Antigamente recomendava-se aos pacientes com alergia a nozes que evitassem todas as oleaginosas, mas os resultados deste estudo sugerem que isso nem sempre é necessário, e que pode até levar ao agravamento da alergia. Estas descobertas também vão de encontro à crença de que a alergia a amendoim e a nozes é sempre concomitante, bem como a alergia a caju e a pistache.
"Todas as 32 crianças com alergia alimentar a pistache tinham alergia a castanha de caju, mas seis crianças alérgicas a caju toleravam bem o pistache", disse a médica pesquisadora Dra. Helen Brough, consultora em alergia pediátrica do Guy's and St. Thomas' NHS Foundation Hospital e professora sênior do King's College London.
E "observamos o agrupamento de outras alergias a nozes, principalmente entre a noz, a pecã e a avelã", explicou a Dra. Helen no congresso de 2017 da European Academy of Allergy and Clinical Immunology (EAACI).
A melhor prevenção e conduta nos casos de alergia a nozes já tem um fluxo estabelecido há anos, especialmente após a publicação do estudo LEAP (do inglês Learning Early About Peanut) (N Engl J Med. 2015;372:803-813) e do estudo de acompanhamento LEAP-ON (N Engl J Med. 2016;374:1435-1443). Ambos demonstraram que a introdução precoce do amendoim pode evitar o aparecimento da alergia a ele.
A Dra. Helen e colaboradores planejaram seu estudo para determinar a real coexistência da alergia a amendoim e nozes e a sementes de gergelim. Os pesquisadores também queriam avaliar a viabilidade da administração segura de nozes, das precauções relacionadas com a introdução segura das nozes, do uso de diagnóstico por identificação de componentes específicos para identificar a alergia a nozes e a sementes de gergelim, e da qualidade de vida após a introdução segura de nozes na dieta de uma criança.
Embora a equipe não tenha completado a análise de dados, os resultados preliminares sobre a melhora da qualidade de vida das crianças "parecem promissores", disse a Dra. Helen ao Medscape.
Estudo multicêntrico ProNut
O estudo multicêntrico ProNut foi feito com crianças dos seis meses aos 16 anos de idade que apresentaram reação alérgica sistêmica mediada pela imunoglobulina E a alguma noz no ano anterior. Todos os participantes tiveram um valor preditivo positivo para a alergia à noz-índice (ou semente ) – amêndoa, castanha-do-pará, castanha de caju, avelã, macadâmia, amendoim, pecã, pinhão, pistache, noz ou semente de gergelim – acima de 95%.
Dos 133 participantes do estudo, 50 eram de Londres (Reino Unido), 42 eram de Genebra (Suíça) e 41 eram de Valência (Espanha).
O estudo embasa com alguns dados sólidos o que as pessoas estão começando a pensar que seja a abordagem mais favorável.
A distribuição de gênero foi semelhante nos três grupos, mas a mediana de idade foi menor em Londres do que em Genebra e em Valência (4,0 vs. 5,5 vs. 7,0 anos, respectivamente). Além disso, haviam mais crianças menores de seis anos em Londres do que em Genebra e em Valência (60% vs. 50% vs. 44%, respectivamente).
Tabela 2. Coocorrência de alergia a nozes ( = 293)
Mais crianças em Londres do que em Valência tinham história de doença atópica (78,0% vs. 14,6%) e tiveram doença atópica ao início do estudo (62,0% vs. 7,3%).
Durante três meses, as crianças foram submetidas à administração controlada e sequencial de 11 nozes e sementes, com até três nozes por visita. Houve 98 resultados positivos da administração alimentar entre as 50 crianças londrinas, 94 entre as 42 crianças genebrinas e 64 das 41 crianças valencianas.
No grupo de Londres, 52% das crianças tinham monoalergia e 48% tinham outras alergias concomitantes. Em Genebra e em Valência, no entanto, apenas 33% das crianças eram monoalérgicas e 67% eram alérgicas a pelo menos dois tipos de nozes ou sementes.
A idade menor do grupo de Londres provavelmente contribuiu para o maior índice de monoalergia, explicou a Dra. Helen, porque o índice de monoalergia foi de 69% em crianças de dois anos ou menos, e nenhuma das outras crianças de Londres de dois anos ou menos tinha alergia a mais de mais de três tipos de nozes.
A epidemiologia das alergias a nozes foi significativamente diferente entre as crianças de Genebra e de Valência, possivelmente por diferenças de idade, dieta e exposição ambiental a nozes, apontou a Dra. Helen.
