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sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Refluxo gastroesofágico - medidas nutrológicas e comportamentais que podem aliviar os sintomas

A Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é uma doença muito frequente no consultório do nutrólogo, principalmente por se tratar de uma patologia que acomete a maioria dos pacientes portadores de obesidade. O Refluxo fisiológico ocorre na maioria das pessoas, porém, quando a condição se cronifica, denominamos de DRGE.


É uma doença relativamente comum, na qual a secreção ácida presente no estômago vaza (sobe/retorna) de forma involuntária para o esôfago. Levando a sintomas desagradáveis como sensação de azia, dor na região torácica (retroesternal), gosto amargo na boca, mau hálito (halitose), arrotos (eructações), sensação de pigarro na garganta, tosse seca, sinusite ou amigdalite de repetição e até rouquidão. 

Inúmeras podem ser suas causas:
  • Alterações no esfíncter que separa o esôfago do estômago (esfíncter esofágico inferior = EEI) e que deveria funcionar como uma válvula para impedir o retorno dos alimentos. Quem controla a pressão no EEI? O sistema nervoso e humoral. A gastrina (fase gástrica de digestão) aumenta a pressão no EEI e com isso evita que o conteúdo retorne para o esõfago durante a digestão. Já a colecistocinina (CCK) e a secretina (ambas ativadas na fase intestinal da digestão) diminuem a pressão no EEI, ou seja, favorece que o conteúdo gástrico reflua para o esôfago e gere os sintomas. 
  • Redução da salivação.
  • Retardo no esvaziamento gástrico e aqui vale um adendo, algumas doenças favorecem esse retardo (diabetes, hipotireoidismo, síndrome de ehlers danlos, hipermobilidade articular), alimentação rica em gordura ou em proteína, álcool, metilxantinas, cafeína, cacau, uso de medicações como Liraglutida (Saxenda, Victoza), Semaglutida (Ozempic, Rybelsus).
  • Presença de uma hérnia de hiato. Ou seja, ocorre um deslocamento da transição entre o esôfago e o estômago, que se projeta para dentro da cavidade torácica.
  • Fragilidade das estruturas musculares existentes na região.
Dentre os fatores de risco temos:
  • Obesidade: o aumento da pressão abdominal decorrente do acúmulo de gordura abdominal favorece a DRGE. Sendo assim, o quadro pode diminuir quando a pessoa emagrece. 
  • Refeições volumosas antes de deitar, isso favorece o retorno involuntário do conteúdo do estômago para o esôfago. 
  • Ingestão excessiva de líquidos durante as refeições, em especial bebidas gasosas.
  • Aumento da pressão intra-abdominal: roupas apertadas, uso de cintas, aumento da prensa abdominal, obesidade, execução de exercícios. 
  • Ingestão de alimentos como café, chá preto, chá mate, chocolate, molho de tomate, comidas ácidas, bebidas alcoólicas e gasosas.
E se não tratado, o que pode ocorrer?

A exposição prolongada a esse conteúdo gástrico pode levar ao surgimento de sofagite, erosões esofágicas, úlceras, estenose do esôfago, alteração no esmalte dentário, rouquidão, sinusite e amigdalite de repetição, dor na deglutição, hérnia de hiato, esôfago de Barrett e câncer de esôfago. 

E como a Nutrologia pode te auxiliar?

Primeiramente temos que fechar o diagnóstico da DRGE. Então solicitamos uma endoscopia e/ou pHmetria ou manometria. Além da solicitação da biópsia. Alguns pacientes podem apresentar uma patologia denominada esofagite eosinofílica e que tem muita correlação com o que é ingerido.

O tratamento medicamento se dá:
1) Com o uso de inibidores de bomba de prótons (os prazóis), fármacos que diminuem a produção de ácido pelas células parietais.
2) Bloqueadores ácido competitivos de potássio: Fumarato de vonoprazana (P-CAB).
3) Substâncias antiácidas: hidróxido de alumínio, hidróxido de magnésio, sucralfato.
4) Procinéticos: fármacos que aumentam a motilidade gástrica e com isso aumentando a velocidade do esvaziamento gástrico.

O Uso crônico dessas medicações deve ser desestimulado e o paciente deve ser orientado a SEMPRE retornar ao médico, caso os sintomas retornem.  Jamais que se automedique. O uso crônico dessas medicações pode levar a deficiências nutricionais, favorecimento de alterações na microbiota intestinal (supercrescimento bacteriano), risco de osteoporose. Existe uma demonização dessas drogas por parte de alguns profissionais e isso também deve ser combatido. O surgimento principalmente dos IBPs revolucionou a gastroenterologia e salva vidas. O risco está no uso irracional e na automedicação.
Medidas eficazes para controlar os sintomas

Emagrecer para reduzir a pressão intra-abdominal: Essa é a medida que mais auxilia na DRGE, tanto pela redução da pressão intra-abdominal, quanto pelos hábitos associados à perda de peso. Geralmente a pessoa em processo de emagrecimento ingere refeições menos volumosas, não deixa após se alimentar, pratica atividade física o que favorece o esvaziamento do estômago e peristaltismo. Evite usar roupas apertas, cintas, cintos apertados e se curvar sobre o alimento na hora da refeição. Lembre-se: cuidados nos exercícios que você faz, exemplo, abdominais e suas variações, legpress. 

Atenção: a gestação favorece o aumento da pressão intra-abdominal, logo favorece refluxo que vai piorando ao longo da gestação. 

Elevação da cabeceira da cama: Uma das causas do refluxo é justamente o EEI hipotônico (frouxo), logo, se você deitar, o conteúdo retornará para o esôfago,, já que não tem uma barreira mecânica efetiva para impedir essa volta.  Sendo assim, se elevamos a cabeceira da fama, podemos evitar que esse conteúdo gástrico volte para o esôfago durante o sono e com isso os sintomas noturnos de pirose, regurgitação aliviam.  Uma dica que dou é que você compre os pés de cama anti-refluxo. Na internet acha-se facilmente. A elevação de 10 a 15 centímetros já traz benefícios. 


Dormir do lado esquerdo do corpo: Isso ocorre devido a angulação entre o estômago e o esôfago (conforme a imagem), evitando que o conteúdo residual presente no estômago reflua para o esôfago e assim permaneça no estômago.



Não deitar após as refeições maiores: Sabemos que após as refeições, ocorre um refluxo fisiológico, mas que você pode facilitar, caso resolva deitar após se alimentar. Ou seja, impeça a piora do que já é fisiológico. Espere pelo menos 3 horas entre o horário de deitar e a última refeição do dia. Ao longo do dia, após se alimentar, permaneça pelo menos 30 minutos na posição ereta (ortostática).



Fracione as refeições: Comer menor quantidade de alimentos, porém com uma frequência maior, ao invés de fazer 3 grandes refeições pode te ajudar a reduzir os sintomas. Quanto mais volume dentro do estômago, maior a chance do EEI não conseguir contê-lo dentro do estômago e com isso ele refluir para o esôfago.  

Mastigue: Seu estômago não tem dente, muito menos o intestino. A mastigação é função dos dentes e que estão presentes na boca rs. Portanto, mastigue bem, isso facilitará a digestão e o peristaltismo.

Álcool e tabagismo: Evite ambos. Um tem ação irritante sobre a mucosa digestiva, já o cigarro diminui a produção de muco protetor do estômago.

Refluxo e alimentos

Alguns alimentos são clássicos em piora dos sintomas de refluxo mas ao longo dos anos aprendi que cada paciente reage de uma forma a eles. Tem paciente que nega sintoma com o consumo de café. Outros já negam sintomas com uso de molho de tomate. Portanto, sempre deixo claro que não é uma regra, que alimentos "que relaxam o EEI" gerarão sintomas em todos os pacientes. Antes de pensar em quais alimentos aliviam ou pioram os sintomas tenha como base as medidas acima. 

O que solicito ao Nutricionista na maioria das vezes:
  • Se obesidade: dieta hipocalórica para favorecer emagrecimento
  • Dieta hipolipídica: <20% do volume energético total diário
  • Consistência da dieta: na fase aguda deverá ser líquida ou semi-líquida, com evolução para dieta geral ao longo dos dias até melhora da disfagia do paciente. 
  • Fracionamento das refeições: de 6 a 8 refeições por dia nas crises. 
  • Líquidos: utilizar preferencialmente entre as refeições, evitando nas 3 principais refeições para diminuir o volume que ficará por um tempo no estômago.
  • Exclusão: de alimentos que retardam o esvaziamento gástrico, alimentos que relaxam o EEI, alimentos irritantes para a mucosa gástrica e esofágica, alimentos que estimulam a secreção ácida.
  • Intervalo de 2 a 3 horas entre a última refeição do dia e o horário de deitar.
Alimentos que relaxam o EEI, ou seja, favorecem que o conteúdo gástrico volte para o esôfago:
  • Cafeína: Presente no café, chá verde, chá mate, chá preto, coca-cola.
  • Teobromina: É uma substância normalmente encontrada no fruto do Theobroma cacao, e por isso este composto é normalmente encontrado no chocolate e no pó de guaraná.
  • Xantinas
  • Álcool
  • Cebola
Alimentos que retardam o esvaziamento gástrico, ou seja, que favorecem que a comida permaneça mais tempo dentro do estômago e aumente o risco de refluir para o esôfago:
Gorduras em geral: banha de porco, óleo de coco, gordura animal, frituras. 

