões no Brasil. Assim, quando consideradas em conjunto, doenças raras são mais comuns do que imaginamos.

80% das doenças raras são consideradas genéticas, causadas por alterações em genes ou cromossomos. Triagens neonatais genéticas, como o Teste da Bochechinha, são essenciais para detectar as doenças raras o mais rápido possível, pois os sintomas podem demorar a aparecer e causar danos irreversíveis.

Apesar de não existir cura para a maioria das doenças raras, o acompanhamento médico especializado pode proporcionar mais qualidade de vida ao paciente e o tratamento pode incluir desde acompanhamento multidisciplinar até o uso de medicamentos órfãos.

Entre as diferentes intervenções médicas nas doenças raras, o tratamento nutricional é uma abordagem que pode auxiliar algumas dessas doenças. Para algumas é parte essencial do tratamento, já para outras pode ser coadjuvante ao tratamento medicamentoso/enzimático.

Alguns grupos de doenças raras, como Erros Inatos do Metabolismo, Deficiência do Metabolismo de vitaminas e até algumas doenças gastrointestinais podem se beneficiar da abordagem nutricional via suplementação de vitaminas e minerais ou restrição alimentar. Para saber mais, e antes de iniciar qualquer tratamento, é importante consultar um geneticista e/ou nutrólogo.

O Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 199/2.014, instituiu a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, aprovou as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e instituiu incentivos financeiros de custeio.

Panorama:
  • Há cerca de 7 mil doenças raras descritas, sendo 80% de origem genética e 20% de causas infecciosas, virais ou degenerativas;
  • 13 milhões de brasileiros vivem com essas enfermidades;
  • Para 95% não há tratamento, restando somente os cuidados paliativos e serviços de reabilitação;
  • Estimam-se 5 casos para cada 10 mil pessoas;
  • Para chegar ao diagnóstico, um paciente chega a consultar até 10 médicos diferentes;
  • A maioria é diagnosticada tardiamente, por volta dos 5 anos de idade;
  • 3% tem tratamento cirúrgico ou medicamentos regulares que atenuam sintomas;
  • 75% ocorrem em crianças e jovens;
  • 2% tem tratamento com medicamentos órfãos (medicamentos que, por razões econômicas, precisam de incentivo para serem desenvolvidos), capazes de interferir na progressão da doença.
Dentre as principais doenças raras nutricionais temos:

1) Erros inatos do metabolismo: São distúrbios de natureza genética que, em geral, correspondem a um defeito em enzima produzido pelo organismo e que causa interrupção de uma via metabólica. Esses erros inatos do metabolismo (EIM) promovem alguma falha de síntese, degradação, armazenamento ou transporte de moléculas no organismo levando a vários problemas para a saúde indivíduos que têm EIM.
  • Amiloidose ATTR hereditária (hATTR)
  • Biotinidase
  • Cistinose
  • Cushing
  • Doença de Pompe
  • Fenilcetonúria
  • Fibrose Cística
  • Displasia Cleidocraniana
  • Doença de Fabry
  • Doença de Gaucher
  • Hiperoxalúrias Primárias (HP)
  • Homocistinúria
  • Imunodeficiências Primárias
  • Mucopolissacaridoses
  • Mucopolissacaridose Tipo I
  • Mucopolissacaridose Tipo II
  • Mucopolissacaridose Tipo III
  • Mucopolissacaridose Tipo IV
  • Mucopolissacaridose Tipo VI
  • Mucopolissacaridose Tipo VII
  • Paramiloidose
  • Porfiria hepática aguda
  • Porfiria eritropoiética congênita
  • Síndrome Cri-Du-Chat
  • Síndrome do X Frágil
  • Tirosinemia tipo 1
Outras doenças raras e que envolvem aspectos nutricionais:
– Doença de Crohn;
– Fibrose cística;
– Insuficiência pancreática exócrina;
– Intolerância hereditária à frutose
– Osteogênese imperfeita;
– Síndrome do intestino curto

Deficiência de Biotinidase

Deficiência de Biotinidase (DB) é um erro inato do metabolismo de herança autossômica recessiva. Na DB, a capacidade de obtenção da vitamina biotina a partir dos alimentos está prejudi cada. Consequentemente, o funcionamento das carboxilases que dependem da biotina como coenzima é afetado. Além disso, a biotina não  pode ser reutilizada a partir das carboxilases quando elas são degradadas (Baumgartner e Suormala, 2000).
Existem duas formas da doença de acordo com a atividade residual da biotinidase: a deficiência total – menos de 10% da média da atividade sérica normal da biotinidase e a deficiência parcial – 10 a 30% da média da
atividade normal. No mundo, estima-se que a incidência da DB seja de 1 para 60 089 recém-nascidos e que as incidências de DB total e parcial sejam semelhantes entre si (Wolf, 1991). O Brasil parece apresentar uma alta frequência da doença embora existam poucos estudos sobre esta frequência e os que existem apresentam resultados ainda discrepantes. Neto et al. (2004) descreve uma incidência no país de 1 para 9000 recém-nascidos enquanto que, no Estado do Paraná, Pinto et al. (1998) relata 1 por cada 62 500 recém-nascidos e, especificamente, no município paranaense de Maringá de 1 para 6843, segundo Luz et al. (2008).
Manifestações neurológicas (hipotonia muscular, letargia, convulsões mioclônicas, ataxia) são os sinais clínicos iniciais mais frequentes. Além disso, sintomas respiratórios (estridor, hiperventilação e apneias) ocorrem com frequência (Baumgartner et al., 1989). Rash cutâneo e alopécia são achados característicos da doença, no entanto, eles podem ocorrer mais tardiamente ou até mesmo não ocorrer em alguns pacientes (Wastell et al., 1988; Wolf et al., 1985; Wolf, 2001). De modo geral, há uma grande variabilidade nas manifestações clínicas e na idade de apresentação dos sintomas (do período neonatal até à adolescência) (Baumgartner et al., 1985; Wolf et al., 1998), o que gera um grande risco de atraso no diagnóstico (Grunewald et al., 2004). Pacientes com diagnóstico tardio podem apresentar retardo.
psicomotor, leucoencefalopatia, perda auditiva e atrofia óptica, que podem ser irreversíveis e, até mesmo, fatais (Ramaekers et al., 1992; Weber et al., 2004; Wolf et al., 2002).
O diagnóstico de DB pode ser realizado a partir da suspeita clínica e confirmado pela medida da atividade da biotinidase no soro (Wolf et al., 1983;
Wastell et al., 1984). A detecção de pacientes ainda assintomáticos pode ser feita por triagem neonatal (teste do pezinho). Nesse caso, a avaliação da atividade enzimática é realizada em cartão de papel filtro impregnado com sangue. Quando o resultado for indicativo de DB, a confirmação é dada pela medida no soro (Heard et al., 1984). É recomendado que o teste seja realizado, ao mesmo tempo, nos pais do paciente e num indivíduo não relacionado, para auxiliar na interpretação e distinguir a verdadeira deficiência, de uma diminuição da atividade devido ao transporte ou manipulação da amostra
(Cowan et al., 2010).
Após a confirmação do diagnóstico, o tratamento deve ser instituído sem demora, inclusive para os assintomáticos, pois os pacientes tornam-se de ficientes em biotina poucos dias após o nascimento (Baumgartner et al., 1985). O tratamento consiste em suplementação oral de biotina livre (disponível em cápsula, comprimido e preparação líquida) ao longo de toda vida. Todos os indivíduos devem ser tratados, independente do grau da deficiência (total ou parcial) (Wolf, 2010).
Invariavelmente, os pacientes tratados com biotina apresentam melhoras, embora os problemas de atrofia óptica, perda auditiva e retardo no desenvolvimento não sejam revertidos completamente. Além disso, as crianças identificadas por triagem neonatal têm os sintomas prevenidos com a terapia
(Wolf, 2010).

