sábado, 9 de maio de 2020

Pandemia e mudança climática, artigo de Tomás Togni Tarquínio

A estrutura mundial de produção e consumo de bens e serviços entrou em coma, vítima de vírus insidioso, grão de areia que emperrou o funcionamento da sociedade termo industrial.

A Covid-19 gerou uma crise econômica e social sem precedentes em tempos de paz. A vulnerabilidade da globalização ficou escancarada por um organismo vivo infinitamente pequeno e rápido no gatilho.

Sob a orientação da OMS – Organização Mundial da Saúde, os países tomaram medidas sanitárias drásticas para deter a pandemia. O confinamento afetou a economia de metade dos habitantes do planeta. Em que pese a tragédia humana, o tratamento de choque se revelou benéfico para o meio ambiente. Houve imediata e involuntária melhoria da qualidade do ar, graças à paralização das máquinas térmicas movidas a energia fóssil.

Ecologistas e pesquisadores se apressaram para extrair ensinamentos das medidas de contenção da pandemia que eventualmente possam contribuir para circunscrever as mudanças climáticas.

A melhora da qualidade do ar foi o principal benefício ambiental. Verificou-se a redução de dois tipos de danos à atmosfera. O primeiro foi a baixa das emissões do dióxido de carbono – CO2, principal gás de efeito estufa – GEE, substância não-tóxica, cujo impacto na natureza é de caráter global. O segundo diz respeito à diminuição da concentração de poluentes tóxicos no ar das aglomerações urbanas submetidas ao confinamento e cujo impacto é local e regional. Trata-se de um conjunto de poluentes composto de SO2, NOx, PM2.5, COV, CH4, CO, Pb, Hg…

A melhora do ar permitiu, por exemplo, aos habitantes do Punjab ver novamente a cordilheira do Himalaia que havia desaparecido no horizonte. A redução do ruído e da circulação nas cidades fez com que os citadinos ouvissem o canto esquecido dos pássaros e presenciassem animais antes arredios ocuparem o espaço urbano – ninhadas de marrecos do Sena passeando alegremente pelo Quartier Latin, em Paris.

Os efeitos benéficos ao meio ambiente foram estimados. A poluição tóxica do ar reduziu-se de 25% a até 40%, conforme a aglomeração urbana estudada o que evitou cerca de 60 mil mortes na China e 11 mil na Europa. Sabe-se que a poluição mata 8,8 milhões de pessoas no planeta por ano – 1,1 milhão na China, 45 mil no Brasil. Quanto às emissões mundiais de CO2, elas devem diminuir entre 5% e 6% em 2020. A queda do PIB mundial também é estimada em torno de 5%.

Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – IPCC, para conter o aquecimento global a um nível administrável, a temperatura média do planeta não poderá ultrapassar 2º C em 2100.

Para alcançar esse objetivo é preciso reduzir as emissões mundiais atuais de GEE por um fator três até 2050 (30 anos). Isso significa reduzi-las até 2050 em torno de 4% ao ano, em relação ao ano anterior.

Ora, a queda dessas emissões, em 2020, será da ordem de 5% em razão da pandemia. Ou seja, uma redução de GEE equivalente aos valores recomendados pelo IPCC. Seria como se tivéssemos interrompido o funcionamento das máquinas térmicas supérfluas do planeta durante dois ou mais meses ao ano, sem necessidade de confinamento e distanciamento social.

Como é possível constar, reduzir as emissões de GEE significa aplicar medidas econômicas regressivas. Também significa que não haverá solução ao colapso ecológico enquanto houver crescimento. Mas, a crise do Covid-19 não nos prepara para enfrentar os desequilíbrios climáticos.

Reduzir emissões em 4% é um desafio gigantesco. O repto climático ultrapassa em muito a crise sanitária atual. Além de exigir uma adaptação controlada e organizada desde agora, implica em alocar vultosos recursos a longo prazo – ações necessárias que, infelizmente, não estão na ordem do dia.

A crise sanitária e a adaptação da sociedade às mudanças climáticas têm pouco em comum, exceto o fato de serem um fenômeno mundial.

A pandemia paralisou temporariamente o aparato de produção e consumo, enquanto que a segunda pretende transformá-lo radicalmente. A melhoria da qualidade ambiental temporária foi obra da paralisia econômica mundial e não resultou de uma política ecológica. A estrutura produtiva da sociedade termo industrial resta intacta, não foi destruída por bombas. Está pronta para funcionar ao primeiro sinal.

Políticas de estímulo econômico estão previstas para terem inicio logo após o fim da contenção, através de financiamentos jamais vistos. A queda temporária nos preços do petróleo será um estímulo às energias fósseis. Em nome da recuperação econômica, haverá suspensão e adiamento de regulações restritivas aos danos ambientais. A retomada do crescimento, nesses moldes, poderá nos conduzir a um retrocesso ecológico. Superada a pandemia, os danos à biosfera seguirão a nefasta trajetória anterior.

A questão sanitária pode ser definida como uma crise, pois supõe que a sociedade retornará ao status quo ante.
Este não é o caso das mudanças climáticas: o fenômeno ecológico está presente entre nós e veio para ficar. Ele prospera gradativamente – elevação da temperatura, acidificação dos oceanos, aumento do nível do mar, derretimento de geleiras, perda de biodiversidade e eventos extremos como secas, inundações e ciclones….

Para contrapor esse cenário de desregulação ecológica, necessitamos criar uma nova realidade, a qual terá repercussões em todos os aspectos da vida em sociedade. Ainda não sabemos como fazê-la, da mesma maneira que não sabemos como planejar em um quadro recessivo – afinal, concebemos o crescimento como infinito.

A tarefa é enorme. Descarbonizar a sociedade, substituir as energias fósseis por energias eólica e fotovoltaica é um caminho. Embora não haja clareza se será possível substituir – em parte ou em totalidade, quando, em quais prazos – por energias renováveis os 14,3 bilhões de toneladas de energia fóssil consumidas anualmente no planeta. Nem indicam qual energia será empregada na produção anual e atual de 4,6 e 1,8 bilhões de tonelada de cimento e aço, respectivamente. Nem tampouco se haverá aumento ou redução do PIB. Sem falar de outras medidas necessárias, como reduzir a população das grandes cidades, voltar ao campo, diminuir os deslocamentos, aproximar produção e consumo, preservar a biodiversidade, assegurar a renovabilidade de recursos naturais, diminuir e reciclar o uso de matérias primas… Há quem defenda que basta substituir as energias fósseis por renováveis.

O princípio fundamental do caminho ecológico será distinguir o essencial do supérfluo. Aceitar o crescimento do essencial e restringir o do supérfluo. Construir uma sobriedade compartilhada. Trata-se de um projeto ecológico que preserve a capacidade da natureza de sustentar uma existência coletiva sóbria entre os seres vivos e inanimados e que não seja nem precária, nem perigosa.

Dispomos de pouco tempo para nos adaptar de maneira programada e progressiva. E nos lembrar que a Terra tem apenas 13 mil quilômetros de diâmetro, distância entre São Paulo e Paris, minúsculo planeta que estará do mesmo tamanho em milhares de anos. Enfim, não somos “maîtres et possesseurs de la nature” como cogitou Descartes.

Tomás Togni Tarquínio, Antropólogo (Paris VII), pós graduação Prospectiva (EHESS), consultor.

Fonte: https://www.ecodebate.com.br/2020/05/07/pandemia-e-mudanca-climatica-artigo-de-tomas-togni-tarquinio/

Covid-19 – A epidemia também pode se espalhar pelos resíduos sólidos?

Esse artigo discute a possibilidade de transmissão do novo coronavírus SARS-CoV-2 a partir resíduos infectados produzidos por indivíduos em tratamento domiciliar. 

A Organização Mundial da Saúde propôs uma diretriz para controlar a propagação do novo coronavírus SARS-CoV-2 causador da COVID-19. 

No entanto, esse trabalho discute a necessidade de maior atenção para o gerenciamento de resíduos fora dos estabelecimentos de saúde, levando em consideração fatores como a resistência do vírus fora dos organismos hospedeiros demonstradas por diferentes autores.

Diferenças nos sistemas de gerenciamento de resíduos e condições climáticas em cada região também podem afetar a permanência do vírus nos ambientes.

Os pacientes infectados pelo coronavírus humano em tratamento em casa geram resíduos infectados, possivelmente descartados como lixo doméstico, o que pode representar riscos para os trabalhadores e o meio ambiente, dependendo das condições de transporte e descarte dos resíduos. 

Em particular, a disseminação do coronavírus pode ser aumentada pelo gerenciamento inadequado de resíduos, destacando más condições de manuseio associadas ao uso inadequado de equipamentos de proteção individual e outras condições desfavoráveis apresentadas principalmente nos países em desenvolvimento.

Can the human coronavirus epidemic also spread through solid waste?
Marcos Paulo Gomes Mol, Sérgio Caldas
First Published April 17, 2020 Letter – Waste Management and Research
https://doi.org/10.1177/0734242X20918312

Desmatamento em terras indígenas aumenta 59% durante a pandemia da Covid-19

O desmatamento e a Covid-19 avançam sobre a floresta e os povos que vivem nela e dela com velocidade avassaladora e previsões catastróficas. Uma análise dos dados do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mostra que nos quatro primeiros meses de 2020, os alertas de desmatamento em terras indígenas da Amazônia brasileira aumentaram 59%, em comparação ao mesmo período do ano passado. 

