sexta-feira, 3 de março de 2023

Agrotóxicos: toxicologista fala sobre mudanças na lei, riscos para saúde e meio ambiente

 Entre 2019 e 2022, cerca de dois mil novos agrotóxicos foram aprovados para comercialização no Brasil, atualizado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). 

Em entrevista para a Escola Politécnica Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), a toxicologista e assessora técnica da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT), Karen Friedrich, detalha os pontos mais nocivos do chamado Pacote do Veneno, já aprovado na Câmara dos Deputados no começo de 2022. 

Agora, cabe ao presidente do Senado decidir se coloca o tema em votação no plenário. Entre as mudanças graves, Friedrich elenca a centralização, no Mapa, da liberação dos agrotóxicos e coloca a atuação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em caráter consultivo, além da aprovação automática do produto caso a análise ultrapasse o período de dois anos. 

Ela também explica os motivos do Brasil concentrar tantos agrotóxicos já proibidos na Europa, as defasagens dos testes toxicológicos feitos pelos fabricantes e a necessidade de notificação das suspeitas de intoxicação por parte dos profissionais de saúde.

Você poderia fazer um balanço da tramitação no Congresso?

O PL 6.299, de 2002, é um PL [Projeto de Lei] do Senado, do então senador Blairo Maggi, e que tinha poucos artigos, acho que dois artigos, uma coisa muito simples; e aí ele foi aprovado no Senado e foi para a Câmara [dos Deputados], e na Câmara ficou parado. 

Em 2016 começaram alguns movimentos, e a esse PL foram apensados outros que apresentavam vários desmontes. Tudo que estava relacionado a agrotóxico foi apensado a esse PL, mas, na verdade, aquilo que seriam propostas positivas foram retiradas e foram apensados vários outros, todos com situações muito críticas. A gente sabe que tem projetos de lei muito importantes, muito interessantes, e que estão parados, não quer dizer que eles estão sendo discutidos. 

Isso é importante mencionar porque o agronegócio e aqueles setores que vêm defendendo a aprovação do PL têm utilizado dessa narrativa para dizer que já está tudo bem acordado com a sociedade. Isso não é verdade. Então esse é um ponto. Em fevereiro deste ano a Câmara dos Deputados aprovou o PL, uma coisa super-rápida, vários destaques foram apresentados por deputados que tentavam diminuir os danos do PL, mas não foram aprovados. Em junho, o agora PL 1.459/2022 chegou ao Senado. E ao chegar no Senado, a tramitação só ocorreu na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). 

Apesar de ser uma matéria que tem uma interface com a saúde e com o meio ambiente muito grande, só está sendo discutida na agricultura e a gente não sabe se mais para frente vai passar por outras comissões. Bom, aí o texto que chega no Senado é um texto muito diferente do PL original que foi aprovado anteriormente nessa casa. Agora o Senado não pode fazer mudanças de redação, mudanças de mérito no Projeto de Lei, ele apenas pode suprimir textos, artigos ou reprovar totalmente o PL. 

Nesses últimos meses, principalmente se a gente considerar que foram meses [de 2022] de um governo que apresentou vários desmontes, especialmente na questão ambiental, meses em que a gente teve uma eleição muito difícil, então uma discussão mais aprofundada desse Projeto de Lei no Senado ficou prejudicada. Hoje o PL tem um relatório do presidente da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, que é o Acir Gurgacz (PDT/PR). O parecer dele é favorável à aprovação e esse parecer precisa ser votado nessa comissão e depois o presidente do Senado deve deliberar se ele vai acatar solicitações para a tramitação em outras comissões ou se vai mandar para o plenário.

Atualização: o projeto foi aprovado na CRA em 20 de dezembro. No entanto, não foi a plenário, o que Karen Friedrich considera uma vitória dos movimentos sociais e da bancada progressista. Mas a preocupação continua em 2023.

Entrando nos detalhes do pacote, quais mudanças provocam mais impactos?

São vários pontos. São mais de 60 artigos e vou citar algumas coisas que eu acho mais graves. O primeiro é a retirada de poder decisório da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)  e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e concentrando no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). 

Hoje quem concede o registro é o Mapa, só que isso passa pela anuência da Anvisa e Ibama. Então, se esses órgãos falarem: esse agrotóxico não pode ser registrado, porque os problemas de saúde ou de meio ambiente são graves, são incompatíveis com o benefício, entre aspas, do agrotóxico, ele não é registrado. A gente sabe que esses órgãos também sofrem muita pressão do Mapa. Antigamente existia, e essas comissões, quase todas, foram descontinuadas no governo de [Jair] Bolsonaro, o Consea [Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável], o próprio Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente], ainda continua, mas sem a participação da sociedade civil de forma mais expressiva. 

Antigamente existia a comissão técnica de assessoramento, que era uma comissão formada pelo Mapa, Ibama e Anvisa, e que aí se decidia em conjunto, justamente para avaliar e dar a palavra final, tanto sobre o registro como a revisão de registro de produtos em uso. Então se a gente olhar as atas que estão disponíveis no site da Anvisa, a gente vê ali as palavras, os discursos do Mapa sempre tentando manter produtos no mercado.

Então o PL prevê uma concentração de poder nas mãos do Ministério da Agricultura. Isso não está em um único artigo do projeto de lei, se a gente olhar os principais artigos onde isso está apresentado, do artigo 3º ao 7º, que delibera as funções da Agricultura, da Anvisa e do Ibama, e no artigo 28º também. Esse ponto está espalhado pelo texto do projeto de lei usando palavras como: o Mapa poderá solicitar informações, poderá consultar, quando couber, os órgãos da Anvisa e do Ibama podem se manifestar, então tem palavras que juridicamente, obviamente, colocam ali de forma muito clara que não existe obrigatoriedade de o Mapa consultar e solicitar informações.

Outro ponto crítico: quando ocorre monitoramento de agrotóxicos em alimentos, caberá exclusivamente ao Mapa divulgar essas informações, o que também é grave, porque, obviamente não é um órgão que tem competência para dizer se aquele resultado tem impacto sobre a saúde, por exemplo. Essas concentrações ficam nas mãos do Mapa, que é o setor, vamos dizer assim, legitimamente preocupado com a questão econômica. Mas a economia não pode, de maneira nenhuma, se sobrepor às questões de saúde e meio ambiente.

Como o PL determina os prazos para registro de produtos?

Para registrar um produto novo, o prazo na legislação atual é de cerca de três meses apenas, de acordo com a legislação da década de 1980. Mas esse prazo, obviamente, nunca foi seguido. Então ficou uma coisa meio tácita. O projeto de lei determina prazos máximos para avaliação do dossiê de registro e coloca um prazo máximo de dois anos para um produto novo. Se forem produtos que já têm um princípio ativo, o prazo é muito menor, ainda que precise novamente dessa avaliação.

A revisão de registro, ou reavaliação de registro, não tem periodicidade mínima para ocorrer. Como na legislação antiga, a legislação nova diz que o registro pode ser revisado se houver alertas internacionais e tal. Essas convenções, como a de Estocolmo, podem indicar um alerta de um dano grave, e aí o Brasil é obrigado a revisar o registro. O projeto coloca um prazo máximo para revisão de registros, e já levou mais de dez anos, até porque as empresas entram com liminar para parar o processo, depois volta e para de novo. Colocou um prazo máximo, ok, seria bom. Porém, se ele vai ser coordenado pelo Mapa e realizado somente pelo Mapa, que poderá ou não solicitar informação dos demais órgãos, é claro que esse prazo pode ser cumprido porque realmente o que a gente espera é que essa avaliação não seja uma avaliação aprofundada dos efeitos dessas substâncias.

Então, se esse processo de registro de um produto novo, que são dois anos, ele não for cumprido, o produto será automaticamente registrado, com registro temporário. E ele poderá ser utilizado mesmo que não se saiba se os problemas de saúde ou meio ambiente são incompatíveis com a utilização no Brasil. Isso é um absurdo. E o que a gente vê? Eles [os fabricantes] alegam que os processos levam oito anos. Isso também não é verdade. A nota técnica da Anvisa, quando ela publicou em 2018 se manifestando contra o PL do Veneno, justificou que eles pegaram os piores exemplos. Só que isso também já vem sendo há mais de 15 anos questionado. Os órgãos de saúde e meio ambiente, a própria agricultura, não tem servidores públicos suficientes para realizarem todas essas funções. O que seria a solução? Realizar concurso público, estruturar esses órgãos, eles até propõem no projeto de lei um sistema informatizado, não precisa aprovar um projeto de lei pra criar um sistema informatizado, de digitalizar documentos e tal. Então isso tudo são subterfúgios que eles usaram para fingir que o PL é bom. As mudanças que a gente vê como positivas, a criação de um sistema de cadastro, elas podem muito bem ser criadas sem precisar ser por lei. A questão não é lei, a questão é falta de vontade desses órgãos de atuarem, de criarem esse sistema. Isso é um problema sério, dizer que realmente demora, ok, mas demora porque os órgãos estão realmente sucateados. Você imagina se uma servidora entrar de licença maternidade ou um servidor de licença médica, o processo é interrompido. Então realmente isso é complicado.

Em várias entrevistas, você comenta que a maioria dos agrotóxicos que existem no brasil são proibidos na Europa, mais de 80%. Se existe uma legislação, por que não se consegue proibir aqui?

A Anvisa foi criada em 1999, antes isso era função do Ministério da Saúde, mas o que deveria ter sido feito era uma força tarefa de revisar a toxicidade desses agrotóxicos já permitidos antes da lei. A Anvisa fez alguns, mas não chega a 20 o número de agrotóxicos que ela revisou nesse tempo todo. Lá na China, só em 2014, foram 50.