Para saber mais
www.deficienciadabiotinidase.com
www.institutocanguru.org.br
http://biotinidasedeficiency.20m.com

Fenilcetonúria

APKU, ou Fenilcetonúria, foi inicialmente descrita em 1934 pelo médico norueguês Asbjorn Fölling. Este foi o primeiro erro inato do metabolismo a ser oficialmente associado à presença de deficiência mental.
A FAL é um aminoácido essencial e indispensável à síntese proteica em tecidos de mamíferos. Apenas uma proporção de sua ingesta normal é usada para a síntese de proteínas. A maior parte é oxidada, primariamente, em tirosina (TIR) e uma porção menor em outros metabólitos, primariamente, o ácido fenilpirúvico. A FAL é convertida em TIR pela enzima fenilalanina hidroxilase (PAH) tendo como cofator a tetraidrobiopterina (BH4). O cofator BH4 é reciclado para a função como um catalisador na enzima de hidroxilação, uma rota que requer a ação da proteína de estimulação da PAH. A reação de hidroxilação da L-Fenilalanina (L-Fal) envolve quantidades eqüimoleculares de L-Fal, BH4 e oxigênio, sendo os produtos tirosina, didrobiopterina quinonóide (qBH2) e água.
A didrobiopterina redutase (DHPR) é a enzima que catalisa a regeneração do BH4. Essa reação é dependente de NADH. A FAL é convertida, por descarboxilação e transaminação, a metabólitos que são livremente excretados. O bloqueio da rota principal de catabolismo da fenilalanina provoca acúmulo desta e de seus metabólitos (fenilpiruvato, fenilactato, fenilacetato) no sangue e demais tecidos.
O diagnóstico clínico da doença é difícil, porque a criança começa a apresentar atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, associado ou não à convulsão e outras anormalidades, apenas por volta do 3.° ao 6.° mês de idade. Pela dificuldade do diagnóstico clinico precoce, o diagnóstico laboratorial através da triagemneonatal é de extrema importância. No Brasil, a triagem pode ser feita tanto em laboratórios privados, como no sistema público de saúde.
O teste de triagem neonatal deve ser coletado após as primeiras 48 horas de  vida, ou seja, após o início da alimentação com proteínas. Os resultados alterados devem ser confirmados em uma segunda coleta, através de amostra em papel filtro, soro, sangue total ou urina (de acordo com a metodologia empregada no laboratório especializado). Os casos confirmados devem então ser encaminhados para tratamento e investigações adicionais em serviços de referência.
O diagnóstico é feito pela detecção de altos níveis sanguíneos de FAL, preferencialmente através de métodos quantitativos como a análise fluorimétrica, método enzimático e a espectrometria de massa in tandem.
A hiperfenilalaninemia é definida por níveis plasmáticos de FAL acima de 120μM/l (2mg/dl). Também pode ser definida como a razão fenilalanina/tirosina sangüínea persistentemente maior do que três (a variação normal para concentrações sangüíneas sendo: a de fenilalanina 0,58 a 2 mg/dl ou 35 a 120μM/l e a de tirosina 0,67 a 2,2 mg/dl ou 40 a 130μM/l). Por este motivo, recomenda-se dosagem simultânea de tirosina.
Podemos classificar as hiperfenilalaninemias em Fenilcetonúria clássica ou Hi perfenilalaninemia maligna, Fenilcetonúria leve, persistente benigna, transitória ou materna. Existe ainda a Deficiência de Tetrahidrobiopterina (BH4), determinada pela deficiência do co-fator BH4, necessário para a ativação da PAH. Nestes pacientes observamos deficiência mental grave, convulsões, irritabilidade e sinais do tipo parkinsonismo. Como o co-fator BH4 é também necessário para a conversão da tirosina em dihidroxifenilalanina e de triptofano em 5-hidroxitriptofano, precursores da dopamina, as manifestações clínicas são mais graves do que na Fenilcetonúria clássica, e não são corrigidas apenas pela restrição dietética da fenilalanina.
O tratamento para PKU, inicialmente inexistente, foi determinado em 1953 por um médico alemão na universidade de Birminghan, que introduziu uma terapia dietética com baixos teores de fenilalanina, utilizada até hoje. Na atualidade, vive-se um momento “efervescente” nas pesquisas com PKU, com surgimento de novas alternativas terapêuticas, permitindo elevar a atividade residual da PAH, ou mesmo, ter sua função substituída, alternativas que permitem reduzir a entrada da FAL excessiva no cérebro. Estas possibilidades talvez permitam a liberação de alguns pacientes de sua restrição dietética. Estes avanços servem como pano de fundo para a pesquisa atual e futura, e talvez permitam corrigir os defeitos enzimáticos em PKU. Certamente ainda mais avanços estarão presentes num futuro próximo.
Fenilcetonúria

Para saber mais
portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/pcdt_fenilcetonuria.pdf
www.apofen.pt
www.pkuacademy.org

Mucopolissacaridoses

As Mucopolissacaridoses (MPS) são doenças genéticas que fazem parte do grupo dos erros inatos do metabolismo (EIM). São causadas pela deficiência de enzimas lisossômicas especificas, que afetam o catabolismo dos glicosaminoglicanos (GAGs). Os GAGs não degradados acumulam-se nas células de vários órgãos e sistemas, enquanto que o excesso é excretado na urina do paciente afetado. 
Tal acúmulo levará a um quadro multissistêmico e progressivo, com uma série de sinais e sintomas que podem incluir o comprometimento dos ossos e articulações, das vias respiratórias, do sistema cardiovascular e de muitos outros órgãos e tecidos, incluindo, em alguns casos, as funções cognitivas. Características comuns às MPS são o engrossamento progressivo das feições, opacificação de córneas, infecções de vias aéreas de repetição, aumento do fígado e baço, acometimento de válvulas cardíacas, rigidez / anomalias articulares e alterações no crescimento, entre outras. 
Como a maioria dos EIM, as MPS são herdadas em caráter autossômico recessivo, exceto a MPS II (Hunter), com herança ligada ao cromossomo X. A incidência das MPS varia de 1,9 a 4,5 casos em 100 000 nascimentos.
Apesar da primeira descrição em 1917, as bases bioquímicas das MPS só foram elucidadas entre as décadas de 50 e 60. Mais tarde foram identificadas as bases moleculares e os subtipos. 11 defeitos enzimáticos causam sete tipos diferentes de MPS: 
MPS I (Hurler/Scheie), MPS II (Hunter), MPS III-A, III-B, III-C, III-D (Sanfilippo A,B,C,D), MPS IV-A, IV-B (Morquio A,B), MPS VI (Maroteaux-Lamy), MPS VII (Sly) e MPS IX. 
Importante também ressaltar que nem sempre o quadro clinico é idêntico num mesmo tipo de MPS, havendo formas mais graves e mais leves do espectro. A base principal para o diagnóstico é a suspeita clínica, geralmente aventada devido à combinação de vários sinais/sintomas. Diante da suspeita, testes específicos precisam ser solicitados para confirmação de MPS. Testes de triagem urinários podem indicar a excreção de GAGs; avaliação mais especifica dos GAGs urinários (em dosagem quantitativa e avaliação qualitativa dos tipos de GAGs excretados) pode sugerir fortemente a MPS e apontar para tipos específicos. A confirmação diagnóstica, no entanto, é dada pela dosagem da atividade da enzima deficiente em laboratórios de referência, que pode ser efetuada em plasma, leucócitos, tecidos ou até em papel filtro (casos específicos).
Antes dos avanços da biotecnologia e possibilidades especificas de terapia, o tratamento das MPS tinha como único foco a antecipação e prevenção de complicações, com suporte multidisciplinar, aspecto ainda fundamental no manejo desse grupo. A partir da década de 80, o transplante de medula óssea/células tronco hematopoiéticas foi proposto como tratamento das MPS, sendo hoje recomendado primordialmente para formas graves de MPS I (Hurler) diagnosticadas precocemente. Na década de 90, novo desenvolvimento, focado em terapias direcionadas para a restauração da atividade da enzima deficiente, fez com que a Terapia de Reposição Enzimática (TRE) pudesse tornar-se uma realidade. Tal estratégia terapêutica já está disponível para uso clínico nas MPS I, II e VI e na fase final de desenvolvimento para o tipo IV-A. A TRE é administrada por via intravenosa, em infusão de 3-4 horas, semanalmente, e vem modificando a historia natural da doença em grande parte dos pacientes tratados.
Outras estratégias terapêuticas em investigação incluem o tratamento da MPS III-A e do déficit cognitivo na MPS II, através de administração da enzima diretamente no sistema nervoso central, além de estratégias visando a inibição da síntese de GAGs ou do resgate da atividade enzimática com moléculas pequenas. Cabe ressaltar que, até ao momento, mesmo para os tipos nos quais a TRE está disponível, tal terapia deve ser considerada parte do tratamento, sendo de grande importância o diagnóstico precoce e o manejo adequado das manifestações multissistêmicas das MPS, visando ganhos ainda maiores na qualidade de vida.