De acordo com os dados do Deter, os alertas de desmatamento em Terras Indígenas (TIs) chegou a 1.319 hectares nos quatro primeiros meses deste ano – o equivalente a 1.800 campos de futebol -, enquanto no mesmo período do ano passado esse número era de 827 hectares.

O mapa abaixo mostra como o desmatamento está atingindo as Terras Indígenas:



Esses dados reforçam o alerta que madeireiros, grileiros e garimpeiros avançam de forma descontrolada na floresta, além de poderem ser a porta de entrada para que o vírus chegue nas comunidades. 

Na contramão da busca por soluções, temos presenciado o total descaso do governo que, até o momento, não tomou ações para proteger os povos indígenas e as florestas brasileiras e ainda aproveita o momento para promover a diminuição da fiscalização, com a exoneração de profissionais do Ibama , enfraquecendo, ainda mais, a fiscalização.

Além disto, promove, estímulos à invasão de terras indígenas ainda em processo de demarcação com a Instrução Normativa 09 da Funai e a Medida Provisória (MP) 910/2019 – que promete a regularização de terras públicas que tenham sido invadidas até 2018. A MP tem até o dia 19 de maio para ser votada para não caducar.

“Estamos testemunhando a pandemia se espalhar pela Amazônia de maneira bastante rápida, o que pode causar um outro genocídio indígena, enquanto o governo fecha os olhos para os que cometem crimes na floresta. Isso é inaceitável. Precisamos agir – com a urgência que se faz necessária – para cuidar de quem cuida da floresta. 

Diante da ausência do Estado vamos continuar exercendo um importante papel para manutenção do espaço democrático, prosseguiremos monitorando e denunciando, juntamente com parceiros, atividades que colocam em risco a saúde e o territórios dos povos indígenas”, informa Carolina Marçal, porta-voz da campanha de Florestas do Greenpeace Brasil.

Fonte: https://www.ecodebate.com.br/2020/05/08/desmatamento-em-terras-indigenas-aumenta-59-durante-a-pandemia-da-covid-19/

Compostagem: fazer do lixo orgânico um bom composto pode ser uma ótima atividade em família



Há algum tempo em casa devido à quarentena em prevenção à Covid-19, as famílias paulistas tem preparado refeições juntos com maior frequência durante o dia. Mais elaboradas, elas acabam por produzir maior quantidade de resíduos decorrente de cascas, folhas, alguns bagaços, enfim, todo um lixo orgânico que pode e deve ser aproveitado, pois é muito rico em nutrientes para as plantas.

Os técnicos da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, lotados na Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS) para atuarem com assistência técnica e extensão rural, ensinam e dão dicas para se fazer uma boa compostagem. Que tal colocar a mão na massa ou, melhor dizendo, no rico lixo doméstico e preparar um composto orgânico próprio? Quem ensina é o engenheiro agrônomo Osmar Mosca Diz, da Divisão de Extensão Rural da CDRS, responsável pelo Projeto Fazendinha Feliz, que recebe crianças e adultos para treinamentos e também visitas.

A área, que abriga canteiros com horta, plantas medicinais, Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC), assim como a criação de abelhas sem ferrão para a polinização, está localizada na sede da CDRS, em Campinas. Assim que passar este isolamento, vale uma visita, mas por enquanto seguem as dicas para fazer a boa e rica compostagem caseira e, de quebra, também um minhocário. As plantas vão agradecer!

“A prática da compostagem é uma excelente atividade educativa, contribuindo na formação da consciência e do entendimento sobre as leis ambientais, sendo uma prática evidente das transformações naturais pelas quais passam todos os organismos vivos.

Compostagem é a técnica de aproveitamento de diversos tipos de materiais orgânicos de origem vegetal que, por meio de um processo de fermentação aeróbica, se transformam no composto orgânico. Ela pode ser feita numa propriedade rural, na residência, em escolas e até mesmo em um apartamento, utilizando-se os restos de alimentos crus, oriundos do preparo das refeições, como restos de verduras não temperadas, folhas danificadas, cascas, frutos podres, borra de café, cascas de ovos etc., diminuindo consideravelmente o lixo produzido e proporcionando um fim bem apropriado para esse valioso material.

Para se fazer o composto, é preciso separar o material orgânico vegetal disponível já na cozinha (para isso pode-se dispor de um balde plástico com tampa). Esse material será distribuído em camadas intercaladas com palha (ou restos de grama cortada no pátio da escola, no jardim da casa, folhas secas, capim cortado etc.).

É importante frisar que para se evitar o apodrecimento do lixo, fortes odores e também a invasão de roedores e outros animais, inclusive larvas de moscas, não se deve, de maneira nenhuma, utilizar no composto os restos de comida preparada, tais como arroz, feijão, polenta, pão, macarrão, carnes, entre outros.

Composto orgânico feito em pilhas

A compostagem pode ser feita em caixotes, compartimentos plásticos específicos ou numa pilha e deve ser iniciada sempre com a palha, que formará a primeira camada (em torno de 10cm de altura), colocando-se sobre ela os restos orgânicos disponíveis (os resíduos já mencionados da cozinha ou estercos frescos de bovinos, aves ou cavalos) até formar uma pilha, sempre intercalando as camadas. Uma camada de palha, outra de resíduos frescos e/ou esterco e assim por diante.

Toda vez que se colocar uma camada de resíduos da cozinha, molhar bem até escorrer e cobrir em seguida com a palha até não se poderem ver mais os restos da cozinha (que ficarão sob a camada de palha). A largura da pilha deve ser de 1m a 1,2m e o comprimento pode variar conforme a disponibilidade de espaço e material (não devendo ultrapassar 4m a 5m) e a altura máxima de 1,2m.

Havendo possibilidade, podem-se acrescentar finas camadas de cinza peneirada de forno ou fogão à lenha, calcário, fosfato natural e/ou pó de ossos a cada três camadas de palha, para enriquecer o composto em nutrientes e diminuir a acidez, principalmente quando se colocam muitas cascas de cebola, de laranja e de limão. Não havendo disponibilidade de palhas, pode-se também edificar a pilha do composto colocando-se uma fina camada de terra sobre o material orgânico, de maneira intercalada. De qualquer forma, a última camada terá que ser sempre de palha. Não há necessidade de erguer a pilha ao abrigo da ação do sol e da chuva. Em situações excepcionais de muita chuva, pode-se colocar uma cobertura de plástico sobre a pilha. Uma vez formada a pilha de composto, é necessário controlar a temperatura interna e a umidade, pois com a fermentação há intensa formação de calor e, consequentemente, perda de água por evaporação. A temperatura alta da pilha (próxima de 50°C a 60°C) é um indicativo de que a fermentação está se desenvolvendo.

O tempo de fermentação do composto orgânico pode variar em função da temperatura ambiente, do material utilizado, da quantidade de água e do inoculante (esterco ou resíduos orgânicos utilizados), entre outros fatores. No verão, o processo é mais rápido. Montada a pilha, pode-se ter o composto pronto em até 60 dias, conforme o tipo de material e fazendo-se reviradas a cada 20 dias. Sempre que necessário (a cada 20 ou 30 dias), deve-se revolver a pilha para promover uma maior aeração, cortando-a com uma enxada e reerguendo em seguida todo o material semicompostado numa nova pilha, ao lado.

Durante o processo de compostagem, não é comum ser exalado cheiro forte, pois isso indicaria que está acontecendo apodrecimento e não a fermentação, talvez pelo excesso de água ou pela falta de oxigenação da pilha. Nesse caso, é preciso revirar a pilha e reerguê-la novamente em seguida.

O composto pronto se parece com terra e não apresenta cheiro diferente dessa, podendo ser utilizado diretamente sobre os canteiros onde serão (ou estão sendo) cultivadas as hortaliças ou flores e plantas ornamentais, seguido de sua leve incorporação superficial na terra ou então somente espalhado pela superfície. A dosagem varia, mas, em geral, se aplica um latão (20 litros) por metro quadrado de canteiro. Para uma melhor eficiência, recomenda-se peneirar o produto antes de colocá-lo nos canteiros. O que sobrar na peneira volta para o processo de compostagem.

Minhocultura – técnica também utiliza resíduos orgânicos

Assim como a compostagem, a minhocultura representa uma interessante alternativa para o aproveitamento de resíduos orgânicos. Por esse processo, se produz o húmus, um produto estável e inodoro, considerado o mais valioso dos insumos a ser colocado na terra.

O processo de criação de minhocas e produção de húmus é relativamente fácil. As minhocas irão se alimentar dos materiais orgânicos colocados à sua disposição no minhocário. O húmus será o produto resultado do metabolismo das minhocas, sendo excretado posteriormente.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Aerofagia, Gases (flatos) e Distensão abdominal: causas, diagnóstico e tratamento



Uma das queixas mais comuns no meu consultório são os gases e a investigação não é tão simples como muitos acreditam. Se a investigação não é tão simples, quem dirá o tratamento. O nutrólogo necessita ser capacitado para conduzir o diagnostico e tratamento desse sintoma: Gases (flatos).

