sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

[Conteúdo exclusivo para médicos] Análogos de GLP-1 e o risco de câncer de tireóide

OBJETIVO

Determinar se o uso de agonistas do receptor (RA) do peptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP-1) está associado ao aumento do risco de câncer de tireoide.

PROJETO E MÉTODOS DE PESQUISA

Uma análise de caso-controle aninhada foi realizada com o uso do banco de dados do sistema nacional de seguro de saúde francês (SNDS).  

Indivíduos com diabetes tipo 2 tratados com medicamentos antidiabéticos de segunda linha entre 2006 e 2018 foram incluídos na coorte.

Todos os cânceres de tireoide foram identificados por meio de diagnósticos de alta hospitalar e procedimentos médicos entre 2014 e 2018. 

A exposição ao GLP-1 RA foi medida nos 6 anos anteriores a um período de atraso de 6 meses e considerada como uso atual e duração cumulativa de uso com base em  dose diária definida (≤1, 1 a 3, >3 anos).

Os indivíduos do caso foram pareados com até 20 indivíduos de controle em idade, sexo e duração do diabetes com o procedimento de amostragem de conjunto de risco.  

O risco de câncer de tireoide relacionado ao uso de GLP-1 RA foi estimado com uma regressão logística condicional com ajuste para bócio, hipotireoidismo, hipertireoidismo, outras drogas antidiabéticas e índice de privação social.

RESULTADOS

Um total de 2.562 indivíduos com câncer de tireoide foram incluídos no estudo e pareados com 45.184 indivíduos de controle.

O uso de GLP-1 RA por 1 a 3 anos foi associado ao aumento do risco de todos os cânceres de tireoide (taxa de risco ajustada [HR] 1,58, IC 95% 1,27–1,95) e câncer medular de tireoide (HR ajustado 1,78, IC 95% 1,04–3.05).

CONCLUSÕES

No presente estudo, encontramos aumento do risco de todos os cânceres de tireoide e câncer medular de tireoide com o uso de GLP-1 RA, em particular após 1-3 anos de tratamento.

DESTAQUES DO ARTIGO

• Estudos pré-clínicos sugerem que os agonistas do receptor GLP-1 têm efeitos específicos na glândula tireoide, potencialmente envolvendo o desenvolvimento de câncer de tireoide. Estudos sobre este assunto produziram resultados conflitantes, possivelmente devido à falta de poder estatístico.

• Os resultados deste estudo nacional de base populacional sugerem que o uso de agonistas do receptor GLP-1 está associado ao aumento do risco de câncer de tireoide

• O risco aumentado foi maior no caso de 1-3 anos de uso de agonista do receptor GLP-1.

• Os médicos devem estar cientes desse risco potencial ao iniciar um agonista do receptor de GLP-1 e monitorar cuidadosamente os pacientes expostos

INTRODUÇÃO

Os agonistas do receptor (RA) do peptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP-1), como exenatida, liraglutida, dulaglutida e semaglutida, são drogas de segunda linha ou de linha superior comumente usadas no tratamento do diabetes tipo 2.

Eles induzem a ativação direta do receptor GLP-1, que estimula a secreção pancreática de insulina de forma dependente de glicose, enquanto também inibe a secreção de glucagon.

Estudos pré-clínicos sugerem que o GLP-1 RA tem efeitos específicos na glândula tireoide, envolvendo potencialmente o desenvolvimento de câncer de tireoide, particularmente de câncer medular de tireoide (carcinoma de células C).  

De fato, os receptores de GLP-1 são expressos em tecidos da tireoide, e estudos de carcinogenicidade em ratos e camundongos demonstraram um risco aumentado de carcinoma medular dependente da dose e do tempo com GLP-1 RA.

Com base nesses achados, a Food and Drug Administration dos EUA (mas não a Agência Europeia de Medicamentos) contra-indica o uso de liraglutida, dulaglutida, exenatida de liberação prolongada e semaglutida em pacientes com história pessoal ou familiar de câncer medular de tireoide e múltiplas doenças endócrinas.  neoplasia tipo 2. 

Ainda assim, a relevância da carcinogenicidade animal para humanos não foi claramente determinada para AR GLP-1.

Um aumento no número de cânceres de tireoide foi relatado no ensaio clínico Liraglutide Effect and Action in Diabetes: Evaluation of Cardiovascular Outcome Results (LEADER) avaliando liraglutida versus placebo, mas o risco não atingiu significância estatística (hazard ratio [HR] 1,66, IC 95% 0,40–6,95), bem como em uma meta-análise de 12 outros ensaios clínicos com liraglutida (odds ratio [OR] 1,54, IC 95% 0,40–6,02).

No entanto, esses estudos não foram desenhados para avaliar o risco de câncer de tireoide, e suspeita-se de falta de poder estatístico.

Em 2012 e 2018, dois estudos observacionais não mostraram aumento do risco de câncer de tireoide com exenatida.

No entanto, no mais recente, com o uso de dois bancos de dados administrativos dos EUA, os pesquisadores encontraram uma tendência não significativa de aumento do risco de câncer de tireoide com exenatida (OR 1,46, IC 95% 0,98-2,19).

Consequentemente, há atualmente incerteza sobre o risco potencial de câncer de tireoide associado à AR por GLP-1.

Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar o risco de câncer de tireoide associado ao uso de GLP-1 RA em um cenário nacional do mundo real.

CONCLUSÕES

Neste estudo nacional de base populacional, o uso de GLP-1 RA foi associado a maior risco de câncer de tireoide.

Nossos resultados sugerem que o risco de câncer de tireoide deve ser considerado com AR GLP-1, particularmente em pacientes tratados por 1-3 anos.

A análise complementar de farmacovigilância com o uso do banco de dados mundial de reações adversas a medicamentos forneceu resultados consistentes.

Até onde sabemos, este é o primeiro estudo com investigação do risco de câncer de tireoide com os principais AR GLP-1 em um grande banco de dados administrativo.

Nossos achados não são consistentes com os relatados nos ensaios clínicos randomizados, que não mostraram um aumento no risco de câncer de tireoide com os diferentes AR GLP-1 individualmente ou em uma meta-análise.

No entanto, esses resultados foram baseados em dados de pacientes hiperselecionados de ensaios clínicos com protocolos abrangentes longe de dados da vida real e em muito poucos casos observados de câncer de tireoide (<10).

Em dois outros estudos observacionais, os investigadores não encontraram nenhum risco de câncer de tireoide com exenatida.

No entanto, esses estudos incluíram o uso de bancos de dados comerciais, induzindo um risco de seleção de pacientes e, com muito menos casos expostos do que em nosso estudo, provavelmente não tinham poder estatístico (<100 casos identificados de câncer de tireoide expostos ou não ao GLP1 RA em cada estudo).

Finalmente, os resultados de nossas análises globais complementares de farmacovigilância foram consistentes com os de um estudo de farmacovigilância nos EUA, onde a exenatida foi comparada com outros medicamentos antidiabéticos e foi encontrado um excesso de relatos de câncer de tireoide.

Vários estudos em animais demonstraram que a exposição à exenatida, liraglutida e dulaglutida estava associada ao câncer medular da tireoide em roedores de ambos os sexos.

Acreditava-se que o papel do GLP-1 RA no aumento da liberação de calcitonina e na expressão do gene da calcitonina resultando em hiperplasia de células C era específico para roedores.

Nossas descobertas claramente levantam preocupações sobre a relevância desse risco para os seres humanos.

Encontramos risco aumentado de câncer de tireoide para todos os AR GLP-1 estudados para > 1 ano de uso, exceto para dulaglutida por 1-3 anos de uso, mas a análise foi baseada em apenas 13 casos expostos (provavelmente devido à comercialização posterior),  sugerindo falta de poder estatístico neste grupo.

Embora a expressão do receptor GLP-1 em humanos seja menor do que em roedores, os receptores GLP-1 estão presentes no tecido tireoidiano humano ou células C neoplásicas da tireoide, sugerindo um papel direto da ativação do receptor GLP-1 na  ocorrência de câncer de tireoide em pessoas com diabetes tipo 2.