Para saber mais
www.ufrgs.br/redempsbrasil/index.php
www.aliancabrasilmps.org.br

Osteogênese imperfeita

A Osteogênese Imperfeita (OI) é uma doença hereditária do tecido conectivo causada por mutações nos genes COL1A1 e COL1A2, que  resultam num prejuízo da qualidade ou da quantidade do colágeno tipo 1, que é a proteína mais abundante do osso. Estas mutações comprometem a estrutura do osso, uma vez que o colágeno consiste no material elástico do osso, sobre o qual os cristais formados a partir do cálcio e fósforo são depositados. 
Em 1978, Sillence propôs a classificação da OI em 4 tipos: I, II, III e IV. Excluindo-se o tipo II (em que a gravidade leva ao óbito fetal ou nos primeiros dias de vida), o tipo III representa a forma mais grave da doença, manifestando-se por deformidades ósseas progressivas (em membros superiores e inferiores, e tórax), fraturas recorrentes (que ao consolidarem resultam em deformidades), dentinogenesis imperfecta (em que os dentes têm aspecto amarelado e serrilhado), escleras (“branco dos olhos”) de coloração normal ou azulada e grave comprometimento do crescimento. No tipo III, as deformidades podem ser observadas já ao nascimento, com intensidade moderada. 
Neste tipo de OI a gravidade das lesões dos ossos geralmente impede a movimentação independente dos pacientes ou exige o uso de equipamentos de auxílio para a deambulação. No tipo IV, o quadro clínico é menos intenso do que no tipo III, caracterizando-se por deformidades ósseas leves a moderadas, fraturas recorrentes, baixa estatura de intensidade variável, dentinogenesis imperfecta, e escleras de coloração normal ou azulada. 
Os tipos III e IV são consideradas formas graves de OI. Por outro lado, o tipo I é o mais leve, tendo como principais características a estatura normal, membros sem deformidade (ou com deformidade leve), escleras azuladas e, raramente, dentinogenesis imperfecta. Na OI, pode haver comprometimento da audição, especialmente nos tipos I e III. 
Nos últimos anos, novos tipos de OI foram descritos (tipos V, VI, VII e VIII), representando formas moderadas a graves da doença (com fraturas frequentes, deformidades e baixa estatura) e nas quais não há mutações nos genes COL1A1 e COL1A2. Nos tipos V a VIII, observam-se as seguintes particularidades: no tipo V, as fraturas podem resultar na formação de calos ósseos proeminentes; no tipo VI, há diminuição da incorporação de cálcio e fósforo no osso cortical e trabecular (mas não na placa de crescimento, de forma a não haver sinais de raquitismo) e elevação da fosfatase alcalina sérica; no tipo VII, as lesões afetam mais
intensamente a parte proximal dos ossos longos (úmero e fêmur), caracterizando rizomelia; no tipo VIII há lesões com aspecto radiológico de “pipoca” nas metáfises e epífises de membros inferiores. A OI é transmitida de modo autossômico dominante (tipos I, III, IV, V) ou recessivo (tipos VI, VII e VIII), enquanto que, no tipo II, ambos modos de transmissão são possíveis. Desde as publicações do professor Glorieux e seus colaboradores em 1998 e 2000, os pacientes pediátricos com formas graves de OI têm sido tratados com o pamidronato de sódio (PS). O PS é um medicamento que reduz a atividade dos osteoclastos, células responsáveis pela reabsorção do osso.
O tratamento da OI inclui também a administração por via oral de cálcio (nos pacientes com ingestão inadequada de leite e derivados) e vitamina D (nos pacientes com insuficiência ou deficiência em vitamina D). A fisioterapia tem papel fundamental no tratamento dos pacientes com OI por possibilitar melhora da massa óssea e do quadro clínico, através da promoção de atividades físicas que estimulam a formação óssea. Os familiares e pacientes também devem ser orientados quanto ao uso de medicamentos analgésicos quando da ocorrência de fraturas. A consulta com geneticista é importante, já que permite aos pais saberem o
risco de recorrência da doença em futuras gestações.
Devemos enfatizar que, apesar das limitações físicas impostas aos pacientes com formas graves de OI, a sua inteligência é absolutamente normal, ou mesmo acima da média. Assim, é inadmissível que estas crianças e adolescentes não frequentem a escola, devendo receber o suporte necessário tanto para o transporte à unidade de ensino quanto para o acesso à sala de aula. Para finalizar, é importante que os pais sejam adequadamente orientados e apoiados quando do nascimento de criança gravemente afetada. Com frequência, a fragilidade dos ossos faz com que os pais evitem contato físico com o recém-nascido.

Para saber mais
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/pcdt_osteogenese_imperfeita.pdf
www.aboi.org.br
www.pediatriasaopaulo.usp.br/upload/pdf/114.pdf

Tirosinemia

A Tirosinemia tipo I, também denominada Tirosinemia hepato-renal é causada pela deficiência da enzima Fumarilacetoacetato hidrolase (MIM 276700). Trata-se de uma doença metabólica hereditária, de padrão de herança autossômico recessivo. A frequência é de aproximadamente 1:100 000 nascidos vivos, com uma incidência significativamente maior em Quebec, no Canadá. O bloqueio enzimático resulta no acúmulo de metabólitos tóxicos com a formação de succinilacetona, maleilace toacetato e fumarilacetato. A apresentação clínica pode ser aguda, antes dos 6 meses de vida, levando à falência hepática grave, vômitos, sangramento, sepse, hipoglicemia, tubulopatia renal (síndrome Fanconi renal), crises de dor (crises porfíricas), extrema irritabilidade e hepatomegalia. A forma de apresentação crônica, de manifestação acima de 1 ano, apresenta-se com hepatomegalia, cirrose, retardo crescimento, raquitismo, hematomas, tubulopatia renal crônica, neuropatia, crises de dor porfírica e adenomas hepáticos e hepatocarcinoma. Alguns casos podem apresentar cardiomiopatia e manifestações neurológicas.
O diagnóstico é obtido através da dosagem quantitativa de aminoácidos no sangue, em que os níveis de tirosina e metionina se encontram aumentados. A análise de ácidos orgânicos na urina pode demonstrar a presença de succinilacetona e derivados 4-OH-fenilatico, sendo estes os principais marcadores bioquímicos da doença. Alguns pacientes podem apresentar aumento urinário de porfirinas e ácido δ-aminolevulinico. Tanto nas formas neonatais e infantis a alfa-fetoproteína está aumentada no soro.
O diagnóstico diferencial cursa com outras doenças hepáticas, em particular hepatite neonatal, defeitos da cadeia respiratória mitocondrial, galactosemia, intolerância à frutose e doenças da síntese dos ácidos biliares.
O tratamento da tirosinemia tornou-se revolucionário após a introdução da Nitisinona (NTBC) 1(–2) mg/kg, em 2 doses, um inibidor da 4-OH-fenilpiruvato dioxigenase que bloqueia o acúmulo dos metabolitos tóxicos gerados pelo defeito enzimático de causa genética. A resposta clínica é rápida, podendo notar melhora clínica e laboratorial em 48 horas, após o início da medicação. O tratamento deve ser continuo e sem interrupção. A dose é individualizada.
Além da NTBC, é necessário manter uma dieta restrita em tirosina e fenilalanina, através do uso de fórmulas metabólicas especificas para tirosinamia. Os valores de tirosina devem ser mantidos entre 200-400 umol/l. O transplante de fígado está indicado somente para os casos de diagnóstico tardia com lesões hepáticas irreversíveis. O prognóstico da doença tem sido muito bom nos pacientes com diagnóstico precoce (antes de 1 mês), utilizando nitisinona e dieta restrita em tirosina e fenilalanina. A monitorização clínica é necessária, com realização de exames bioquímicos e avaliações clínicas periódicas com um especialista em doenças metabólicas.

Para saber mais
www.diagnosticoprecoce.org/doencas/Tirosinemia.htm
www.ufpa.br/eim/documentos/tirosinemia.pdf
www.sbtn.org.br/anais_evento_2010/trabalhos/triagem/poster/P097.pdf

Xantomatose Cerebrotendínea

A Xantomatose Cerebrotendínea é uma doença do grupo dos erros inatos do metabolismo, caracterizada pela deficiência de 27-hi droxilase hepática, levando ao acúmulo de colestanol e colesterol nos diferentes tecidos. Estima-se que afete 1:50 000 indivíduos em todo o mundo.
As manifestações clínicas são observadas em diversos órgãos. Nos olhos, cata ratas surgem ainda na infância. O sistema cardiovascular é afetado com o aparecimento de ateroesclerose prematura e consequentemente infarto agudo do miocárdio. O depósito de lipídeos em tendões, sobretudo no tendão de Aquiles, leva
à observação de xantomas tendíneos a partir da adolescência. As manifestações neurológicas são proeminentes com a observação de quadros que variam desde déficit cognitivo até demência, surgindo tardiamente. Sintomas extrapiramidais tais como parkinsonismo e distonia também são observados. Ataxia cerebelar e paraparesia espástica são sintomas que comumente se iniciam entre 20-30 anos de idade. O esqueleto também pode ser afetado com o surgimento de osteoporose.
A condição deve ser suspeitada em todo paciente com xantomas tendíneos, ou crianças com catarata e/ou diarreia inexplicadas e adultos com sintomas neurológicos progressivos tais como demência, ataxia cerebelar e alterações psiquiátricas. Os exames de imagem de sistema nervoso central podem auxiliar a suspeita. Na ressonância nuclear magnética de encéfalo, observa-se atrofia cerebelar e cortical difusas, alterações de sinal em substância branca e lesões cerebelares focais bilateralmente.
O diagnóstico é feito principalmente pela dosagem de colestanol no plasma.
Além do aumento de colestanol, observa-se dosagem de colesterol normal ou pouco elevada e diminuição de ácido quenodesoxicólico. Os precursores dos ácidos biliares tais como o 7α-hidroxicolesterol mostram-se elvados. A dosagem de atividade enzimática não é necessária na maioria dos casos. O sequenciamento do gene CYP27A1, o único associado à condição, identifica 90%
dos indivíduos com a doença sendo, por vezes, necessário o uso de técnicas complementares de biologia molecular O tratamento com ácido quenodesoxicólico tem mostrado bons resultados, sobretudo no que tange a reversão de sintomas neurológicos e deve ser iniciado o quanto antes, como forma de evitar principalmente a ocorrência de infarto do miocárdio.
A Xantomatose Cerebrotendínea é uma condição de herança autossômica recessiva. O adequado aconselhamento genético deve ser oferecido à família visto que o risco de recorrência é de 25% na irmandade.