Não existe ser humano que não produza gases intestinais. Até a Gisele Bundchen. Todos nós os produzimos regularmente e, quando em excesso, devem ser eliminados. Esses gases são resultantes de um processo biológico normal, chamado fermentação, que ocorre durante a digestão dos alimentos mas podem ter outras causas. 

Sem alimentos o nosso intestino possui menos de< 200 mL de gases por dia. 

A quantidade de gases expulsos por dia vai variar de 600 a 700 ml, após uma ingestão diária com cerca de 200g de feijão cozido.

Cerca de 75% dos flatos são derivados da fermentação promovida pelas bactérias que se situam no intestino grosso, sobre os nutrientes ingeridos e glicoproteínas endógenas. E quais são os principais gases? Os gases incluem H2 (Hidrogênio), CH4 (metano) e CO2 (gás carbônico), H2S (Gás sulfídrico ou sulfeto de Hidrogênio). O cheiro dos gases se correlaciona com a concentração de sulfeto de hidrogênio. 

O ar deglutido (aerofagia) e a difusão do sangue para a luz intestinal também contribuem para os gases intestinais. Os gases passam entre a luz e a corrente sanguínea em uma direção dependente da diferença nas pressões parciais. 

O acúmulo excessivo de gases no intestino delgado e no grosso promove distensão, também chamada de meteorismo. Quando esses gases são também responsáveis por desconforto e/ou dor abdominal e excessiva eliminação pelo ânus, temos um quadro de flatulência.

Os 3 tipos de apresentação de excessos de gases

Existem 3 queixas principais relacionadas com gases: 

  1. Eructações excessivas (arrotos), 
  2. Distensão (meteorismo),
  3. Flatulência excessiva, 
Crianças entre 2 e 4 meses de idade com crises de choro repetidas geralmente parecem, a quem as observa, estarem com dor devido cólicas decorrentes de gases. Entretanto, estudos mostram que não há aumento na produção de H2 ou no tempo de trânsito orocecal em crianças com cólicas. Consequentemente, a causa da cólica infantil continua obscura. Ou seja, o tema é controverso, pois ao utilizarmos algumas cepas de probióticos, os gases melhoram e consequentemente as cólicas. 


Eructações excessivas

As eructações resultam de ar deglutido ou de gás presente em bebidas gaseificadas (refrigerantes, água com gás, soda italiana). 

A ingestão de ar ocorre normalmente em pequenas quantidades quando se bebe ou ingere alguma coisa, mas algumas pessoas inconscientemente deglutem ar de modo repetido enquanto comem ou fumam e em especial quando estão ansiosas ou na tentativa de induzir a eructações. 

Salivações excessivas aumentam a aerofagia e podem estar associadas a vários distúrbios gastrointestinais (como DRGE), dentaduras mal ajustadas, determinados fármacos, chicletes, ou náuseas de qualquer causa.

Grande parte do ar deglutido é eructada (arrotada). Apenas pequena parte desse ar passa para o intestino delgado; essa quantidade é aparentemente influenciada pela posição em que o indivíduo se encontra. Em uma pessoa em pé, o ar é rapidamente eructado; em uma pessoa em posição deitada o ar é preso acima do líquido do estômago e tende a ser empurrado para o duodeno. 

A eructação excessiva pode também ser voluntária; pacientes que arrotam depois de ingerirem antiácidos tendem a atribuir a melhora dos sintomas mais à eructação do que aos antiácidos e podem intencionalmente eructar para ter seu desconforto aliviado.

Distensão abdominal (excesso de gases)

A sensação de distensão abdominal pode ocorrer sozinha ou junto com outros doenças gastrointestinais.

Por exemplo, distensão abdominal associada a distúrbios funcionais (p. ex., aerofagia, dispepsia funcional, gastroparesia, síndrome do intestino irritável) e orgânicos (p. ex., câncer de ovário, câncer de cólon). 

A gastroparesia (e consequente distensão abdominal) também tem muitas causas não funcionais, a mais importante das quais é a neuropatia autonômica visceral decorrente do diabetes; outras causas são a infecção pós-viral, fármacos com propriedades anticolinérgicas e consumo prolongado de opioides. 

Entretanto o gás excessivo no intestino não está claramente relacionado a essas queixas. Em muitos pacientes saudáveis, 1 L/h de gás pode ser infundido no intestino de forma assintomática, ou seja, o paciente nem sentirá nada. Parece que muitos sintomas são incorretamente atribuídos ao “excesso de gás”.

Por outro lado, alguns pacientes com sintomas gastrointestinais recorrentes frequentemente não toleram pequenas quantidades de gás: distensão colônica retrógrada por meio de insuflação de balão ou instilação de ar durante colonoscopia geralmente causam desconforto significativo em alguns pacientes (p. ex., aqueles com síndrome do intestino irritável), mas provocam sintomas mínimos em outros. 

De maneira similar, pacientes com distúrbios alimentares (p. ex., anorexia nervosa, bulimia) com frequência têm a percepção alterada e são particularmente incomodados por sintomas como distensão. Logo, a anormalidade básica nos pacientes com sintomas relacionados a “gases” pode ser um intestino hipersensível. Motilidade alterada pode contribuir para os sintomas.

Algo que vejo comumente no consultório é o paciente afirmando que acorda com o abdome plano e termina o dia com uma protuberância abdominal, quase semelhante a uma gravidez. Na maior parte das vezes esse sintoma tem correlação com a dieta, mas pode ter outras causas, cabendo ao Nutrólogo ou Gastro investigar. 

Na prática, o que faço com o meu nutricionista (Rodrigo Lamonier) são diários alimentares funcionais. No qual o paciente relata a ingestão, descreve a composição da refeição e relaciona o sintoma gastrintestinal que surgiu. Depois procede-se com a análise diante do paciente.

Flatulência excessiva

Existe grande variabilidade na quantidade e frequência da passagem de gases pelo reto (o famoso soltar pum). 

Muitas vezes os pacientes que se queixam de flatulência em geral têm uma concepção errada do que é normal. A média de flatos eliminados por dia gira em torno de 13 a 21. Ou seja, soltar 13 a 21 "puns" por dia pode ser aceitável, o problema é que muitos deles são eliminados de forma imperceptível.

A flatulência, que pode causar angústia psicossocial significativa, é extraoficialmente descrita de acordo com suas características marcantes:


  • O tipo “deslizante” (que ocorre em um elevador cheio de pessoas), que é liberado lentamente e silenciosamente, às vezes com um efeito devastador
  • O esfíncter aberto, ou tipo "pooo", que se diz ser de maior temperatura e mais aromático
  • O "staccato” (notas musicais separadas) ou em “barulho de tambor”, eliminado privadamente e com prazer
  • O tipo “latido” é caracterizado por eliminação rápida e fina que interrompe eficazmente (e em geral termina) uma conversa (o odor não é uma característica proeminente)

Como já dito, os gases são sub-produtos metabólicos das bactérias intestinais; quase nada vem do ar deglutido ou pela difusão retrógrada de gases (primariamente nitrogênio) a partir da corrente sanguínea. O metabolismo bacteriano produz volumes significativos de H2, CH4 e CO2.

H2

O hidrogênio é produzido em grandes quantidades em pacientes com síndromes de má absorção e depois da ingestão de certas frutas e vegetais que contêm carboidratos não digeríveis ou problemáticos (p. ex., feijões cozidos, brócolis), açúcares (p. ex., frutose) ou açúcares de álcool (sorbitol). Tem um texto grande aqui no blog que explica bem sobre esses carboidratos problemáticos, os FODMAPS: http://www.drfredericolobo.com.br/2016/07/estrategia-fodmaps-voce-ainda-ouvira.html

Em pacientes com deficiência de dissacaridase (mais comumente deficiência de lactase), grandes quantidades de sacarídeos chegam ao cólon e são fermentados em hidrogênio. 

Doença celíaca, espru tropical, insuficiência pancreática e outras causas de má absorção de carboidratos também devem ser consideradas em casos de excesso de gás colônico.

Metano 

Metano também é produzido pelo metabolismo bacteriano dos mesmos alimentos (p. ex., fibra dietética). Contudo, cerca de 10% dos indivíduos tem bactérias que produzem CH4, mas não H2.

Dióxido de carbono ou gás carbônico

O dióxido de carbono também é produzido pelo metabolismo bacteriano e gerado pela reação de íons de bicarbonato e hidrogênio. 

Os íons de hidrogênio provêm do ácido clorídrico gástrico ou dos ácidos graxos liberados durante a digestão das gorduras. 

Os produtos ácidos liberados pela fermentação bacteriana de carboidratos não absorvíveis no cólon podem também reagir com o bicarbonato para produzir CO2. Embora possa ocorrer distensão ocasionalmente, a rápida difusão de CO2 para o sangue costuma prevenir a distensão.

A dieta é responsável por grande parte da variação da produção de flatos entre os indivíduos, mas fatores ainda não compreendidos (p. ex., diferenças na microbiota do intestino grosso e motilidade) podem também ter participação.

Avaliação clínica e diagnóstico

Aerofagia: Quando o paciente relata que está arrotando muito, comumente investigamos as causas de aerofagia, aplicamos o diário funcional e muitas vezes solicitamos alguns exames. 