Em nosso estudo, o uso de inibidores de DPP-4 também foi associado a maior risco de câncer de tireoide, mas com estimativas de risco mais baixas.

Esses resultados podem estar relacionados à hipótese de que a inibição de DPP-4 resulta em aumento dos níveis endógenos de GLP-1, mas proporciona menor ativação do receptor de GLP-1 do que o uso de AR direto resistente a DPP-4.

HRs mais altas foram encontradas para o período de 1-3 anos de uso de GLP-1 RA (especialmente para pacientes do sexo masculino).  

Embora o potencial efeito carcinogênico do GLP-1 RA na tireoide não seja bem compreendido, este achado sugere que cânceres de tireoide induzidos podem se desenvolver após um período relativamente curto de exposição ao GLP-1 RA ou que o GLP-1 RA pode promover lesões pré-cancerosas da tireoide.

A presença de bócio, hipotireoidismo e hipertireoidismo foi maior nos casos do que nos controles; portanto, ajustamos essas variáveis ​​em nossas análises.  

É improvável que outras características levemente desequilibradas, como hipertensão ou tratamento com anti-inflamatórios não esteroides, possam ter confundido a associação.

Importante, não encontramos evidências de um potencial viés de detecção no estudo aqui apresentado.

Se existisse, o risco de tireoidectomia negativa (ou tireoidectomia sem diagnóstico de câncer de tireoide associado) teria sido aumentado com o uso de GLP-1 RA, o que não foi o caso.

Isso permite considerar que o risco aumentado de câncer que relatamos em nossa análise de caso-controle não deve estar relacionado ao achado incidental de câncer em pacientes que teriam maior probabilidade de receber tireoidectomia exploratória.

Além disso, o viés de triagem é esperado especificamente para condições assintomáticas, o que raramente é o caso de cânceres de tireoide, especialmente os medulares.

Semelhante ao viés de detecção, pode ocorrer um viés de notificação na análise do banco de dados de farmacovigilância, que resulta da notificação preferencial de casos de medicamentos para os quais um risco ou risco potencial já foi comunicado.

Como nenhum aviso sobre um potencial sinal associando GLP-1 RA com câncer de tireoide foi emitido no momento em que o período que consideramos para a análise terminou, não há razão para acreditar que tal viés teria afetado 
os resultados da análise complementar de farmacovigilância que realizamos.

Este estudo tem vários pontos fortes, incluindo o uso de um banco de dados de saúde nacional do mundo real, permitindo a representatividade da prática clínica atual (todos os pacientes franceses elegíveis expostos a medicamentos antidiabetes de segunda linha foram considerados) e a exaustividade dos dados  em termos de exposição (todas as dispensações são capturadas no banco de dados), diagnósticos de internação e procedimentos clínico-cirúrgicos.  

Além disso, a combinação de casos e controles e o ajuste de nossos modelos permitiram considerar importantes fatores de confusão potenciais, como idade, sexo, duração do diabetes, índice de privação social, bócio, hipotireoidismo, hipertireoidismo e exposição a outros medicamentos antidiabéticos.

Os pacientes incluídos tinham pelo menos 8 anos de histórico no banco de dados antes da data do índice, permitindo otimizar a avaliação da duração do diabetes.

Por fim, os resultados permaneceram consistentes nas análises estratificada e de sensibilidade.

No entanto, este estudo tem algumas limitações.

Primeiro, a definição de eventos e condições com uso de diagnósticos e procedimentos codificados em bancos de dados de hospitalização não pode excluir erros de classificação de desfecho e potenciais fatores de confusão.  

Além disso, não havia código específico disponível para câncer medular de tireoide.

Assim, para este desfecho, usamos uma definição que combina o diagnóstico de câncer de tireoide com vários testes de calcitonina, teste de CEA ou um tratamento específico (vandetanibe) para melhorar a validade da identificação do caso.

Em segundo lugar, as informações sobre os diagnósticos de internação não distinguem eventos recorrentes com internações sucessivas de várias internações relacionadas a um único evento incidente.

No entanto, a exclusão de pacientes com câncer nos 8 anos anteriores à entrada na coorte provavelmente evitou a classificação errônea dos eventos incidentes.

Terceiro, a exposição a medicamentos avaliada por meio de bancos de dados de assistência à saúde está sujeita a erros de classificação, uma vez que não se pode determinar se um medicamento dispensado é realmente administrado ao paciente.  

No entanto, várias prescrições sucessivas provavelmente estão associadas ao uso real de drogas.  

Os estudos farmacoepidemiológicos de risco de câncer são frequentemente sujeitos a viés protopático.

Em nosso estudo, adicionar um tempo de defasagem e analisar suas mudanças nas análises de sensibilidade reduziu o impacto desse potencial viés.

Por fim, potenciais confundidores como histórico familiar de câncer de tireoide e exposição à radiação ambiental estavam faltando no banco de dados, levando à possibilidade de confusão residual, inerente aos estudos observacionais.

• Conclusão

Em resumo, os resultados deste estudo nacional de base populacional sugerem que o uso de GLP-1 RA está associado ao aumento do risco de câncer de tireoide e câncer medular de tireoide em particular.

O risco aumentado foi maior para 1-3 anos de uso de GLP-1 RA e permaneceu elevado por > 3 anos de uso.

Os médicos devem estar cientes desse risco potencial ao iniciar uma AR GLP-1 e monitorar cuidadosamente os pacientes expostos, especialmente na presença de outros fatores de risco para câncer de tireoide.

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Inciativa premiada no Prêmio Euro - Inovação na Saúde
By Alberto Dias Filho - Digital Opinion Leader
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quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

O que é e para que serve a dieta Low FODMAP ?

A sigla FODMAP nada mais é do que a abreviação em inglês de Fermentable Oligosaccharides, Disaccharides, Monosaccharides and Polyols. 

Ou seja, traduzindo de forma mais simples e resumida, é um conjunto de carboidratos que podem ter uma digestão mais dificultada, além de apresentarem uma alta capacidade em "puxar" água para o intestino e aumentar a produção de gás pelas bactérias presentes nesse órgão (microbiota intestinal).

📣Mas para que serve essa estratégia "low/baixa" em FODMAPs?

Vários estudos demonstram que essa dieta reduz de forma bem significativa a produção de gases e distensão abdominal nos pacientes, sendo uma alternativa muito válida para ser aplicada nas doenças inflamatórias intestinais (Retocolite ulcerativa e Crohn), quadros de síndrome do intestino irritável e supercrescimento bacteriano do intestino delgado. 

Há casos de intolerâncias alimentares que a low FODMAP pode ser a dieta de escolha para realizar uma investigação mais minuciosa.

Portanto, essa estratégia é excelente quando bem prescrita. Mas lembre-se, por ser uma dieta bem restritiva, não deve ser feita sem a orientação profissional. Além disso, a duração da dieta não deve ser superior a 2-3 meses, já que piorar de forma significativa a microbiota intestinal e o risco nutricional.

Autor: 
Rodrigo Lamonier - Nutricionista e Profissional da Educação física
Revisores: 
Dr, Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM 13192 - RQE 11915
Márcio José de Souza - Profissional de Educação física e Graduando em Nutrição. 

Infecção pelo vírus HIV e aspectos nutrológicos da AIDS

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera 1 de Dezembro, como o dia mundial de Combate à Aids. O Objetivo é alertar as pessoas sobre essa doença. A data foi escolhida pela OMS e é celebrada anualmente desde 1988 no Brasil, um ano após a Assembleia Mundial de Saúde que fixou a data de comemoração.

A AIDS é uma doença ocasionada pelo Human Immunodeficiency Virus  (HIV) ou vírus da imunodeficiência humana, que leva a uma depleção imunológica.

Durante a infecção inicial, o indivíduo que se contamina com o HIV passará por um breve (as vezes menos de 14 dias) período doente, com sintomas semelhantes aos da gripe. Normalmente isto é seguido por um período prolongado sem qualquer outro sintoma.

À medida que a infecção progride, ela interfere gradativamente no sistema imunológico, tornando a pessoa muito mais propensa a ter outros tipos de doenças, como infecções oportunistas e câncer, que geralmente não afetam as pessoas com um sistema imunológico saudável.