A Lei dos Agrotóxicos (Lei 7802, de 1989) determina que se um agrotóxico estiver associado a câncer, mutação no material genético, toxicidade para o sistema reprodutivo, alterações hormonais e causar más formações fetais, ele deve ser proibido. Essa lei foi regulamentada no Decreto 4.074 de 2002. Só para a gente pensar, de repente você está se perguntando: então não têm agrotóxicos cancerígenos no Brasil? Temos sim, porque o Decreto de 2002 estabelece que a proibição só poderia ocorrer para os produtos que fossem novos, o produto que já estava no mercado, ficou. Então a maioria, quando a gente olha lá a própria lista dos produtos mais comercializados no Brasil, a maioria está no país, está autorizado no Brasil antes de 2002. Então tudo que estava, inclusive o glifosato, por exemplo, que é um dos mais conhecidos, o paraquat, que é muito antigo, a atrazina, que é um agrotóxico super tóxico, proibido na Europa, a gente usa em grandes volumes, entraram no Brasil antes desse decreto.

E o que esse PL modifica? Ele permite que produtos novos sejam registrados, mesmo que associados a esses efeitos, desde que o órgão que faça esse registro, que a gente já sabe que vai ser principalmente o Mapa, determine que o risco daquela doença seja aceitável. O que é risco aceitável? É o que eles acharem que é aceitável, então é aceitável eu ganhar US$1 bilhão com soja, mas ter mil casos de câncer por ano? É um pouco essa lógica. Ou é aceitável que um trabalhador da agricultura tenha 200% a mais de chance de ter um câncer com aquela substância do que uma pessoa que não está exposta a ela? Isso é o risco aceitável, é algo que vai ser determinado ali na hora, sem critérios. Quem defende o projeto de lei falta com a verdade nesse sentido, porque eles falam: “vamos adicionar etapas técnicas na análise de agrotóxico”. Isso não é verdade. Como é que se avalia os problemas de saúde, o risco de um agrotóxico? É um processo de quatro etapas, sendo que a primeira etapa, onde se identifica o efeito que causa, segundo a lei atual, se identifica que o problema é câncer ou problema reprodutivo, hormonal, um desses efeitos que eu citei, esse agrotóxico é imediatamente proibido, ele não segue nas demais etapas de avaliação de risco. Então por que eles afirmam que adiciona etapas? Adiciona sim, porque em vez do agrotóxico cancerígeno ser proibido logo de primeira, ele pode passar pela segunda fase, pela terceira fase, pela quarta fase. Ou seja, ele tem mais chances de ser aprovado. Isso é realmente uma grande perda.

Então, deu para perceber que o registro vai ser flexibilizado, no sentido de permitir produtos mais tóxicos, permitir registro de produtos sem uma avaliação de órgãos competentes da saúde e do meio ambiente, permitindo registro de produtos cancerígenos. O que a gente espera é que os produtos mais tóxicos sejam registrados. Quando eles dizem: “vão ser produtos mais modernos”, isso é mentira. Os produtos mais modernos têm a toxicidade diminuída, no geral, e são os produtos que a Europa usa e que o Brasil não usa.

E por que são proibidos aqui esses mais modernos?

Porque não interessa às empresas registrarem aqui, porque elas podem manter aqueles venenos que elas não vendem em lugar nenhum do mundo, os produtos estão sendo vendidos aqui no Brasil.

Não ocorre nem o pedido do registro?

Não. Quando você olha a fila de registros liberados pelo último governo, são poucos produtos novos, poucas novas tecnologias. Porque é, como eu falei, uma questão de mercado: se essas grandes fabricantes têm plantas que ainda produzem acefato, atrazina, vamos continuar com essas plantas abertas para o Brasil, vamos continuar despejando esses produtos na lixeira tóxica que se tornou o Brasil para agrotóxicos. 

Olhando para esse cenário, aquele produto que não for registrado no Brasil, mesmo tendo todas essas facilidades para registro de produtos mais perigosos para saúde e para o meio ambiente, ainda assim, produtos sem registro no Brasil poderão ser fabricados aqui para exportação. E o pior, o que o projeto de lei diz ali em seu artigo 17, que as fabricantes não precisam apresentar informações toxicológicas e ambientais. 

Quer dizer, como é que você fabrica uma coisa que você não sabe o problema de saúde que pode causar para aquele trabalhador da indústria? Para as pessoas que moram no entorno das fábricas? Que tipo de filtro, que tipo de medidas de segurança ambiental deve ser instalada naquela fábrica para evitar que aquele produto chegue no rio, chegue no ar, chegue no solo? Não se sabe, porque não vai ser obrigatório que as empresas apresentem essas informações. Isso é gravíssimo.

E qual o mercado para esse tipo de produto?

Por exemplo, tem muitos países da África que utilizam produtos que outros países não utilizam mais, até para controle de doenças negligenciadas, que são os mesmos princípios do agrotóxico. Organoclorados, que o Brasil já proibiu há muitos anos, o DDT [sigla para o inseticida de baixo custo Dicloro-Difenil-Tricloroetano]. 

O DDT tem seu uso permitido no continente africano, apesar de banido em todas as outras regiões. Mas o que eles alegam? “Para controle de malária vamos aplicar DDT”, como se não tivesse alternativas. Então talvez um DDT, talvez uma substância para utilização nesses países periféricos, que tem recebido atenção do agronegócio para avançar com agricultura tóxica, com agricultura mais prejudicial para esses países. 

O Brasil poderia fabricar substâncias proibidas aqui sem informações toxicológicas, sem informações ambientais, para exportar. O projeto de lei na sua íntegra é um desastre do ponto de vista da saúde e do meio ambiente. E da agricultura, porque a gente tem visto vários embargos de cargas de produtos brasileiros em outros países por conta do excesso de agrotóxicos. Então, com certeza, isso também vai ser um problema econômico para o agronegócio brasileiro.

Como se avalia a toxicidade de um produto?

Para um produto ser registrado, tem uma falha, uma coisa que todo o mundo adota. Por exemplo, como temos alguns sendo registrados para Covid. Então, o princípio ativo novo de um agrotóxico, ninguém sabe a toxicidade dele, e a empresa precisa apresentar uma série de estudos toxicológicos. Esses estudos são realizados de acordo com diretrizes da OCDE, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, porque a empresa faz uma vez o teste e ela registra no Brasil, nos Estados Unidos, no Japão, na Europa, usa o mesmo resultado, economiza, vamos dizer assim.

Claro, também não tem sentido repetir, tem toda uma questão até de ética animal importante aí também. Então a empresa apresenta essa lista de estudos. Agora, como cada órgão, nacional ou internacional, interpreta esses resultados, e se ele aceita determinados riscos para determinados danos, isso difere. 

Por que foi proibido na Europa? Justamente por isso. Aí eles [os fabricantes de agrotóxicos] gostam de falar: porque lá não tem o besouro ‘x’, lá não se planta café, lá não se planta soja. Mas não é bem assim, não é só isso, tem uma questão importante de toxicidade que, em geral, a gente tem sempre como exemplo a Comunidade Europeia que é muito mais restritiva, apesar de ter uma lei parecida com as nossas.

Enfim, as agências europeias acabam sendo mais exigentes. E o que acontece com o estudo de laboratório? 

O animal de laboratório só é submetido ao princípio ativo puro, pureza máxima que consegue, às vezes é 99% e tal. Esses testes servem para identificar toxicidade imediata aguda, que a gente chama, toxicidade reprodutiva, se vai interferir na fertilidade, infertilidade, aborto, problemas no parto, isso tudo é toxicidade reprodutiva, se vai provocar problemas hormonais, se vai causar danos para o sistema nervoso, tudo nesses modelos experimentais que seguem essas diretrizes da OCDE. 

Porém, como qualquer teste de laboratório, há limitações quando extrapolamos para a questão humana. Por exemplo, há alguns testes para avaliar neurotoxicidade. Aí se fazem alguns testes com galinha, se faz o teste de inocular a substância no camundongo, principalmente, coloca ele num labirinto, enfim, que testa algumas questões de memória, de reflexo. Porém, imagina, o sistema nervoso é super complexo, o que a gente tem na nossa cabeça? 

Então para um trabalhador da agricultura, só esse parâmetro de memória e de reações são importantes? Não. É importante, por exemplo, parâmetros de sociabilidade, de depressão, de ansiedade. São parâmetros do nosso sistema nervoso que aquele teste de laboratório não mimetiza de forma alguma. Tem essa limitação metodológica. A outra limitação é que o produto que vai para a prateleira, o produto que é aplicado na lavoura, ele não vem só aquele princípio ativo, às vezes vem um, dois ou três princípios ativos na mesma embalagem, e outros componentes que vão servir ali para espalhar o produto, para manter o produto mais tempo sobre as plantas, que podem aumentar a toxicidade daquele produto. Só que esse produto formulado, que é essa mistura de produtos tóxicos que podem ou não aparecer de forma muito sutil em testes de laboratório em animais, quando você mistura com outros, faz o que a gente chama de efeitos ou aditivos. 

Então isso é uma das limitações. Por que os agrotóxicos que a gente tem registrados no Brasil podem causar câncer e estão causando, como a gente tem visto em estudos epidemiológicos? Primeiro ponto: porque muitos deles estão fora do critério por terem sido registrados antes de 2002; segundo ponto: o teste de laboratório é limitado, ele não consegue mimetizar toda a complexidade da fisiologia humana; e terceiro ponto, porque não é essa substância registrada que vai estar na prateleira, é uma mistura de substâncias.

Então deveriam ser considerados esses estudos epidemiológicos também nessa análise de toxicidade?