Já nos pacientes com queixa de distensão abdominal ou flatulência, investigamos se não há nenhuma alteração orgânica no trato digestivo. Afastamos Síndrome do intestino irritável pois pode coexistir. Investigamos as principais intolerâncias à carboidratos fermentáveis. 

Além disso, algo que tem se tornado comum é o diagnóstico de Disbiose intestinal ou de Síndrome de Supercrescimento bacteriano do intestino delgado (SCBID ou SIBO). 

O termo Disbiose é usado de forma errada e na verdade considera-se Disbiose como qualquer alteração qualitativa e quantitativa da microbiota ao longo do trato digestivo. Já os supercrescimento se refere mais ao Intestino delgado. 

A SCBID é geralmente definida pela presença de uma população bacteriana no intestino delgado que excede 105-106 ufc/ml. Ou pela presença no Intestino delegado  ≥ 103 ufc/mL com predomínio de bactérias que normalmente ficariam no intestino grosso e que não estão presentes na saliva ou no suco gástrico




Quando essa colonização é leve a moderada o paciente pode apresentar: 

  1. Flatulência
  2. Distensão abdominal
  3. Desconforto abdominal
  4. Borborigmos
  5. Dor abdominal
  6. Dispepsia

Caso a colonização seja maciça, o paciente pode cursar com:

  1. Diarréia disabsortiva
  2. Desnutrição
  3. Manifestações neurológicas

Nesse caso investigamentos a relação entre os sintomas e as refeições (tanto a hora quanto o tipo e a quantidade de alimento), evacuações e esforços. Investigamos o histórico medicamentoso do paciente, quais drogas ele utilizou nos últimos 3 anos e que possam ter impactado nessa microbiota do trato digestivo. Aplicamos a Escala de Bristol e muitas vezes solicitamos a Pesquisa de Supercrescimento bacteriano, Coprológico Funcional, Coprocultura. Investigamos déficit de nutrientes.


Exame físico

O exame físico geralmente apresenta alteração na percussão do abdome do paciente, muitas vezes visivelmente distendido. Além disso há um aumento do número e intensidade dos ruídos hidroaéreos. 

Tratamento

Eructações e distensão são difíceis de serem aliviados, já que com frequência são causados por aerofagia inconsciente ou sensibilidade aumentada a quantidades normais de gases.  A aerofagia pode ter uma melhora com algumas medidas dietéticas, uso de técnicas cognitivo-comportamentais para evitar a deglutição de ar. Além de melhora no padrão inspiratório. As drogas muitas vezes têm pouco benefício. Simeticona, um agente que rompe as pequenas bolhas de gás, e vários agentes anticolinérgicos geram maus resultados clínicos. Alguns pacientes com dispepsia e empachamento pós-prandial se beneficiam com o uso de antiácidos, antidepressivos tricíclicos em baixas doses ou ambos para reduzir a hipersensibilidade visceral. Alguns gastroenterologistas utilizam procinéticos, o que pode auxiliar alguns casos.

Flatulência excessiva, via de regra, é tratada abstendo-se dos agentes causadores de gases. Nesse caso o diário funcional tem um papel essencial. O que desencadeia gases em um, pode não desencadear em um outro indivíduo. Brinco com meus pacientes que é um trabalho duplo-detetive. A investigação as vezes dura de 6 meses a 1 ano.

Pode-se utilizar substâncias não absorvíveis (p. ex., psyllium e outras fibras) com o intuito de aumentar o trânsito colônico; entretanto, em alguns pacientes os sintomas podem piorar.  

A mesma coisa ocorre com uso de probióticos. Tem uma grande quantidade de pacientes que vem encaminhado por Nutricionistas, alegando que após utilizarem probióticos os gases aumentam e os sintomas pioram. Isso é algo que ocorre muito comumente na SIBO. E se o paciente tiver SIBO, ele pode utilizar o tanto de prebiótico ou probiótico que for. Os sintomas só vão piorar, enquanto não se utilizar a antibioticoterapia específica. 

Carvão ativado pode, às vezes, ajudar a reduzir os gases e o odor desagradável; contudo, ele mancha as roupas e cora a mucosa oral. 

Fonte: 

  1. http://www.betterhealth.vic.gov.au/bhcv2/bhcpdf.nsf/ByPDF/Flatulence/$File/Flatulence.pdf
  2. http://www.shs.uconn.edu/docs/educational_handouts/flatulence.pdf
  3. http://digestive.niddk.nih.gov/ddiseases/pubs/gas/index.aspx
  4. http://www.nhs.uk/conditions/flatulence/Pages/Introduction.aspx
  5. https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/dist%C3%BArbios-gastrointestinais/sintomas-dos-dist%C3%BArbios-gi/queixas-relacionadas-a-gases

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Obesidade e coronavirus por Dr. Bruno Halpern


Dois pesquisadores irlandeses publicaram na excelente revista Obesity uma hipótese que poderia explicar, ao menos em parte, porque estaríamos vendo uma maior gravidade de infecções em indivíduos com obesidade. 

👉A tese seria que o vírus poderia se depositar no tecido adiposo, que na obesidade já é mais inflamado, e assim, gerar mais inflamação, além de ser liberado aos poucos, minando as estratégias de defesa e gerando cada vez mais inflamação, que acaba por gerar respostas gravíssimas no corpo.

👉Há um racional por trás: um dos receptores que facilitam o vírus a entrar nas células está presente em grandes quantidades no tecido adiposo; outros vírus sabidamente podem se depositar em gordura; e muitas das substâncias produzidas pelo corpo em pacientes graves são amplamente produzidas no tecido adiposo. Esse reservatório também poderia explicar tempos mais longos de presença de vírus em algumas pessoas.

👉Para tornar essa hipótese mais forte seria preciso localizar o vírus em amostras de tecido adiposo, o que não foi feito ainda, mas não é tecnicamente difícil.

👉De toda forma, cada vez é mais claro a importância da obesidade como fator de risco independente de complicações. O lado bom é que sabemos que perdas de peso pequenas (de 5-15%) e exercício físico moderado já reduzem inflamação e poderiam (não comprovado mas altamente provável) já ajudar a reduzir parcialmente os riscos. 

Ref: Ryan. Is adipose tissue a reservoir for viral spread, immune activation and citokyne amplification in Covid-19? Obesity 2020 #coronavirusbrasil #obesidade #covid19brasil

domingo, 26 de abril de 2020

Dia de combate à Hipertensão arterial: Como a Nutrologia pode te ajudar?


Hoje foi comemorado o dia de Combate à Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e a Nutrologia tem um papel essencial na prevenção e tratamento. Segundo a OMS, a HAS é o principal fator de risco de doenças cardiovasculares. Por ser uma doença silenciosa, grande parte dos pacientes não sabe que possuem. De acordo com a Sociedade Brasileira de Hipertensão, uma em cada 4 pessoas adultas tem HAS. Assim, estima-se que a doença atinja, no mínimo, 25% da população brasileira adulta, chegando a mais de 50% após os 60 anos. Ela é a responsável por 40% dos infartos, 80% dos derrames e 25% dos casos de insuficiência renal terminal.

As graves consequências da HAS podem ser evitadas, desde que os hipertensos conheçam sua condição e mantenham-se em tratamento com adequado controle da pressão. Dicas para prevenir a HAS:
1) Afira a pressão pelo menos duas vezes ao ano
2) Pratique atividades físicas regularmente.
3) Mantenha o peso ideal.
4) Adote dieta DASH caso tenha história familiar de HAS.
5) Evite álcool.
6) Não fume.
7) Evite o estresse.
8) Nutroterapia: Dietary Approaches to Stop Hypertension (DASH) é um padrão alimentar que incentiva o consumo de certos alimentos e exerce um importante impacto na redução da pressão arterial. Ajuda a controlar o colesterol e sua grande vantagem é que não exclui nenhum grupo alimentar. Estudos mostram que a adesão a esse estilo alimentar reduz em 14% o desenvolvimento de hipertensão, funcionando positivamente na prevenção de doença cardiovascular. A dieta DASH é rica em fibras e nos minerais potássio, cálcio e magnésio, e esses micronutrientes trazem benefícios sobre a pressão arterial. Orientações da DASH:

1 - Escolher alimentos que possuam pouca gordura saturada, colesterol e gordura total. Por exemplo, carne magra, aves e peixes, utilizando-os em pequena quantidade.

2 – Comer frutas e hortaliças, aproximadamente de oito a dez porções por dia (uma porção é igual a uma concha média).

3- Incluir duas ou três porções de laticínios desnatados ou semidesnatados por dia.

4 – Preferir os alimentos integrais, como pães, cereais e massas integrais ou de trigo integral.

5 – Comer oleaginosas (castanhas), sementes e grãos, de quatro a cinco porções por semana (uma porção é igual a ⅓ de xícara ou 40 gramas de castanhas, duas colheres de sopa ou 14 gramas de sementes, ou ½ xícara de feijões ou ervilhas cozidas e secas).

6 – Reduzir as gorduras saturadas . Utilizar óleos vegetais insaturados (como azeite, soja, milho).

7 – Evitar o sal. Evitar também molhos e caldos prontos, além de produtos industrializados.

8 – Diminuir ou evitar o consumo de doces e bebidas com açúcar.