Antes de tudo faz-se necessário compreender, que HIV e AIDS são diferentes. Nem todo paciente  vivendo com o HIV (PVHIV) tem AIDS mas todo paciente com AIDS convive com o HIV.

A AIDS é a depleção imunológica ocasionada pelo vírus. Ela se manifesta através de infecções por agentes (vírus, fungos, bactérias) que quando presentes em um indivíduo imunocompetente (sadio) o organismo conseguiria resolver o processo infeccioso.

Ou seja, o indivíduo fica vulnerável a agentes que normalmente não são “tão patogênicos” para alguém que esteja com o imunológico saudável.

Para ler o texto completo que escrevi sobre o tema acesse: https://nutrologojoinville.com.br/infeccao-por-hiv-e-nutrologia/

terça-feira, 29 de novembro de 2022

O ciclo circadiano do recém-nascido e o aleitamento materno

A crononutrição tem como objetivo ajustar a qualidade da nutrição e a ingestão para coordenar o relógio biológico de um indivíduo, de modo que se consuma o tipo e a quantidade de alimentos na hora do dia mais ideal. A maior parte da compreensão atual da crononutrição surgiu de estudos em adultos e, portanto, não abrange o tempo de vida dos bebês.

No útero, o feto é exposto por aproximadamente 9 meses aos ritmos circadianos, fisiológicos, metabólicos e comportamentais da mãe. Este meio circadiano é abruptamente interrompido após o nascimento, mas a natureza desenvolveu a substituição perfeita, o leite materno, cuja composição muda de acordo com os ritmos circadianos da mãe. Não surpreendentemente, em humanos, o recém-nascido ingere leite durante o dia e a noite, e os componentes nutritivos e não nutritivos mudam de acordo com esses horários.

Após o nascimento, o recém-nascido é exposto a uma variedade de manipulações e mudanças ambientais e o tempo de estabelecimento dos ritmos circadianos de glicocorticoides, melatonina, repouso diurno/noturno e o ritmo do sono variam amplamente dos 3 aos 6 meses de idade. Em um estudo em que a criança foi amamentada sob livre demanda durante o dia e a noite e exposta à luz apenas durante o dia, os ritmos circadianos de temperatura, sono/vigília e melatonina foram detectados durante a primeira semana e aos 30 e 45 dias de vida, respectivamente, sendo mais cedo do que a maioria dos estudos. O acúmulo de evidências revela os benefícios das mudanças nos componentes do leite e nas condições ambientais para o bebê.

Estudos que avaliaram a relação do leite materno, ciclo circadiano e seu impacto no bebê e concluíram que:
  • O triptofano, guanosina, uridina e melatonina presentes no leite humano durante a noite melhoraram o sono infantil e ajudaram a consolidar seu ciclo sono/vigília;
  • A vitamina B12 pode melhorar o sono em crianças;
  • Existem substâncias cronobióticas no leite que contribuem para o estabelecimento do ciclo sono-vigília do lactente;
  • Os bebês amamentados exclusivamente tiveram melhores parâmetros de sono em comparação com bebês alimentados com fórmula;
  • Os bebês com 2 meses de idade que foram amamentados, em contraste com bebês alimentados com fórmula, tiveram uma frequência significativamente menor de ataques de cólica e gravidade dos ataques de irritabilidade, o que foi associado ao consumo noturno de melatonina através do leite;
  • Os ritmos circadianos são importantes para o bem-estar dos lactentes e afeta severamente a sobrevida;
  • Os bebês que foram expostos à variação da condição claro/escuro e alimentados com leite materno apresentaram maior ganho de peso, melhor saturação de oxigênio, desenvolveram mais rapidamente um ritmo de melatonina e menor tempo de internação.
Esses estudos são exemplos da importância dos ritmos circadianos após o nascimento do bebê. 

Felizmente, a evidência convincente dos benefícios da exposição de bebês prematuros a um ciclo claro/escuro está levando as sociedades de cuidados neonatais a recomendar essa prática para aplicações clínicas.

Além disso, considerando que estamos no novembro roxo, mês de conscientização sobre o nascimento prematuro, vale destacar que a amamentação desde o nascimento é eficaz na prevenção da morte de bebês prematuros, em contraste com as práticas convencionais de cuidado.


Referência: Caba-Flores MD, Ramos-Ligonio A, Camacho-Morales A, Martínez-Valenzuela C, Viveros-Contreras R, Caba M. Breast Milk and the Importance of Chrononutrition. Front Nutr. 2022 May 12

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Quando o meio não se adequa ao portador de obesidade

 Essa semana, a digital influencer e modelo plus size Juliana Nehme divulgou em seu instagram que foi impedida de embarcar em um voo da Qatar Airways no Líbano por ser considerada "gorda demais".

A brasileira já chegou ao Brasil, mas esse caso levanta dúvidas sobre quais são as regras das empresas para passageiros considerados obesos. As companhias devem oferecer extensores de cinto de segurança para os passageiros que não consigam fechar os seus em torno da cintura. Em assentos localizados em saídas de emergência, entretanto, mesmo com mais espaço, os extensores são negados por questões alegadas de segurança.

Nas empresas nacionais, a maioria dos assentos gira em torno de 43,2 e 45,8 cm de largura por 76,2 a 86,4 cm de distância entre o encosto e o da frente. Nem sempre essa medida é confortável para quem vai viajar. Entretanto, como essa é uma questão mais ligada ao volume, e nem só com o peso, às vezes, espaço extra para as pernas permite uma melhor acomodação. Caso não, talvez possa ser necessário reservar um assento extra, dependendo da situação e da política da empresa

domingo, 27 de novembro de 2022

Sintomas de anemia: como a alimentação pode ajudar?

A anemia é um grave problema de saúde pública global, que afeta principalmente crianças e mulheres grávidas. Com sintomas que vão desde fadiga até frequência cardíaca elevada, a doença deve ser rapidamente diagnosticada e tratada. A alimentação pode contribuir para este tratamento: continue lendo para descobrir como.

O que é anemia?

A anemia é a condição patológica na qual o número de glóbulos vermelhos ou a concentração de hemoglobina (Hb) dentro deles é menor do que o esperado. Como os glóbulos vermelhos são responsáveis pelo transporte de oxigênio para os tecidos corporais, a anemia dificulta esse transporte, ocasionando diversas consequências para a saúde.

Mundialmente, estima-se que 42% das crianças com menos de 5 anos de idade e 40% das mulheres grávidas são anêmicas. As causas da anemia são múltiplas, incluindo carências alimentares, fatores  hormonais, genéticos e imunológicos.

Tipos de anemia

Os tipos mais comuns de anemia são:
  • Anemia ferropriva: causada por perda de sangue ou falta de ferro na dieta.
  • Anemia megaloblástica: causada por baixa ingestão ou dificuldade de absorção de vitamina B12 ou ácido fólico.
  • Anemia falciforme: distúrbio hereditário em que os glóbulos vermelhos assumem o formato de foice, podendo obstruir o fluxo sanguíneo.
  • Anemia hemolítica: quando o corpo destrói os glóbulos vermelhos mais rápido do que os produz.
  • Anemia por doenças crônicas: surge como resultado de câncer, HIV/AIDS, doença de Crohn e outras condições crônicas que interferem na produção de glóbulos vermelhos.
  • Anemia aplástica: incapacidade da medula óssea de produzir glóbulos vermelhos.

Quais os sintomas de anemia?

Na anemia, os sintomas são decorrentes da menor distribuição de oxigênio para os tecidos corporais. A queda da hemoglobina leva à mobilização de mecanismos compensatórios, tais como aumento do débito cardíaco, redistribuição do fluxo sanguíneo para órgãos vitais, aumento do influxo de líquido do espaço extravascular  para  o  intravascular,  dentre  outros.

As manifestações clínicas irão depender da etiologia, da gravidade, da velocidade de instalação, das eventuais comorbidades e dos mecanismos compensatórios que o paciente foi capaz de mobilizar.