Isso, exatamente. Mas quando a gente tem um produto novo no Brasil, às vezes esse estudo epidemiológico não está disponível, às vezes ele está disponível em outro país. Por isso, a importância de uma revisão periódica, a cada cinco anos, por exemplo, vamos revisar o registro desse agrotóxico, vamos ver o que a gente tem de acúmulo. Aí você tem uma outra falha, primeiro: quanto que se investe em estudos epidemiológicos, por exemplo, para a Fiocruz, UFRJ e outras universidades públicas realizarem? 

É muito pequeno, se você olhar os editais do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] e tudo, são ínfimos. A segunda coisa, um outro dado epidemiológico que poderia subsidiar isso, é que as fichas de notificação [preenchidas pelos profissionais de saúde] que conseguissem, primeiro, a ficha ser boa, conseguir relacionar a questão do trabalho, o preenchimento do princípio ativo, do produto que aquele agricultor usou e chegou à intoxicação. E a outra questão, até a formação dos médicos, dos profissionais de saúde que fazem esse registro. 

A gente tem um problema muito sério de subnotificação no Brasil. E essa subnotificação tem um erro muito grave que as pessoas não sabem: não é preciso ter comprovação cabal que aquela intoxicação foi por agrotóxico, a suspeita deve ser notificada. Então você notifica a suspeita, depois o sistema de saúde vai lá investigar se aquilo de fato ocorreu; se ocorreu, mantém a notificação, se não, retira. Então tem muito profissional que diz: “mas eu não tenho prova que foi por agrotóxico”, não precisa ter prova, basta notificar a suspeita.

Como saber se a intoxicação veio do agrotóxico?

Isso ocorre muito em cidades do interior, o profissional de saúde tem que entender o contexto do território onde ele está trabalhando, quais são as principais atividades econômicas, conhecer a toxicidade desses produtos, porque às vezes, até o próprio currículo da medicina não tem a disciplina toxicologia. Às vezes alguns cursos têm, de forma até optativa, não obrigatória. Então, parte da formação do médico e do profissional ser sensível àquele território onde ele está inserido.

Claro que se for uma intoxicação na cidade do Rio de Janeiro, talvez fique difícil fazer se ele tiver poucas informações. Mas chegando aqueles sintomas numa cidade no interior da Bahia, no Mato Grosso, em locais onde o agronegócio, a utilização de agrotóxico é muito intensa, a suspeita de intoxicação deve ser a primeira. E outra questão também sobre a qual a gente já ouviu vários relatos é a pressão dos setores econômicos desses lugares sobre os profissionais de saúde e os órgãos de saúde, ou até profissionais de saúde que são médicos, mas a família é do agronegócio. Isso tudo dificulta essa notificação.

O Idec, Instituto de Defesa do Consumidor, lançou em 2021 e 2022 dois estudos sobre a presença de agrotóxicos em alimentos ultraprocessados. Qual a importância desse tipo de estudo? Eles são comuns?

Pois é, eu acho que o estudo do Idec mostra uma falha do SUS [Sistema Único de Saúde] de não investigar, não só do SUS, mas aí entra Anvisa e entra o Mapa também, tem essa atribuição de monitorar agrotóxicos em alimentos, em não realizarem análises em produtos industrializados. Então a pesquisa do IDEC desmonta um pouco esse mito de que o processamento de alimentos diminui a quantidade de agrotóxicos. Isso é mentira, o IDEC provou isso. O Instituto mostra que é preciso investir num monitoramento periódico desses alimentos industrializados pela Anvisa, pelo Mapa. Isso é uma questão muito importante que deveria ser olhada pelo próximo governo.

Nesse sentido, qual a importância da aprovação da Pnara, a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos?

A PNaRA é muito interessante. Primeiro, foi um projeto de lei de iniciativa popular apresentado pela Abrasco [Associação Brasileira de Saúde Coletiva] e por outras organizações da sociedade civil, como a Campanha Contra os Agrotóxicos e outras. 

O projeto da PNaRA está praticamente todo dentro da lei europeia. Porque a lei europeia coloca que se registre o agrotóxico, mas que se avalie as alternativas, que se busque sempre o registro de produtos menos tóxicos, e o projeto institui isso. Ela prevê o monitoramente de agrotóxicos em água e alimentos de uma forma mais programática, a capacitação de agricultores, de agricultoras, de produtores em formas de cultivo, em formas de produção menos tóxica. A PNaRA não proíbe agrotóxico, na verdade, são etapas que já deveriam estar no trâmite dos órgãos de registro do Brasil e na assistência técnica. 

Acho que é o mínimo que a gente precisa para garantir a saúde, principalmente da população do campo, que é a mais exposta aos agrotóxicos, mas também de quem consome. A partir dessa política a gente vai ter acesso com maior frequência aos resultados de monitoramento de agrotóxicos nos alimentos, na água que a gente bebe. A gente vai saber que aquele produto utilizado foi a última alternativa, foi a alternativa menos tóxica. Então é algo que toda sociedade, inclusive o agronegócio, deveria defender, porque ele também teria a garantia de ter acesso a produtos de fato mais modernos.

Posicionamento do INCA sobre agrotóxicos

 https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/posicionamento-do-inca-sobre-os-agrotoxicos-06-abr-15.pdf

De acordo com a OMS, os Agrotóxicos matam 20 mil pessoas por ano

De acordo com a OMS, 20 mil mortes por ano  decorrem devido o consumo de agrotóxicos. 

Agrotóxicos são produtos químicos sintéticos usados para matar insetos, larvas, fungos, carrapatos sob a justificativa de controlar as doenças provocadas por esses vetores e de regular o crescimento da vegetação, tanto no ambiente rural quanto urbano (BRASIL, 2002; INCA, 2021).

Estes produtos tem seu uso tanto em atividades agrícolas como não agrícolas. As agrícolas são relacionadas ao setor de produção, seja na limpeza do terreno e preparação do solo, na etapa de acompanhamento da lavoura, no deposito e no beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens e nas florestas plantadas. O uso não agrícola é feito em florestas nativas ou outros ecossistemas, como lagos e açudes, por exemplo.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirma que os agrotóxicos causam 70 mil intoxicações agudas e crônicas por ano e que evoluem para óbito, em países em desenvolvimento. Outros mais de sete milhões de casos de doenças agudas e crônicas não fatais também são registrados. O Brasil vem sendo o país com maior consumo destes produtos desde 2008 , decorrente do desenvolvimento do agronegócio no setor econômico, havendo sérios problemas quanto ao uso de agrotóxicos no país: permissão de agrotóxicos já banidos em outros países e venda ilegal de agrotóxico que já foram proibidos (CARNEIRO et al., 2015).

A exposição aos agrotóxicos pode causar uma série de doenças, dependendo do produto que foi utilizado, do tempo de exposição e quantidade de produto absorvido pelo organismo.

É importante considerar:
  • Toda a população está suscetível a exposições múltiplas a agrotóxicos, por meio de consumo de alimentos e água contaminados (CDC, 2009).
  • Gestantes, crianças e adolescentes também são considerados um grupo de risco devido às alterações metabólicas, imunológicas ou hormonais presentes nesse ciclo de vida (SARPA, 2010).
Formas de exposição

No trabalho:
  • Através da inalação, contato dérmico ou oral durante a manipulação, aplicação e preparo do aditivo químico (CDC, 2009).
  • Destacam-se os trabalhadores da agricultura e pecuária, de empresas desinsetizadoras, de transporte e comércio de agrotóxicos e de indústrias de formulação destes produtos (LONDRES, 2012).
No ambiente:

  • Através da pulverizações aéreas que ocasionam a dispersão dessas substâncias pelo meio ambiente contaminando as áreas e atingindo a população.
  • Consumo de alimentos e água contaminados.
  • Outra forma é o contato com roupas dos trabalhadores com o agrotóxico.
Principais efeitos à saúde

Efeitos Agudos
São aqueles de de aparecimento rápido. Podem surgir os seguintes sintomas (KLAASSEN, 2013):
  • Através da pele - Irritação na pele, ardência, desidratação, alergias
  • Através da respiração -Ardência do nariz e boca, tosse, coriza, dor no peito, dificuldade de respirar
  • Através da boca - Irritação da boca e garganta, dor de estômago, náuseas, vômitos, diarreia
  • Outros sintomas inespecíficos também podem ocorrer, tais como: dor de cabeça, transpiração anormal, fraqueza, câimbras, tremores, irritabilidade.
Efeitos crônicos
São aqueles aparecem após exposições repetidas a pequenas quantidades de agrotóxicos por um período prolongado). Podem-se relatar os seguintes sintomas (ANVISA, 2018):
  • Dificuldade para dormir, esquecimento, aborto, impotência, depressão, problemas respiratórios graves, alteração do funcionamento do fígado e dos rins, anormalidade da produção de hormônios da tireoide, dos ovários e da próstata, incapacidade de gerar filhos, malformação e problemas no desenvolvimento intelectual e físico das crianças. Estudos apontam grupos de agrotóxicos como prováveis e possíveis carcinogênicos (ANVISA, 2018).
  • A associação entre exposição a agrotóxicos e desenvolvimento de câncer ainda gera polêmicas, principalmente porque os indivíduos estão expostos a diversas substâncias, sem contar outros fatores genéticos. Porém, é importante salientar que estudos vêm mostrando o potencial de desenvolvimento de câncer relacionado a diversos agrotóxicos, justificando a recomendação de precaução para com o uso e contato.
Ao surgimento de quaisquer sintomas após manipulação de agrotóxicos, recomenda-se a procura por ajuda médica.


terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

28/02 - Dia Mundial das doenças raras


De acordo com Ministério da Saúde, as doenças raras são aquelas que atingem no máximo 65 pessoas a cada 100.000. Existem mais de 6.000 doenças raras descritas, acometendo de 260 a 450 milhões de pessoas no mundo, sendo mais de 13 milhões no Brasil. Assim, quando consideradas em conjunto, doenças raras são mais comuns do que imaginamos.