Fatores que retardam o esvaziamento gástrico:

Alimentos irritantes gástricos
  • Temperatura extremas: muito quentes ou muito frios podem irritar a mucosa digestiva. Portanto, nada de extremos.
  • Refrigerantes, pela presença do ácido fosfórico e do gás
  • Álcool
  • Tabagismo
  • Alimentos carminativos (hortelã, menta)
  • Molhos prontos: temperos prontos, caldos concentrados, molho inglês, shoyu.
  • Alimentos gordurosos: fritura e molhos gordurosos, além de terem ação irritante gástrica, retardam o esvaziamento do estômago. 
  • Frutas ácidas: aqui entra uma polêmica pois, teoricamente o pH do estômago é mais ácido que qualquer fruta, entretanto, vários pacientes relatam piora dos sintomas quando consomem frutas cítricas como laranja, tangerina, lima, acerola, abacaxi. Já outros relatam que não apresentam sintomas ao consumirem limão tahiti, mas apresentam com o limão china, siciliano ou galego. 
  • Tomate e derivados (molho de tomate, tomate seco, tomate confit, ketchup)
  • Grãos de mostarda
  • Café: a cafeína e a presença de taninos pode ter ação irritante para a mucosa gástrica e esofágica, mesmo o descafeinado. Porém, há pacientes que negam sintomas com a ingestão apenas no período matinal.
  • Chocolate: tem xantinas que irritam a mucosa digestiva
  • Pimenta vermelha: possui capsaicina, uma substância que tem potencial irritação para a mucosa gástrica e esofágica. Pimenta do reino teoricamente tem ação irritante mas a maioria dos pacientes toleram.
  • Gengibre: teoricamente pioraria os sintomas mas vários pacientes toleram.
  • Própolis: mesmo caso do gengibre.
  • Aditivos acrescentados na panificação e confeitaria. 
Alimentos que estimulam a produção de ácido
  • A chegada de proteína ao estômago estimula a liberação de gastrina. A gastrina por sua vez, causa a liberação de histamina. Esta estimula as células parietais por meio de receptores H2. As células parietais secretam ácido, o que causa queda do pH, estimulando células D antrais a liberarem somatostatina, a qual inibe a liberação de gastrina , o que denominamos de feedback negativo, um mecanismo de autoregulação do nosso organismo. Portanto preparações com alto teor de purinas (consomê de carnes, frutos do mar, vísceras) podem estimular a produção de ácido pelo estômago.
  • Alimentos ricos em gordura.
  • Leite e seus derivados, principalmente os ricos em gordura, pois, além de retardarem o esvaziamento gástrico, promovem aumento da produção de suco gástrico.
  • Bebidas gasosas, pois, a distensão do estômago é um dos estímulos para a produção de gastrina. 
Autores:
  • Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915, CRM-SC 32.949, RQE 22.416
  • Dra. Christian Kelly Nunes Ponzo - CRM-ES 9683, RQE de Gastroenterologista: 6354, RQE de Nutrologia: 6355
  • Rodrigo Lamonier - Nutricionista e Profissional da Educação física
  • Márcio José de Souza - Profissional de Educação física e Graduando em Nutrição. 
  • Dra. Edite Magalhães - Médica especialista em Clínica Médica - CRM-PE 23994 - RQE 9351


segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Bolo de macaxeira (aipim/mandioca) com côco


Receita elaborada por uma grande amiga de longa data, a professora de Yoga Claudia Sabbag. Vale a pena se inscrever no canal dela. Sempre postando receitas com comida de verdade, nutritivas e saborosas.

Ingredientes:

4 xícaras de mandioca/macaxeira crua e ralada no ralo grosso
2 xícaras e meia de coco ralado no ralo grosso
100 ml de leite de coco
5 colheres de sopa de xilitol (pode substituir por açúcar se quiser)
Pitadas de canela, cravo moído e noz moscada
1 xícara cheia de queijo sem lactose
5 ovos
3 colheres de sopa de manteiga ghee
2 colheres de sopa de farinha de coco
1 pitada de sal
20 cotas de estévia
1 colher de sopa de fermento químico para bolo

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

II Consenso de recomendação do ácido docosaexaenoico (DHA) durante a gestação e a infância.

O DHA é parte da família dos ácidos graxos ômega-3. O ômega-3 junto com os ácidos graxos ômega-6 são as duas grandes famílias que compõem os ácidos graxos poli-insaturados (PUFAs). Os principais elementos da família ômega-3 são os ácidos linoleico (ALA), os ácidos eicosapentaenóico (EPA) e DHA. 

O ALA é um ácido graxo essencial, ou seja, não é sintetizado pelo nosso organismo, e precisa ser adquirido através da alimentação. E serve de substrato para a síntese endógena de EPA e DHA. Entretanto essa síntese não é suficiente para fornecer toda a necessidade desses ácidos graxos, o que nos leva a considerar o DHA como ácido graxo semi essencial. 

Os ácidos graxos ômega-3 exercem um importante papel em várias funções biológicas do organismo. Nas crianças, está envolvido com o desenvolvimento neurológico e da retina. Durante a gestação está associado a desfechos como peso ao nascer, prematuridade e diabetes gestacional. Além das outras associações no risco cardiovascular e doenças degenerativas neurológicas. 

As principais fontes de DHA e EPA são peixes de origem marinha e algas, como salmão, atum, sardinha e manjuba. Alimentos de consumo abaixo do necessário pela população brasileira em decorrência de inúmeros fatores entre eles falta de orientação, altas taxas dos produtos e dificuldades de acesso pela população distante do litoral. 

A importância dos ácidos graxos para nosso organismo e a dificuldade de obtê-lo através da dieta brasileira, nos leva muitas vezes a necessidade de suplementação. E nesse contexto, o atual consenso avalia a necessidade e recomendação de suplementação durante o período gestacional. 

Na saúde da mulher, sabe-se da importância de níveis adequados de DHA para o processo da reprodução e concepção. E durante a gestação são nutrientes importantes para o desenvolvimento neurológico fetal, uma vez que representa 80% de todos os ácidos graxos do sistema nervoso central e retina. 

A última revisão da Cochrane endossa a importância do DHA na gestação. Com 70 ensaios clínicos randomizados e 19.927 indivíduos, o aumento da ingesta de ômega 3 reduziu em 11% o risco de parto pré-termo antes de 37 semanas (RR 0,89, IC 95% 0,81 – 0,97) e em 42% o risco de parto pré-termo antes de 34 semanas (RR 0,58, IC 95% 0,44 – 0,77). Nessa mesma revisão, encontrou-se um aumento no risco de pós datismo acima de 42 semanas (RR 1,61, IC 95% 1,11 – 2,33) e não mostrou associação com outros desfechos obstétricos como morte perinatal, pré-eclâmpsia e diabetes mellitus gestacional. 

Diante das informações na literatura médica até o presente, a ABRAN sumariza as seguintes conclusões e recomendações.

Conclusões da ABRAN
  • Consumo de DHA durante a gestação aumenta a cognição na prole. 
  • A suplementação de DHA durante a gestação pode ter um efeito positivo sobre o desenvolvimento cognitivo e visual do feto. Entretanto, o uso em larga escala apresenta resultados conflitantes e o uso em populações de alto risco para deficiência parece mais plausível. 
  • A concentração de DHA no leite materno é dependente do status nutricional da nutriz. 
  • Uma dieta balanceada em ômega-3 parece ser benéfica na infertilidade feminina, apesar da necessidade de maiores evidências. 

Recomendações da ABRAN
Os profissionais de saúde deveriam investigar a ingestão de DHA de seus pacientes, estabelecendo o status nutricional desse nutriente e o risco de deficiência. 
A suplementação de 2 a 4 g de EPA + DHA deve ser considerada como parte do tratamento de dislipidemias com valores sanguíneos de triglicerídeos acima de 500 mg/dl. 
A orientação nutricional para consumo de ômega-3 é de 3 porções de 120 g por semana. Entretanto tomando cuidado com as fontes de ômega-3, pelo risco de contaminação de peixes com metais pesados. 
Recomenda-se a ingestão de 200 mg de DHA durante a gestação e lactação. Considerando o baixo consumo no Brasil, recomenda-se a suplementação de 200 mg a todas as gestantes e lactantes.

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Misturar whey com leite reduz os seus benefícios ?

Muitas pessoas afirmam, ERRONEAMENTE, que misturar o Whey Protein (WP) com leite reduz os seus benefícios e que isso seria um desperdício de dinheiro. Normalmente, a justificativa dessa afirmação é: "você paga caro em um produto que é industrialmente separado do soro do leite e acaba misturando novamente...".