Fonte: www.nhlbi.nih.gov/health/public/heart/hbp/dash/new_dash.pdf

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Introdução Alimentar na primeira infância: Quando começar a dar os alimentos alergênicos


Tenho vários sobrinhos/afilhados e parece que todos resolveram nascer de 5 anos para cá. Sendo assim, vocês já podem imaginar o tanto que as mamães da minha família me pedem orientações sobre alimentação pré-natal, durante a gestação, na amamentação e posteriormente durante os 2 primeiros anos de vida. 

Se você ainda não leu o texto sobre alimentação Na gestação e na amamentação, bastar digitar amamentação na busca aqui do blog.

A introdução de alimentos sólidos à dieta infantil é a fase de transição entre a alimentação exclusivamente láctea e a dieta da família.

Primeira coisa que a mamãe tem que ter em mente é: Será que esse alimento ou essa combinação de alimentos atenderá às necessidades de desenvolvimento da criança. Terá uma boa densidade nutricional, englobando todos os grupos de alimentos? E as alergias alimentares? São inúmeras as perguntas. 

Vamos então a algumas regras básicas: 

1 - Evitar dar suco antes de 1 ano de idade
  • Recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria – Brasil: Os sucos naturais devem ser evitados, mas se forem administrados que sejam dados no copo, de preferência após as refeições principais, e não em substituição a estas, em dose máxima de 100 mL/dia, com a finalidade de melhorar a absorção do ferro não heme presente nos alimentos como feijão e folhas verde-escuras.
  • Recomendação da Academia Americana de Pediatria – EUA: Sucos não oferecem benefícios nutricionais para crianças menores de 6 meses e não devem ser oferecidos para as mesmas. A fruta in natura deve ser oferecida em preferência ao suco. Sucos não oferecem nenhum benefício maior do que a fruta in natura para crianças maiores de 6 meses. Suco de fruta 100% natural pode ser parte de uma dieta saudável quando consumido como parte de uma dieta balanceada. Sucos de fruta artificiais ou de “caixinha” não são equivalentes ao suco de fruta natural e não são recomendados. Sucos não devem ser dados em mamadeiras, ou em recipientes de fácil transporte, de forma a estimular a sua ingesta ao longo do dia todo (o objetivo não é esse!). Não oferecer sucos na hora de dormir. Sucos não são apropriados para o tratamento de desidratação e diarreia. Consumo excessivo de sucos pode estar associado com diarréia, flatulência, distensão abdominal e cárie dentária, além de subnutrição. Sucos não pasteurizados podem conter bactérias (Escherichia coli, Salmonella e Cryptosporidium), responsáveis por doenças. A ingesta de suco deve ser limitada a 120 a 180ml por dia em crianças de 1 a 6 anos, e para crianças de 7 a 18 anos, de 200 a 350 ml, ou 2 copos por dia. Em crianças consideradas malnutridas, com diarreia crônica, flatulência excessiva, dor abdominal e má digestão o pediatra deve avaliar a criança e determinar a quantidade de suco consumida. A cárie dentária pode estar diretamente relacionada com a quantidade de suco ingerida, sem os cuidados necessários.
  • Recomendação da Health Canada – Canadá: Não recomenda sucos no primeiro ano. Depois de 1 ano, orientam dar suco de forma limitada e não oferecer bebida adoçadas. Se a criança estiver com sede, ofereça água a ela.
  • Recomendação do National Health and Medical Research Council – Austrália: Sucos são desnecessários e não se recomenda para crianças menores de 1 ano de idade. Bebidas adoçadas estão associadas com cáries dentárias. Chás e outras bebidas não tem benefícios conhecidos para a criança e podem ser potencialmente perigosos.
  • Recomendação do National Health Service (NHS) – Reino Unido:  Bebês abaixo de 6 meses não devem receber sucos de fruta. Sucos de fruta diluídos (uma parte de suco para 10 partes de água) podem ser oferecidos à criança com as refeições após os 6 meses. Gente eu coloquei isso aqui, mas por favor, não entendam mal! Não é para dar suco diluído como forma de refeição ou porção de frutas, seria mais como uma “água com gostinho” com o objetivo de hidratar (quando for dar água pode ser dessa forma…). Dica: dar água diluída com suco de fruta natural e frutas sempre in natura! Sucos in natura podem ser dados após as refeições para reduzir o risco de cárie, em pequena quantidade.

Excesso de suco pode levar a anemia e malnutrição (com excesso de açúcares e falta de outros nutrientes, como proteínas, carboidratos e vitaminas). Nessa situação imagine aquele bebê que se adapta perfeitamente ao suco, e acaba ficando “preguiçoso” para mastigar e comer outro alimento sólido, substituindo suco pelas refeições do dia. Nesse caso, o bebê pode ter dificuldade de ganhar peso, e ter falta de vários nutrientes importantes.

O excesso de suco pode danificar o esmalte do dente, levando a cárie dentária, principalmente quando oferecida na mamadeira.

2 - Não dar açúcar ou alimentos com açúcar antes dos 2 anos de idade.

Nos dois primeiros anos de vida, frutas e bebidas não devem ser adoçadas com nenhum tipo de açúcar: branco, mascavo, cristal, demerara, açúcar de coco, xarope de milho, mel, melado ou rapadura. Também não devem ser oferecidas preparações que tenham açúcar como ingrediente, como bolos, biscoitos, doces, geléias. 
O consumo precoce de açúcar aumenta a chance de ganho de peso excessivo na infância e consequentemente o desenvolvimento de obesidade na fase adulta. Além disso o açúcar pode provocar placa bacteriana nos dentes e cárie. Como a criança já tem preferência pelo sabor doce desde o nascimento, se ela for acostumada com preparações açucaradas, poderá ter dificuldades em aceitar vegetais, legumes e outros alimentos saudáveis. Essa é a recomendação do Ministério da Saúde (2019) através do Guia Alimentar para Crianças Menores de 2 anos, disponibilizado gratuitamente na internet.

3 - Não dar Leite de vaca integral (LVI) antes de 1 ano. Nem em preparações. Inúmeros são os fatores:

  • LVI associado ao aparecimento da anemia ferropriva (anemia por deficiência de ferro). Além do baixo teor, o ferro do leite de vaca não é bem absorvido pelo organismo de lactente. Outro fator agravante que contribui o aumento do risco de deficiência de ferro e anemia no 1º ano de vida é o fato de que o consumo de leite de vaca está associado à perda de sangue pelas fezes de uma maneira despercebida pelas mães e cuidadores. Tal evento cessa após a criança completar 1 ano, idade esta em que o trato gastrointestinal já está mais desenvolvido.
  • A ingestão de LVI antes de ano, tem sido relacionado a uma predisposição ao aparecimento da alergia a proteína do leite de vaca, uma condição que afeta de 0,4% a 7,5% das crianças de 0 a 2 ano de idade. Além disso, a exposição precoce da criança ao LVI aumenta o risco não somente de reações adversas a este leite, como também de alergias a outros alimentos.
  • Risco de desenvolver uma sobrecarga renal. Apesar das funções metabólicas e excretoras do lactente normal acima de 6 meses de idade estarem mais maduras e, na maioria das vezes, suportarem bem essa sobrecarga, a margem de segurança continua sendo maior quando o alimento é o leite materno ou algum fórmula modificada.
  • Risco de deficiência de cobre, zinco, vitamina A, C, E e ácido fólico e gorduras essenciais (ômega 3 e ômega 6) principalmente quando se utiliza o LVI muito diluído, prática geralmente observada. A deficiência de algumas vitaminas pode ser ainda agravada pelo processamento térmico do leite.

Portanto, com todas as evidências, não é recomendada a utilização do leite de vaca integral na alimentação da criança durante o primeiro na de vida. Contudo, essa realidade nem sempre é possível, visto que o poder aquisitivo da maioria da população brasileira é baixo.

E como fica alimentação após 6 meses de vida?

O preconizado é que, a partir dos 6 meses, a criança inicie com duas papas de frutas ao dia e uma papa salgada. A

 partir do 7º mês, acrescenta-se a segunda papa salgada, ficando então a criança com quatro refeições complementares (além do leite materno).

Alergênicos

No final da década de 90 a introdução alimentar era realizada de forma mais gradativa. Sendo assim, postergava-se a introdução de alimentos alergênicos, como ovo e glúten, em crianças predispostas para após os 10 meses. 

Na atualidade, recomenda-se que se inicie com todos os alimentos de forma gradual, porém com a introdução já no 6º mês de carne vermelha, peixe, frango e ovo. 

Tal recomendação visa a reduzir as alergias alimentares, promovendo uma adaptação imunológica precoce, num período fundamental da formação da flora gastrointestinal.

Em 2010 foi publicado um estudo em Israel. Este concluiu que a introdução precoce de leite de vaca por meio de fórmulas infantis, associada ao aleitamento materno, reduziria as taxas de alergia ao leite de vaca IgE mediada. 

Mais recentemente, um ensaio clínico com a introdução de alimentos contendo amendoim em pequena quantidade concluiu que tal conduta poderia reduzir o risco de alergias a este alimento em crianças predispostas. 