80% das doenças raras são consideradas genéticas, causadas por alterações em genes ou cromossomos. Triagens neonatais genéticas, como o Teste da Bochechinha, são essenciais para detectar as doenças raras o mais rápido possível, pois os sintomas podem demorar a aparecer e causar danos irreversíveis.

Apesar de não existir cura para a maioria das doenças raras, o acompanhamento médico especializado pode proporcionar mais qualidade de vida ao paciente e o tratamento pode incluir desde acompanhamento multidisciplinar até o uso de medicamentos órfãos.

Entre as diferentes intervenções médicas nas doenças raras, o tratamento nutricional é uma abordagem que pode auxiliar algumas dessas doenças. Para algumas é parte essencial do tratamento, já para outras pode ser coadjuvante ao tratamento medicamentoso/enzimático.

Alguns grupos de doenças raras, como Erros Inatos do Metabolismo, Deficiência do Metabolismo de vitaminas e até algumas doenças gastrointestinais podem se beneficiar da abordagem nutricional via suplementação de vitaminas e minerais ou restrição alimentar. Para saber mais, e antes de iniciar qualquer tratamento, é importante consultar um geneticista e/ou nutrólogo.

O Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 199/2.014, instituiu a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, aprovou as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e instituiu incentivos financeiros de custeio.

Panorama:
  • Há cerca de 7 mil doenças raras descritas, sendo 80% de origem genética e 20% de causas infecciosas, virais ou degenerativas;
  • 13 milhões de brasileiros vivem com essas enfermidades;
  • Para 95% não há tratamento, restando somente os cuidados paliativos e serviços de reabilitação;
  • Estimam-se 5 casos para cada 10 mil pessoas;
  • Para chegar ao diagnóstico, um paciente chega a consultar até 10 médicos diferentes;
  • A maioria é diagnosticada tardiamente, por volta dos 5 anos de idade;
  • 3% tem tratamento cirúrgico ou medicamentos regulares que atenuam sintomas;
  • 75% ocorrem em crianças e jovens;
  • 2% tem tratamento com medicamentos órfãos (medicamentos que, por razões econômicas, precisam de incentivo para serem desenvolvidos), capazes de interferir na progressão da doença.
Dentre as principais doenças raras nutricionais temos:

1) Erros inatos do metabolismo: São distúrbios de natureza genética que, em geral, correspondem a um defeito em enzima produzido pelo organismo e que causa interrupção de uma via metabólica. Esses erros inatos do metabolismo (EIM) promovem alguma falha de síntese, degradação, armazenamento ou transporte de moléculas no organismo levando a vários problemas para a saúde indivíduos que têm EIM.
  • Amiloidose ATTR hereditária (hATTR)
  • Biotinidase
  • Cistinose
  • Cushing
  • Doença de Pompe
  • Fenilcetonúria
  • Fibrose Cística
  • Displasia Cleidocraniana
  • Doença de Fabry
  • Doença de Gaucher
  • Hiperoxalúrias Primárias (HP)
  • Homocistinúria
  • Imunodeficiências Primárias
  • Mucopolissacaridoses
  • Mucopolissacaridose Tipo I
  • Mucopolissacaridose Tipo II
  • Mucopolissacaridose Tipo III
  • Mucopolissacaridose Tipo IV
  • Mucopolissacaridose Tipo VI
  • Mucopolissacaridose Tipo VII
  • Paramiloidose
  • Porfiria hepática aguda
  • Porfiria eritropoiética congênita
  • Síndrome Cri-Du-Chat
  • Síndrome do X Frágil
  • Tirosinemia tipo 1
Outras doenças raras e que envolvem aspectos nutricionais:
– Doença de Crohn;
– Fibrose cística;
– Insuficiência pancreática exócrina;
– Intolerância hereditária à frutose
– Osteogênese imperfeita;
– Síndrome do intestino curto

Deficiência de Biotinidase

Deficiência de Biotinidase (DB) é um erro inato do metabolismo de herança autossômica recessiva. Na DB, a capacidade de obtenção da vitamina biotina a partir dos alimentos está prejudi cada. Consequentemente, o funcionamento das carboxilases que dependem da biotina como coenzima é afetado. Além disso, a biotina não  pode ser reutilizada a partir das carboxilases quando elas são degradadas (Baumgartner e Suormala, 2000).
Existem duas formas da doença de acordo com a atividade residual da biotinidase: a deficiência total – menos de 10% da média da atividade sérica normal da biotinidase e a deficiência parcial – 10 a 30% da média da
atividade normal. No mundo, estima-se que a incidência da DB seja de 1 para 60 089 recém-nascidos e que as incidências de DB total e parcial sejam semelhantes entre si (Wolf, 1991). O Brasil parece apresentar uma alta frequência da doença embora existam poucos estudos sobre esta frequência e os que existem apresentam resultados ainda discrepantes. Neto et al. (2004) descreve uma incidência no país de 1 para 9000 recém-nascidos enquanto que, no Estado do Paraná, Pinto et al. (1998) relata 1 por cada 62 500 recém-nascidos e, especificamente, no município paranaense de Maringá de 1 para 6843, segundo Luz et al. (2008).
Manifestações neurológicas (hipotonia muscular, letargia, convulsões mioclônicas, ataxia) são os sinais clínicos iniciais mais frequentes. Além disso, sintomas respiratórios (estridor, hiperventilação e apneias) ocorrem com frequência (Baumgartner et al., 1989). Rash cutâneo e alopécia são achados característicos da doença, no entanto, eles podem ocorrer mais tardiamente ou até mesmo não ocorrer em alguns pacientes (Wastell et al., 1988; Wolf et al., 1985; Wolf, 2001). De modo geral, há uma grande variabilidade nas manifestações clínicas e na idade de apresentação dos sintomas (do período neonatal até à adolescência) (Baumgartner et al., 1985; Wolf et al., 1998), o que gera um grande risco de atraso no diagnóstico (Grunewald et al., 2004). Pacientes com diagnóstico tardio podem apresentar retardo.
psicomotor, leucoencefalopatia, perda auditiva e atrofia óptica, que podem ser irreversíveis e, até mesmo, fatais (Ramaekers et al., 1992; Weber et al., 2004; Wolf et al., 2002).
O diagnóstico de DB pode ser realizado a partir da suspeita clínica e confirmado pela medida da atividade da biotinidase no soro (Wolf et al., 1983;
Wastell et al., 1984). A detecção de pacientes ainda assintomáticos pode ser feita por triagem neonatal (teste do pezinho). Nesse caso, a avaliação da atividade enzimática é realizada em cartão de papel filtro impregnado com sangue. Quando o resultado for indicativo de DB, a confirmação é dada pela medida no soro (Heard et al., 1984). É recomendado que o teste seja realizado, ao mesmo tempo, nos pais do paciente e num indivíduo não relacionado, para auxiliar na interpretação e distinguir a verdadeira deficiência, de uma diminuição da atividade devido ao transporte ou manipulação da amostra
(Cowan et al., 2010).
Após a confirmação do diagnóstico, o tratamento deve ser instituído sem demora, inclusive para os assintomáticos, pois os pacientes tornam-se de ficientes em biotina poucos dias após o nascimento (Baumgartner et al., 1985). O tratamento consiste em suplementação oral de biotina livre (disponível em cápsula, comprimido e preparação líquida) ao longo de toda vida. Todos os indivíduos devem ser tratados, independente do grau da deficiência (total ou parcial) (Wolf, 2010).
Invariavelmente, os pacientes tratados com biotina apresentam melhoras, embora os problemas de atrofia óptica, perda auditiva e retardo no desenvolvimento não sejam revertidos completamente. Além disso, as crianças identificadas por triagem neonatal têm os sintomas prevenidos com a terapia
(Wolf, 2010).

Para saber mais
www.deficienciadabiotinidase.com
www.institutocanguru.org.br
http://biotinidasedeficiency.20m.com