De modo geral, os principais sinais e sintomas de anemia são:
  • Fadiga
  • Fraqueza (astenia)
  • Falta de ar (dispneia)
  • Frequência cardíaca aumentada
  • Tontura
  • Palpitações
  • Dor de cabeça (cefaleias)
  • Zumbidos
  • Cãibras
  • Falta de apetite
  • Palidez da pele e mucosas (olhos, gengiva)
  • Dificuldade de aprendizagem
  • Queixas específicas também  podem  ocorrer  em  diferentes  tipos  de  anemia. Na anemia megaloblástica, por exemplo, podem haver sintomas neurológicos, glossite (língua avermelhada) e parestesia (sensação de formigamento).

Diagnóstico de anemia

O diagnóstico da anemia é feito através da avaliação dos exames laboratoriais. Dentre eles, o hemograma completo é o mais importante, pois permite  classificar a anemia de acordo com sua intensidade e com o volume corpuscular médio (VCM) dos glóbulos vermelhos, além de mostrar as contagens de leucócitos e plaquetas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define anemia como a concentração de Hb inferior a 12 g/dL para mulheres pré-menopausa, e inferior a 13,0 g/dL para homens e para mulheres pós-menopausa.

O que comer quando se está com anemia?

O tratamento para anemia através da alimentação é muito importante, devendo ser incentivado por todos os profissionais de saúde. A depender da causa, algumas estratégias devem ser mais ou menos empregadas. A seguir, confira as principais dicas para tratamento da anemia através da alimentação.

1. Aumentar ingestão de ferro e vitamina C

Na anemia ferropriva, o foco deve ser o aumento da ingestão dietética de ferro, através dos seguintes alimentos:
  • Carnes brancas e vermelhas (fígado, coração, moela)
  • Cereais, pães e farinhas fortificadas com ferro
  • Vegetais folhosos verde-escuros (agrião, couve, taioba)
  • Feijões e leguminosas (ervilha, lentilha, grão de bico)
  • Tofu
  • Nozes, sementes e oleaginosas (chia, amêndoas, etc)
  • Frutas secas (uva passa, ameixa, tâmara, damasco)
Para aumentar a absorção de ferro, recomenda-se o consumo de alimentos ricos em vitamina C junto às refeições, tais como kiwi, laranja, limão, acerola, tangerina, goiaba e abacaxi.

Atenção: uma exceção para esta recomendação é a anemia falciforme, uma vez que as transfusões podem gerar uma sobrecarga de ferro.

2. Evitar alimentos que diminuem a absorção do ferro

Durante refeições ricas em ferro, deve-se evitar o consumo de alimentos que prejudicam o aproveitamento deste micronutriente. São exemplos de alimentos a serem evitados:
  • Chás
  • Café
  • Leite
  • Queijos
  • Sorvete
  • Iogurte
  • Pudim
  • Chocolate e cacau
  • Refrigerantes
  • Vinho tinto
  • Aveia
  • Linhaça
  • Nos chás e café, há presença de taninos e outros compostos fenólicos que se ligam ao ferro, diminuindo sua absorção. Por isso, recomenda-se o consumo 1 hora antes ou depois das refeições, para que não atrapalhe a absorção deste mineral.
3. Aumentar a ingestão de vitamina B12 e ácido fólico

Em casos de anemia megaloblástica, a vitamina B12 e o ácido fólico são os principais micronutrientes que merecem atenção.

Para aumentar a ingestão de vitamina B12, produtos de origem animal devem ganhar foco: carnes vermelhas e brancas, vísceras (fígado, coração moela), peixes (sardinha, atum salmão), frutos do mar, ovos, leites e derivados. Para o paciente vegetariano, a suplementação será necessária.

Já uma alimentação rica em ácido fólico deve incluir os seguintes alimentos:
  • Hortaliças verde-escuras: espinafre, agrião, acelga, caruru, brócolis, cheiro verde, coentro, couve, taioba, pimentão.
  • Farinhas fortificadas.
  • Leguminosas: feijões, grão de bico, soja.
  • Oleaginosas e sementes: amendoim, nozes, avelã, castanha de caju, semente de girassol.
  • Frutas cítricas: abacaxi, acerola, caju, laranja, limão, morango, pêssego, romã, tangerina, uva, dentre outras.
  • Além disso, deve-se atentar aos níveis de zinco deste paciente, uma vez que o baixo nível contribui para a diminuição da absorção intestinal do folato.
Conclusão

Em alguns casos, a anemia pode ser uma condição intimamente relacionada com a deficiência de micronutrientes, tais como ferro, ácido fólico e vitamina B12. Sendo assim, de modo a reduzir seus sintomas e promover seu tratamento, as estratégias alimentares que visem aumentar a ingestão destes nutrientes são bem-vindas.

Referências

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Como se dá o diagnóstico da intolerância à lactose?

 Excelente postagem feita pelos meus colegas do Nutritotal: https://nutritotal.com.br/pro/intolerancia-a-lactose-como-diagnosticar/

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Dieta anti-estresse ou dieta psicobiótica

A alimentação pode modular a microbiota, trazendo efeitos positivos no humor.

O estresse do dia-a-dia pode acarretar em diversas consequências para a saúde mental humana. Como forma de revertê-lo, diversas terapêuticas podem ser empregadas, inclusive algumas estratégias alimentares. Em um recente estudo, o objetivo foi investigar  o potencial da dieta psicobiótica para modular a microbiota intestinal, e assim gerar efeitos positivos no humor. Continue lendo para entender essa associação.

O que é Dieta Psicobiótica?

A dieta psicobiótica ou “dieta dos psicobióticos”  é o termo cunhado para descrever intervenções alimentares que visem um impacto na função cerebral mediado por bactérias intestinais.

Basicamente, ela é composta por alimentos que influenciam fortemente o microbioma, como grãos integrais, frutas e vegetais prebióticos, alimentos fermentados e leguminosas. Além disso, desencoraja-se o consumo de doces, fast food, bebidas açucaradas, etc.

Na ciência, diferentes mecanismos têm sido propostos como subjacentes à comunicação microbiota-intestino-cérebro, incluindo o sistema imunológico, metabólitos microbianos ou o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA).

Sendo a microbiota um canal chave para processos cerebrais, humor e comportamento, essas estratégias alimentares poderiam beneficiar a saúde mental das populações, inclusive a parcela resistente às terapias tradicionais.

Metodologia: 45 adultos foram analisados

Para investigar a influência da dieta psicobiótica na microbiota e no estresse, 45 adultos (18 a 59 anos) foram randomizados no grupo de intervenção (n = 24) e no grupo controle (n = 21), durante 4 semanas.

A dieta psicobiótica foi composta por:
  • Legumes: 3 a 4 porções por semana;
  • Alimentos fermentados (chucrute, kefir, kombucha…): 2 a 3 porções ao dia;
  • Grãos: 5 a 8 porções ao dia;
  • Frutas e vegetais ricos em fibras prebióticas (cebola, alho-poró, repolho, maçã, banana, aveia…): 6 a 8 porções ao dia.
  • Os participantes do grupo de intervenção também foram instruídos a manterem atividade física e permanecer numa ingestão calórica de 2.000 a 2.200 kcal/dia para mulheres ou 2.400 a 2.800 kcal/dia para homens.

Níveis de estresse, saúde geral e sono foram avaliados por meio de questionários validados, pré, durante e pós-intervenção. Também foi realizado o perfil metabólico de amostras de plasma, urina e fezes. A composição e a função da microbiota fecal foram caracterizadas usando sequenciamento de espingarda.

O estresse diminuiu

Durante a intervenção, houve uma diminuição de 32% do estresse percebido no grupo sob a dieta psicobiótica, contra uma diminuição de apenas 17% no grupo controle. A análise de regressão revelou que a maior adesão à dieta resultou nas menores pontuações de estresse. Apesar disso, não houve diferenças significativas entre os grupos no pós-intervenção.

Em relação às mudanças na microbiota intestinal, foram observadas mudanças sutis na função e composição microbiana no grupo de intervenção, tal como o aumento da Blautia wexlerae, uma bactéria comensal que é inversamente correlacionada com obesidade e diabetes mellitus tipo 2.

Os autores sugerem que a curta duração do estudo, o baixo número da amostra e a insuficiente quantidade de alimentos fermentados foram fatores que prejudicaram alterações microbianas mais estruturadas.