Centros de tratamento
Hospital Universitário Gaffrée e Guinle – Rio de Janeiro/RJ
Hospital de Clínicas USP – Ribeirão Preto/SP.

Para saber mais
www.scielo.org
www.radarciencia.org/xantomatose
www.orpha.net/consor/cgi-bin/OC_Exp.php?lng=PT&Expert=909

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

[Conteúdo exclusivo para médicos e nutricionistas] - Nova pesquisa sobre o metabolismo humano subverte a sabedoria convencional sobre como queimamos calorias

Estudos de metabolismo revelam insights surpreendentes sobre como queimamos calorias – e como a produção cooperativa de alimentos ajudou o Homo sapiens a florescer

Era a festa de sete anos da minha filha Clara, uma cena ao mesmo tempo familiar e bizarra.  A celebração foi uma versão americana de um roteiro clássico: uma refeição compartilhada de pizza e comida para piquenique, alguns amigos próximos e familiares compatíveis com o COVID, um garoto radiante soprando velas em um bolo fortemente gelado.  Com cerca de 380.000 meninos e meninas em todo o mundo completando sete anos a cada dia, foi um ritual, sem dúvida, repetido por muitos, o primata mais prolífico do mundo cantando “Parabéns a você” em um coro global ininterrupto.

Um cenário tão saudável parece um lugar improvável para a quebra desenfreada de regras.  

Mas, como antropólogo evolucionário, não posso deixar de notar o flagrante desrespeito que nossa espécie mostra pela ordem natural.

Quase todos os aspectos de nossas vidas modernas marcam um afastamento alegremente ultrajante das leis que governam todas as outras espécies do planeta, e esta festa de aniversário não foi exceção.  

Além dos vegetais frescos deixados murchando ao sol, nenhum dos alimentos era reconhecível como um produto da natureza.

O bolo era um amálgama tratado termicamente de sementes de capim pulverizadas, ovos de galinha, leite de vaca e açúcar de beterraba extraído.

A matéria-prima para os lanches e bebidas levaria anos para ser reconstruída por um químico forense.

Era uma bonança calórica com a qual os animais que se alimentavam na natureza só podiam sonhar, e nós a estávamos distribuindo para pessoas que nem compartilhavam nossos genes.  

Tudo isso para celebrar algum alinhamento astronômico obscuro, o momento em que nosso planeta passou pela mesma posição em relação à sua estrela no dia em que minha filha nasceu.

Aos sete anos de idade, a maioria dos mamíferos são avós se tiverem a sorte de estar vivos.  

Clara ainda era uma criança, dependente de nós para comida e abrigo e anos longe da independência.

Os humanos nem sempre foram tão canalhas. Viemos de uma boa Família. Os macacos vivos, nossos parentes mais próximos, são primatas bem-comportados, comendo frutas e folhas diretamente da árvore e mordiscando uma refeição ocasional de insetos ou pequenos animais.

Como qualquer outro mamífero, os símios aprendem cedo a cuidar de si mesmos, forrageando por conta própria assim que são desmamados, e sabem que não devem dar a comida suada.

Fósseis das profundezas da linhagem humana, os primeiros quatro milhões de anos depois que nos separamos dos outros macacos, indicam que nossos primeiros ancestrais seguiam as mesmas regras ecológicas.

Cerca de 2,5 milhões de anos atrás, as coisas tomaram um rumo improvável. As primeiras populações do gênero Homo se depararam com uma nova forma de ganhar a vida, algo sem precedentes na história da vida.  

Em vez de seguir uma carreira como comedor de plantas, carnívoro ou generalista, eles tentaram uma estranha estratégia dupla: alguns caçariam, outros colheriam e compartilhariam tudo o que adquirissem.

Essa abordagem cooperativa valorizava a inteligência e, ao longo de milênios, o tamanho do cérebro começou a aumentar.  

Nossos ancestrais paleolíticos aprenderam a cortar lâminas delicadas de paralelepípedos redondos, caçar animais grandes e cozinhar sua comida.  

Eles construíram lares e casas e começaram a mudar a paisagem, desenvolvendo um domínio ecológico que acabou levando à agricultura.

Essas mudanças evolucionárias reverberam hoje. A coleta cooperativa que levou nossos ancestrais caçadores, coletores e agricultores a desrespeitar as regras ecológicas estabelecidas há muito tempo não mudou apenas os alimentos que comemos. Ele alterou aspectos fundamentais de nossa biologia, incluindo nosso metabolismo. A mesma série improvável de eventos que nos deu o bolo de aniversário também moldou a maneira como o comemos - e como usamos as calorias.

Apesar de toda a conversa sobre metabolismo nos mundos dos exercícios e dietas, você pensaria que a ciência foi estabelecida. Na realidade, temos poucos dados concretos sobre as calorias que queimamos a cada dia e como evoluímos para obtê-las. Mas recentemente meus colegas e eu demos passos importantes na compreensão de como nossos corpos usam energia.  Nossas descobertas derrubaram muito da sabedoria recebida sobre as maneiras como as necessidades de energia humana mudam ao longo da vida. E, como descobrimos em um esforço paralelo, nossas necessidades de energia estão profundamente interligadas com a evolução de nossas estratégias de produção de alimentos: forrageamento e agricultura.

Juntos, esses estudos fornecem a imagem mais clara do funcionamento interno do motor humano – e como nossa estratégia para ganhar, queimar e compartilhar calorias sustenta nosso extraordinário sucesso como espécie.

ORÇAMENTOS DE ENERGIA

Nossos corpos são maravilhas do caos coordenado. A cada segundo de cada dia, cada uma de suas 37 trilhões de células trabalha arduamente, absorvendo nutrientes, construindo novas proteínas e realizando inúmeras outras tarefas que o mantêm vivo.  Todo esse trabalho consome energia. Nosso metabolismo é a energia que gastamos (ou as calorias que queimamos) a cada dia. Essa energia vem dos alimentos que ingerimos e, portanto, nosso metabolismo também define nossas necessidades de energia.  Calorias entrando, calorias saindo.

Os biólogos evolutivos costumam pensar no metabolismo como o orçamento de energia de um organismo. As tarefas essenciais da vida, incluindo crescimento, reprodução e manutenção do corpo, requerem energia. E todo organismo deve equilibrar suas contas.

Os seres humanos são um exemplo notável dessa contabilidade evolutiva em ação.  

As características que nos distinguem dos outros símios, incluindo nossos enormes cérebros, bebês grandes e vidas longas, requerem muita energia.  

Pagamos alguns desses custos gastando menos com nosso sistema digestivo, tendo evoluído um trato intestinal mais curto e um fígado menor. Mas também aumentamos nossa taxa metabólica e o tamanho de nosso orçamento de energia.  Para o tamanho do nosso corpo, os humanos consomem e queimam mais calorias todos os dias do que qualquer um dos outros macacos. Nossas células evoluíram para trabalhar mais.

O trabalho que nossos corpos fazem muda à medida que envelhecemos, as atividades de nossas células aumentam e diminuem em uma dança coreografada do crescimento à idade adulta e à senescência.  

Acompanhar essas mudanças através do nosso metabolismo pode fornecer uma melhor compreensão do trabalho que nossas células fazem em cada idade, bem como nossas necessidades calóricas em mudança. Mas uma auditoria clara de nosso metabolismo ao longo da vida humana tem sido difícil de obter.

É óbvio que os adultos precisam de mais calorias do que os bebês – pessoas maiores têm mais células fazendo mais trabalho, então queimam mais energia. Também sabemos que os idosos tendem a comer menos, embora muitas vezes isso seja acompanhado por uma perda de peso corporal, principalmente de massa muscular. Mas se quisermos saber o quão ativas nossas células são e se o metabolismo fica mais rápido ou mais lento à medida que crescemos e envelhecemos, precisamos separar os efeitos da idade e do tamanho, o que não é fácil. Você precisa de uma grande amostra com pessoas de todas as idades, medidas com os mesmos métodos. Idealmente, você gostaria de medir o gasto total de energia diária, uma contagem completa das calorias consumidas a cada dia.