No entanto, os benefícios e o intuito do WP não tem NADA a ver com ele estar ou não estar acompanhado do leite. Tomar leite com WP, com água ou com qualquer outro líquido NÃO o torna mais ou menos benéfico à sua saúde. Trata-se apenas de um suplemento alimentar que é utilizado como complemento e com o intuito de FACILITAR a vida daqueles pacientes que não conseguem atingir a meta de proteínas diária através da alimentação.

O WP se torna uma opção interessante pelo fato de apresentar uma grande quantidade de proteínas em uma porção pequena de produto, além de ser transportado facilmente para qualquer lugar. Por exemplo, se você fosse ingerir 30g de proteínas através do leite líquido, teria de beber cerca de 1 litro de uma vez só, sem contar que a densidade calórica seria bem maior pela presença de maiores quantidades de lactose.

Então, se prescrito pelo Nutricionista, tome seu WP da forma que preferir! Eu mesmo acho que o sabor fica bem melhor com leite e ainda mais nutritivo (pelos nutrientes a mais presentes no leite).

Autor: 
Rodrigo Lamonier - Nutricionista e Profissional da Educação física
Revisores: 
Dr, Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM 13192 - RQE 11915
Márcio José de Souza - Profissional de Educação física e Graduando em Nutrição. 

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Intolerância histaminérgica - Aspectos nutrológicos: como o médico nutrólogo pode te auxiliar?

Intolerâncias alimentares

As intolerâncias alimentares podem ser a vários alimentos/grupos/substâncias específicas. A mais comumente abordada é a intolerância à lactose. Recentemente tem se falado também bastante sobre a intolerância à frutose, já que os métodos utilizados para fechar o diagnóstico apresentam alta taxa de falsos positivos. 

Temos ainda intolerância a rafinose, sacarose... e também à Histamina. Geralmente são sintomas gastrointestinais funcionais e que muitas vezes não encontramos achados laboratoriais que fechem o diagnóstico. Ou seja, são sintomas gastrointestinais funcionais, crônicos e muitas vezes inexplicáveis, que deixam o paciente/médico perdidos e sem um norte. 

Se na intolerância à lactose o paciente apresenta deficiência da lactase, na intolerância histaminérgica há deficiência da enzima diamino-oxidase (DAO) no intestino, o que ocasionada  uma sensibilidade aos níveis normais ou mesmo baixos de histamina nos alimentos.

Mas afinal, o que é a histamina?

A histamina do nosso corpo é um composto nitrogenado orgânico, de formula molecular C5H9N3 e nome IUPAC 2-(3H-imidazol-4-il)-etanamina. Esta amina é originada a partir da perda de um grupo carboxila do aminoácido histidina, processo conhecido com descarboxilação. Esta amina foi descrita pela primeira vez em 1910 quando um grupo de pesquisadores a isolou do fungo Claviceps purpúrea. 

Em mamíferos, a histamina está relacionada com diversas funções biológicas como por exemplo a contração da musculatura lisa, principalmente do intestino e brônquios, vasodilatação e aumento da permeabilidade de vasos, aumento da secreção de mucosas, ciclo claro-escuro e também como neurotransmissores. Consequentemente, a histamina pode estar envolvida com quadros de taquicardias, arritmias, variações de pressão sanguínea, aumento de secreções gástricas, isquemia intestinal e até mesmo na angiogênese de tumores.

Um dos principais envolvimentos da histamina é sua secreção por células imunes após o contato com antígenos, o que muitas vezes é relacionado com reações alérgicas. Quando anticorpos do tipo IgE são ativados por seus respectivos ligantes (antígenos geralmente alérgenos), ele ganha a capacidade de se ligar em mastócitos e, estas células, que reservam grandes quantidades de histamina em seu interior, são lisadas e liberam esta histamina. Esta liberação, no local ou na corrente sanguínea, permite que as funções biológicas da histamina aconteçam. Caso a degradação da histamina não aconteça de maneira correta, ou caso o estímulo alérgeno esteja constantemente presente e, portanto, constantemente ativando os mastócitos a liberar a histamina, esse processo é chamado de resposta alérgica.

Nesse sentido, em 1932, a histamina foi descrita como grande mediadora de reações anafiláticas devido sua participação da contração da musculatura lisa e alterações da pressão sanguínea. Estas respostas anafiláticas têm grande relevância médica, pois tem progressão bastante rápida e colocam o indivíduo em grande risco de vida. Alguns sintomas da reação anafilática são: coceira, angioedema (inchaço), hipotensão, estresse respiratório e desmaio. Após o contato com o agente alergênico, o que podem ser bem variados, desde alimentos, bebidas, passando por produtos químicos ou mesmo picadas ou contato com outros agentes da natureza (como pólen por exemplo), o indivíduo pode apresentar a reação anafilática em poucos minutos. O tratamento para esta reação deve acontecer o mais rápido possível, uma vez que estes sintomas podem ser bastante graves e inclusive podem levar ao óbito.

Diversas células têm capacidade de sintetizar a histamina, como: mastócitos, basófilos, plaquetas, neurônios histaminérgicos e células enterocromafins. Por isso, a presença da histamina acontece em praticamente o corpo todo. No entanto, a prevalência é muito maior em regiões de contato com o “meio externo”, como na pele e nos tratos respiratório e gástrico.

No organismo sua degradação se dá através da ação de duas enzimas, principalmente. A primeira é a histaminase (com a sigla em inglês, DAO - diamino-oxidase), que através da desaminação oxidativa metaboliza a histamina. 

Já a segunda, a histamina-N-metilltransferase (HNMT) age metilando o anel de carbono da estrutura da molécula. Dependendo da região em que se encontra a histamina, uma dessas enzimas será responsável por cataboliza-la: estando no meio intracelular, ou seja, no citoplasma celular, a histamina será degradada com HNMT, enquanto que estando na região extracelular, ou seja, no plasma sanguíneo ou na região órgão-específica, ela sofrerá ação da enzima DAO. 

A degradação da histamina tem fundamental importância, tal qual sua normal secreção. Indivíduos com problemas na sua síntese (síntese excessiva) ou na sua degradação (problemas na degradação) desenvolvem intolerância a histamina, doença com sintomas semelhantes aos sintomas de alergias 

A histamina dos alimentos

Existem várias aminas biogênicas encontradas em alimentos e bebida: histamina, a tiramina, a putrescina e a cadaverina são algumas delas. Ou seja, além da histamina produzida pelo nosso corpo, podemos ter ainda a Histamina presente em alguns alimentos e elas são produzidas por fermentação de bactérias/fungos.

O acúmulo desses compostos nos alimentos é resultado da transformação de aminoácidos por microrganismos e depende de vários fatores, como a disponibilidade dos aminoácidos precursores e condições ambientais favoráveis ao crescimento e/ou à atividade da descarboxilase bacteriana. 

Portanto, o processo de fabricação, a limpeza dos materiais, a composição microbiana e a fermentação influenciam a quantidade de histamina presente no alimento ou bebida. Dentre os alimentos que apresentam quantidade significativa de histamina temos os abaixo. Porém, cada paciente reage de uma maneira e não é a todos os alimentos que os pacientes reagem. 

Vegetais:
Espinafre
Tomate (e molho de tomate ou ketchup)
Berinjela

Leguminosas:
Lentilhas
Grão de bico
Feijões
Soja

Oleaginosas e sementes:
Castanha de caju
Nozes
Amendoim
Avelã
Amêndoas
Pinhão
Semente de girassol
Gergelim

Leite e derivados:
Queijos curados e semi- curados
Queijos ralados
Queijo azuis
Queijos processados
Queijos mofados
Kefir de leite
Iogurte

Frutas:
Morango
Ameixa
Banana
Figo
Kiwi
Melancia
Goiaba
Manga
Mamão
Abacate
Framboesa
Frutas cítricas: Laranjas, limões, tangerina
Frutas secas

Doces e adoçantes:
Cacau
Adoçantes artificiais: Sucralose
Alcaçuz
Extrato de malte

Temperos e especiarias:
Temperos artificiais
Cominho
Curry
Mostarda
Ketchup
Maionese
Páprica picante
Pimentas
Picles
Conservas
Alcaparras
Vinagre de vinho tinto e
branco
Vinagre balsâmico
Gengibre
Canela

Farinhas e grãos:
Gérmen de trigo
Trigo sarraceno
Malte
Centeio
Cevada

Fermentados:
Chucrute
Molho de soja (Shoyu)
kefir
Kombuchá
Iogurte
Leite fermentado

Carnes:
Carnes processadas
Linguiça
Salsicha
Salame
Presunto
Mortadela
Bacon
Carne de porco
Cavala
Atum
Anchova
Peixes enlatados
Bacalhau
Frutos do mar
Clara de ovo crua
Carne seca (charque ou paçoca)
Vísceras
Carnes e peixes defumados

Bebidas:
Leite de soja
Leite de arroz
Café
Suco de laranja
Todas as bebidas alcóolicas: cerveja, vinho, gin, vodca
Bebidas energéticas
Chá preto
Chá verde
Chá mate

Outros:
Alga e derivados de alga
Cogumelos
Levedura nutricional
Azeitonas
Picles
Vinagre
Azeite Balsâmico
Alimentos em conserva
Enlatados
Aditivos alimentares

A União Europeia permite o conteúdo de histamina nos alimentos até um máximo de 200 mg/kg  em peixes frescos e 400 mg/kg em produtos do mar. Vários autores propuseram que o álcool, outras aminas biogênicas, e alguns medicamentos, podem ter um efeito potencializador sobre a toxicidade da histamina. E algo que é super comum no consultório é o paciente contando que vários sintomas foram desencadeados após ingerir vinho acompanhado de alimentos ricos em histamina. Resultado: culpam o vinho mas na verdade foi apenas uma potencialização.