Mudanças nos metabólitos microbianos

Apesar de não se ter encontrado alterações significantes na microbiota, foi observado um impacto importante nos metabólitos fecais: um total de 40 metabólitos lipídicos foram significativamente afetados no grupo da dieta, o que não foi observado no grupo controle.

Embora essas mudanças possam ser atribuídas à redução da ingestão de alimentos ricos em gordura, outras investigações revelaram que vários micróbios probióticos podem induzir alterações nos metabólitos lipídicos, o que pode ter consequências para a saúde periférica.

A análise metabolômica também revelou que os metabólitos da urina foram alterados no metabolismo do triptofano, que já demonstrou ser estreitamente regulado pela microbiota, e pode servir como importantes mensageiros bioativos na comunicação microbiota-cérebro.

Por fim, a intervenção dietética também reduziu o metabólito da via da quinurenina, cujos efeitos neurotóxicos podem interromper a neurotransmissão em altas concentrações.

Conclusão: mais estudos são necessários

Em conclusão, a dieta psicobiótica melhorou o estresse nos participantes, enquanto provocava mudanças metabólicas específicas na microbiota intestinal.

No entanto, os resultados devem ser interpretados com cautela: não foi possível associar as alterações nos metabólitos com as alterações no estresse. Além disso, embora as melhorias no estresse tenham sido observadas no grupo de intervenção, não houve diferenças significativas entre os grupos após o fim da pesquisa.

Embora o estudo forneça dados importantes sobre a interação entre dieta, microbiota e saúde mental, as mudanças sutis e o tamanho limitado da amostra destacam a necessidade de mais investigações para confirmar o efeito de alívio do estresse da dieta psicobiótica.


Referência: BERDING, Kirsten et al. Feed your microbes to deal with stress: a psychobiotic diet impacts microbial stability and perceived stress in a healthy adult population. Molecular Psychiatry, p. 1-10, 2022.

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

[Conteúdo exclusivo para médicos e nutricionistas] - O valor calórico das carnes de gado, porco, frango e peixe são iguais?

Por definição, “carne” é o produto advindo das porções comestíveis de animais domésticos, selvagens ou de criação, que servem de alimento ao homem. No Brasil, os tipos de carne mais consumidos incluem as carnes de aves, bovinas e suínas, além dos pescados. Neste artigo, você irá entender as diferenças entre os valores calóricos e nutricionais das carnes mais consumidas em nosso país.

Valor calórico e nutricional dos tipos de carne
Basicamente, a estrutura das carnes envolve a presença de três tecidos distintos: o muscular, o conjuntivo e o adiposo. Já os órgãos internos, normalmente chamados de vísceras, também podem ser classificados como carne.

Em geral, as carnes são fontes de proteínas de alto valor biológico (10 a 20%), gorduras (5 a 30%), vitaminas (principalmente A, complexo B, D, e K) e minerais (principalmente ferro, cálcio, sódio e potássio).

Contudo, a composição de cada carne varia de acordo com a raça do animal, tipo de ração ingerida, condições climáticas, corte e preparo culinário. Esses fatores conferem uma diferença considerável em suas propriedades nutricionais e sensoriais.

O valor calórico fornecido pelas carnes depende principalmente da quantidade de proteínas e gorduras, uma vez que a quantidade de carboidratos nas carnes é irrelevante. Cortes diferentes do mesmo animal possuem valor calórico diverso.

A seguir, você encontra o teor calórico e nutricional dos diferentes tipos e preparos de carne consumidos pela população brasileira.

Carne bovina

As carnes bovinas fazem parte do grupo de carnes vermelhas, e são obtidas a partir das musculaturas dos bovinos, principalmente do gado doméstico.

Estes produtos fornecem ótimos níveis de proteína, além de micronutrientes como zinco, ferro,  fósforo, potássio, magnésio, e vitaminas do completo B. Porém, é preciso tomar cuidado com a alta quantidade de gorduras saturadas e colesterol.

Diferentes músculos bovinos fornecem corte de carne com características sensoriais distintas. As regiões mais ricas em gordura fornecem carnes mais macias, sendo consideradas “carnes gordas” (quando a quantidade de gordura excede em 50% o valor calórico). Picanha e acém são exemplos.

Já as musculaturas submetidas a maiores esforços fornecem carnes mais duras, com maior conteúdo de tecido conectivo: são as “carnes magras”, como lagarto, filé-mignon e patinho. Neste caso, a quantidade de gordura não excede em 50% o valor calórico proveniente desta gordura.

Na tabela a seguir, estão apresentados os teores de calorias dos diferentes tipos de carnes bovina, da menos calórica para a mais calórica. Níveis de proteínas, gorduras totais, gorduras saturadas e colesterol também foram incluídos, para melhor orientar a prescrição nutricional.


Carne suína

A carne suína, ou carne de porco, também integra o grupo das carnes vermelhas. Muito comum em preparações regionais (como feijoada, virado à paulista ou feijão tropeiro), a carne suína possui quantidades de colesterol similares às da carne bovina. Além da proteína, também contém níveis consideráveis de vitaminas A e B2, cálcio, ferro e fósforo.

É uma carne rosada, firme, com gordura branca e consistente, mais macia do que a gordura da carne bovina. Se for de qualidade inferior, apresenta muita gordura; porém, depende do corte.

Novamente, por integrar o grupo das carnes vermelhas, é preciso ter cautela com seu consumo: em uma metanálise recente, o consumo destes produtos foi positivamente associado ao aumento do câncer gástrico.

A tabela abaixo expressa o teor de nutrientes a cada 100 g de diferentes cortes suínos (em ordem crescente para o teor calórico).


Carne de frango

As carnes de aves integram as carnes brancas, sendo as mais consumidas mundialmente, em especial o frango. Contudo, carnes de outros animais (como peru, codorna e chester) também são apreciados por muitos.

Quanto ao valor nutritivo, possuem conteúdo protéico semelhante às outras carnes, com menos gordura e menos colesterol, além de serem fontes de cálcio, ferro, fósforo, potássio e zinco. Recomenda-se a retirada da pele para reduzir ainda mais a quantidade de gordura existente.

Os cortes de peito tem menor teor de gordura, enquanto a coxa, sobrecoxa e asa são partes um pouco mais gordurosas. Além disso, miúdos como fígado, coração e moela também são consumidos, além de pé e pescoço.

Compare o teor calórico dos cortes de aves (a cada 100 g) na tabela abaixo:




Carne de peixe

Os pescados são todos os animais aquáticos que servem de alimento para o homem, obtidos de água doce ou salgada, por diferentes processos de captura ou pesca. São divididos entre os peixes e os frutos do mar.

Os peixes, por sua vez, podem ser  gordurosos e de músculo escuro (como atum, sardinha, bagre ou salmão), ou peixes de carne clara (como bacalhau, carpa e dourado). De forma geral, são fontes de proteínas de alto valor biológico e de ômega 3. Os peixes de água salgada são ótimas fontes de iodo e cálcio, além do óleo de fígado ser uma excelente fonte de vitaminas A e D.

Abaixo, apresentamos o teor calórico e nutricional dos peixes mais consumidos a cada 100 g.


Conclusão

Como visto, o valor calórico dos diferentes tipos de carne não é igual. Cortes mais gordurosos, como picanha, alcatra e costela suína, costumam ter mais calorias. No plano nutricional, esse fator deve ser considerado, principalmente para pacientes que estão em busca do emagrecimento.