Fenilcetonúria

APKU, ou Fenilcetonúria, foi inicialmente descrita em 1934 pelo médico norueguês Asbjorn Fölling. Este foi o primeiro erro inato do metabolismo a ser oficialmente associado à presença de deficiência mental.
A FAL é um aminoácido essencial e indispensável à síntese proteica em tecidos de mamíferos. Apenas uma proporção de sua ingesta normal é usada para a síntese de proteínas. A maior parte é oxidada, primariamente, em tirosina (TIR) e uma porção menor em outros metabólitos, primariamente, o ácido fenilpirúvico. A FAL é convertida em TIR pela enzima fenilalanina hidroxilase (PAH) tendo como cofator a tetraidrobiopterina (BH4). O cofator BH4 é reciclado para a função como um catalisador na enzima de hidroxilação, uma rota que requer a ação da proteína de estimulação da PAH. A reação de hidroxilação da L-Fenilalanina (L-Fal) envolve quantidades eqüimoleculares de L-Fal, BH4 e oxigênio, sendo os produtos tirosina, didrobiopterina quinonóide (qBH2) e água.
A didrobiopterina redutase (DHPR) é a enzima que catalisa a regeneração do BH4. Essa reação é dependente de NADH. A FAL é convertida, por descarboxilação e transaminação, a metabólitos que são livremente excretados. O bloqueio da rota principal de catabolismo da fenilalanina provoca acúmulo desta e de seus metabólitos (fenilpiruvato, fenilactato, fenilacetato) no sangue e demais tecidos.
O diagnóstico clínico da doença é difícil, porque a criança começa a apresentar atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, associado ou não à convulsão e outras anormalidades, apenas por volta do 3.° ao 6.° mês de idade. Pela dificuldade do diagnóstico clinico precoce, o diagnóstico laboratorial através da triagemneonatal é de extrema importância. No Brasil, a triagem pode ser feita tanto em laboratórios privados, como no sistema público de saúde.
O teste de triagem neonatal deve ser coletado após as primeiras 48 horas de  vida, ou seja, após o início da alimentação com proteínas. Os resultados alterados devem ser confirmados em uma segunda coleta, através de amostra em papel filtro, soro, sangue total ou urina (de acordo com a metodologia empregada no laboratório especializado). Os casos confirmados devem então ser encaminhados para tratamento e investigações adicionais em serviços de referência.
O diagnóstico é feito pela detecção de altos níveis sanguíneos de FAL, preferencialmente através de métodos quantitativos como a análise fluorimétrica, método enzimático e a espectrometria de massa in tandem.
A hiperfenilalaninemia é definida por níveis plasmáticos de FAL acima de 120μM/l (2mg/dl). Também pode ser definida como a razão fenilalanina/tirosina sangüínea persistentemente maior do que três (a variação normal para concentrações sangüíneas sendo: a de fenilalanina 0,58 a 2 mg/dl ou 35 a 120μM/l e a de tirosina 0,67 a 2,2 mg/dl ou 40 a 130μM/l). Por este motivo, recomenda-se dosagem simultânea de tirosina.
Podemos classificar as hiperfenilalaninemias em Fenilcetonúria clássica ou Hi perfenilalaninemia maligna, Fenilcetonúria leve, persistente benigna, transitória ou materna. Existe ainda a Deficiência de Tetrahidrobiopterina (BH4), determinada pela deficiência do co-fator BH4, necessário para a ativação da PAH. Nestes pacientes observamos deficiência mental grave, convulsões, irritabilidade e sinais do tipo parkinsonismo. Como o co-fator BH4 é também necessário para a conversão da tirosina em dihidroxifenilalanina e de triptofano em 5-hidroxitriptofano, precursores da dopamina, as manifestações clínicas são mais graves do que na Fenilcetonúria clássica, e não são corrigidas apenas pela restrição dietética da fenilalanina.
O tratamento para PKU, inicialmente inexistente, foi determinado em 1953 por um médico alemão na universidade de Birminghan, que introduziu uma terapia dietética com baixos teores de fenilalanina, utilizada até hoje. Na atualidade, vive-se um momento “efervescente” nas pesquisas com PKU, com surgimento de novas alternativas terapêuticas, permitindo elevar a atividade residual da PAH, ou mesmo, ter sua função substituída, alternativas que permitem reduzir a entrada da FAL excessiva no cérebro. Estas possibilidades talvez permitam a liberação de alguns pacientes de sua restrição dietética. Estes avanços servem como pano de fundo para a pesquisa atual e futura, e talvez permitam corrigir os defeitos enzimáticos em PKU. Certamente ainda mais avanços estarão presentes num futuro próximo.
Fenilcetonúria

Para saber mais
portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/pcdt_fenilcetonuria.pdf
www.apofen.pt
www.pkuacademy.org

Mucopolissacaridoses

As Mucopolissacaridoses (MPS) são doenças genéticas que fazem parte do grupo dos erros inatos do metabolismo (EIM). São causadas pela deficiência de enzimas lisossômicas especificas, que afetam o catabolismo dos glicosaminoglicanos (GAGs). Os GAGs não degradados acumulam-se nas células de vários órgãos e sistemas, enquanto que o excesso é excretado na urina do paciente afetado. 
Tal acúmulo levará a um quadro multissistêmico e progressivo, com uma série de sinais e sintomas que podem incluir o comprometimento dos ossos e articulações, das vias respiratórias, do sistema cardiovascular e de muitos outros órgãos e tecidos, incluindo, em alguns casos, as funções cognitivas. Características comuns às MPS são o engrossamento progressivo das feições, opacificação de córneas, infecções de vias aéreas de repetição, aumento do fígado e baço, acometimento de válvulas cardíacas, rigidez / anomalias articulares e alterações no crescimento, entre outras. 
Como a maioria dos EIM, as MPS são herdadas em caráter autossômico recessivo, exceto a MPS II (Hunter), com herança ligada ao cromossomo X. A incidência das MPS varia de 1,9 a 4,5 casos em 100 000 nascimentos.
Apesar da primeira descrição em 1917, as bases bioquímicas das MPS só foram elucidadas entre as décadas de 50 e 60. Mais tarde foram identificadas as bases moleculares e os subtipos. 11 defeitos enzimáticos causam sete tipos diferentes de MPS: 
MPS I (Hurler/Scheie), MPS II (Hunter), MPS III-A, III-B, III-C, III-D (Sanfilippo A,B,C,D), MPS IV-A, IV-B (Morquio A,B), MPS VI (Maroteaux-Lamy), MPS VII (Sly) e MPS IX. 
Importante também ressaltar que nem sempre o quadro clinico é idêntico num mesmo tipo de MPS, havendo formas mais graves e mais leves do espectro. A base principal para o diagnóstico é a suspeita clínica, geralmente aventada devido à combinação de vários sinais/sintomas. Diante da suspeita, testes específicos precisam ser solicitados para confirmação de MPS. Testes de triagem urinários podem indicar a excreção de GAGs; avaliação mais especifica dos GAGs urinários (em dosagem quantitativa e avaliação qualitativa dos tipos de GAGs excretados) pode sugerir fortemente a MPS e apontar para tipos específicos. A confirmação diagnóstica, no entanto, é dada pela dosagem da atividade da enzima deficiente em laboratórios de referência, que pode ser efetuada em plasma, leucócitos, tecidos ou até em papel filtro (casos específicos).
Antes dos avanços da biotecnologia e possibilidades especificas de terapia, o tratamento das MPS tinha como único foco a antecipação e prevenção de complicações, com suporte multidisciplinar, aspecto ainda fundamental no manejo desse grupo. A partir da década de 80, o transplante de medula óssea/células tronco hematopoiéticas foi proposto como tratamento das MPS, sendo hoje recomendado primordialmente para formas graves de MPS I (Hurler) diagnosticadas precocemente. Na década de 90, novo desenvolvimento, focado em terapias direcionadas para a restauração da atividade da enzima deficiente, fez com que a Terapia de Reposição Enzimática (TRE) pudesse tornar-se uma realidade. Tal estratégia terapêutica já está disponível para uso clínico nas MPS I, II e VI e na fase final de desenvolvimento para o tipo IV-A. A TRE é administrada por via intravenosa, em infusão de 3-4 horas, semanalmente, e vem modificando a historia natural da doença em grande parte dos pacientes tratados.
Outras estratégias terapêuticas em investigação incluem o tratamento da MPS III-A e do déficit cognitivo na MPS II, através de administração da enzima diretamente no sistema nervoso central, além de estratégias visando a inibição da síntese de GAGs ou do resgate da atividade enzimática com moléculas pequenas. Cabe ressaltar que, até ao momento, mesmo para os tipos nos quais a TRE está disponível, tal terapia deve ser considerada parte do tratamento, sendo de grande importância o diagnóstico precoce e o manejo adequado das manifestações multissistêmicas das MPS, visando ganhos ainda maiores na qualidade de vida.

Para saber mais
www.ufrgs.br/redempsbrasil/index.php
www.aliancabrasilmps.org.br

Osteogênese imperfeita

A Osteogênese Imperfeita (OI) é uma doença hereditária do tecido conectivo causada por mutações nos genes COL1A1 e COL1A2, que  resultam num prejuízo da qualidade ou da quantidade do colágeno tipo 1, que é a proteína mais abundante do osso. Estas mutações comprometem a estrutura do osso, uma vez que o colágeno consiste no material elástico do osso, sobre o qual os cristais formados a partir do cálcio e fósforo são depositados. 
Em 1978, Sillence propôs a classificação da OI em 4 tipos: I, II, III e IV. Excluindo-se o tipo II (em que a gravidade leva ao óbito fetal ou nos primeiros dias de vida), o tipo III representa a forma mais grave da doença, manifestando-se por deformidades ósseas progressivas (em membros superiores e inferiores, e tórax), fraturas recorrentes (que ao consolidarem resultam em deformidades), dentinogenesis imperfecta (em que os dentes têm aspecto amarelado e serrilhado), escleras (“branco dos olhos”) de coloração normal ou azulada e grave comprometimento do crescimento. No tipo III, as deformidades podem ser observadas já ao nascimento, com intensidade moderada. 
Neste tipo de OI a gravidade das lesões dos ossos geralmente impede a movimentação independente dos pacientes ou exige o uso de equipamentos de auxílio para a deambulação. No tipo IV, o quadro clínico é menos intenso do que no tipo III, caracterizando-se por deformidades ósseas leves a moderadas, fraturas recorrentes, baixa estatura de intensidade variável, dentinogenesis imperfecta, e escleras de coloração normal ou azulada. 
Os tipos III e IV são consideradas formas graves de OI. Por outro lado, o tipo I é o mais leve, tendo como principais características a estatura normal, membros sem deformidade (ou com deformidade leve), escleras azuladas e, raramente, dentinogenesis imperfecta. Na OI, pode haver comprometimento da audição, especialmente nos tipos I e III. 
Nos últimos anos, novos tipos de OI foram descritos (tipos V, VI, VII e VIII), representando formas moderadas a graves da doença (com fraturas frequentes, deformidades e baixa estatura) e nas quais não há mutações nos genes COL1A1 e COL1A2. Nos tipos V a VIII, observam-se as seguintes particularidades: no tipo V, as fraturas podem resultar na formação de calos ósseos proeminentes; no tipo VI, há diminuição da incorporação de cálcio e fósforo no osso cortical e trabecular (mas não na placa de crescimento, de forma a não haver sinais de raquitismo) e elevação da fosfatase alcalina sérica; no tipo VII, as lesões afetam mais
intensamente a parte proximal dos ossos longos (úmero e fêmur), caracterizando rizomelia; no tipo VIII há lesões com aspecto radiológico de “pipoca” nas metáfises e epífises de membros inferiores. A OI é transmitida de modo autossômico dominante (tipos I, III, IV, V) ou recessivo (tipos VI, VII e VIII), enquanto que, no tipo II, ambos modos de transmissão são possíveis. Desde as publicações do professor Glorieux e seus colaboradores em 1998 e 2000, os pacientes pediátricos com formas graves de OI têm sido tratados com o pamidronato de sódio (PS). O PS é um medicamento que reduz a atividade dos osteoclastos, células responsáveis pela reabsorção do osso.
O tratamento da OI inclui também a administração por via oral de cálcio (nos pacientes com ingestão inadequada de leite e derivados) e vitamina D (nos pacientes com insuficiência ou deficiência em vitamina D). A fisioterapia tem papel fundamental no tratamento dos pacientes com OI por possibilitar melhora da massa óssea e do quadro clínico, através da promoção de atividades físicas que estimulam a formação óssea. Os familiares e pacientes também devem ser orientados quanto ao uso de medicamentos analgésicos quando da ocorrência de fraturas. A consulta com geneticista é importante, já que permite aos pais saberem o
risco de recorrência da doença em futuras gestações.
Devemos enfatizar que, apesar das limitações físicas impostas aos pacientes com formas graves de OI, a sua inteligência é absolutamente normal, ou mesmo acima da média. Assim, é inadmissível que estas crianças e adolescentes não frequentem a escola, devendo receber o suporte necessário tanto para o transporte à unidade de ensino quanto para o acesso à sala de aula. Para finalizar, é importante que os pais sejam adequadamente orientados e apoiados quando do nascimento de criança gravemente afetada. Com frequência, a fragilidade dos ossos faz com que os pais evitem contato físico com o recém-nascido.