Os pesquisadores têm medido as taxas metabólicas em repouso por mais de um século, com algumas evidências de metabolismo mais rápido em crianças e metabolismo mais lento entre os idosos.

No entanto, o metabolismo em repouso responde por apenas 60% ou mais das calorias que queimamos em 24 horas e não inclui a energia que gastamos em exercícios e outras atividades físicas.

As calculadoras de calorias on-line pretendem incluir os custos da atividade, mas na verdade são apenas uma suposição com base no seu peso e atividade física autorrelatados.

Na ausência de evidências sólidas, um tipo de sabedoria popular se desenvolveu, incentivada e cultivada por vendedores ambulantes carismáticos que vendem estimulantes metabólicos e outros óleos de cobra.

Muitas vezes nos dizem que nosso metabolismo acelera na puberdade e desacelera na meia-idade, principalmente na menopausa, e que os homens têm metabolismos mais rápidos do que as mulheres.

Nenhuma dessas afirmações é baseada na ciência real.

UM BANCO DE DADOS METABÓLICO

Meus colegas e eu começamos a preencher essa lacuna na compreensão científica. Em 2014, John Speakman, pesquisador em metabolismo com laboratórios na Universidade de Aberdeen, na Escócia, e na Academia Chinesa de Ciências, em Shenzhen, organizou um esforço internacional para desenvolver um grande banco de dados metabólico. Fundamentalmente, esse banco de dados se concentraria no gasto energético diário total medido usando o método da água duplamente marcada, uma técnica de rastreamento de isótopos que mede o dióxido de carbono produzido pelo corpo (e, portanto, as calorias queimadas) durante uma a duas semanas. A água duplamente marcada é o padrão-ouro para medir o gasto diário de energia, mas é cara e você precisa de um laboratório especializado para as análises de isótopos. Portanto, embora essa técnica exista há décadas, os estudos geralmente são pequenos. Liderado por Speakman, meu laboratório juntou-se a uma dúzia de outros ao redor do mundo para reunir décadas de dados. Acabamos com mais de 6.400 medições de pessoas, desde bebês com apenas oito dias de vida até homens e mulheres na faixa dos 90 anos.

Em 2021, após anos de esforço colaborativo, publicamos o primeiro estudo abrangente investigando os efeitos da idade e do tamanho do corpo no gasto diário de energia. Como esperado, descobrimos que as taxas metabólicas aumentam com o tamanho do corpo: pessoas maiores queimam mais calorias. Em particular, a massa livre de gordura (os músculos e outros órgãos) é o preditor mais forte do gasto diário de energia.  Isso faz sentido. As células adiposas não são tão ativas quanto as do fígado, cérebro ou outros tecidos e não contribuem muito para o gasto diário. Mais importante, com a relação entre massa e taxa metabólica claramente estabelecida a partir de milhares de medições, poderíamos finalmente testar se o metabolismo em cada idade era mais rápido ou mais lento do que esperávamos do tamanho.

Os resultados foram uma revelação, o primeiro roteiro claro do metabolismo ao longo da vida humana.

Descobrimos que, metabolicamente, os bebês nascem como pequenos adultos, refletindo seu desenvolvimento como parte do orçamento de energia de suas mães.

Mas o metabolismo dispara durante o primeiro ano de vida, de modo que, no primeiro aniversário, as crianças gastam 50% mais energia do que esperávamos para seu tamanho.  

Suas células são muito mais ocupadas do que as células dos adultos, trabalhando duro no crescimento e desenvolvimento.  

Estudos anteriores medindo a captação de glicose no cérebro durante a infância sugerem que parte desse trabalho é o crescimento neuronal e o desenvolvimento de sinapses.

A maturação em outros sistemas sem dúvida também contribui.  

O metabolismo permanece elevado durante a infância, desacelerando lentamente durante a adolescência para chegar aos níveis adultos por volta dos 20 anos.

Talvez a maior surpresa tenha sido a estabilidade do nosso metabolismo na meia-idade.

O gasto diário de energia mantém-se notavelmente estável dos 20 aos 60 anos. 

Sem desaceleração na meia-idade, sem mudança com a menopausa.

O ganho de peso que muitos de nós experimentamos na idade adulta não pode ser atribuído a um metabolismo em declínio.  

Como um homem na casa dos 40 anos, eu meio que acreditava na sabedoria popular de que o metabolismo desacelerava à medida que envelhecemos.

Meu corpo definitivamente parece diferente de 10 ou 20 anos atrás.

Mas, como caçar algum Sasquatch metabólico, quando você realmente olha, não há nada lá.

O mesmo vale para as tão elogiadas diferenças metabólicas entre homens e mulheres.

As mulheres gastam menos energia diária, em média, mas isso ocorre apenas porque as mulheres tendem a ser menores e carregam mais peso como gordura.

Compare homens e mulheres com o mesmo peso corporal e percentual de gordura corporal, e a diferença metabólica desaparece.

Encontramos um declínio no metabolismo com a idade, mas ele não começa até atingirmos os 60 anos. Depois dos 60, o metabolismo desacelera cerca de 7% por década. Quando homens e mulheres chegam aos 90 anos, seus gastos diários são 20 a 25% menores, em média, do que os dos adultos na faixa dos 50 anos. Isso depois de considerarmos o tamanho e a composição do corpo.

A perda de peso com a velhice, especialmente a diminuição da massa muscular, agrava o declínio no gasto.

Como em todas as faixas etárias, há uma boa quantidade de variabilidade individual.

Manter um metabolismo mais jovem e mais rápido na velhice pode ser um sinal de envelhecimento, ou talvez até mesmo protetor contra doenças cardíacas, demência e outras doenças relacionadas à idade.  

Agora podemos começar a investigar essas conexões.  

Guiados por nosso roteiro metabólico, temos um novo mundo de pesquisa à nossa frente.

O que já está aparente, no entanto, é que uma mordida no bolo de aniversário faz coisas diferentes para uma menina de sete anos, seu pai de meia-idade e sua avó idosa.

A mordida de Clara provavelmente será devorada por células ocupadas, alimentando o desenvolvimento.  

O meu pode ir para manutenção, reparando todos os pequenos danos acumulados ao longo do dia.

Quanto à vovó, suas células envelhecidas podem demorar para usar as calorias, armazenando-as como glicogênio ou gordura.

De fato, para qualquer um de nós, o bolo acabará engordando se comermos mais calorias do que queimamos.

O roteiro também destaca um grande enigma da condição humana.

Quer tenham nascido em um acampamento de caçadores-coletores, em uma vila agrícola ou em uma megacidade industrial, os jovens humanos precisam de muita ajuda para conseguir comida.

Outros símios aprendem a se alimentar sozinhos quando param de amamentar, por volta dos três ou quatro anos de idade.

Nossos filhos dependem totalmente dos outros para se alimentar durante anos e não são autossuficientes até a adolescência.

E aqueles menos capazes de se defender sozinhos têm as maiores necessidades de energia.

Nossa espécie não apenas desenvolveu uma taxa metabólica mais rápida e maiores demandas de energia do que outros símios, mas também devemos fornecer para cada descendente caro por mais de uma década. De onde tiramos todas essas calorias?  

Recentemente, meus colegas e eu também resolvemos essa parte da equação da energia humana.

CRIANÇAS CARAS

A questão das calorias é mais importante nas comunidades de caçadores-coletores e agricultores, onde a vida diária gira em torno da produção de alimentos.

Durante a maior parte da história de nossa espécie, como na maioria das espécies, não houve outra linha de trabalho.

Toda criança sabia o que ia ser quando crescesse.

Ainda em meados do século XIX, mais da metade da força de trabalho americana era composta por agricultores.

Na última década, tenho trabalhado com colegas para entender a economia de calorias na comunidade Hadza, no norte da Tanzânia.

Os Hadza são uma pequena população de cerca de 1.000 pessoas, e cerca de metade deles mantém um modo de vida tradicional de caça e coleta, forrageando na paisagem de savana que chamam de lar.  

Nenhuma população viva hoje é um modelo perfeito do passado, mas grupos como os hadza, que continuam essas tradições, fornecem um exemplo vivo de como esses sistemas funcionam.  

Os homens passam a maior parte dos dias caçando com arco e flecha ou cortando galhos ocos de árvores para pilhar o mel das colméias.

As mulheres colhem bagas e outros alimentos vegetais ou escavam tubérculos silvestres no solo rochoso.

Os acampamentos hadza, pequenas coleções de casas de capim escondidas entre as acácias, estão vivas o dia todo com crianças sendo crianças, correndo, rindo, brincando - e esperando que os adultos lhes tragam comida.

Medimos os orçamentos de energia Hadza usando água duplamente rotulada, dando-nos uma ideia clara das calorias que homens e mulheres consomem e gastam a cada dia.