Leia também:

Quais são as diferenças nutricionais entre as carnes bovina, suína, de frango e de peixe? https://nutritotal.com.br/pro/o-valor-cala-rico-das-carnes-de-gado-porco-frango-e-peixe-sa-o-iguais/

Consumo de carne vermelha e processada aumenta risco de câncer colorretal: https://nutritotal.com.br/pro/consumo-de-carne-vermelha-e-processada-aumenta-risco-de-cancer-colorretal/

Consumo de peixe durante a gestação beneficia o desenvolvimento neurológico do feto: https://nutritotal.com.br/pro/consumo-de-peixe-durante-a-gestaa-a-o-beneficia-o-desenvolvimento-neurola-gico-do-feto/

Referências
  • AHMAD, Rabia Shabir; IMRAN, Ali; HUSSAIN, Muhammad Bilal. Nutritional composition of meat. Meat science and nutrition, v. 61, n. 10.5772, 2018.
  • Domene. Técnica Dietética – Teoria e Aplicações. Guanabara: Rio de Janeiro, 2018.
  • KIM, Seong Rae et al. Effect of red, processed, and white meat consumption on the risk of gastric cancer: an overall and dose–response meta-analysis. Nutrients, v. 11, n. 4, p. 826, 2019.
  • McGee, H. Comida e cozinha: Ciência e cultura da culinária. Martins Fontes: São Paulo, 2016.
  • MOREIRA, Leise Nascimento. Técnica Dietética. Estácio, Rio de Janeiro: SESES, 2016
  • TBCA – Tabela Brasileira de Composição de Alimentos.

Nutritotal Cast - Como as fakenews prejudicam nossa saúde?

 Podcast excelente com a minha grande amiga Dra. Karol Calfa: 


Clique aqui: https://www.buzzsprout.com/703893/11494738

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Conheça o movimento Zero Fake News na Nutrição - Por Dr. Dan Waitzberg

 


Fake News no Vegetarianismo | Zero Fake News na Nutrição


 

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Nutrologia - uma especialidade médica que vai muito além de emagrecimento e ganho de massa

Ontem ouvi uma frase de uma paciente: "pensava que nutrólogo era só pra emagrecimento e ganho de músculo". Isso me fez refletir e conclui que daria um ótimo post. Então esse post é sobre isso. 

Primeiramente devemos compreender que a fala dessa paciente tem que ser analisada com outras perguntas:
  1. Por que as pessoas associam a Nutrologia a obesidade e hipertrofia?
  2. Será que as pessoas (isso inclui profissionais da saúde e leigos) sabem o real papel do nutrólogo?
  3. As pessoas sabem diferenciar o papel do nutrólogo e do nutricionista?
Para facilitar a compreensão e ser mais didático, este post será sob a forma de perguntas e respostas.

Pergunta 01: Por que as pessoas associam a Nutrologia a obesidade e hipertrofia?

R: Em 1973 três médicos (Dr. Dutra de Oliveira, Dra. Clara Sambaquy, Dr. José Evangelista) criaram a associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN). cinco anos mais tarde (1978) a área foi reconhecida como uma especialidade médica pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). 

Por muitos anos o médico nutrólogo ficou restrito ao ambiente hospitalar, mas nos últimos 15 anos, com a ascensão da Indústria da obesidade, na busca de novas alternativas para o emagrecimento, o nútrólogo foi colocado em cena, ao lado de endocrinologistas. 

Nas últimas décadas, a endocrinologia foi a especialidade automaticamente associada ao tratamento da obesidade e sobrepeso. Porém, o endócrino não é o único profissional habilitado para tratar a obesidade. É o mais habilitado para manejo de desordens hormonais, mas a obesidade não é apenas desordem hormonal (aliás, as causas endócrinas correspondem a uma minoria dos casos). 

Assim como o endócrino, o nutrólogo tem capacidade para diagnosticar e instituir o tratamento do paciente portador de obesidade e sobrepeso. Ele entende mais que o endocrinologista sobre alimentação, sobre composição de alimentos. E assim como o endócrino, ele é habilitado para prescrever medicações antiobesidade e indicar o tratamento cirúrgico da obesidade. Alias, o nutrólogo é mais habilitado para manejar complicações pós-operatórias de uma cirurgia bariátrica que o endócrino. Isso faz parte do cotidiano do nutrólogo, mas não da endocrinologia. 

Então diante da "necessidade" de "novidades" na abordagem do paciente portador de obesidade, "emergiu" a figura do nutrólogo. Na verdade os nutrologos sempre trataram obesidade, desde a década de 70 atuaram, mas ficaram conhecidos pela atuação no ambiente hospitalar, mais precisamente na UTI.
Como o mercado de emagrecimento precisa "inovar", inovaram colocando o tratamento nutrológico como algo "superior" no tratamento da obesidade e aí muita gente lucrou, principalmente os nutrólogos. Então, nos últimos 15 anos entrou na moda procurar o médico nutrólogo para emagrecer. 

Parece piada, mas alguns veem a ida ao nutrólogo como status. É chique falar que vai ao nutrólogo. Na cabeça de algumas pessoas, ir ao endócrino ou nutricionista é coisa do passado. E assim surgiu a fama de que nutrólogo é o médico que trabalha como obesidade e ganho de massa muscular. 
A fama é errada? Não, mas a especialidade Nutrologia vai muito além disso. 

No gráfico abaixo, mostro parte da imensidão da especialidade. Reparem que o tratamento da obesidade corresponde a menos de 15% do que existe de conteúdo da especialidade. 




Pergunta 02: Será que as pessoas (isso inclui profissionais da saúde e leigos) sabem o real papel do nutrólogo?

R: Infelizmente não. A especialidade apesar de ser reconhecida desde 1978, ainda é nova no imaginário popular, principalmente quando comparado a especialidades clássicas como a cardiologia, endócrino, nefro. Ainda é vista como um tratamento caro, elitista, justamente por ter poucos serviços no SUS e até mesmo em planos de saúde. Enxergam como o médico que trata obesidade, solicita inúmeros exames, prescreve hormônios para fins estéticos e melhora a performance de atletas. Ou seja, além de não saberem a real atuação do nutrólogo, incorporam à especialidade, práticas que sequer são reconhecidas como parte do rol de procedimentos em Nutrologia. 

Aprendam então que a Nutrologia é:
1) Uma especialidade Médica reconhecida pelo CFM desde 1978.
2) Uma especialidade para todos, ou seja, o conhecimento Nutrológico é universal e o tratamento também deveria ser universal. Existe no SUS em várias capitais.
2) Área na qual para o médico se intitular Nutrólogo, ele deve ter feito residência de clínica médica ou clínica cirúrgica e depois mais 2 anos de residência de Nutrologia, ou ter sido aprovado na prova de título de Nutrologia.
3) Uma especialidade que trata de doenças nutricionais, porém, o manejo dessas doenças pode ter intersecção com outras especialidades, como por exemplo Endocrinologista e Medicina do esporte, ambos tratam obesidade. Ou ainda, Nutrologia x Gastroenterologia, ambos tratam intolerâncias alimentares. Ou, Nutrologia e Geriatria, ambos tratam sarcopenia. 
4) Uma ciência na qual o médico é responsável por: 
a) Ensinar hábitos saudáveis de vida
b) Ensinar qual a dieta para adequada para cada indivíduo
c) Diagnosticar quais hábitos de vida podem favorecer doenças nutricionais
d) Diagnosticar doenças
e) Instituir o tipo de tratamento dessas doenças: clínico? Cirúrgico?
f) Ressaltar que a doença pode recidivar se não tomadas as devidas medidas nutropreventivas. 
g) Reabilitar o paciente. 
h) Não consta no seu rol de procedimentos: Modulação hormonal, implantes hormonais, ortomolecular, terapia antienvelhecimento, uso de hormônios quando não há deficiência, soroterapia quando o trato digestivo está funcionante. 





Existe uma interface da Nutrologia com praticamente todas as especialidades médicas. Ou seja, ano após ano, estudos são publicados diariamente mostrando o impacto de hábitos alimentares no desencadear ou perpetuação de diversas doenças.  Dentre as áreas que o nutrólogo pode atuar temos:
  • Nutrologia hospitalar: paciente internado na enfermaria ou no centro de terapia intensiva.
  • Nutrologia pediátrica
  • Nutrologia geriátrica
  • Nutrologia esportiva
  • Nutrologia oncológica
  • Nutroterapia no paciente cirúrgico
  • Nutroterapia materno-fetal
  • Nutroterapia de doenças hepáticas
  • Nutroterapia de doenças gastrintestinais
  • Nutroterapia de doenças renais
  • Nutroterapia de doenças pulmonares
  • Nutroterapia de doenças cardíacas e vasculares
  • Nutroterapia de doenças neurológicas
  • Nutroterapia de doenças reumatológicas
  • Nutroterapia de doenças osteomusculares
  • Nutroterapia de doenças ginecológicas
  • Nutroterapia de doenças hematológicas
  • Nutroterapia de doenças alérgicas.
Resumindo: o nutrólogo pode atuar em todas as áreas da medicina, já que existe uma interface entre a maioria das doenças e aspectos nutricionais. Isso não quer dizer que ele tratará todas as doenças dessas especialidades, mas sim que atuará com o suporte nutrológico desses pacientes.