Para saber mais
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/pcdt_osteogenese_imperfeita.pdf
www.aboi.org.br
www.pediatriasaopaulo.usp.br/upload/pdf/114.pdf

Tirosinemia

A Tirosinemia tipo I, também denominada Tirosinemia hepato-renal é causada pela deficiência da enzima Fumarilacetoacetato hidrolase (MIM 276700). Trata-se de uma doença metabólica hereditária, de padrão de herança autossômico recessivo. A frequência é de aproximadamente 1:100 000 nascidos vivos, com uma incidência significativamente maior em Quebec, no Canadá. O bloqueio enzimático resulta no acúmulo de metabólitos tóxicos com a formação de succinilacetona, maleilace toacetato e fumarilacetato. A apresentação clínica pode ser aguda, antes dos 6 meses de vida, levando à falência hepática grave, vômitos, sangramento, sepse, hipoglicemia, tubulopatia renal (síndrome Fanconi renal), crises de dor (crises porfíricas), extrema irritabilidade e hepatomegalia. A forma de apresentação crônica, de manifestação acima de 1 ano, apresenta-se com hepatomegalia, cirrose, retardo crescimento, raquitismo, hematomas, tubulopatia renal crônica, neuropatia, crises de dor porfírica e adenomas hepáticos e hepatocarcinoma. Alguns casos podem apresentar cardiomiopatia e manifestações neurológicas.
O diagnóstico é obtido através da dosagem quantitativa de aminoácidos no sangue, em que os níveis de tirosina e metionina se encontram aumentados. A análise de ácidos orgânicos na urina pode demonstrar a presença de succinilacetona e derivados 4-OH-fenilatico, sendo estes os principais marcadores bioquímicos da doença. Alguns pacientes podem apresentar aumento urinário de porfirinas e ácido δ-aminolevulinico. Tanto nas formas neonatais e infantis a alfa-fetoproteína está aumentada no soro.
O diagnóstico diferencial cursa com outras doenças hepáticas, em particular hepatite neonatal, defeitos da cadeia respiratória mitocondrial, galactosemia, intolerância à frutose e doenças da síntese dos ácidos biliares.
O tratamento da tirosinemia tornou-se revolucionário após a introdução da Nitisinona (NTBC) 1(–2) mg/kg, em 2 doses, um inibidor da 4-OH-fenilpiruvato dioxigenase que bloqueia o acúmulo dos metabolitos tóxicos gerados pelo defeito enzimático de causa genética. A resposta clínica é rápida, podendo notar melhora clínica e laboratorial em 48 horas, após o início da medicação. O tratamento deve ser continuo e sem interrupção. A dose é individualizada.
Além da NTBC, é necessário manter uma dieta restrita em tirosina e fenilalanina, através do uso de fórmulas metabólicas especificas para tirosinamia. Os valores de tirosina devem ser mantidos entre 200-400 umol/l. O transplante de fígado está indicado somente para os casos de diagnóstico tardia com lesões hepáticas irreversíveis. O prognóstico da doença tem sido muito bom nos pacientes com diagnóstico precoce (antes de 1 mês), utilizando nitisinona e dieta restrita em tirosina e fenilalanina. A monitorização clínica é necessária, com realização de exames bioquímicos e avaliações clínicas periódicas com um especialista em doenças metabólicas.

Para saber mais
www.diagnosticoprecoce.org/doencas/Tirosinemia.htm
www.ufpa.br/eim/documentos/tirosinemia.pdf
www.sbtn.org.br/anais_evento_2010/trabalhos/triagem/poster/P097.pdf

Xantomatose Cerebrotendínea

A Xantomatose Cerebrotendínea é uma doença do grupo dos erros inatos do metabolismo, caracterizada pela deficiência de 27-hi droxilase hepática, levando ao acúmulo de colestanol e colesterol nos diferentes tecidos. Estima-se que afete 1:50 000 indivíduos em todo o mundo.
As manifestações clínicas são observadas em diversos órgãos. Nos olhos, cata ratas surgem ainda na infância. O sistema cardiovascular é afetado com o aparecimento de ateroesclerose prematura e consequentemente infarto agudo do miocárdio. O depósito de lipídeos em tendões, sobretudo no tendão de Aquiles, leva
à observação de xantomas tendíneos a partir da adolescência. As manifestações neurológicas são proeminentes com a observação de quadros que variam desde déficit cognitivo até demência, surgindo tardiamente. Sintomas extrapiramidais tais como parkinsonismo e distonia também são observados. Ataxia cerebelar e paraparesia espástica são sintomas que comumente se iniciam entre 20-30 anos de idade. O esqueleto também pode ser afetado com o surgimento de osteoporose.
A condição deve ser suspeitada em todo paciente com xantomas tendíneos, ou crianças com catarata e/ou diarreia inexplicadas e adultos com sintomas neurológicos progressivos tais como demência, ataxia cerebelar e alterações psiquiátricas. Os exames de imagem de sistema nervoso central podem auxiliar a suspeita. Na ressonância nuclear magnética de encéfalo, observa-se atrofia cerebelar e cortical difusas, alterações de sinal em substância branca e lesões cerebelares focais bilateralmente.
O diagnóstico é feito principalmente pela dosagem de colestanol no plasma.
Além do aumento de colestanol, observa-se dosagem de colesterol normal ou pouco elevada e diminuição de ácido quenodesoxicólico. Os precursores dos ácidos biliares tais como o 7α-hidroxicolesterol mostram-se elvados. A dosagem de atividade enzimática não é necessária na maioria dos casos. O sequenciamento do gene CYP27A1, o único associado à condição, identifica 90%
dos indivíduos com a doença sendo, por vezes, necessário o uso de técnicas complementares de biologia molecular O tratamento com ácido quenodesoxicólico tem mostrado bons resultados, sobretudo no que tange a reversão de sintomas neurológicos e deve ser iniciado o quanto antes, como forma de evitar principalmente a ocorrência de infarto do miocárdio.
A Xantomatose Cerebrotendínea é uma condição de herança autossômica recessiva. O adequado aconselhamento genético deve ser oferecido à família visto que o risco de recorrência é de 25% na irmandade.

Centros de tratamento
Hospital Universitário Gaffrée e Guinle – Rio de Janeiro/RJ
Hospital de Clínicas USP – Ribeirão Preto/SP.

Para saber mais
www.scielo.org
www.radarciencia.org/xantomatose
www.orpha.net/consor/cgi-bin/OC_Exp.php?lng=PT&Expert=909

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Medicina do Luxo

 


Medicina do Luxo

Saudade da época na qual os médicos eram reconhecidos e/ou respeitados pelos seus anos e anos de estudos, pesquisas e experiência clínica e não pelos seus milhares de “seguidores” ou curtidas nas suas redes sociais (esses “mundos paralelos da fantasia”), “locais” onde, por sinal, alguns propagam conceitos equivocados ou, no mínimo, mal interpretados, à população que carece de boa informação ou, até mesmo, à pessoas bem informadas, outros médicos ou demais profissionais da área da saúde com formações acadêmicas questionáveis e/ou com falta de senso crítico científico.

Saudade da época na qual o médico estudava por tratados reconhecidos mundialmente, por bons estudos publicados em revistas científicas de referência, época na qual fazia bons cursos de especialização ou residência médica e reconhecia a importância do método científico e não por fazer minicursos, cursos de imersão ou “especialização” do “Dr. Fulano de Tal” em “especialidades” que sequer são reconhecidas por sociedades médicas ou pela entidade de classe, onde aprendem de “orelhada” más práticas “médicas”, não respeitando princípios básicos da medicina como, por exemplo, o da não maleficência.