E como o corpo quebra essa histamina ?

Como já explicado acima, temos 2 maneiras de metabolizá-la. A primeira através da histamina-N-metiltransferase (HNMT), proteína citosólica responsável pela inativação da histamina intracelular, expressa em uma ampla variedade de tecidos humanos. A segunda pela DAO é uma proteína armazenada em estruturas vesiculares da membrana plasmática responsável pela degradação da histamina extracelular. Está presente nas vilosidades intestinais, aumentando progressivamente do duodeno até o íleo. Na intolerância a histamina, a enzima intestinal DAO tem uma capacidade reduzida de metabolizar e degradar histamina. 

E por que o corpo começa a não tolerar alimentos ricos em histamina?

Até o momento, sabe-se que a deficiência de DAO pode estar relacionada a fatores genéticos, farmacológicos ou patológicos (desordens inflamatórias, degenerativas e intestinais). Uma hipótese recente sugere que alterações na diversidade da microbiota intestinal podem contribuir para o desenvolvimento de intolerância à histamina.

O que o paciente apresenta de sintoma na intolerância à Histamina?

As manifestações clínicas de intolerância à histamina consistem em uma ampla gama de sintomas gastrointestinais e extra intestinais inespecíficos, devido à distribuição dos quatro receptores de histamina em diferentes órgãos e tecidos do corpo.

Estudo mostrou que as manifestações mais frequentes são:
  • Distensão abdominal observada em 92% dos pacientes,
  • Plenitude pós-prandial, 
  • Diarreia, 
  • Dor abdominal,
  • Constipação (55-73%).
Ou seja, facilmente se confunde com a intolerância aos FODMAPS (texto aqui no blog sobre o tema)

Os pacientes podem ainda apresentar sintomas extra-intestinais, tais como:
  • Tonturas, 
  • Dores de cabeça
  • Palpitações, 
  • Sintomas respiratórios (congestão nasal, coriza ou prurido no nariz),
  • Dermatológicos (rubor especialmente da cabeça e do peito).
Composição da microbiota e a intolerância histaminérgica

Para caracterizar a composição da microbiota intestinal de pessoas com intolerância à histamina e comparar com a microbiota de indivíduos saudáveis, Sánchez-Pérez e colaboradores desenvolveram um estudo recente, com 26 participantes, sendo 12 mulheres. 

Os participantes foram divididos em 2 grupos: intolerância a histamina (grupo HIT) e controle (sem intolerância). O grupo HIT foi composto por 12 mulheres de 21 a 65 anos e IMC médio de 23,7Kg/m²; enquanto o grupo controle foi composto de 14 participantes homens e mulheres adultos, com IMC médio de 22,2Kg/m².

O diagnóstico do grupo HIT foi realizado pela presença de 2 ou mais sintomas descritos por Maintz e Novak (2007), e por resultados negativos para IgE específica para alérgenos alimentares. Foram avaliadas as características demográficas e os sintomas clínicos, em todos participantes. Para a análise da microbiota intestinal e da concentração de histamina, amostras de fezes foram auto-colhidas em frascos estéreis e armazenadas a -80 ◦C até suas análises. O sequenciamento da microbiota intestinal foi avaliado pela técnica 16S rRNA (região V3-V4) e os dados foram analisados pelo banco de dados EzBioCloud.

No grupo HIT, queixas gastrintestinais e neurológicas foram relatadas por 83% dos participantes, seguidos por queixas dermatológicas (50%) e respiratórias (33%). No geral, os sintomas mais frequentemente relatados foram distensão abdominal e dor de cabeça, seguidos de flatulência, diarreia, azia e dores abdominais, musculares e articulares. A atividade plasmática da DAO foi deficiente (<10 U/mL) em 10 dos 12 participantes do grupo HIT.

A microbiota intestinal dos grupos HIT e controle foi analisada e comparada em termos de filo, família, gênero e espécie. A presença de disbiose intestinal foi observada no grupo HIT, que, em comparação com ao grupo controle, apresentou menor proporção de bactérias relacionadas à saúde intestinal: Prevotellaceae, Ruminococcus, Faecalibacterium e Faecablibacterium prausnitzii. Grupo HIT também apresentou abundância significativamente maior de bactérias histaminogênicas, incluindo os gêneros Staphylococcus e Proteus, gêneros não identificados pertencente à família Enterobacteriaceae, e as espécies Clostridium perfringens e Enterococcus fecalis.

Os autores concluíram que a maior abundância de bactérias histaminogênicas favoreceu o acúmulo de altos níveis de histamina no intestino e foi associado com efeitos adversos da intolerância. Contudo, as limitações do estudo devem ser levadas em conta em estudos futuros que visem elucidar a relação entre disbiose intestinal e intolerância à histamina.

Como diagnosticamos?

Apesar dos avanços significativos na compreensão da intolerância à histamina, não há consenso sobre a padronização do diagnóstico. 

A combinação dos critérios diagnósticos atualmente em uso inclui o aparecimento de manifestações clínicas típicas e a exclusão de outras condições patológicas gastrointestinais e relacionadas a histamina.

Inicialmente é necessário descartar outras causas de potenciais sintomas associados ao aumento da histamina plasmática. 

Considera-se necessário realizar teste de alergia cutânea intradérmica para descartar a sensibilização por IgE causada por alergia alimentar, além de dosar a triptase plasmática para excluir uma mastocitose sistêmica subjacente. Também é importante saber se o paciente está tomando algum medicamento com um possível efeito inibitório sobre a atividade DAO.

Vários exames complementares não validados também foram propostos por vários autores com o objetivo de obter um marcador para confirmar o diagnóstico.

Se esses resultados forem negativos, o aparecimento de dois ou mais sintomas típicos de intolerância à histamina e sua melhora ou remissão após o seguimento de uma dieta com baixo teor de histamina, confirma o diagnóstico de intolerância à histamina.

Anamnese
• Apresentando ≥ 2 sintomas de intolerância à histamina
• Afastar alergias alimentares (teste cutâneo de picada) e mastocitose sistêmica (triptase)
• Afastar outras patologias gastrointestinais concomitantes
• Afastar drogas inibidoras de DAO

Exclusão da histamina
• Acompanhamento de uma dieta com baixo teor de histamina (4-8 semanas)
• Registro completo de 24 horas de consumo de alimentos e sintomatologia

• Remissão ou melhora dos sintomas

Exames complementares
• Determinação da atividade enzimática diamina oxidase (DAO)  no plasma ou biópsia intestinal
• Teste de desafio/provocação de histamina
• Identificação de polimorfismos genéticos (SNPs)
• Determinação de biomarcadores de histamina

Quais o tratamento?

Há 3 opções de tratamento. 

1) Dieta pobre em histamina

Consiste na principal forma de prevenir a intolerância à histamina, iniciando pela exclusão de alimentos com maior teor de histamina, e conforme a resposta ajuste para dietas mais restritivas.

2) Nas crises podemos lançar mão da utilização de drogas anti-histamínicas. 

3) Uso da DAO

Se na intolerância á lactose utilizamos a lactase, aqui podemos utilizar a Histaminase ou DAO. A suplementação  oral com DAO exógena poderia facilitar a degradação da histamina na dieta. Ao melhorar a atividade DAO intestinal possibilitaria dietas menos restritivas, mantendo alívio sintomático.

Coexistência de Intolerância histaminérgica com outras condições

Como descobri que era intolerante à histamina? Sempre apresentei reação a alimentos específicos. Se início recebi o diagnóstico de síndrome de alergia perioral por uma professora de nutrologia, pois sempre que ingeria alimentos cítricos a minha língua apresentava ardor, ficava ferida e apresentava prurido perioral e nasal. Fiz os testes alérgicos de IgE específica e vieram negativos. Depois suspeitamos que pudesse ser intolerância à FODMAP, porém nunca apresentei grandes quantidades de gases, distensão abdominal significativa, diarréia ou constipação. Mesmo com dieta Low FODMAP feita pelo meu nutricionista eu continuava apresentando sintomas com: Morango, laranja, banana, kiwi, uva, abacaxi, frutas secas, melancia, oleaginosas, cacau, lácteos, trigo, ketchup, espinafre, kombuchá, shoyu álcool, morango e quanto ingeria leveduras medicinais. 