E, assim, alguns estudos vêm sendo publicados discutindo a introdução precoce de alimentos alergênicos — entre 4 e 6 meses — e seu papel na redução das taxas de alergias alimentares 

Com relação ao glúten, uma revisão de 2016 das recomendações da European Society for Paediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition (ESPGHAN) concluiu que esse alimento pode ser introduzido entre 4 e 12 meses de idade para todas as crianças, independentemente de estarem ou não em aleitamento materno (o aleitamento materno não se mostrou um fator protetor contra a doença celíaca, tanto isolado quanto concomitante à introdução do glúten nesse período etário).

O risco de desenvolvimento de autoimunidade para doença celíaca (definida como sorologia positiva) e de doença celíaca foi maior apenas naqueles pacientes com risco de seu desenvolvimento (com ao menos um dos alelos de risco). Recomenda-se que a criança não receba grandes quantidades de glúten no início de sua introdução. Eu recomento na minha família que se utilize um pouco de farinha integral em alguma preparação e exponha a criança apenas uma vez na semana, até completar 1 ano.

Em revisão sistemática publicada em 2016, concluiu-se que a introdução precoce (4 a 6 meses) de amendoim e ovo reduziu o risco de alergia a estes alimentos. Também concluiu que a introdução precoce destes alimentos não aumentou o risco de outras alergias alimentares 

Outra revisão, pulicada em 2017, mostrou que a introdução de alimentos alergênicos deve ser realizada entre 4 a 6 meses, mas nunca antes disso. Ainda outro estudo coloca que a introdução precoce (aos 4 meses) não reduziu o tempo de aleitamento materno total. 

Um grande estudo realizado com crianças europeias avaliou a influência da introdução de sólidos em sobrepeso e obesidade. A conclusão foi a de que a introdução tardia de alimentos sólidos — após os 7 meses — está associada ao sobrepeso e à obesidade, enquanto que a introdução de sólidos entre 4 e 6 meses, concomitante ao aleitamento materno, mostrou redução do risco destas doenças. 

Percebe-se pelas últimas publicações que ainda não há um consenso a respeito de todos os elementos da introdução alimentar infantil. E ainda são necessários mais estudos para se poder determinar exatamente as condutas a serem tomadas. No entanto, a partir de todos esses dados, algumas conclusões ponderadas podem ser feitas. 

  • O aleitamento materno deve ser incentivado e mantido de forma exclusiva até os 6 meses de vida da criança. Há, inegavelmente, benefícios nesta prática, tanto nutricionalmente como imunologicamente. 
  • A introdução de alimentação complementar não deve ser posterior aos 7 meses de vida. Estudos mostram que a introdução tardia de sólidos está associada a maiores taxas de obesidade e sobrepeso.
  • A introdução de alimentos alergênicos (ovo, peixe, amendoim) deve ser realizada entre os 4 e 11 meses de vida, independentemente do histórico familiar de alergia alimentar. Tal conduta diminui o risco de alergia a estes alimentos.
  • O glúten deve ser introduzido entre os 4 e 11 meses de vida, independentemente do histórico familiar, mas não em grandes quantidades. A introdução concomitante ao aleitamento materno não mostrou efeito protetor quando comparada com a introdução precoce isolada.
  • Não há evidências para indicar o uso de fórmulas infantis concomitante ao aleitamento materno como forma de prevenir alergia à proteína do leite de vaca.
  • A introdução alimentar deve ser individualizada, respeitando as necessidades de cada criança. O aleitamento materno deve ser incentivado de forma exclusiva até o sexto mês e complementar até os 24 meses, pelo menos.

Bibliografia

  • Katz Y, Rajuan N, Goldberg MR, Eisenberg E, Heyman E, Cohen A, et al. Early exposure to cow’s milk protein is protective against IgE-mediated cow’s milk protein allergy. J Allergy Clin Immunol. Elsevier Ltd; 2010;126(1):77–82.
  • Ierodiakonou D, Garcia-Larsen V, Logan A, Groome A, Cunha S, Chivinge J, et al. Timing of Allergenic Food Introduction to the Infant Diet and Risk of Allergic or Autoimmune Disease. Jama [Internet]. 2016;316(11):1181. Available from: http://jama.jamanetwork.com/article.aspx?doi=10.1001/jama.2016.12623
  • West C. Introduction of Complementary Foods to Infants. Ann Nutr Metab. 2017;70(2):47–54.
  • Szajewska H, Shamir R, Mearin L, Ribes-Koninckx C, Catassi C, Domellöf M, et al. Gluten Introduction and the Risk of Coeliac Disease. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2016;62(3):507–13.
  • Venter C, Maslin K, Dean T, Arshad SH. Does concurrent breastfeeding alongside the introduction of solid food prevent the development of food allergy? J Nutr Sci [Internet]. 2016;5:e40. Available from: http://www.journals.cambridge.org/abstract_S2048679016000318
  • Smith HA, Becker GE. Early additional food and fluids for healthy breastfed full-term infants. Cochrane Database Syst Rev. 2016;2016(8).
  • Abrams EM, Greenhawt M, Fleischer DM, Chan ES. Early Solid Food Introduction: Role in Food Allergy Prevention and Implications for Breastfeeding. J Pediatr. Elsevier Inc.; 2017;184:13–8.
  • Papoutsou S, Savva SC, Hunsberger M, Jilani H, Michels N, Ahrens W, et al. Timing of solid food introduction and association with later childhood overweight and obesity: The IDEFICS study. Matern Child Nutr [Internet]. 2017;(December 2016):e12471. Available from: http://doi.wiley.com/10.1111/mcn.12471
  • https://www.portalped.com.br/especialidades-da-pediatria/alergia-e-imunologia/introducao-alimentar-quando-iniciar-alimentos-alergenicos/

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Posicionamento da ABRAN a respeito de micronutrientes e probióticos na COVID-19



Considerando-se a pandemia causada pelo COVID-19 e a preocupação da ABRAN com a promoção da saúde e prevenção de doenças, a prevalência de desnutrição específica no Brasil e o papel de vitaminas e minerais no sistema imunológico, e após análise rigorosa das evidências disponíveis até a presente data, a Associação Brasileira de Nutrologia aqui elenca vitaminas e minerais com atuação de maior relevância no cenário da síndrome respiratória aguda grave causada pelo COVID-19 (SARS-CoV-2). Importante enfatizar que, nenhum desses nutrientes tratam diretamente a infecção pelo COVID-19.

Fundamentado na literatura vigente, relacionada não somente ao COVID-19, mas também a outros vírus, o presente documento descreve os efeitos benéficos dos tratamentos das deficiências específicas referentes a vitaminas A, D, C, zinco e selênio, além do possível papel dos probióticos.

Vitamina A

Há evidências de que a suplementação de vitamina A reduz morbidade e mortalidade em várias infecções como, HIV, malária, sarampo, pneumonia associada a sarampo e diarreia. Resultados adversos durante infecções virais têm sido associados a baixos níveis de vitamina A. Essa hipótese foi explanada em recente revisão que propõe que a vitamina A deve ser considerada em pacientes portadores de COVID-19.

Embora seja importante tratar as deficiências de micronutrientes, não existem ainda evidências de que doses supra fisiológicas de vitamina A possam prevenir ou melhorar clinicamente os portadores de COVID-19. Deve ser ressaltado que há risco de toxicidade se ingerida em altas doses. Assim, não se recomenda a ingestão de supra doses de vitamina A e de seu precursor (β-caroteno) visando diminuir esse risco.

A RDA (Recommended Dietary Allowance) é a diretriz que representa a meta diária de ingestão de nutrientes para indivíduos saudáveis. A da vitamina A é de 700 mcg/d para mulheres e 900 mcg/d para homens. Tais valores podem ser alcançados somente pela alimentação na maioria das pessoas. Os alimentos considerados melhores fontes de vitamina A, na forma de retinol, são os de origem animal, tais como, vísceras (principalmente fígado, óleos de fígado de bacalhau e de linguado gigante), além de gemas de ovos. Já os carotenoides são encontrados em vegetais folhosos verde-escuros e vegetais e frutas amarelo-alaranjadas (manga, mamão, abóbora, cenoura, batata doce, espinafre, mostarda e couve). Em alguns casos, a suplementação pode ser necessária. Os polivitamínicos disponíveis no mercado têm cerca de 55 até 167% da RDA.

Vitamina C (ácido ascórbico)

A vitamina C pode reduzir a suscetibilidade do hospedeiro a infecções do trato respiratório inferior sob certas condições, assim como exercer funções fisiológicas para diminuir os sintomas gripais, por sua ação anti-histamínica fraca.

Estudos controlados em humanos relataram que havia incidência significantemente menor de pneumonia em grupos de pacientes suplementados com vitamina C. Avaliando a suplementação de altas doses de vitamina C para pacientes com síndrome do desconforto respiratório grave, recente estudo considerou uma opção de tratamento segura em relação a desfechos secundários pesquisados (menor mortalidade após 28 dias de internação em UTIs, dias sem UTI e dias sem hospital). Em uma revisão sistemática, a ingestão de 1g/dia de ácido ascórbico reduziu a duração da gripe (8% para adultos e 14% para crianças). Os autores não recomendaram a suplementação de rotina devido à ausência de efeito na incidência dos resfriados e gripes. Entretanto, a gravidade da gripe foi reduzida com a utilização regular de vitamina C, podendo ser considerado um tratamento seguro e de baixo custo.