Tabela 1. Prevalência de alergia por centro do estudo ProNut (N = 133)
Noz ou semente | Londres, % | Genebra, % | Valência, % |
---|---|---|---|
Amendoim | 27 | 18 | 7 |
Caju | 12 | 21 | 7 |
Pistache | 10 | 17 | 7 |
Avelã | 12 | 13 | 12 |
Noz | 13 | 10 | 30 |
Pecã | 10 | 6 | 25 |
Gergelim | 6 | 4 | 0 |
Macadâmia | 4 | 4 | 5 |
Castanha-do-pará | 4 | 3 | 2 |
Amêndoa | 1 | 2 | 3 |
Pinhão | 1 | 2 | 2 |
Dentre as quase 300 alergias a nozes dos participantes do estudo, a coocorrência foi significativa para muitas combinações de nozes.
Tabela 2. Coocorrência de alergia a nozes ( = 293)
Combinação de nozes | Valor de P |
---|---|
Noz e pecã | < 0,0001 |
Pistache e caju | < 0,0001 |
Macadâmia e avelã | < 0,0001 |
Avelã, noz, macadâmia e pecã | < 0,0001 |
Semente de gergelim e pinhão | < 0,001 |
Noz e amendoim | < 0,01 |
Pecã e amendoim | < 0,01 |
Castanha-do-pará e macadâmia | < 0,01 |
Avelã e amendoim | < 0,05 |
Castanha-do-pará e amendoim | < 0,05 |
Castanha-do-pará e noz | < 0,05 |
Pinhão e macadâmia | < 0,05 |
Amêndoa e macadâmia | < 0,05 |
Semente de gergelim e avelã | < 0,05 |
Sementes de gergelim e macadâmia | < 0,05 |
Semente de gergelim e castanha-do-pará | < 0,05 |
Amêndoa e pinhão | < 0,05 |
Embora apenas 2,8% das crianças alérgicas ao pistache não fossem alérgicas ao caju, o inverso não foi verdadeiro: 16,7% das crianças alérgicas a caju não eram alérgicas a pistache. Da mesma forma, embora 6,1% das crianças alérgicas a pecã não fossem alérgicas a nozes, 29,5% das crianças alérgicas a nozes podiam comer pecã em segurança.
Por causa do risco de coocorrência de alergia a nozes e pecã em Valência, a administração controlada e segura às 11 nozes e sementes só foi possível em Londres e em Genebra.
"Na Espanha, devido à gravidade das reações às nozes de alguns participantes, as nozes não foram administradas de modo controlado", disse a Dra. Helen ao Medscape. A gravidade dos quadros de alergia a nozes foi uma surpresa para nós, acrescentou a pesquisadora.
"Para mim, a mensagem mais importante do estudo ProNut é que precisamos pensar na alergia a nozes e qual pode ser a apresentação da alergia a nozes", explicou Dra. Helen. "Não é algo que eu tenha previsto, porque muitas vezes você obtém resultados mais baixos no teste de alergia a nozes, mas na verdade as crianças podem ter reações alérgicas muito graves. Essa foi uma das minhas experiências com a mão na massa, e isso também vale para a pecã".
A noz é a maior responsável pela alergia a oleaginosas nos Estados Unidos, disse o Dr. Hugh Sampson, médico e professor de pediatria no Mount Sinai Hospital, de Nova York, que apresentou um resumo sobre alergia ao amendoim nesta mesma sessão.
"A coisa mais importante é este diferencial entre a alergia a caju e a pistache, e também a alergia a nozes e a pecã, disse Dr. Sampson ao Medscape.
"Até hoje, se eu tivesse um paciente com alergia a nozes, provavelmente não tentaria a administração controlada da pecã, mas agora, claramente, existe um subconjunto indicando que seria bom fazer isso".
Em geral, esses novos dados são valiosos para os médicos cuja prática clínica busca dar sentido à mudança de evidências relacionadas com a alergia a nozes, explicou.
"O estudo embasa com alguns dados sólidos o que as pessoas estão começando a pensar que seja a abordagem mais favorável", explicou o Dr. Sampson. "Esperemos que ocorra a introdução de outras nozes, e acho que um dos pontos de vista da Dra. Helen é que isso é algo que temos de observar cedo".
Como ocorreu no estudo LEAP, esses novos dados "nos incentivam a colocar algumas dessas nozes na dieta mais cedo, para tentar evitar o aparecimento da alergia a nozes", disse o Dr. Sampson.
A Dr. Helen Brough informa receber financiamento de pesquisa das empresas ThermoFisher Scientific, Stallergenes e Meridian Foods; honorários de consultoria da empresa Mead Johnson Nutrition; e trabalhar no setor de palestras ou receber honorários de Allergy Therapeutics, Nutricia Advanced Medical Nutrition e Nutricia Early Life Nutrition. O Dr. Hugh Sampson informa receber honorários de consultoria da empresa Allertein Therapeutics no desenvolvimento de uma terapia para alergia a amendoim; e ser funcionário da DBV Technologies.
European Academy of Allergy and Clinical Immunology (EAACI) Congress 2017: Resumo 0124, apresentado em 20 de julho de 2017.
Fonte: http://portugues.medscape.com/verartigo/6501352