Também carregamos equipamento de respirometria portátil para o mato, um laboratório metabólico em uma maleta, para medir os custos de energia de atividades de forrageamento, como caminhar, escalar, cavar tubérculos e cortar árvores.

E temos anos de observação cuidadosa registrando as horas gastas todos os dias em diferentes tarefas de forrageamento e a quantidade de comida adquirida.

Depois de mais de uma década de trabalho, temos uma contabilidade completa da economia energética Hadza: as calorias gastas para conseguir comida, as calorias adquiridas, as proporções compartilhadas e consumidas.

Tom Kraft, da Universidade de Utah, liderou o esforço de nossa equipe para comparar os orçamentos de energia da população Hadza com dados semelhantes de outros grupos humanos e de outras espécies de macacos.

Foi um projeto enorme, debruçado sobre antigos relatos etnográficos de caçadores-coletores e grupos de agricultores e vasculhando estudos ecológicos e medições de água duplamente rotuladas em macacos para reconstruir suas economias de forrageamento.

Mas quando terminamos, o que surgiu foi uma nova compreensão da base energética para o sucesso de nossa espécie.

Finalmente pudemos ver de onde vêm todas essas calorias, a energia necessária para abastecer o caro metabolismo humano e prover crianças indefesas.

COOPERADORES INTELIGENTES

Acontece que a estratégia de forrageamento cooperativa única dos humanos, combinada com nossos cérebros e ferramentas inteligentes, torna a caça e a coleta extremamente produtivas.

Mesmo na savana árida e seca do norte da Tanzânia, os homens e mulheres hadza consomem, em média, de 500 a 1.000 quilocalorias de comida por hora.

Registros etnográficos de outros grupos ao redor do mundo sugerem que essas taxas são típicas de caçadores-coletores.  

Cinco horas de caça e coleta podem trazer de 3.000 a 5.000 quilocalorias de comida, o suficiente para atender às necessidades diárias de um forrageador e alimentar as crianças dos campos.

É o mecanismo de feedback positivo que impulsionou a espécie humana a novos patamares.

A caça e a coleta são tão produtivas que criam um excedente de energia.

Essas calorias extras são canalizadas para os filhotes, o que significa que podem levar mais tempo para se desenvolver, aprendendo habilidades que os tornam forrageadores eficazes.  

Chegando à idade adulta, eles farão exatamente o que seus pais fizeram, adquirindo comida extra e injetando essas calorias na próxima geração.

Ao longo do tempo evolutivo, a infância cresce à medida que as estratégias de forrageamento se tornam mais complexas.

A expectativa de vida também aumenta, com a seleção natural favorecendo anos adicionais de forrageamento produtivo para sustentar filhos e netos.

Os avós, outrora raros, tornam-se um elemento fixo da rede social.

Os macacos na natureza não são tão produtivos na coleta de alimentos. Uma contabilidade forense dos orçamentos de energia para chimpanzés, gorilas e orangotangos mostra que machos e fêmeas consomem cerca de 200 a 300 quilocalorias por hora. Levam sete horas de forrageamento apenas para atender às suas próprias necessidades a cada dia. Não é de admirar que eles não compartilhem.

Nosso forrageamento hiperprodutivo não é barato.

As pessoas em comunidades de caçadores-coletores gastam mais do que o dobro de energia para adquirir comida do que os macacos na natureza.  

Surpreendentemente, a tecnologia humana e a inteligência não nos tornam muito eficientes em termos de energia.

Homens e mulheres hadza atingem a mesma proporção insignificante de energia adquirida para energia gasta que encontramos em macacos selvagens.

A cooperação e a cultura permitem que os forrageadores humanos sejam incrivelmente eficientes em termos de tempo, adquirindo muitas calorias por hora, mas nossas estratégias exclusivas de forrageamento ainda são energeticamente exigentes.

Caçar e coletar é um trabalho árduo.

A agricultura não é mais fácil, mas nossas análises descobriram que pode ser ainda mais produtiva.

Quando comparamos os orçamentos de energia para os hadza e outras populações de caçadores-coletores com os de grupos agrícolas tradicionais, descobrimos que os agricultores normalmente produzem muito mais calorias por hora.

A comunidade Tsimane, uma população da floresta amazônica da Bolívia, fornece um ponto de comparação útil.

Os Tsimane obtêm a maior parte de suas calorias da agricultura, mas também caçam, pescam e coletam plantas silvestres.

Com alimentos cultivados como fonte de energia, eles produzem quase o dobro de calorias por hora que os hadza.

Eles também são mais eficientes em termos de energia, obtendo mais comida de cada caloria que gastam forrageando e cultivando.

Essas calorias extras estão incorporadas nas crianças que correm pelas aldeias de Tsimane. Mais comida e produção mais rápida significam uma carga de trabalho mais leve para as mães porque outras pessoas na comunidade podem compartilhar mais facilmente o tempo e os custos de energia para cuidar das crianças.

Tal como acontece com muitas comunidades de agricultura de subsistência, as famílias Tsimane tendem a ser grandes.

As mulheres têm em média nove filhos ao longo de suas vidas.  

Compare isso com a taxa média de fertilidade de seis filhos por mãe na comunidade Hadza, e o impacto dessa energia extra é inevitável. E não é só o Tsimane.  As comunidades agrícolas tendem a ter taxas de fertilidade mais altas do que as comunidades de caçadores-coletores.

O aumento da fertilidade é uma razão importante pela qual a agricultura ultrapassou a caça e a coleta na era neolítica, período que abrange cerca de 12.000 a 6.500 anos atrás.

Sítios arqueológicos na Eurásia e nas Américas documentam uma onda crescente de crianças e adolescentes após o desenvolvimento da agricultura.

COMENDO NOSSO BOLO

Nessa perspectiva, a festa de aniversário de uma criança é mais do que um marco pessoal.  É uma celebração da nossa improvável história evolutiva.  Tem a comida, claro. Obtemos a farinha e o açúcar para o bolo dos nossos antepassados ​​agricultores, o fogo para assar desde o Paleolítico. O leite e os ovos vêm de animais que transformamos completamente de espécies que antes caçávamos, moldados de acordo com nossa vontade ao longo de gerações de criação cuidadosa.  E tem o calendário que usamos para marcar nossos dias e medir nossos anos, uma invenção dos agricultores que precisavam saber exatamente quando colher e semear. Os caçadores-coletores acompanham as estações e os ciclos lunares, mas têm pouco uso de calendários anuais precisos.  Não há aniversários em um acampamento Hadza.

Mas o elemento-chave de qualquer celebração é a comunidade de amigos e parentes, várias gerações se reunindo para comer, rir e cantar.  Nosso contrato social desenvolvido – para caçar, coletar e cultivar coletivamente – nos uniu, nos deu nossa infância e estendeu nossos anos dourados. A coleta cooperativa também ajudou a alimentar a complexidade cultural e a inovação que tornam os aniversários e outros rituais tão fantásticos e diversos. E no centro de tudo está o compromisso universal de compartilhar.

Com oito bilhões de humanos no planeta hoje, pode-se começar a se preocupar com o fato de termos levado as coisas longe demais. Aprendemos a turbinar nossos orçamentos de energia aproveitando os combustíveis fósseis que alteram o clima e inundando nosso mundo com alimentos baratos. As calorias são tão fáceis de produzir que poucos de nós gastamos nossos dias forrageando, o que é inédito na história da vida. Essa grande mudança foi uma benção para nossa criatividade coletiva, permitindo que muitos passem suas vidas como artistas, médicos, professores, cientistas – uma série de carreiras fora da produção de alimentos. Tendo esculpido nosso próprio nicho estranho, longe das leis que governam o resto do mundo natural, temos apenas a nós mesmos para buscar orientação.  Com um pouco de sorte e muita cooperação, podemos garantir à linhagem humana mais alguns milhões de aniversários. Faça um desejo.

“Compartilhar é se importar”
EndoNews: Lifelong Learning
Inciativa premiada no Prêmio Euro - Inovação na Saúde
By Alberto Dias Filho - Digital Opinion Leader
twitter: @albertodiasf instagram: diasfilhoalberto

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Módulo 3 do Curso de Nutrologia para acadêmicos de medicina

No próximo final de semana teremos o Módulo 3 do Curso de Nutrologia para acadêmicos de medicina. Darei aula com duas grandes amigas. 

Na sexta a Professora e Dra. Simone Silvestre, preceptora da especialização de Nutrologia do Hospital Felício Rocho (BH-MG) falará sobre triagem nutricional, risco nutricional e a fisiopatologia do paciente crítico.

Falarei das 09:00 às 11:00 sobre Deficiências nutricionais: sinais e sintomas de macronutrientes, vitaminas e minerais.

No Sábado a tarde, será a vez da minha afilhada, Dra. Edite Melo Magalhães, especialista em Clínica Médica. Ela falará sobre Comunicação médica, técnicas para melhor acolhimento.