Saudade da época na qual a consulta com o médico era focada no paciente e na sua doença ou necessidade e não focada em profissionais egocêntricos, com transtornos de personalidade cluster b narcisistas, “gurus” da medicina nas suas clínicas luxuosas, “grifes” médicas nas quais onerosas consultas médicas e/ou tratamentos tornaram-se sinônimos de status, objetos de desejo e de consumo. Lembrem-se: a medicina não pode ser medida pelo padrão consumista, do tipo “se um produto é caro, então é bom”.

Saudade da época na qual o “bom médico” era o que, após uma boa anamnese e exame clínico, somente solicitava exames estritamente necessários a fim de se complementar hipóteses diagnósticas ou para a exclusão dos diferenciais, do mesmo modo, somente prescrevia medicações estritamente necessárias para o tratamento de doenças e/ou disfunções e não o “excelente” médico que, mesmo antes de conversar com o paciente ou de examiná-lo, solicita-lhe pilhas de exames (alguns nem sabem o que estão solicitando, quanto menos interpretá-los), muitos dos quais não possuem nenhum tipo de validação científica (mas solicita porque faz na sua própria clínica com aparelhos de última geração #sqn) e, da mesma maneira, prescreve folhas e folhas de medicamentos ou “remédios” (alguns nem sabem o que estão prescrevendo, mas recebem uma bela comissão das farmácias). Mas esse é o melhor médico, o mais atualizado, não é verdade?

Saudade da época na qual a melhor publicidade médica era o seu conhecimento, sua conduta ética e o seu compromisso com o paciente e não a superexposição pública dos seus bens materiais (casas, carros, roupas, etc.), das suas vidas “luxuosas” em viagens, festas e eventos com famosos, superexposição, também, dos seus corpos seminus, grande parte deles “esculpidos” com EA, contrariando os seus princípios de uma vida saudável (como divulgado), sem química (“lorota”), como se dissessem: “- Consultem-se comigo e fiquem assim também! Paguem o que for necessário, pois eu tenho o segredo!”. Lembrem-se: “nem tudo que reluz é ouro”. O valor do “paguem o que for necessário” pode ser imensurável, ou seja, a sua própria saúde. Cedo ou tarde essa conta chega, podem ter certeza!

Saudade da época na qual o médico era conhecido somente pelo seu nome ou doutor seguido do seu nome e não médicos que se auto-intitulam com coisas ridículas do tipo: Dr. Fit, Dr. Coração, Dr. Longevidade, Dr. Testosterona, etc. PS.: Qualquer semelhança é mera coincidência.

Saudade da época na qual os receituários médicos só continham o nome do médico, especialidade (uma ou duas), seu registro no conselho e registro de qualificação de especialista e não receituários com descrições imensas das “qualificações” nacionais e internacionais do profissional, numa constante necessidade de autoafirmação, como se quisesse provar alguma coisa que, em geral, não consegue.

Enfim, saudade da época na qual, para alguns médicos, bastava ser reconhecido como o “médico da família” e, assim, eram felizes profissionalmente. Para outros, o reconhecimento profissional se dava quando se tornavam especialistas ou autoridades em algum assunto. Já hoje... o reconhecimento se dá quando o médico se torna uma “celebridade”! Não importando todos os valores já citados neste texto, pois o que importa, de verdade, é uma boa assessoria em marketing. Outro dia, navegando nas redes, acreditem, até descobri que já existe um curso para o médico se “tornar” uma celebridade!

Esta crônica somente reflete a minha observação ou o meu ponto de vista sobre a medicina nos dias atuais. Não é uma crítica direta a qualquer pessoa ou profissional. Com certeza alguns “vanguardistas” irão se identificar com o texto e atacarão dizendo que se trata de inveja, frustração, de um profissional desatualizado, blá blá blá... mas saibam que sou muito bem realizado na vida acadêmica, profissional e pessoal. Quero deixar bem claro que não sou contra as redes sociais no âmbito da medicina, muito pelo contrário, penso que elas podem ser importantes ferramentas de responsabilidade social com a divulgação de boas informações em saúde.

Peço desculpas ao pessoal que me acompanha, por não se tratar de um texto diretamente ligado à informação em nutrologia, saúde e bem-estar, que foi um dos meus propósitos quando resolvi montar esse perfil profissional.

Peço desculpas, também, aos amantes de poesia e literatura por utilizar como referência para ilustrar o texto a poesia concreta de Augusto de Campos, mas, quando estava refletindo sobre o assunto, me veio à cabeça essa poesia, bem lá do fundo, da época dos vestibulares e penso que foi uma contextualização bastante pertinente.

A medicina “lixo”, virou luxo, assim como a medicina do “luxo”, na maioria das vezes é um lixo!

Autor: Leandro Marques de M. Teles
Médico Nutrólogo - RQE 10253
Nutrição Parenteral e Enteral - RQE 11661
CRM 14326/GO, 18413/DF

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Os 4 R’s da Sustentabilidade

 Os 4 R’s são uma forma simples de nos lembrar como podemos fazer a diferença na sustentabilidade
Devido à crescente consciência do impacto que temos no Planeta, os stakeholders (partes interessadas) estão hoje bem informados sobre as possibilidades de dar uma contribuição positiva para à sustentabilidade. 

Os 4 R’s são uma forma simples de nos lembrar como podemos fazer a diferença na sustentabilidade. Eles nos tornam conscientes de como manuseamos os materiais e como os jogamos fora. Os 4 R’s são claros, fáceis de lembrar e alcançáveis. Eles nos ajudam a fazer mudanças simples que têm um impacto significativo na sustentabilidade do nosso Planeta. Os 4 R’s significam: reduzir, reutilizar, reciclar e recuperar.

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Obesidade controlada - Por Dr. Bruno Halpern

 


Há muitas evidências que demonstram que o objetivo do tratamento da obesidade não deve ser “normalizar” o Índice de Massa Corporal, e que perdas de peso intermediárias podem já ser suficientes para reduzir riscos de saúde e doença cardiovascular. Assim, em tratamentos clínicos, sugerimos perdas de 10-15% como excelentes, com foco em manutenção de peso posterior.

👉Em pacientes com graus de Obesidade maior, a #cirurgiabariátrica é uma estratégia que permite perdas de peso superiores, em geral, ao redor de 30% do peso ou mais. E as evidências mostram que é um procedimento associado a aumento de expectativa de vida, além de redução de varias outras doenças.

👉E, novamente, essa redução independe do peso final: assim, uma pessoa com obesidade grave que emagrece muito, mas se mantém com peso considerado como “Obesidade” pelo IMC, tem benefícios claros.

👉Uma análise epidemiológica com mais de 6000 pacientes que realizaram cirurgia, mesmo mantendo peso acima do considerado “normal”, tinham marcadores de saúde cardiometabólicos muito mais parecidos com de uma população magra do que de uma população com peso semelhante ao deles, mas que nunca havia emagrecido. Ou seja, é mais uma evidência de que perdas de peso menores do que as recomendadas por muitos já trazem grandes benefícios.

👉Recentemente, a @abeso_evidenciasemobesidade e @sbemnacional propuseram o conceito de “obesidade controlada”, para pacientes que perderam peso no passado e mantém o peso perdido, e com melhora substancial dos exames de sangue e outros parâmetros. Isso vale tanto para tratamentos clínicos como para cirúrgicos (embora, como disse, a cirurgia permita perdas mais pronunciadas).

👉Entender, e passar aos pacientes esse conceito é fundamental para que tenhamos tratamentos mais efetivos e duradouros!

Ref: Hong. Degree of Cardiometabolic Risk Factor Normalization in BS: Evidence From NHANES. Diabetes Care 2021 Ref2. Halpern. Proposal of an obesity classification based on weight history. AEM 2021

Atividade sexual conta como atividade física ?


A relação sexual queima calorias, aumenta a frequência cardíaca e raramente causa parada cardíaca

Seja no Dia dos Namorados, no dia seguinte ou praticamente em qualquer dia do ano, muitos casais se entregam a relações sexuais. Alguns, olhando para seus rastreadores ou observadores de atividades, podem se perguntar, então, estamos nos exercitando agora?

Cientistas curiosos também se perguntaram. A atividade sexual é uma maneira popular e agradável de passar 32,38 minutos (mais sobre isso depois). Mas é fisicamente intenso ou de lazer?  Pode queimar tantas calorias quanto correr ou é mais como um passeio leve? Ela aumenta os batimentos cardíacos? Pode iniciar ataques cardíacos? E se você tiver uma grande competição amanhã? Você deve permanecer casto esta noite?

Dada a prevalência de relações sexuais - pode ser a atividade física menos provável de ser omitida - as respostas são importantes, e um bando de estudos recentes oferece respostas preliminares, incluindo algumas novas estatísticas surpreendentes sobre a idade típica de alguém que experimenta um "súbito problema cardiovascular".  parada” durante as relações sexuais e até que ponto o exercício melhora a função sexual e a satisfação.

Mas provavelmente a pergunta mais premente sobre sexo e exercício é: “Sexo é exercício?”

A resposta, de várias maneiras, parece ser sim. Em um artigo de revisão publicado no Archives of Sexual Behavior, pesquisadores da Universidade de Almería e da Universidade de Múrcia, na Espanha, reuniram todos os estudos anteriores que puderam encontrar que examinavam os esforços físicos envolvidos no coito.

Não foram muitos. Como atividade, a relação sexual é difícil de estudar, por motivos que vão desde a polidez até a política. Os estudos que os pesquisadores encontraram envolveram principalmente casais heterossexuais comprometidos, geralmente casados, que frequentemente visitavam um laboratório para observação científica de seus esforços. Na ocasião, o coito acontecia na casa das voluntárias. Alguns dos casais usavam monitores de frequência cardíaca ou outros rastreadores.  Outros foram filmados e seus padrões de movimento analisados. Ninguém estava cego para saber se o sexo estava acontecendo.