Em 2019 apresentei um quadro de poliartralgia após uma viagem. Um amigo ortopedista (Dr. Maurício Morais) solicitou uma série de exames e todos vieram negativos. Quando foi me examinar viu que eu tinha muita flexibilidade nas articulações e postulou o diagnóstico de hipermobilidade articular. Depois disso foi por minha conta. Comecei a pesquisar e descobri que existe um espectro dentro de uma síndrome genética chamada Ehlers Danlos (SED).

Foi então que descobri que na SED pode ocorrem alguns sintomas concomitantes. Como a Disautonomia, os POTS, Ativação mastocitária, Intolerância histaminérgica. No homem a testosterona tende a deixar os quadros mais leve que em mulheres. Faço parte de um grupo de médicos portadores de SED e a diferença na apresentação dos quadros é nítida. Os homens apresentam bem menos fadiga (eu não tenho), menos disautonomia (tenho pouquíssimo, só quando ingiro o que não posso), POTS (taquicardia postural, ou seja, o paciente fica em pé a frequência cardíaca aumenta, também não tenho). Mas podem apresentar mais ativação mastocitária e mais intolerância histaminérgica. Nos homens também a testosterona parece proteger as articulações, lesionamos bem menos que as mulheres.


Referências bibliográficas

1) Sánchez-Pérez, S.; Comas-Basté, O.; Duelo, A.; Veciana-Nogués, M.T.; Berlanga, M.; Latorre-Moratalla, M.L.; Vidal-Carou, M.C. Intestinal Dysbiosis in Patients with Histamine Intolerance. Nutrients 2022, 14, 1774. https://doi.org/10.3390/nu14091774

2) Andrade VLA. Intolerância a Histamina. In Andrade, VLA. Manual de Terapêutica em Gastrenterologia e Hepatologia. Capítulo 85. 

3) Comas-Basté O, Sánchez-Pérez S, Veciana-Nogués MT, Latorre-Moratalla M, Vidal-Carou MDC. Histamine Intolerance: The Current State of the Art. Biomolecules. 2020;10(8):1181. Published 2020 Aug 14;10(8):1181. doi: 10.3390/biom10081181.

4) Schnedl WJ, Enko D. Histamine Intolerance Originates in the Gut. Nutrients. 2021;13(4):1262. Published 2021 Apr 12. doi:10.3390/nu13041262.

5) Tuck Ca, Biesiekierski J, Schmid-Grendelmeier P and Pohl D. Food Intolerances. Nutrients. 2019;11:1684. doi:10.3390/nu11071684 

6) https://pebmed.com.br/intolerancia-a-histamina-fique-atento-a-esta-condicao-patologica/#

quinta-feira, 14 de julho de 2022

Manga com leite faz mal ?

Esse mito é sensacional e a resposta é não. E pense comigo… se fizesse mesmo mal, imagine só quantas pessoas já não teriam sido hospitalizados por beberem vitamina de manga, não é mesmo?

Mas como surgiu esse mito ? 

Ele parece ter surgido na época do brasil colonial, em que a manga era uma fruta abundante e muito consumida por escravos, enquanto o leite era considerado algo raro e muito caro, exclusivo para consumo dos "patrões" da época.

Para tentar "amedrontar" os escravos e desencorajá-los a consumir o leite, eles inventaram essa #lenda que perdura até os dias de hoje. Para vocês verem o quanto existem informações enraizadas em nossa cultura e que precisam, sim, serem desmistificadas.

Manga crua - 1 unidade de 300g tem:
Valor energético (kcal): 202kcal
Proteína: 2.76g
Gorduras totais: 1.28g
Carboidratos (por diferença): 50.33g
Fibra alimentar 5.4g
Monossacarídeos 45.9g
Minerais
Cálcio37mg
Ferro 0.54mg
Magnésio 34mg
Fósforo 47mg
Potássio 564mg
Sódio 3mg
Zinco 0.3mg
Vitamina C 122.3mg
Tiamina 0.094mg
Riboflavina 0.128mg
Niacina 2.248mg
Vitamina B6 0.4mg
Ácido fólico 144mg 
Vitamina A  3636ui
Vitamina E (alfatocoferol) 3.02mg
Vitamina K (filoquinona) 14.1µg
Gorduras saturadas 0.309g
Gorduras monoinsaturadas 0.47g
Gorduras poliinsaturadas 0.239g

Autor: 
Rodrigo Lamonier - Nutricionista e Profissional da Educação física
Revisores: 
Dr, Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM 13192 - RQE 11915
Márcio José de Souza - Profissional de Educação física e Graduando em Nutrição. 

sexta-feira, 8 de julho de 2022

Disparada nos casos de obesidade infantil - Obesidade na geração tik tok por Camile Lichotti

A Revista Piauí fez uma reportagem bastante interessante sobre a disparada dos casos de obesidade entra a faixa etária pediátrica. Para acessar os gráficos e tabelas acesse: https://piaui.folha.uol.com.br/fome-na-geracao-tiktok/

att

Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo
CRM-GO 13.192 | RQE 11.915 / CRM-SC 32.949 | RQE 22.416 

Taxa de crianças obesas ou acima do peso cresce 70% no Brasil e convive com a fome persistente entre a população mais vulnerável do país, revela levantamento inédito

Esta é a reportagem de apresentação da série Má alimentação à brasileira, sobre a fome e a epidemia de obesidade que afetam a população mais pobre do país. Participaram Camille Lichotti e Rubens Valente (reportagem), Plínio Lopes (checagem), Fernanda da Escóssia (edição) e José Roberto de Toledo (coordenação).

Na porta de um pequeno mercado localizado entre dois terrenos baldios, em uma rua poeirenta do interior do Maranhão, pacotes de salgadinho brilham sob o implacável sol das 10 horas da manhã. A temperatura passa dos 30° C em Trizidela do Vale, região central do estado, quando um menino de 11 anos, descalço e vestindo apenas uma bermuda azul, entra na loja para comprar um adoçante a pedido da mãe. Antes de pagar, agarra um dos pacotes brilhantes: um salgadinho de milho sabor calabresa acebolada – que de calabresa só tem o aroma artificial –, vendido a 50 centavos. Uma banana custa 75 centavos, mas o garoto nem chega perto das frutas guardadas no refrigerador no corredor mais distante da porta. As prateleiras de destaque destinam-se aos salgadinhos de pacote. “É para chamar as crianças”, explica o atendente.

O salgadinho de pacote é ingrediente central do cardápio de má nutrição das crianças brasileiras. Mas não é o único vilão. A fome persistente convive com a crescente epidemia de obesidade, e os dois fenômenos atingem a população mais vulnerável. Dados compilados pela piauí e pela agência de dados públicos Fiquem Sabendo, com base no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), do Ministério da Saúde, mostram que a proporção de crianças de 5 a 10 anos acima do peso explodiu nos últimos treze anos. A taxa de crianças com obesidade subiu 70% de 2008 a 2021. Praticamente uma em cada cinco crianças atendidas pelo sistema público de saúde está obesa.

Crianças obesas têm mais chance de se tornarem adultos obesos – e podem adquirir ao longo da vida uma série de doenças relacionadas ao excesso de peso, como hipertensão, diabetes e problemas cardiovasculares. Enquanto a obesidade infantil traz uma nova carga de vulnerabilidade aos mais pobres, o Brasil caminha para ter uma população doente. “A consequência disso é a mortalidade prematura”, explica a nutricionista Daniela Neri, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP. 


Do outro lado da balança, a taxa de crianças abaixo do peso adequado para a idade parou de cair em 2021, interrompendo a tendência de queda registrada desde 2008. Em nove estados, a taxa de crianças de 5 a 10 anos em situação de magreza ou magreza acentuada aumentou nos últimos dois anos. No caso do Distrito Federal, o salto na proporção de crianças abaixo do peso adequado foi de 23% – e o índice voltou a um patamar semelhante ao de 13 anos atrás. 

O Sisvan registra peso e altura de crianças que chegam à rede de atenção primária do sistema público de saúde, a maioria atendida por programas sociais. Como os dados se referem prioritariamente a crianças em situação de vulnerabilidade social, o sistema serve de guia para todas as estratégias e ações do Ministério da Saúde na área de alimentação e nutrição.

No país onde 125 milhões de pessoas não sabem se vão conseguir se alimentar adequadamente todo dia – e das quais 33 milhões passam fome, segundo pesquisa da rede Penssan –, a obesidade está conectada à pobreza. Especialistas ouvidos pela piauí concordam que o aumento da obesidade infantil também é produto do empobrecimento e da insegurança alimentar. “A obesidade está se tornando uma marca da população mais pobre”, diz a endocrinologista Maria Edna de Melo, professora da Universidade de São Paulo. Hoje quem tem dinheiro pode escolher com mais folga o tipo de alimento que vai comer e optar por pratos mais saudáveis e diversos. Quem não tem, come o mais barato – que quase sempre é também o mais calórico ou de qualidade nutricional inferior. 