Sobre o curso

Partindo do pressuposto que a grande maioria das faculdades não ensinam praticamente nada sobre Nutrologia e que o conhecimento sobre a especialidade transforma vidas, muda desfechos, previne doenças, nós, membros do MNB resolvemos criar o primeiro curso de Nutrologia para acadêmicos de medicina. O objetivo do curso é preencher essa lacuna da graduação. Sendo assim, em reunião com da diretoria do MNB, decidimos que:

  1. O responsável técnico (RT) pelo curso serei eu, Dr. Frederico Lobo (CRM-SC 32949, RQE 22416 e CRM-GO 13192, RQE 11915)
  2. O curso terá sempre duração de dois anos de duração
  3. O público alvo serão os acadêmicos de todo o país, do 5º ao 10º período
  4. Sempre será 100% gratuito e 100% online, para facilitar ao acesso dos acadêmicos de forma democrática e abrangendo todo território nacional. Apesar do curso ser gratuito, estimulamos os alunos a fazerem doações de leite integral para o Grupo Filantrópico Filhos do Sr. ou para a Sociedade Eis me aqui.
  5. Terá 500 vagas (400 para acadêmicos e 100 para membros do MNB)
  6. O certificado será emitido pelo movimento Nutrologia Brasil para aqueles que tiverem 75% de presença em todas as aulas e permanecendo 75% do tempo dentro da sala do google meet.
  7. As aulas serão 100% on-line, ao vivo, via google meet e não ficarão gravadas. 
  8. Após realizar a inscrição, o aluno interessado deverá enviar cópia da declaração de matrícula no semestre vigente para menutrologia@gmail.com (a inscrição não é efetivada se o aluno não enviar o comprovante de matrícula)

Programação completa do nosso curso está em Movimento Nutrologia Brasil 

As inscrições para o curso de 2024 já estão abertas, interessados me mandem um direct no instagram @drfredericolobo informando: Em qual período da graduação de medicina estará no começo de 2024. 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

[Conteúdo exclusivo para médicos] Azeite de oliva e risco cardiovascular: o que o médico precisa saber?

 O Azeite de oliva tem sido tradicionalmente usado como um importante ingrediente culinário, principalmente nos países mediterrâneos e é o componente principal da dieta desta região. Seu efeito benéfico já é bem conhecido e isto o tornou mais popular mundialmente nas últimas décadas. 

Ele possui alta concentração de ácidos graxos monoinsaturados, especialmente ácido oleico e outros em menor proporção como vitamina E e polifenóis, contribuindo para efeitos anti-inflamatórios e propriedades antioxidantes. Estudos sugerem redução de risco cardiovascular com o aumento da ingestão deste alimento. 

Lembrando dos diferentes tipos de gorduras e de suas recomendações na dieta:


Um novo trabalho examinou a associação entre consumo de azeite de oliva e mortalidade total e causa-específica na população dos Estados Unidos, onde a média de consumo de azeite é consideravelmente menor do que nos países mediterrâneos. 

Esta análise foi conduzida em dois estudos de coorte prospectivos. Durante 28 anos de seguimento, foram avaliadas 36.856 mortes. A média de consumo de azeite de oliva aumentou 1.6 g/d em 1990 para aproximadamente 4 g/d em 2010. Homens e mulheres com alto consumo de azeite de oliva eram mais fisicamente ativos, tinham ascendência do sul da Europa ou Mediterrâneo e fumavam menos. O consumo de azeite de oliva também foi associado com maior ingestão calórica e melhor consumo de frutas e vegetais.

Após ajustes estatísticos, foi observada uma associação inversa, consistente e significativa entre o consumo de azeite de oliva e mortalidade total e causa-específica. Essa associação também foi observada para cada 5 g adicionais de azeite de oliva consumidos, como uma variável contínua. 

Em comparação com aqueles que nunca ou raramente consomem azeite de oliva, os indivíduos na categoria de elevado consumo (> 7g/d) tiveram redução de 19% na mortalidade total e cardiovascular, 17% de redução na mortalidade por câncer, 29% redução no risco de mortalidade neurodegenerativa e 18% redução no risco de mortalidade respiratória.

O trabalho ainda refere que a substituição de 10 g/d de outros tipos de gordura, incluindo margarina, manteiga, maionese e gordura do leite, por azeite de oliva, foi associado com redução no risco de mortalidade total e causa-específica. Entretanto, essa associação não foi observada quando outros óleos vegetais foram substituídos por azeite. 

Os autores acreditam que esses resultados se devem aos efeitos anti-inflamatórios, antiaterogênicos, efeitos na redução do stress oxidativo, melhora na função endotelial, melhora do perfil lipídico, biomarcadores inflamatórios, sensibilidade à insulina e redução da pressão arterial, que o azeite de oliva possui. 

Os autores concluem que o consumo mais alto de azeite de oliva está associado com diminuição de risco de mortalidade total e e redução do risco cardiovascular. Referem ainda que substituir outros tipos de gordura por azeite de oliva foi associado com diminuição do risco de mortalidade e que,as atuais recomendações nutricionais para aumentar a ingestão de azeite de oliva e outros óleos vegetais insaturados no lugar outras gorduras, melhoraram a saúde e longevidade. 

Nota do editor (Eduardo Lapa): este, como muitos estudos de nutrição, é um artigo que tem suas limitações. Ele se baseia em estudos observacionais. Sabemos que nestes estudos os pacientes variam em uma série de pontos e não apenas na questão estudada (neste caso: consumo de azeite de oliva). É citado, por exemplo, que as pessoas que consumiam mais azeite de oliva eram mais fisicamente ativos e consumiam menos cigarro. Será que não há outros fatores associados a risco cardiovascular que os pesquisadores não avaliaram? Talvez até fatores que atualmente nós não conheçamos! Isto pode influenciar os resultados.

Outro ponto: o próprio consumo de azeite de oliva foi medido por questionários alimentares feitos a cada 4 anos. Bem, você já preencheu algum questionário alimentar? Outro dia destes fui fazer um auto questionário mental de quantas porções de carne vermelha consumia por semana. Para a minha surpresa, quando de fato passei a contar as porções consumidas diariamente, o número foi bem diferente do que estimei mentalmente. Isso é uma limitação do método.

Por fim, devemos lembrar que estudos assim permitem inferir associação entre os fatores mas não possibilitam confirmar causalidade.

Referência: Consumption of Olive Oil and Risk of Total and Cause-Specific Mortality Among U.S. Adults Marta Guasch-Ferré, PHD,a,b Yanping Li, PHD,a Walter C. Willett, MD, DRPH,a,b,c Qi Sun, MD, SCD,a,b,c,d Laura Sampson, RD,a Jordi Salas-Salvadó, MD,e,f Miguel A. Martínez-González, MD,a,e,g Meir J. Stampfer, MD, DRPH,a,b,c Frank B. Hu, MD, PHDa,b , JACC VOL. 79, NO. 2, 2022

Autor: Dr. Thiago Midlej 

terça-feira, 29 de novembro de 2022

O ciclo circadiano do recém-nascido e o aleitamento materno

A crononutrição tem como objetivo ajustar a qualidade da nutrição e a ingestão para coordenar o relógio biológico de um indivíduo, de modo que se consuma o tipo e a quantidade de alimentos na hora do dia mais ideal. A maior parte da compreensão atual da crononutrição surgiu de estudos em adultos e, portanto, não abrange o tempo de vida dos bebês.

No útero, o feto é exposto por aproximadamente 9 meses aos ritmos circadianos, fisiológicos, metabólicos e comportamentais da mãe. Este meio circadiano é abruptamente interrompido após o nascimento, mas a natureza desenvolveu a substituição perfeita, o leite materno, cuja composição muda de acordo com os ritmos circadianos da mãe. Não surpreendentemente, em humanos, o recém-nascido ingere leite durante o dia e a noite, e os componentes nutritivos e não nutritivos mudam de acordo com esses horários.

Após o nascimento, o recém-nascido é exposto a uma variedade de manipulações e mudanças ambientais e o tempo de estabelecimento dos ritmos circadianos de glicocorticoides, melatonina, repouso diurno/noturno e o ritmo do sono variam amplamente dos 3 aos 6 meses de idade. Em um estudo em que a criança foi amamentada sob livre demanda durante o dia e a noite e exposta à luz apenas durante o dia, os ritmos circadianos de temperatura, sono/vigília e melatonina foram detectados durante a primeira semana e aos 30 e 45 dias de vida, respectivamente, sendo mais cedo do que a maioria dos estudos. O acúmulo de evidências revela os benefícios das mudanças nos componentes do leite e nas condições ambientais para o bebê.