Quais doenças e situações tratamos?

1) Pacientes críticos e internados em UTI, necessitando de suporte nutricional para melhorar o prognóstico e evitar complicações (ex. sarcopenia) após a alta.
2) Pacientes restritos ao leito hospitalar (internados) e que necessitam de suporte nutricional adequado (enteral ou parenteral).
3) Pacientes que foram/serão submetidos a cirurgias, principalmente as do aparelho digestivo.
4) Pacientes saudáveis que desejam verificar os níveis de nutrientes: vitaminas, minerais. Colesterol, triglicérides, ácido úrico, glicemia.
5) Pacientes que não conseguem ingerir comida por via oral (pela boca) e necessitam de sonda nasogástrica/nasoenteral ou por via endovenosa (na veia). Gastrostomia ou jejunostomia.
6) Pacientes com Baixa massa magra (sarcopenia) ou com baixo peso (desnutrição).
7) Portadores de Sobrepeso ou Obesidade.
8) Síndrome metabólica.
9) Esteatose hepática (gordura no fígado).
10) Pré-diabetes, Diabetes mellitus tipo 1 e tipo 2.
11) Dislipidemias: aumento do colesterol e/ou dos triglicérides.
12) Acompanhamento Pré e pós-cirurgia bariátrica.
13) Transtornos alimentares, em acompanhamento conjunto com psiquiatras e psicólogos: Compulsão alimentar, Bulimia, Anorexia, Vigorexia, Ortorexia.
14) Alergias alimentares.
15) Intolerâncias alimentares (lactose, frutose, rafinose e sacarose). Intolerância FODMAPS e sensibilidade não-celíaca ao glúten.
16) Anemias carenciais (por falta de ferro, vitamina B12, ácido fólico, zinco, cobre, vitamina A).
17) Pacientes que optam pelo Vegetarianismo, veganismo, Piscitarianismo (consumo de Peixes), Reducitarianismo (redução do consumo de carne).
18) Pacientes com constipação intestinal (intestino preso).
19) Pacientes com quadros diarréicos crônicos (diarreias).
20) Pacientes com Disbiose intestinal, Síndrome de Supercrescimento bacteriano do intestino delgado (SIBO), Síndrome de supercrescimento fúngico (SIFO).
21) Portadores de Síndrome do intestino irritável, gases intestinais, distensão abdominal, empachamento e digestão lentificada.
22) Pacientes com Doenças inflamatórias intestinais: Doença de Crohn e Retocolite ulcerativa
23) Pacientes com Doença diverticular do cólon (divertículo e diverticulite).
24) Gastrite.
25) Doença do refluxo gastroesofágico.
26) Esofagite eosinofílica.
27) Acompanhamento nutrológico pré-gestacional, gestacional e durante a amamentação.
28) Casais com infertilidade (aspectos nutrológicos).
29) Pacientes portadores de doenças cardiológicas em acompanhamento com cardiologista: Hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, doença arterial coronariana, arritmia cardíaca, valvulopatias.
30) Pacientes portadores de doenças pulmonares em acompanhamento com pneumologista: enfisema pulmonar, bronquite crônica, asma, fibrose cística.
31) Pacientes portadores de doenças renais em acompanhamento com nefrologista: insuficiência renal crônica, litíase renal (cálculos renais), cistite intersticial, hiperuricemia (aumento do ácido úrico), gota.
32) Pacientes portadores de doenças no fígado/vias biliares em acompanhamento com hepatologista: insuficiência hepática, hepatites virais ou autoimunes, Síndrome de Gilbert, Litíase biliar (pedra na vesícula).
33) Portadores de Osteoporose ou osteopenia.
34) Pacientes portadores de doenças autoimunes e que estão em acompanhamento com especialista na área, tais como aartrite reumatóide, lúpus eritematoso sistêmico, doença de hashimoto, psoríase, vitiligo, doença celíaca, espondilite anquilosante.
35) Portadores de doenças neurogenerativas e que estão em acompanhamento com neurologista: esclerose múltipla, esclerose lateral amiotrófica, atrofia muscular espinhal (AME), doença de Alzheimer (DA) e outras demências, doença de Parkinson, doenças do neurónio motor (DNM), doença de Huntington (DH).
36) Pacientes portadores de cefaléias e enxaquecas, que já estão em acompanhamento com Neurologista.
37) Pacientes portadores de epilepsia, com crises convulsivas refratárias e que por indicação do neurologista pode-se utilizar dieta cetogênica.
38) Pacientes portadores do vírus HIV e que estão em tratamento com terapia antiretroviral sob supervisão de infectologista.
39) Pacientes portadores de câncer em acompanhamento com oncologista.
40) Pacientes portadores de transtornos psiquiátricos e que estão em acompanhamento com psiquiatra e psicoterápico: Transtorno de ansiedade generalizada, Síndrome do pânico, Depressão, Transtorno bipolar, Transtorno do déficit de atenção, Esquizofrenia.
41) Portadores de distúrbios do sono: insônia, apnéia obstrutiva do sono, sonolência diurna, sensação de sono não reparador, que estão em acompanhamento com Médico do sono.
41) Pacientes que apresentam fadiga, cansaço crônico, fraqueza, indisposição. Já que muitas vezes o sintoma pode ser decorrente da privação de algum nutriente, presença de metal tóxico ou de hábitos dietético-higiênicos errados.
42) Pacientes com falta de macronutrientes (carboidratos, proteína e gorduras) ou de micronutrientes (vitaminas, minerais).
43) Pacientes que desejam melhorar a performance na prática desportiva, atletas profissionais ou amadores.
44) Pacientes que desejam ganhar massa magra sem utilização de anabolizantes.
45) Pacientes com alterações dermatológicas, as quais pode existir um componentes nutricional: Acne, rosácea, queda de cabelo, unhas quebradiças.
46) Portadores de candidíase de repetição.
47) Mulheres com Tensão pré-menstrual e que já estão em acompanhamento com ginecologista.
48) Mulheres na menopausa e que apresentam alteração na composição corporal.
49) Pacientes portadores de zumbido e vertigem, que o Otorrinolaringologista ou Neurologista indica adequação dietética.
50) Pacientes com fibromialgia.

Pergunta 03: As pessoas sabem diferenciar o papel do nutrólogo e do nutricionista?

R: Não. Até mesmo médicos, tendem a considerar o nutrólogo como um "nutricionista de luxo", por puro preconceito (com os nutricionistas e com os nutrólogos) e pior ainda, pura ignorância. O nutrólogo está para o nutricionista, assim como o psiquiatra está para o psicólogo. Ou o fisioterapeuta está para o ortopedista. Uma área complementa a outra. Ao longo desses anos percebi que muito desse preconceito também é fomentado por nutricionistas. Vários insistem que o nutrólogo invadem a nutrição e esquecem até mesmo que a nutrição surgiu na América latina através das mãos de um nutrólogo, o Dr. Pedro Escudero. Para ler mais sobre as diferenças entre as duas áreas acesse: https://nutrologojoinville.com.br/a-nutrologia/nutrologo-e-nutricionista/

Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo
CRM-GO 13.192 | RQE 11.915 / CRM-SC 32.949 | RQE 22.416 

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Papo sério: Os esteroides anabolizantes e o nosso "relógio suíço"

Desde os anos 70, os esteroides anabolizantes vêm sendo usados de forma abusiva por atletas, fisiculturistas e praticantes de atividade física. Os esteroides androgênicos anabólicos (ou anabolizantes) são hormônios representados pela testosterona e seus derivados, cujos efeitos de aumento de massa muscular e óssea e aumento da capacidade de proliferação celular são empregados em situações médicas muito restritas, como nos casos de desnutrição grave causada por câncer e AIDS. 