Relatório publicado pelo Unicef no final de 2021 revelou um alto consumo de ultraprocessados entre crianças integrantes do programa Bolsa Família (substituído em novembro passado pelo Auxílio Brasil). Esses produtos são basicamente uma mistura de sal, açúcar, gordura e conservantes e sequer são considerados comida de verdade. Recebem uma série de aditivos industriais para alterar seu gosto e prazo de validade, o que os torna mais palatáveis, baratos, práticos e acessíveis – apesar de não terem valor nutricional. “As pessoas sentem uma falsa sensação de saciedade porque na verdade não estão se alimentando quando comem esses produtos”, diz a endocrinologista Zuleika Halpern, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Em metade dos domicílios pesquisados pelo Unicef, as crianças com menos de 6 anos consomem salgadinho de pacote, macarrão instantâneo e refrigerante de uma a três vezes por semana. O estudo concluiu que a vulnerabilidade socioeconômica das famílias é um fator que influencia no consumo de ultraprocessados, e a maior dificuldade para melhorar os hábitos alimentares foi o alto custo dos alimentos saudáveis. “O preço de uma salsicha pouco aumentou, enquanto o da cenoura disparou. As pessoas mais pobres estão comendo comida de baixa qualidade porque é mais barato”, diz o economista Arnoldo de Campos, ex-secretário nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Um levantamento feito por ele mostra que, das 20 maiores altas de preços acumuladas este ano até o mês de abril, 19 foram de alimentos in natura. 

Uma série de estudos já investigou a relação entre a falta de recursos para a compra de alimentos saudáveis e o ganho de peso. Algumas dessas pesquisas mostram que, por mais contraintuitivo que pareça, a epidemia de obesidade no Brasil não é oposta à insegurança alimentar, mas uma consequência dela. “Antes as crianças pobres morriam porque não tinham acesso à comida. Agora elas comem, mas vão desenvolver uma série de doenças porque comem mal”, diz Zuleika Halpern. 

A obesidade já vinha avançando entre as crianças vulneráveis de todos os estados brasileiros e, com o início da pandemia, teve um salto em 2020 em relação ao ano anterior. Os casos mais críticos são os estados do Rio Grande do Sul, onde um quarto das crianças de 5 a 10 anos eram obesas (25% dos pesados), Ceará (23%) e Rio Grande do Norte (23%). O problema atinge estados com perfis socioeconômicos diferentes. No Rio, que tem o segundo maior produto interno bruto (PIB) do país, a obesidade infantil subiu de 11% em 2008 para 18% em 2021. Mas o aumento mais acentuado aconteceu em Rondônia, que tem um dos menores PIBs, saltando de 7% para 15%. A obesidade infantil aumentou em todos grupos raciais, mas as crianças brancas apresentaram o índice mais alto em 2021 – 21% delas tinha obesidade ou obesidade grave, ante 18% entre crianças pretas e 16% entre pardas, que por sua vez tiveram índices maiores de magreza e magreza acentuada.

A proporção de crianças com obesidade grave pode crescer ainda mais nos próximos anos, já que também tem aumentado a taxa de sobrepeso na faixa etária de 5 a 10 anos de idade – 16% dos pesados em 2021, ante 14% no início da série histórica. Somando com os obesos, pode-se dizer que cerca de um terço das crianças acompanhadas pela pesquisa no Brasil estava com excesso de peso em 2021 – taxa que, em alguns estados, como o Rio Grande do Sul, chegava a quase metade das crianças pesadas. 

Os dados do Sisvan também mostram a consequência direta da má alimentação ao longo dos anos. Mais de 8% das crianças de 5 a 10 anos têm altura baixa ou muito baixa para a idade. O crescimento infantil é usado como um indicador de saúde das crianças. Até os 5 anos de idade, se as necessidades de saúde e nutrição das crianças são atendidas, o padrão de crescimento médio é semelhante. O déficit na altura é a característica mais representativa do quadro de desnutrição crônica no Brasil. Enquanto o baixo peso é um problema que pode ser revertido, o potencial de crescimento perdido na infância não pode ser recuperado. A proporção de crianças abaixo da altura ideal vinha caindo e atingiu o menor índice da série histórica em 2019 – 8% das crianças de 5 a 10 anos medidas – mas voltou a subir no ano seguinte. 

“A deficiência de estatura é muito mais preocupante do que a do peso. É o que se chama fome crônica, quando a criança cresce menos do que deveria porque não se alimentou direito”, diz o professor Rodrigo Vianna, do departamento de Nutrição da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). “ No caso da estatura, quem comeu menos e ficou magro começa a crescer menos. A magreza é rápida, temporária e pode ser revertida. Já a estatura é a fome crônica, é ela que mostra o grande atraso do desenvolvimento do país”.

Na base de dados do Sisvan, o sudoeste do Amazonas aparece como a pior mesorregião do país em termos de estatura abaixo do esperado entre crianças dos 5 aos 10 anos de idade. A insegurança alimentar na região desafia o senso comum de que na Amazônia não se passa fome porque os recursos naturais são abundantes. O município de Atalaia do Norte (AM), perto da fronteira com a Colômbia – que ganhou notoriedade nas últimas semanas após o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips – detém o mais baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) entre os 62 municípios do estado do Amazonas, segundo os dados de 2010. De um total de 1.027 crianças de 0 a 5 anos pesadas em Atalaia em 2021, 89 tinham “magreza acentuada” (5% do total, portanto acima dos 3% da média nacional no período) ou “magreza” ( 4%, também acima dos 3,4% da média nacional).

Estado brasileiro com maior proporção de pobres, o Maranhão é um exemplo da dupla carga de má alimentação que atinge o Brasil. Tem taxas acima da média nacional de crianças abaixo do peso e também abaixo da altura esperada para a idade. Enquanto isso, a proporção de crianças acima do peso – embora não seja a mais alta no país – cresce ano a ano. Em Trizidela do Vale, onde os salgadinhos de pacote brilham sob o sol nos mercadinhos, o índice de obesidade (somando a moderada e a grave) mais do que triplicou: subiu de 4% em 2008 para 16% em 2021 entre as crianças de 5 a 10 anos. Já o índice de crianças abaixo do peso, que vinha caindo nos últimos anos, voltou em 2021 ao mesmo patamar de 2008. Ou seja: levando em conta o início da série histórica de dados do Sisvan e a situação atual, a desnutrição deixou de ser o principal problema nutricional em Trizidela do Vale – mas não porque deixou de existir. Agora desnutrição e a obesidade são problemas que se somam.

Na penúltima semana de junho, Anajara Guimarães levou o filho caçula, Marcos, de 6 anos, a uma consulta médica. Era uma campanha da igreja do bairro Aeroporto, região afastada do centro de Trizidela do Vale, onde a paisagem já começa a ganhar características rurais. No projeto social, as crianças são pesadas, medidas e os voluntários calculam o Índice de Massa Corporal (IMC) usando um programa de computador. Marcos estava pesando 15 kg. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o peso ideal para um menino da sua idade é de 20 a 23 kg. Além do baixo peso, que, de acordo com os critérios do projeto da igreja, configura um quadro de desnutrição, os exames do garoto também mostraram uma anemia severa. “Nesse dia eu voltei para casa chorando igual criança”, lembra a mãe, que passou a tomar remédios para conseguir dormir. 

Anajara Guimarães com o filho Marcos, de 6 anos, desnutrido. O garoto pesa 15 kg e está abaixo do peso considerado adequado para a idade - Foto: Camille Lichotti

A casa que Anajara Guimarães divide com os três filhos fica escondida num matagal do bairro. É uma construção de pau a pique, na qual o único vão foi dividido em dois quartos, separados por lençóis, sala e cozinha. Como ela está desempregada, o único dinheiro que entra regularmente na casa são os 400 reais do Auxílio Brasil. Mas o valor não é suficiente para garantir a alimentação da família, especialmente com a alta do preço dos alimentos. No fim de junho passado, por exemplo, só havia água na geladeira. No armário, meio saco de arroz e um punhado de feijão. “Não resta quase nada para comer”, diz Guimarães, apontando para o pequeno armário instalado na parede. Ela calcula que a família não come carne de gado há cerca de seis meses. As compras do mês costumam durar duas semanas – nas outras duas, é preciso “dar um jeito”. Guimarães conta que, quando ninguém aparece para ajudar, ela passa dias sem comer para garantir a acanhada alimentação dos filhos. 

A igreja forneceu algumas vitaminas e sulfato ferroso para tratar a anemia do filho mais novo, mas nenhum comprimido substitui a comida. E é justamente ela, a comida, que está em falta. A alimentação de Marcos é basicamente leite em pó e bolacha recheada, diz a mãe. Ele não come arroz e feijão, que é o que sobra no fim do mês, e na escola só toma sopa (a outra opção é arroz com sardinha, que ele não come). O menino gosta mesmo é das frutas: maçã, banana, mamão. Mas elas estão caras demais e a mãe deixou de comprá-las. “Aqui a gente mal tem o básico”, explica, resignada. 