Estudos que avaliaram a relação do leite materno, ciclo circadiano e seu impacto no bebê e concluíram que:
  • O triptofano, guanosina, uridina e melatonina presentes no leite humano durante a noite melhoraram o sono infantil e ajudaram a consolidar seu ciclo sono/vigília;
  • A vitamina B12 pode melhorar o sono em crianças;
  • Existem substâncias cronobióticas no leite que contribuem para o estabelecimento do ciclo sono-vigília do lactente;
  • Os bebês amamentados exclusivamente tiveram melhores parâmetros de sono em comparação com bebês alimentados com fórmula;
  • Os bebês com 2 meses de idade que foram amamentados, em contraste com bebês alimentados com fórmula, tiveram uma frequência significativamente menor de ataques de cólica e gravidade dos ataques de irritabilidade, o que foi associado ao consumo noturno de melatonina através do leite;
  • Os ritmos circadianos são importantes para o bem-estar dos lactentes e afeta severamente a sobrevida;
  • Os bebês que foram expostos à variação da condição claro/escuro e alimentados com leite materno apresentaram maior ganho de peso, melhor saturação de oxigênio, desenvolveram mais rapidamente um ritmo de melatonina e menor tempo de internação.
Esses estudos são exemplos da importância dos ritmos circadianos após o nascimento do bebê. 

Felizmente, a evidência convincente dos benefícios da exposição de bebês prematuros a um ciclo claro/escuro está levando as sociedades de cuidados neonatais a recomendar essa prática para aplicações clínicas.

Além disso, considerando que estamos no novembro roxo, mês de conscientização sobre o nascimento prematuro, vale destacar que a amamentação desde o nascimento é eficaz na prevenção da morte de bebês prematuros, em contraste com as práticas convencionais de cuidado.


Referência: Caba-Flores MD, Ramos-Ligonio A, Camacho-Morales A, Martínez-Valenzuela C, Viveros-Contreras R, Caba M. Breast Milk and the Importance of Chrononutrition. Front Nutr. 2022 May 12

domingo, 27 de novembro de 2022

Sintomas de anemia: como a alimentação pode ajudar?

A anemia é um grave problema de saúde pública global, que afeta principalmente crianças e mulheres grávidas. Com sintomas que vão desde fadiga até frequência cardíaca elevada, a doença deve ser rapidamente diagnosticada e tratada. A alimentação pode contribuir para este tratamento: continue lendo para descobrir como.

O que é anemia?

A anemia é a condição patológica na qual o número de glóbulos vermelhos ou a concentração de hemoglobina (Hb) dentro deles é menor do que o esperado. Como os glóbulos vermelhos são responsáveis pelo transporte de oxigênio para os tecidos corporais, a anemia dificulta esse transporte, ocasionando diversas consequências para a saúde.

Mundialmente, estima-se que 42% das crianças com menos de 5 anos de idade e 40% das mulheres grávidas são anêmicas. As causas da anemia são múltiplas, incluindo carências alimentares, fatores  hormonais, genéticos e imunológicos.

Tipos de anemia

Os tipos mais comuns de anemia são:
  • Anemia ferropriva: causada por perda de sangue ou falta de ferro na dieta.
  • Anemia megaloblástica: causada por baixa ingestão ou dificuldade de absorção de vitamina B12 ou ácido fólico.
  • Anemia falciforme: distúrbio hereditário em que os glóbulos vermelhos assumem o formato de foice, podendo obstruir o fluxo sanguíneo.
  • Anemia hemolítica: quando o corpo destrói os glóbulos vermelhos mais rápido do que os produz.
  • Anemia por doenças crônicas: surge como resultado de câncer, HIV/AIDS, doença de Crohn e outras condições crônicas que interferem na produção de glóbulos vermelhos.
  • Anemia aplástica: incapacidade da medula óssea de produzir glóbulos vermelhos.

Quais os sintomas de anemia?

Na anemia, os sintomas são decorrentes da menor distribuição de oxigênio para os tecidos corporais. A queda da hemoglobina leva à mobilização de mecanismos compensatórios, tais como aumento do débito cardíaco, redistribuição do fluxo sanguíneo para órgãos vitais, aumento do influxo de líquido do espaço extravascular  para  o  intravascular,  dentre  outros.

As manifestações clínicas irão depender da etiologia, da gravidade, da velocidade de instalação, das eventuais comorbidades e dos mecanismos compensatórios que o paciente foi capaz de mobilizar.

De modo geral, os principais sinais e sintomas de anemia são:
  • Fadiga
  • Fraqueza (astenia)
  • Falta de ar (dispneia)
  • Frequência cardíaca aumentada
  • Tontura
  • Palpitações
  • Dor de cabeça (cefaleias)
  • Zumbidos
  • Cãibras
  • Falta de apetite
  • Palidez da pele e mucosas (olhos, gengiva)
  • Dificuldade de aprendizagem
  • Queixas específicas também  podem  ocorrer  em  diferentes  tipos  de  anemia. Na anemia megaloblástica, por exemplo, podem haver sintomas neurológicos, glossite (língua avermelhada) e parestesia (sensação de formigamento).

Diagnóstico de anemia

O diagnóstico da anemia é feito através da avaliação dos exames laboratoriais. Dentre eles, o hemograma completo é o mais importante, pois permite  classificar a anemia de acordo com sua intensidade e com o volume corpuscular médio (VCM) dos glóbulos vermelhos, além de mostrar as contagens de leucócitos e plaquetas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define anemia como a concentração de Hb inferior a 12 g/dL para mulheres pré-menopausa, e inferior a 13,0 g/dL para homens e para mulheres pós-menopausa.

O que comer quando se está com anemia?

O tratamento para anemia através da alimentação é muito importante, devendo ser incentivado por todos os profissionais de saúde. A depender da causa, algumas estratégias devem ser mais ou menos empregadas. A seguir, confira as principais dicas para tratamento da anemia através da alimentação.

1. Aumentar ingestão de ferro e vitamina C

Na anemia ferropriva, o foco deve ser o aumento da ingestão dietética de ferro, através dos seguintes alimentos:
  • Carnes brancas e vermelhas (fígado, coração, moela)
  • Cereais, pães e farinhas fortificadas com ferro
  • Vegetais folhosos verde-escuros (agrião, couve, taioba)
  • Feijões e leguminosas (ervilha, lentilha, grão de bico)
  • Tofu
  • Nozes, sementes e oleaginosas (chia, amêndoas, etc)
  • Frutas secas (uva passa, ameixa, tâmara, damasco)
Para aumentar a absorção de ferro, recomenda-se o consumo de alimentos ricos em vitamina C junto às refeições, tais como kiwi, laranja, limão, acerola, tangerina, goiaba e abacaxi.

Atenção: uma exceção para esta recomendação é a anemia falciforme, uma vez que as transfusões podem gerar uma sobrecarga de ferro.

2. Evitar alimentos que diminuem a absorção do ferro

Durante refeições ricas em ferro, deve-se evitar o consumo de alimentos que prejudicam o aproveitamento deste micronutriente. São exemplos de alimentos a serem evitados:
  • Chás
  • Café
  • Leite
  • Queijos
  • Sorvete
  • Iogurte
  • Pudim
  • Chocolate e cacau
  • Refrigerantes
  • Vinho tinto
  • Aveia
  • Linhaça
  • Nos chás e café, há presença de taninos e outros compostos fenólicos que se ligam ao ferro, diminuindo sua absorção. Por isso, recomenda-se o consumo 1 hora antes ou depois das refeições, para que não atrapalhe a absorção deste mineral.
3. Aumentar a ingestão de vitamina B12 e ácido fólico

Em casos de anemia megaloblástica, a vitamina B12 e o ácido fólico são os principais micronutrientes que merecem atenção.

Para aumentar a ingestão de vitamina B12, produtos de origem animal devem ganhar foco: carnes vermelhas e brancas, vísceras (fígado, coração moela), peixes (sardinha, atum salmão), frutos do mar, ovos, leites e derivados. Para o paciente vegetariano, a suplementação será necessária.

Já uma alimentação rica em ácido fólico deve incluir os seguintes alimentos:
  • Hortaliças verde-escuras: espinafre, agrião, acelga, caruru, brócolis, cheiro verde, coentro, couve, taioba, pimentão.
  • Farinhas fortificadas.
  • Leguminosas: feijões, grão de bico, soja.
  • Oleaginosas e sementes: amendoim, nozes, avelã, castanha de caju, semente de girassol.
  • Frutas cítricas: abacaxi, acerola, caju, laranja, limão, morango, pêssego, romã, tangerina, uva, dentre outras.
  • Além disso, deve-se atentar aos níveis de zinco deste paciente, uma vez que o baixo nível contribui para a diminuição da absorção intestinal do folato.
Conclusão

Em alguns casos, a anemia pode ser uma condição intimamente relacionada com a deficiência de micronutrientes, tais como ferro, ácido fólico e vitamina B12. Sendo assim, de modo a reduzir seus sintomas e promover seu tratamento, as estratégias alimentares que visem aumentar a ingestão destes nutrientes são bem-vindas.

Referências

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Leite é inflamatório ? Nutricionista Rodrigo Lamonier