Com relação especificamente ao COVID-19, recente revisão sugere que, a vitamina C pode ser uma das escolhas para o tratamento de suporte, embora sejam necessários estudos longos e sistemáticos. Para indivíduos sob risco de infecções virais respiratórias, a utilização de doses elevadas de vitamina C (até 2g/dia) por via oral pode ser indicada.

A deficiência de vitamina C em indivíduos vivendo na comunidade é rara, uma vez que é abundante na natureza. As principais fontes são as frutas cítricas e vegetais crus. As necessidades diárias recomendadas são variáveis entre países indo de 45 mg a 110 mg/d. No Brasil, adota-se a RDA de 75 mg/dia para mulheres e 90 mg/d para homens.

Vitamina D (colecalciferol)

A atuação da vitamina D na resposta imune vem sendo amplamente estudada. Vários estudos mostram que o colecalciferol aumenta a expressão de peptídeos antibacterianos, contribuindo para melhor resposta imunológica do hospedeiro. A relevância da vitamina D se baseia no aumento da evidência de que sua suplementação e restauração para valores normais em pacientes infectados possam melhorar a recuperação, e desta forma reduzindo os níveis de inflamação e melhora da ativação imunológica.

As principais fontes alimentares são peixes com alto teor de gordura (salmão, sardinha), gema de ovo, fígado, leite e seus derivados.

Tendo em vista a atual pandemia de COVID-19, é relevante atentarmos para a letalidade maior em pessoas acima de 60 anos. Nesses indivíduos se observa maior prevalência de hipovitaminose D e menor exposição solar (isolamento social) com consequente comprometimento da resposta imune.

A RDA é entre 600 a 800 UI/d. Baseado nas melhores referências disponíveis, a utilização de vitamina D entre 2.000 e 4.000UI/dia por via oral pode ser indicada em grupos de risco ou de baixa exposição solar.

Entretanto, na presença de déficit de 25-hidroxivitamina D (25 [OH] D), o colecalciferol deve ser prontamente fornecido de acordo com os resultados dos níveis séricos. A reposição recomendada por via oral é 50.000 UI / semana, se níveis séricos de 25 (OH) D <20 25.000="" 25="" a="" d="" de="" e="" ml.="" ml="" ng="" p="" se="" semana="" ui="">

Zinco

Zinco é um oligoelemento essencial determinante para manutenção da função imune inata e adaptativa. Embora o mecanismo seja incerto, tem sido relatada atividade antiviral do zinco pela inibição da replicação viral em cultura de células, inibindo a atividade da polimerase do RNA do coronavírus e pela amplificação da ação antiviral de citocinas e interferon humano (IFN-α).

Estima-se que a deficiência mundial de zinco seja em torno de 17 a 20%, especialmente em países em desenvolvimento da África e Ásia. Nos países desenvolvidos, a deficiência de zinco ocorre em idosos, veganos/vegetarianos e em portadores de doenças crônicas, como doença inflamatória intestinal e cirrose. Sua ação contra o coronavírus foi mostrada por estudo in vitro. Estudos com relação ao novo coronavírus ainda não estão disponíveis.

O conteúdo de zinco varia entre os alimentos. Mariscos, ostras, carnes vermelhas, fígado, miúdos e ovos são consideradas as melhores fontes de zinco. Vale ressaltar que, a absorção intestinal de zinco de alimentos vegetais não é tão grande quanto de alimentos de origem animal. Portanto, os vegetarianos podem precisar de até 50% mais de zinco na dieta do que os não vegetarianos. O nível superior de ingestão de zinco é de 40 mg por dia. Consumir mais do que essa quantidade pode aumentar o risco de deficiência de cobre, bloqueando sua absorção.

Vários micronutrientes são depletados durante a resposta inflamatória, o que torna difícil a interpretação de valores abaixo do nível de referência. Por outro lado, evidências recentes parecem mostrar que sepse recorrente está associada à concentração sérica persistentemente baixa de zinco.

Apesar da difícil interpretação do nível baixo de zinco em pacientes sob inflamação, recente revisão recomenda que, para suporte da função imune ideal, a ingestão de zinco segue a mesma da RDA e deve ser de 8 (mulheres) e de 11 (homens) mg/dia. Na vigência de diarreia aguda, recomenda-se zinco entre 20 e 40 mg/dia via oral.

Selênio

Durante infecções virais, espécies reativas de oxigênio e de nitrogênio (radicais livres) são abundantemente produzidas, o que sobrecarrega o sistema de defesa antioxidante e induz desequilíbrio redox (estresse oxidativo). Tal cenário proporciona e amplifica a replicação viral, desequilibrando a resposta imunológica. O selênio ocupa papel importante na defesa antioxidante do hospedeiro e no grau de patogenicidade do vírus.

A ingestão diária de selênio recomendada é de 55 mcg segundo a RDA. Selênio em doses mais elevadas (200 mcg) pode atuar como coadjuvante no tratamento de infecções, contudo, não podem ser utilizadas por tempo prolongado.

O conteúdo de selênio, presente em vários alimentos, como a castanha do Brasil, pode variar de um local para outro de cultivo. O consumo de 3 castanhas do Brasil (15g) corresponde a recomendação diária de ingestão sugerida recentemente. Outras fontes são peixes (sardinha, salmão), fígado de boi, farelo de arroz, farinha de trigo integral.

Baseado nas melhores evidências disponíveis, a utilização de doses diárias de 55 mcg de selênio pode ser indicada, e doses acima desta RDA deverão ser avaliadas conforme nível sérico. Esta dose pode ser encontrada em determinados polivitamínicos disponíveis em território brasileiro.

Probióticos

O trato gastrintestinal humano abriga uma enorme população de microrganismos, denominado microbioma intestinal humano, que interagem entre si e sobre o epitélio e o sistema imunológico do hospedeiro. Alterações nas quantidades relativas à população e à diversidade microbiana intestinal podem romper as interações benéficas entre a microbiota e o hospedeiro (disbiose), apresentando um efeito direto na saúde humana. Alguns pacientes portadores de infecção por COVID‐19 apresentam repercussões gastrintestinais (dor abdominal, diarreia) devido à contaminação viral direta da mucosa intestinal ou consequente às alterações do tratamento específico (medicamentos anti-virais ou anti-bacterianos, para o tratamento de infecções secundárias). Tal fato representa uma redução local significativa na quantidade de microbiota, tais como lactobacillus e bifidobacterium. O desequilíbrio microecológico, pode levar à translocação bacteriana intestinal, favorecendo infecções secundárias e piora do quadro geral. Embora não existam estudos robustos, recomendações recentes sugerem o uso de probióticos em infecções pelo COVID‐19 reduzindo as chances de translocação bacteriana intestinal. Estudos sistemáticos suportam utilização cuidadosa de probióticos ou simbióticos, reduzindo pneumonia associada à ventilação mecânica e infecções em doenças críticas. Para os centros que apresentarem recursos relevantes e puderem realizar análises da flora intestinal (por exemplo, sequenciamento da microbiota), a prescrição pode ser realizada de acordo com os resultados. A indicação de probióticos pode ser considerada nos casos de COVID-19 com diarreia, salvaguardando-se as contraindicações específicas de cada grupo de pacientes.

Tendo em vista as considerações acima, sugerimos que o fornecimento de doses diárias de vitaminas, minerais devem ser assegurados a pacientes sob risco de deficiência dos mesmos, visando maximizar a defesa nutricional geral anti-infecção pelo COVID-19.

A suplementação de vitaminas, minerais e probióticos não trata e não previne a infecção por COVID-19, porém pode otimizar a resposta imunológica, atuando como tratamento coadjuvante.

A Associação Brasileira de Nutrologia reforça que uma alimentação adequada é fundamental para a integridade do sistema imunológico. Pacientes sob risco de deficiência podem receber suplementação de acordo com avaliação médica.