A poucos minutos dali, num outro bairro pobre da mesma Trizidela do Vale, Maria de Fátima Nery, de 27 anos, mora com as três filhas, o namorado e a mãe. Ela diz se lembrar até hoje de quando a filha Maria Clara, de 6 anos, comeu o primeiro pacote de macarrão instantâneo, aos 9 meses de idade. Assim que terminou a refeição ultraprocessada, começou a ter febre e convulsões que duraram vinte dias. Hoje o macarrão instantâneo é uma de suas comidas favoritas. “Não sei que gosto tem, só sei que é bom”, explica a menina. Na última vez em que foi pesada, Maria Clara – que tem a mesma idade de Marcos –, estava com 45 kg. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o peso ideal para meninas nessa idade é de 20 a 23 kg.

Quando recebe algum dinheiro dos pais ou da avó, Maria Clara percorre os mercadinhos próximos à sua casa atrás dos pacotes de salgadinhos de milho, doces e biscoitos recheados – 4 reais garantem uma farra. Dentro de casa, a alimentação não costuma ser melhor. Verduras e legumes, já escassos, são os primeiros a desaparecer quando o orçamento aperta. Maria Clara não sabe, por exemplo, o que é couve. “É uma folha parecida com alface”, disse a mãe ao seu lado, ensaiando uma explicação. A menina também nunca comeu inhame ou beterraba. “É aquela vermelhinha”, a mãe teve que explicar mais uma vez. 

Maria de Fátima Nery com a filha Maria Clara, de 6 anos, e, abaixo, um dos mercados onde as crianças de Trizidela do Vale compram salgadinhos - Fotos: Joaquim Cantanhêde

A família recebe 400 reais por mês do Auxílio Brasil. Só o aluguel da casa onde moram custa 250 reais, e a conta de luz fica em torno de 150 reais por mês. “Para comer, a gente vai se ajeitando como dá”, conta a dona de casa. Nery não consegue planejar a alimentação das crianças porque não faz compras de mês – vai comprando a comida conforme o namorado, ajudante de pedreiro, recebe dinheiro. Às vezes o pai das duas filhas mais velhas paga a pensão de 150 reais ou a avó das meninas manda algum alimento. Mas quando manda, é sempre algo do agrado das netas: pacotes de macarrão instantâneo ou biscoitos recheados. A carne sumiu do prato. Para substituir, Nery agora compra salsicha – uma proteína ultraprocessada com alto teor de gordura –, ovo ou alguma outra mistura. “Estamos acostumados a comer o que aparecer”, diz.

Às vezes o que aparece à noite é o macarrão instantâneo. Maria Clara, a filha mais nova, prepara a refeição ultraprocessada sozinha e come assistindo televisão com a irmã. Também gosta de abrir algum pacote de salgadinho para beliscar enquanto assiste a vídeos no TikTok – fica acordada até quase 2 horas da manhã, diz a mãe. A exposição a telas, especialmente as digitais, durante as refeições é um dos piores hábitos alimentares dessa geração – e também está relacionada ao sedentarismo e aumento dos níveis de obesidade entre as crianças. Maria Clara não costuma passar por exames de rotina, mas a mãe percebe que ela está ficando cada vez mais cansada e às vezes reclama de fadiga quando sai para brincar. “Não considero nossa alimentação saudável porque a gente só vive comendo salsicha, macarrão, essas coisas. Eu nem gosto muito, mas a gente tem que fazer como dá. E não tem outra opção. Ou come isso, ou…”, diz Nery, sem completar a frase.

A endocrinologista Maria Edna de Melo acompanha de perto a transição nutricional no Brasil. Desde 2007 ela chefia a Liga de Obesidade Infantil da Faculdade de Medicina da USP, um grupo que acompanha pacientes da instituição ou casos indicados por outros especialistas. Nos últimos anos, Melo começou a notar uma diferença no padrão de atendimento de crianças com obesidade: elas chegam ao hospital mais jovens e com quadros cada vez mais graves. Há pouco tempo atendeu um menino de 7 anos que sentava no chão porque não conseguia subir na cadeira e tinha dificuldade até para se locomover. Também se tornou assustadoramente comum atender meninas e meninos que têm colesterol alto, hipertensão e diabetes antes de chegar à adolescência. “Eu nunca tinha visto isso antes”, diz a especialista. 

Além das doenças crônicas relacionadas ao excesso de peso, muitas crianças com obesidade – incluindo os níveis mais severos – não escapam da desnutrição. Não porque elas não têm o que comer, mas porque suas dietas costumam ser pobres em nutrientes essenciais. Assim como dividem o mesmo país, desnutrição e obesidade podem dividir a mesma cidade, a mesma casa e até o mesmo corpo. Exames de sangue dos pacientes atendidos no ambulatório da USP mostram deficiências de todos os tipos: de ferro, de vitaminas, de minerais. “Até a década de 1990, a fome era nossa principal preocupação quando falávamos sobre saúde nutricional das crianças. Mas agora temos esse outro problema”, explica Melo. Para ela, a tendência é que aumente o número de pessoas com excesso de peso, mas desnutridas, graças à má qualidade dos alimentos ingeridos. “Hoje não vejo luz no fim desse túnel”, diz.  

Quando o programa Fome Zero foi criado pelo governo federal em 2003, no primeiro ano do primeiro mandato do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o principal desafio do Brasil no campo da nutrição era acabar com a fome. Depois da implementação de uma série de programas, a desnutrição entre crianças caiu mais de 70%, a mortalidade infantil despencou e o país finalmente saiu do Mapa da Fome. O passo seguinte era avaliar a população de forma mais detalhada e organizar ações específicas para resolver problemas pontuais e mais complexos.

Em 2013, na gestão de Dilma Rousseff (PT), o governo federal começou a desenhar o programa Brasil Saudável e Sustentável, uma iniciativa da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), no guarda-chuva do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). O objetivo era articular políticas públicas para enfrentamento do sobrepeso e obesidade. “Hoje nem se fala mais nesse programa, está abandonado”, diz a economista Tereza Campello, ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome durante o governo de Dilma Rousseff, de 2011 a 2016. 

O problema da fome entre os povos indígenas era outro passo a ser dado. “Essa situação não se resolve com Bolsa Família, tem que ter um conjunto de políticas específicas”, defende Campello. Os indígenas no Rio Grande do Sul, por exemplo, são completamente diferentes de povos mais distantes dos centros urbanos da região Norte. Certas comunidades têm problemas gravíssimos de carência de vitamina A – o que não significa que o governo precise distribuir vitamina A a toda a população. “A gente já estava chegando nesse nível de detalhamento, de fazer busca ativa em contextos específicos”, lembra Campello. “Agora não, agora voltamos a ter uma coisa massiva, uma Inglaterra inteira passando fome”. Com o retrocesso no quadro da fome, o Brasil precisa novamente apagar um incêndio de proporções gigantescas – mas dessa vez, com o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional desmantelado. 

Em seu primeiro dia de governo, o presidente Jair Bolsonaro extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), comitê que reunia representantes da sociedade civil e da administração pública para pautar e monitorar as políticas de segurança alimentar e nutricional. O conselho era a cabeça do sistema de segurança alimentar no Brasil. Do dia para a noite, a área ficou acéfala. “O Sisan ainda era um embrião, toda a articulação entre os programas ainda estava sendo construída, mas o processo foi minado na origem”, explica Campello. “É como se tivessem destruído o SUS em 1990.”

Como o sistema é transversal e não se restringe a um ministério, há iniciativas em vários braços do governo. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), um dos mais importantes para a segurança alimentar do país, é responsabilidade do Ministério da Educação. Durante a pandemia, o PNAE ficou à deriva, o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) foi esvaziado e substituído pelo Alimenta Brasil, que teve o orçamento quase zerado em 2021. O Programa de Cisternas também foi praticamente extinto. O Brasil passou pela maior crise sanitária do século – justamente os anos em que aumentaram a fome e a obesidade infantil – sem um Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Até hoje, o governo Bolsonaro não apresentou o documento que deveria orientar as políticas nutricionais entre os anos de 2020 e 2023. E não existe mais Consea para cobrá-lo. 

Para Ana Maria Segall, médica epidemiologista e especialista em saúde coletiva, o país está perdendo a liderança no combate à fome porque as coisas estão sendo feitas “de forma improvisada”. “Nós entramos numa situação terrível de retrocesso das políticas sociais e agora estamos no pior dos mundos”, diz ela, que foi membro do extinto Consea até 2014. Na avaliação da ex-ministra Tereza Campello, o enfraquecimento da rede assistencial e a perda de direitos trabalhistas também contribuíram para a volta da insegurança alimentar. “Para fome não há vacina. Se a população perde renda, a fome volta”, resume. “Se as pessoas não têm acesso à alimentação saudável, pode não voltar a fome, mas vai voltar a desnutrição. E logo em seguida também volta a mortalidade infantil. É um escândalo.”