Essas substâncias hormonais também são empregadas para suprir as necessidades daqueles que as deixam de produzir, como nos casos de hipogonadismo e atraso puberal. Entretanto, o seu uso indiscriminado e crescente, sem indicação clínica, particularmente em adolescentes e adultos jovens, tem chamado a atenção das principais sociedades médicas mundo afora, principalmente aquelas ligadas a programas antidoping, que alertam sobre os riscos à saúde decorrente da exposição de terapias anabolizantes.

De fato, as propriedades “milagrosas” dos esteroides anabolizantes começaram a chamar a atenção a partir dos surpreendente ganho de força e massa muscular de atletas de alto nível, o que garantia um desempenho muito superior quando comparado com aqueles que não usavam. Não demorou muito para essas substâncias alcançarem as academias, as farmácias e alguns consultórios médicos.

Na chamada "medicina estética e antienvelhecimento", hormônios androgênicos esteroides, o hormônio da tireoide e o hormônio do crescimento  (GH), que normalmente são usados somente para reposição em situações de deficiência comprovada, são indicados precoce e erroneamente com intuito de retardar o envelhecimento, aumentar o metabolismo, aumentar a massa muscular, reduzir a gordura corporal, melhorar a textura da pele e a libido. Nesses casos, são usados hormônios sem a real necessidade e em doses muito acima do recomendado. Claro que isso faz mal para o organismo!

Termos como “bio-idêntico” ou “nano-hormônio” são usados inescrupulosamente para criar uma falsa ideia de pureza e segurança, o que obviamente não existe. Disparado, a testosterona e seus derivados (ex. oxandrolona, oximetolona, estanazolol, di-hidrotestosterona) são os líderes em uso justamente por suas fortes propriedades anabolizantes, sua facilidade de encontrar e o seu baixo custo.

Mas você sabe qual o efeito que o uso dessas substâncias terá no seu organismo?

Bem, nosso sistema endócrino é um "relógio suíço", onde tudo funciona da melhor maneira para nos manter em equilíbrio. Nossos hormônios, quando estamos saudáveis e sem doenças, são produzidos na quantidade exata das nossas necessidades, nem um gota a mais. Quando um homem usa um esteroide por estética, para aumento de massa muscular, esse sistema é inibido. Sim, porque o nosso sistema hormonal funciona assim: para tentar evitar o excesso deletério, as glândulas deixam de produzir aquele hormônio que está sendo administrado.

No caso do uso da testosterona, por exemplo, os testículos deixam de produzir a própria testosterona enquanto a pessoa estiver usando. Esse uso, geralmente em doses acima do que o corpo está habituado (para ter uma ideia: a dose de reposição para quem não produz testosterona é 1 injeção a cada 14 dias; em ciclos anabolizantes, tem gente usando 1 injeção ao dia!), cria um "falso ambiente hormonal", o que estimula forçadamente as células do corpo a proliferar e crescer de tamanho. 

Se eu tinha um massa muscular "x" produzindo "y" de testosterona, agora com "4y" de testosterona terei uma massa muscular "4x". Parece maravilhoso! Mas o problema é que isso só se mantém enquanto estivermos usando essas doses altas. 

Quando reduzimos ou interrompemos o uso, que geralmente é o que ocorre quando se termina o chamado ciclo, voltamos a ser o que éramos: "x"! E um "x" que agora não consegue produzir a sua própria testosterona, pois os testículos podem demorar para trabalhar de novo. Esse estado de não produção dos próprios hormônios nós chamamos de hipogonadismo. 

E é nesse período, conforme o tempo que foi usado e retirado o anabolizante, que o organismo sente muito a falta dos hormônios, gerando perda grande da muscular conquistada, cansaço intenso, fraqueza, humor deprimido, impotência e falta de libido.

Esse é um ponto crucial! O que a maioria faz:
1) se convence que é um efeito colateral do tratamento e mata no peito os sintomas;
2) busca atendimento médico para entender os sintomas e tratá-los;
3) volta a usar o anabolizante.

Na minha experiência de consultório, infelizmente a maciça maioria escolhe a opção 3. Voltam a usar e os sintomas imediatamente melhoram; voltam a ficar grandes e potentes, com libido lá em cima. E daí passa ser um ciclo atrás do outro, sempre com alguma alternativa indicada por um amigo ou médico para tentar evitar os efeitos da parada. “Ah, mas eu quero usar uma dose bem baixa, só para dar uma estimulada…” Não adianta, pois só vai ter os efeitos de supressão da testosterona sem ter o resultado de crescimento muscular.

Não importa se você compra na academia ou na farmácia sem receita ou se recebeu receita de um médico. Para ter o efeito anabolizante, você sempre terá que usar doses acima do necessário. Aliás, não se iluda se esse tipo de tratamento estiver sendo feito por um médico que garanta que é seguro. 

O ego de muitos médicos sempre supera (e muito) o bom senso. São pseudo-inovadores, sedutores, manipuladores, super-stars das redes sociais, revolucionários inconsequentes, messiânicos que se colocam acima da boa prática médica e das entidades médicas sérias, oferecendo tratamentos que não tem suporte de segurança pela boa literatura médica. Por favor, não se iluda!

Mas mesmo assim quer usar? Saiba então os efeitos adversos do uso dos esteroides anabolizantes:

  1. alterações dermatológicas (acne, lipodistrofia – atrofia da gordura, abscessos musculares, hematomas, calvície, estrias, excesso de pelos corporais), 
  2. hematológicas (aumento do número dos glóbulos vermelhos, sangue mais viscoso), 
  3. alterações sexuais (impotência, ginecomastia, atrofia testicular, infertilidade), 
  4. osteo-musculares (hérnia de disco, lesões meniscais, rabdomiólise-dano muscular grave), 
  5. hepáticas (hepatite, colestase, icterícia -amarelão, esteatose, nódulos, câncer de fígado), 
  6. renais (insuficiência renal, glomerulonefrite), 
  7. cardiovascular (redução do colesterol HDL, AVC, hipertensão arterial, aumento do volume do coração, insuficiência cardíaca, arritmia, infarto, morte súbita)
  8. comportamentais (agressividade, comportamento imprudente e compulsivo, dependência, síndrome de abstinência, depressão, pensamentos suicidas, percepção alterada da forma corporal, maior consumo de álcool e outras drogas, transtornos alimentares tipo vigorexia, bulimia, anorexia, prática de sexo inseguro). 
Além disso, existem vários relatos de câncer associado ao uso de anabolizantes, como câncer de fígado, de pâncreas, miossarcoma, osteossarcoma, linfoma e leucemia.

Em mulheres, os efeitos hormonais são resultado da exposição do organismo a um hormônio caracteristicamente masculino e em quantidades muito altas. O resultado é que a testosterona passa a modificar o corpo feminino trazendo traços masculinos, que é o que chamamos de virilização (ou masculinização). Aumento exagerado da massa muscular, acne, redução anormal da gordura corporal, lipodistrofia, atrofia das mamas, excesso de pelos no rosto e no corpo, aumento do gogó, voz masculinizada, parada da menstruação, engrossamento da pele, aumento do clitóris e infertilidade. Além de todos os efeitos colaterais já citados.

A saúde não é brincadeira. Respeite o seu "relógio suíço". Não se exponha a tratamentos que podem trazer riscos desnecessários. E principalmente, não coloque a sua saúde nas mãos de inconsequentes, seja um amigo, o cara da academia ou da farmácia, o cara que traz da fronteira, um médico. Ninguém se responsabilizará por você se algo der errado.

Referências:
1 - Eberhard Nieschlag, Elena Vorona. Doping with anabolic androgenic steroids (AAS): Adverse effects on non-reproductive organs and functions. Rev Endocr Metab Disord 2015. DOI 10.1007/s11154-015-9320-5
2 - WADA worldwide antidoping network (www.wada.org).

Autor: Dr. Eduardo Guimarães Camargo
Médico Endocrinologista
CREMERS 23.404 - RQE 17.086
www.dreduardocamargo.com.br

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