Referências Bibliográficas

  1. De Brito TBB, Oliveira TA, Medina TS, et al.. (2019). Acessibilidade, biodisponibilidade e consumo de alimentos ricos em carotenoides e vitamina A em crianças de até 5 anos. Revista de Alimentação, Nutrição e Saúde, 1(1):1-13.
  2. Zhang L, Liu Y. (2020). Potential interventions for novel coronavirus in China: A systematic review. Journal of Medical Virology, 92:479-490
  3. Barazzoni R, Bischoff SC, Krznaric Z, Pirlich M, Singer P, endorsed by the ESPEN Council (2020). ESPEN expert statements and practical guidance for nutritional management of individuals with sars-cov-2 infection, Clinical Nutrition, https://doi.org/10.1016/j.clnu.2020.03.022.
  4. Russell RM, Beard JL, Cousins RJ, et al.. (2001). Dietary reference intakes for vitamin A, vitamin K, arsenic, boron, chromium, copper, iodine, iron, manganese, molybdenum, nickel, silicon, vanadium, and zinc. A Report of the Panel on Micronutrients, Subcommittees on Upper Reference Levels of Nutrients and of Interpretation and Uses of Dietary Reference Intakes, and the Standing Committee on the Scientific Evaluation of Dietary Reference Intakes Food and Nutrition Board Institute of Medicine. Washington, DC: National Academies Press; 2001.
  5. Schwingshackl L, Boeing H, Stelmach-Mardas M, et al.. (2017). Dietary Supplements and Risk of Cause-Specific Death, Cardiovascular Disease, and Cancer: A Systematic Review and Meta-Analysis of Primary Prevention Trials. Advances in Nutrition: An International Review Journal, 8(1):27-39.
  6. Zaatari S, Radecki RP, Spiegel R. (2020). Vitamin C may not help your cold, but can it treat sepsis and acute respiratory distress syndrome? Ann Emerg Med. 2020; 75(3):45
  7. Hemilä H, Chalker E. (2013) Vitamin C for prevention and treating the common cold. COCHRANE DB SYST REV. https://doi.org/10.1002/14651858.CD000980.pub4
  8. Teng J, Pourmand A, Mazer-Amirshahi M. (2018). Vitamin C: the next step in sepsis management?. Journal of Critical Care, 43:230-234.
  9. National Health Commission of the People’s Republic of China. Handbook of COVID-19 Prevention and Treatment. China, 2020. Alibaba Foundation.
  10. Xu K, Cai H, Shen Y, et al. (2020) Management of corona virus disease-19 (COVID-19): the Zhejiang experience. Journal of Zhejiang University (Medical Sciences), 49(1):0-0.
  11. Li LQ, Huang T, Wang YQ, et al. (2020) 2019 novel coronavirus patients’ clinical characteristics, discharge rate, and fatality rate of meta-analysis [published online ahead of print, 2020 Mar 12]. J Med Virol. 10.1002/jmv.25757.
  12. Caccialanza R, Laviano A, Lobascio F, et al . (2020) Early nutritional supplementation in non-critically ill patients hospitalized for the 2019 novel coronavirus disease (COVID-19): Rationale and feasibility of a shared pragmatic protocol. Nutrition (pre-poof). https://doi.org/10.1016/j.nut.2020.110835
  13. Grant WB, Lahore H, McDonnell SL et al.. (2020). Evidence that Vitamin D Supplementation Could Reduce Risk of Influenza and COVID-19 Infections and Deaths. Nutrients, 12(4):988. doi:10.3390/nu12040988
  14. Gombart AF, Pierre A, Maggini S. (2020) A review of micronutrients and the immune system-working in harmony to reduce the risk of Infection.Nutrients, 12(1):236. doi:10.3390/nu12010236
  15. U.S. Institute of Medicine Dietary Reference Intakes for Calcium and Vitamin D; National Academies Press: Washington, D.C, National Academy Press; 2011.
  16. Hewison M. (2010) Vitamin D and the immune system: new perspectives on an old theme. Endocrinol Metab Clin North Am., 39(2):365–379. doi:10.1016/j.ecl.2010.02.010
  17. Calder PC, Carr AC, Gombart AF, et al.. (2020) Optimal Nutritional Status for a Well-Functioning Immune System is an Important Factor to Protect Against Viral Infections. Preprints, 2-9 (Not Peer-Reviewed).
  18. Zumla A, Hui DS, Azhar EI, et al.. (2020) Reducing mortality from 2019-nCoV: host-directed therapies should be an option. The Lancet, 395(10224), e35-e36. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30305-6.
  19. Read SA, Obeid S, Ahlenstiel C, et al.. (2019) The Role of Zinc in Antiviral Immunity, Advances in Nutrition, 10(4): 696–710. https://doi.org/10.1093/advances/nmz013.
  20. Mafra D, Cozzolino SMF. (2004) The importance of zinc in human nutrition. Revista de Nutrição-Campinas, 17(1):79-88.
  21. Hoeger J, Simon TP, Beeker T, et al.. (2017) Persistent low serum zinc is associated with recurrent sepsis in critically ill patients-A pilot study. PloS one. 12(5). doi: 10.1371/journal.pone.0176069.
  22. Singer P, Blaser AR, Berger MM, et al.. (2019) ESPEN guideline on clinical nutrition in the intensive care unit. Clinical Nutrition, 38(1):48-79. https://doi.org/10.1016/j.clnu.2018.08.037.
  23. Guillin OM, Vindry C, Ohlmann T, et al.. (2019). Selenium, selenoproteins and viral infection. Nutrients, 11(9):2101. doi:10.3390/nu11092101
  24. Hoffmann PR, Berry MJ. (2008) The influence of selenium on immune responses. Mol Nutr Food Res., 52(11):1273-1280. doi:10.1002/mnfr.200700330
  25. Lima LW, Stonehouse GC, Walters C, et al.. (2019). Selenium Accumulation, Speciation and Localization in Brazil Nuts. (Bertholletia excelsa HBK). Plants, 8(8):289.
  26. Food and Nutrition Board, Panel on Dietary Antioxidants and Related Compounds. Vitamin C. Dietary Reference intakes for vitamin C, vitamin E, selenium, and carotenoids. Washington, DC: National Academy Press; 2000.
  27. Manzanares W, Lemieux M, Langlois PL, et al. (2016) Probiotic and synbiotic therapy in critical illness: a systematic review and meta-analysis. Crit Care. (20):262.


Autores: Ana Lúcia dos Anjos Ferreira, Eline de Almeida Soriano, Isolda Prado de Negreiros Nogueira Maduro, Sandra Lúcia Fernandes e Simone Chaves de Miranda Silvestre, sancionados pela Associação Brasileira de Nutrologia.

ABRAN - Associação Brasileira de Nutrologia
POLÍTICA DE PRIVACIDADETERMOS DE USOASSOCIE-SECONTATO
Copyright © 2018 - ABRAN - Associação Brasileira de Nutrologia


segunda-feira, 23 de março de 2020

Nota da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte e do Exercício


domingo, 22 de março de 2020

Nutrientes e sistema imunológico - vídeo educativo da ABRAN





quinta-feira, 12 de março de 2020

Alzheimer: diretrizes para prevenção, aspectos nutricionais



Foram publicados os resultados de um relatório global sobre a doença de Alzheimer

De acordo com um estudo global publicado hoje, poderia ser feito mais para prevenir a doença de Alzheimer.

Alzheimer's Disease International, a federação mundial das associações de Alzheimer, encomendou o 'Relatório Mundial Alzheimer 2014 - Redução do risco e demência: Uma análise dos fatores protetores e modificáveis'.

Publicado hoje (17 de setembro), ele revela que controlar o diabetes e a pressão arterial elevada pode reduzir o risco de demência no futuro. Parar de fumar e reduzir os fatores de risco cardiovascular também ajuda a reduzir o risco de desenvolver doença de Alzheimer.

O diabetes sozinho aumenta o risco de demência em 50%, relatam os autores, liderados pelo Professor Martin Prince do King's College London, Reino Unido.

Ele diz: "Já há evidências de vários estudos quanto a que a incidência de demência está diminuindo em países de alta renda, associados a melhorias na educação e na saúde cardiovascular. Precisamos fazer tudo o que pudermos para acentuar essas tendências. Com um custo global de mais de 600 bilhões dólares americanos, dificilmente poderia ser mais importante o que está envolvido."

O relatório afirma que o controle do tabaco e a melhor prevenção, detecção e controle da hipertensão e do diabetes são fundamentais para reduzir o risco de demência em nível da população. De maneira que a demência deve ser "integrada nos programas de saúde pública tanto globais como nacionais, ao lado de outras importantes doenças não transmissíveis".

Marc Wortmann, da Alzheimer's Disease International, comentou: "De uma perspectiva de saúde pública, é importante notar que a maioria dos fatores de risco para a demência se sobrepõem com os de outras importantes doenças não transmissíveis. Em países de alta renda, há um maior foco nos estilos de vida mais saudáveis, mas este não é sempre o caso com os países de baixa e média renda

"Estima-se que em 2050, 71% das pessoas com demência estarão vivendo nestas regiões, então implementar campanhas eficazes de saúde pública pode ajudar a reduzir o risco global."

Fonte: www.doctors.net.uk

Todo dia 21 é um dia especial rs. Hj é dia da Árvore, Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência e Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença de Alzheimer. Estima-se que em todo o mundo, existam mais de 35 milhões de pessoas com Alzheimer e q esse nº provavelmente ultrapassará 80 milhões até 2040.

A Diretriz publicado pela George Washington University School of Medicine e pelo Physicians Committee for Responsible Medicine (PCRM) defende a diminuição do risco de se desenvolver Doença de Alzheimer pela alimentação nutrologicamente equilibrada. “Combinar alimentação com atividade física, evitando o consumo exagerado de metais como cobre e ferro pode maximizar a proteção do cérebro”, afirma Dr Barnard, um dos autores desta diretriz.

A diretriz pode ser dividida em 7 pilares:

1- Evitar ao máximo gordura trás e gordura saturada

2- A base da dieta deve ser constituída de vegetais, legumes ( feijão, ervilha, lentilha), frutas e grãos integrais.

3- Vitamina E diária – fornecida por nozes, castanhas ou sementes.

4- Vitamina B 12 diária (2,4μg por dia para adultos).

5- Evite polivitamínicos que contenham ferro e Cobre. Faça reposição destes micronutrientes somente com orientação Medica.

6- Evite tigelas e outros utensílios que possuam alumínio na sua composição.

7- Atividade Física aos menos 120 minutos por semana.


Fonte: http://www.pcrm.org/health/reports/dietary-guidelines-for-alzheimers-prevention