As duas faces da má alimentação no Brasil entraram no radar das organizações internacionais que há anos atuam no combate à fome. O Programa Mundial de Alimentos (WFP, na sigla em inglês), agência humanitária ligada à Organização das Nações Unidas, já considera o duplo fardo da desnutrição como um desafio sem precedentes. A “fome oculta” – ou seja, a deficiência de vitaminas e minerais –, a obesidade e a desnutrição andam juntos. E embora aparentemente não relacionados, “esses problemas têm as mesmas causas: pobreza, desigualdade e dietas pobres”, diz o site da WFP. “O que as crianças comem precisa ser suficiente para uma vida saudável, para que elas possam se desenvolver”, afirma Daniel Balaban, representante da agência no Brasil e diretor do Centro de Excelência Contra a Fome. “Não basta só dar comida. Para zerar a fome precisamos pensar também no tipo de comida que chega para as crianças.”

Balaban acompanhou de uma posição privilegiada a infame trajetória do Brasil, que deixou de ser exemplo para o mundo para se tornar o caso a não ser seguido. Como diretor do Centro de Excelência Contra a Fome, ele estava acostumado a receber comitivas internacionais para tratar de boas notícias. Seu trabalho era justamente ensinar outros países a combaterem a fome tomando como exemplo as ações brasileiras. “Nosso escritório recebeu mais de cinquenta países diferentes, ajudamos mais de trinta nações a criarem políticas in loco. Levamos a ideia do Consea a esses países, as políticas públicas, tudo”, lembra Balaban. Agora, quando recebe visitas internacionais, o economista se vê numa saia justa diplomática. Todos perguntam o que aconteceu com o Brasil, e ele diz que fica até sem graça: “Esse sempre é o momento mais triste.”

terça-feira, 28 de junho de 2022

Qual a diferença entre ferro heme e ferro não-heme?



O ferro é um mineral essencial para a saúde humana. Sua presença é fundamental para diversos processos biológicos, como o transporte de oxigênio, a respiração celular, a síntese de DNA, a defesa imunológica, entre outras funções.

A maior parte do ferro utilizado no organismo é proveniente do sistema de reciclagem de hemácias, enquanto uma outra parcela é proveniente da dieta. Esse ferro dietético é encontrado sob duas formas principais: o ferro heme (Fe 2+ = ferroso) e o ferro não-heme (Fe 3+ = férrico). Vamos entender as principais diferenças entre eles?

1. Fontes alimentares do Ferro heme ou ferro ferroso ou ferro orgânico
O ferro heme (Fe 2+), também chamado de ferro ferroso ou orgânico, é encontrado apenas em alimentos de origem animal, como carnes, aves, e frutos do mar, a partir da hemoglobina e da mioglobina provenientes desses produtos. As carnes vermelhas são as melhores fontes desse elemento, sendo que a carne bovina possui 50% do seu teor de ferro na forma heme.

2. Absorção e biodisponibilidade
Em sua conformação estrutural, o ferro heme está inserido em um anel porfirínico, que o deixa protegido do ambiente externo. Assim, antes de sua captação pela mucosa, ele pouco interage com fatores dietéticos inibidores, e por isso sua absorção quase não é afetada pela composição da refeição.

Além disso, um fator que beneficia a biodisponibilidade do ferro heme é a sua capacidade de formar complexos solúveis com outros componentes da dieta no intestino, facilitando a sua absorção. Ainda, o baixo pH do estômago, associado a enzimas proteolíticas do estômago e intestino delgado, auxiliam o processo de liberação do Fe 2+ nos enterócitos.

Apesar da falta de consenso, é aceito que o ferro heme tenha biodisponibilidade de 15% a 35%. Em casos de deficiência, pode chegar ao valor de 40%.

3.  Fatores inibidores de absorção
O cálcio é um dos únicos fatores inibidores da absorção do ferro heme. Para diminuir essa interferência, recomenda-se evitar a ingestão de alimentos ricos em cálcio (como leite e queijos) e alimentos ricos em ferro na mesma refeição.

Além disso, quando cozidos por altas temperaturas por muito tempo, o ferro heme dos alimentos podem ser convertidos em ferro não-heme, de biodisponibilidade mais baixa.

4. Riscos de excesso
Apesar da alta biodisponibilidade do ferro heme e sua importância para o organismo, o excesso de consumo deste micronutriente deve ser evitado. Ele pode ser prejudicial aos tecidos, por catalisar a conversão de peróxidos de hidrogênio em radicais livres, que atacam membranas celulares, proteínas e DNA.

Desse modo, alguns estudos associam a ingestão de ferro heme ao risco aumentado de câncer e doenças cardiovasculares.

1. Fontes alimentares do Ferro não-heme (Fe 3+) ou ferro férrico ou ferro inorgânico
O ferro não-heme (Fe 3+), também chamado de ferro férrico ou inorgânico, é encontrado tanto em alimentos de origem vegetal, quanto em alimentos de origem animal (uma vez que os animais consomem alimentos vegetais com ferro não-heme). Alimentos fortificados também são ricos neste nutriente. Portanto,  são exemplos de fontes de ferro não-heme: cereais, grãos, frutas, legumes, farinha de trigo fortificada, carnes, aves e peixes.

2. Absorção e biodisponibilidade
Para a sua absorção intestinal, o ferro férrico (Fe 3+) deve ser oxidado a ferro ferroso (Fe 2+). Na forma de Fe 2+, o ferro é então levado pelo transportador de metal divalente 1 (DMT1). Independentemente do tipo de ferro ingerido (heme ou não heme), após a absorção o uso corporal é o mesmo. Por não se inserir em um complexo porfirínico, o ferro não-heme sofre intensa influência de fatores antinutricionais no seu processo absortivo. Assim, sua biodisponibilidade é mais baixa, variando de 2 a 20%.

3. Fatores inibidores de absorção
Como dito anteriormente, a biodisponibilidade do ferro não-heme é altamente influenciada por alguns componentes da dieta, que podem formar complexos insolúveis com o elemento ou disputar pelo mesmo receptor, reduzindo sua absorção.

Os compostos, alimentos ou fatores que reduzem a absorção do ferro não-heme são:
  • Fitatos;
  • Oxalatos;
  • Taninos e outros compostos fenólicos que se ligam ao ferro (presentes em chás, café, cacau, vinhos tintos, certos vegetais e especiarias);
  • Cálcio;
  • Zinco;
  • Cobre;
  • Proteína isolada de soja;
  • Fosfopeptídeos de caseína (proteínas presentes em ovos, leite e queijos);
  • Redução da acidez gástrica;
  • Estado inflamatório aumentado.
  • Recomenda-se que o consumo destes inibidores aconteça apenas 1 ou 2 horas após refeições ricas em ferro não-heme.
4. Fatores que melhoram a absorção
Por outro lado, existem também alguns componentes facilitadores da absorção do ferro não-heme. São eles:
  • Ácido ascórbico ou vitamina C (o uso de 75 mg aumenta a absorção de ferro de 3 a 4 vezes);
  • Aminoácidos sulfurados (encontrados na carne e feijão);
  • Ácidos orgânicos (cítrico, málico e tartárico);
  • Fruto-oligossacarídeos
  • Tratamento térmico (cocção sob pressão, aquecimento de microondas);
  • Maltagem (processo de conversão dos grãos em malte)
  • Germinação (reduz a concentração de fitatos);
  • Alimentos fermentados, como o chucrute (reduzem a concentração de fitatos e favorecem a formação de ácidos orgânicos, formando ligantes solúveis com o ferro e tornando-o mais biodisponível);
  • Baixo estoque de ferro (aumenta a absorção de 10 a 15 vezes)
  • Como visto, o ferro heme e o ferro não-heme possuem algumas diferenças pontuais, principalmente quanto às suas fontes alimentares e à biodisponibilidade. Contudo, após a absorção, o uso corporal das duas formas é similar, exercendo funções importantes do metabolismo.
Apesar disso, é necessário cautela no consumo excessivo do ferro heme, devido ao seu potencial de risco para doenças. E, para indivíduos que não consomem produtos de origem animal, deve-se ficar atento ao consumo adequado de ferro não-heme, entendendo seus inibidores e facilitadores, de modo a evitar deficiências.


Referências

CARDOSO, Marly Augusto; SCAGLIUSI, Fernanda Baeza. Nutrição e Dietética. 2ª edição, Guanabara Koogan, 2019.

COZZOLINO, Silvia M. Franciscato. Biodisponibilidade de nutrientes. 6ª edição, Editora Manole, 2020.

Harvard T.H. Chan School of Public Health. Iron. The Nutrition Source.

Slywitch, Eric. Guia de Nutrição Vegana para Adultos da União Vegetariana Internacional (IVU). Departamento de Medicina e Nutrição. 1ª edição, IVU, 2022.

Sociedade Brasileira de Pediatria. Consenso sobre Anemia Ferropriva: mais que uma doença, uma urgência médica! Rio de Janeiro (RJ): SBP, 2018.

Vitamin and mineral requirements in human nutrition: report of a joint FAO/WHO expert consultation, Bangkok, Thailand, 21–30 September 1998.