Mas, mesmo com essas limitações, surgiram padrões, descobriram os pesquisadores espanhóis.

• Sexo conta como exercício moderado

Obviamente, as relações sexuais aceleravam o coração e queimavam a energia. Nos estudos em que as pessoas usaram rastreadores, as frequências cardíacas ficaram em média entre 90 e 130 batimentos por minuto e atingiram um pico de 145 a 170 bpm. Os batimentos cardíacos das mulheres tendem a ser mais baixos do que os dos homens.

A queima calórica média durante a relação sexual também variou bastante, dependendo do posicionamento da pessoa, gênero e fatores mais inefáveis, como se ela estava em casa ou em observação no laboratório.  

Em um estudo, o gasto total de energia durante uma única sessão de atividade sexual atingiu 130 calorias, enquanto em outro experimento, atingiu cerca de 101 calorias para homens e 69 calorias para mulheres.

Essas medições indicam que “a atividade sexual pode causar demandas físicas de intensidade moderada ou mesmo vigorosa”, disse José M. Muyor, professor do Centro de Pesquisa em Saúde da Universidade de Almería, que liderou o estudo de revisão.

Os números são semelhantes aos de uma corrida suave, exceto pelos picos da frequência cardíaca, que aumentaram mais do que o normal durante a corrida e, geralmente, durante o orgasmo, o que é incomum nessa época.

Quanto à duração dos episódios sexuais, eles também variaram.  Em casais jovens e saudáveis ​​em um estudo, o sexo durou em média 32,38 minutos, enquanto continuou por apenas 19 minutos em outro estudo entre casais com problemas de saúde, como doenças cardíacas.

Em todos os estudos, a duração foi considerada para começar com as preliminares e terminar com o orgasmo masculino. Se esses parâmetros capturam adequadamente a experiência de ambos os parceiros é discutível, mas “estamos limitados a descrever os métodos e protocolos que cada estudo conduziu”, disse Muyor.

• O sexo pode parar seu coração?

Outros pesquisadores recentemente investigaram se o sexo, embora brevemente revigore os corações, também pode, sob certas circunstâncias, pará-los - e não metaforicamente.

Um estudo notável de 2022 no JAMA Cardiology, por exemplo, de vítimas em Londres devido a parada cardíaca súbita dentro de uma hora após as relações sexuais descobriu que tais mortes eram reconfortantemente incomuns.

Das 6.847 paradas cardíacas súbitas fatais encaminhadas a um centro de patologia em Londres entre 1994 e 2020, apenas 17 ocorreram durante ou quase imediatamente após a relação sexual.

Mas desses 17, seis eram mulheres, o que era inesperado, e a maioria era relativamente jovem. A média de idade foi de 38 anos.

Da mesma forma, um estudo de 2018 em Paris com pessoas que sobreviveram a paradas cardíacas súbitas entre 2011 e 2016 descobriu que cerca de 0,6%, ou 17 no total, todos homens e a maioria na faixa dos 50 anos, tiveram parada cardíaca durante ou logo após o sexo. Em comparação, 229 dos outros casos ocorreram durante esportes ou outros exercícios e 2.782 em outras situações.

Curiosamente, as tentativas de ressuscitação nos homens que ficaram aflitos durante ou logo após o sexo tendem a começar mais tarde do que nas outras situações, talvez por descrença dos parceiros ou “algum grau de constrangimento”, disse Eloi Marijon, professor de cardiologia da Universidade de Paris e co-autor do estudo.

“Não temos o estado civil dos parceiros”, acrescentou.

Mas a principal descoberta de sua e de outras pesquisas nessa área é que as paradas cardíacas durante ou devido ao sexo permanecem extremamente raras, disse ele. E quanto mais alguém se envolve em relações sexuais, mais os riscos diminuem.

“Durante qualquer atividade física”, disse ele, incluindo sexo, “o risco de parada cardíaca é maior do que em repouso”. Mas os corações, como outros músculos, se fortalecem e ficam mais resistentes à parada quanto mais as pessoas se esforçam, inclusive com sexo. “A atividade sexual”, disse ele, “não deve ser vista como uma situação de risco”.

• Sexo não enfraquece as pernas

Também é improvável que comprometa a competição ou o treino de amanhã, apesar dos mitos generalizados em contrário. (“As mulheres enfraquecem as pernas”, o treinador de Rocky o alertou no filme de 1976.)

Uma revisão de 2022 publicada no Scientific Reports concluiu que “a atividade sexual dentro de 30 [minutos] a 24 [horas] antes do exercício não parece afetar o condicionamento aeróbico, a resistência musculoesquelética ou a força/potência”.

A revisão, que reuniu dados de nove estudos, envolvendo 133 pessoas, quase todas do sexo masculino, que fizeram sexo horas antes de algum tipo de teste físico, também constatou que o coito não melhorou o desempenho físico.

O sexo, em outras palavras, foi um banho, o que talvez seja reconfortante tanto para as pessoas que são quanto para as que não são sexualmente ativas.

“Eu diria que não há razão para evitar ou promover o sexo antes de uma corrida ou competição sexual”, disse Gerald Zavorsky, professor de fisiologia e biologia de membranas da Universidade da Califórnia em Davis, que liderou a revisão.

É claro que pensar no sexo apenas como uma ferramenta competitiva ou apenas como outra forma de exercício moderado é arriscar diminuir um pouco de seu mistério poético e intimidade.

Por outro lado, se você decidir, a qualquer momento, pensar em exercícios como uma forma de melhorar o sexo, tudo bem.

Em um estudo de 2019 com mais de 6.000 homens e mulheres, quanto mais as pessoas se exercitavam, menor era a probabilidade de relatar disfunção erétil, entre os homens, e disfunção sexual, entre as mulheres.

“Compartilhar é se importar”
EndoNews: Lifelong Learning
Inciativa premiada no Prêmio Euro - Inovação na Saúde
By Alberto Dias Filho - Digital Opinion Leader
twitter: @albertodiasf instagram: diasfilhoalberto

Artigos extras:

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Qual o bloco de vcs?

 


terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

O que leva as pessoas a se preocuparem com o meio ambiente?

Estudo analisa os fatores que impulsionam a preocupação ambiental entre os europeus, em um esforço para entender como podemos reforçar o apoio popular ao combate às mudanças climáticas.

Embora já possamos sentir os efeitos das mudanças climáticas em nossas peles, a maioria da população europeia ainda não considera as mudanças climáticas, o meio ambiente e a energia entre as questões mais prementes para a formulação de políticas nacionais.

O apoio do público, no entanto, é crucial para permitir uma política ambiental rigorosa e sustentável nas democracias.

Para aumentar a motivação da população em geral para a ação climática, precisamos saber quais fatores impulsionam a preocupação das pessoas com o clima e o meio ambiente. Em um novo estudo publicado na Global Environmental Change , Jonas Peisker, pesquisador do IIASA Population and Just Societies Program, abordou como as preferências ambientais em 206 regiões europeias são moldadas por circunstâncias socioeconômicas, geográficas e meteorológicas.

“Eu queria oferecer uma perspectiva baseada em dados sobre os determinantes da preocupação ambiental que destacasse a relevância do envolvimento dos indivíduos em contextos socioeconômicos e ambientais”, explica Peisker. “Embora pesquisas anteriores tenham considerado apenas algumas influências contextuais de cada vez, este estudo permite uma comparação de sua importância relativa, incluindo também fatores que diferem principalmente entre regiões, como desigualdade, nível de renda ou características geográficas”.

Para encontrar determinantes de preocupação ambiental, Peisker usou o método de Bayesian Model Averaging baseado em 25 pesquisas do Eurobarômetro realizadas entre 2009 e 2019 combinadas com medidas da economia regional, população, geografia, qualidade ambiental e eventos meteorológicos.

O estudo constatou que contextos econômicos favoráveis, como nível de renda relativamente alto e inflação baixa, fomentam a preocupação ambiental. Isso provavelmente está relacionado à ideia de um “poço finito de preocupação”, no qual questões mais imediatas, como segurança econômica, expulsam questões menos imediatas, como política climática. Curiosamente, o aumento dos preços da energia apenas reduziu as preocupações ambientais até certo ponto em que as preocupações ambientais também começaram a aumentar. Neste ponto, o fornecimento de energia pode se tornar um problema que levanta preocupações ambientais em si.

Os resultados mostraram que uma distribuição mais igualitária de renda e riqueza teve um impacto positivo na priorização das questões ambientais, sugerindo que a coesão social é benéfica para as preocupações verdes. Além disso, Peisker descobriu que regiões com indústrias intensivas em gases de efeito estufa tinham menor preocupação ambiental entre os habitantes locais. Isso pode estar relacionado a preocupações sobre os efeitos potenciais das políticas ambientais sobre a competitividade econômica na transição da tecnologia fóssil para a limpa. Embora os fatores ambientais, como ter um litoral de baixa elevação, também influenciem a preocupação ambiental, em geral, o contexto socioeconômico se mostrou mais importante.

“Os resultados do estudo enfatizam que a coesão social e uma transição justa para a neutralidade do carbono são fundamentais para o apoio de baixo para cima à política ambiental”, diz Peisker. “A política climática e a proteção ambiental provavelmente serão impopulares se estiverem aumentando a desigualdade de renda e riqueza, a inflação e o desemprego. Portanto, uma forma de apoiar a ação climática poderia ser enfatizar os co-benefícios da política ambiental, por exemplo, efeitos positivos no emprego da transição para fontes de energia renováveis”.