O Departamento de Tireoide da SBEM divulgou um posicionamento referente ao uso do lugol pela população. De acordo com o documento, a utilização do iodo ou de suas soluções é importante para a síntese dos hormônios tireoidianos. No entanto, são necessários cuidados na ingestão diária desta substância, pois o excesso pode ser prejudicial à saúde.
Um dos pontos abordados no posicionamento trata-se da quantidade recomendada de ingestão diária de iodo pela Organização Mundial de Saúde (OMS), principalmente em gestantes e lactantes. Abaixo um trecho sobre a questão.
“Em regiões ou países onde a suplementação de iodo é recomendada, tal medida deve objetivar atingir os níveis diários recomendados pela OMS, ou seja, 100-150 µg/dia para a população geral e 250 µg/dia para gestantes e lactantes.
A solução de Lugol não deve ser prescrita com o objetivo de suplementar iodo em nenhuma situação. A solução de Lugol 5%, que é composta por iodeto de potássio (10%), iodo elementar inorgânico (5%) e água destilada, contem 2500 µg de iodo em cada gota, ou seja, mais que 10 vezes a recomendação da OMS.
As únicas situações clínicas onde seu uso é recomendado refere-se ao preparo pré-operatório de pacientes com hipertireoidismo por doença de Graves e à crise tireotóxica. No caso do preparo pré-operatório é prescrito por 10-15 dias anteriores à cirurgia com objetivo de gerar uma redução importante da vascularização glandular e minimizar complicações hemorrágicas peri-operatória. Na crise tireotóxica o objetivo é bloquear a produção hormonal em situação de urgência médica, sendo porém recomendável que anteriormente à administração do Lugol o paciente tenha recebido uma droga antitireoidiana (de preferência o Propiltiuracil) para não haver nenhum risco do efeito inverso, ou seja, piora do hipertireoidismo por sobrecarga de iodo (efeito Jod-Basedow).”
O posicionamento completo do Departamento de Tireoide pode ser acessado no link abaixo.
http://www.tireoide.org.br/media/uploads/pdfs/parecer_sobre_o_uso_do_iodo_e_de_solu%C3%A7%C3%B5es_contendo_iodo.pdf
Parecer Sobre o Uso do Iodo e de Soluções Contendo Iodo
Departamento de Tireoide da SBEM
Dra. Patricia de Fátima S. Teixeira - Médica Endocrinologista do Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho, Professora de Pós-graduação em
Endocrinologia e Metabologia da Faculdade de Medicina da UFRJ e membro da
diretoria do Departamento de Tireoide da SBEM
Dra. Gisah Amaral de Carvalho – Professora Associada de Endocrinologia e
Metabologia da UFPR, chefe da Unidade de Tireoide do Hospital de Clínicas da
UFPR e membro da diretoria do Departamento de Tireoide da SBEM
O Iodo é importante para a síntese de hormônios tireoidianos e a sua deficiência é causa de bócio endêmico e déficits intelectuais importantes em crianças nascidas de mães sem o aporte adequado desse micronutriente. Em contrapartida, o excesso de iodo, a longo prazo, tem sido associado ao maior risco para desenvolvimento de tireoidites autoimunes, como por exemplo a Tireoidite de Hashimoto. As tireoidites autoimunes são as causas atuais mais comuns de hipo e hipertireoidismo. Nas últimas décadas o aumento do aporte de iodo à população também tem sido associado à maior incidência mundial de carcinoma papilífero de tireoide. Estudos demonstram associações entre excesso de iodo e mutações BRAF, que são comumente relacionadas ao carcinoma papilífero de tireoide, apesar de não haver comprovação de uma relação “causa-efeito”.
Além desses possíveis efeitos crônicos do excesso de iodo, sabe-se que sobrecargas de iodo a curto prazo podem causar hipertireoidismo pelo efeito JodBasedow ou bloqueio de secreção hormonal pelo efeito Wolff-Chaikoff, com consequente hipotireoidismo.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a ingestão diária de iodo seja de 100 -150 µg/dia, para a população geral. Na gestação, por conta das maiores demandas à glândula tireoide, e das necessidades fetais, esse aporte deve ser de 250 µg/dia. Tais níveis (250 µg/dia) também são necessários para a lactante. Ressalta-se porém que o excesso de iodo também traz risco à saúde, e por isso a ingestão não ultrapasse 500 µg/dia.
Políticas de saúde pública, em diferentes países do mundo, que garantem o acréscimo de iodo no sal de cozinha, contribuem para a redução da prevalência de formas graves de deficiência de iodo em populações específicas.
No Brasil, em 1999, foi criada a Comissão Interinstitucional para a Prevenção e o Controle dos Distúrbios por Deficiência de Iodo (CIPCDDI). Segundo a Portaria Nº 520, de 06 de abril de 2005, a CIPCDDI objetiva fortalecer o acompanhamento e a avaliação do Programa Nacional de Prevenção e Controle dos Distúrbios por Deficiência de Iodo (Pró-iodo), com foco nas mesmas metas recomendadas pela OMS.
Pela OMS, o monitoramento dos PROGRAMAS DE IODAÇÃO DO SAL é muito importante para avaliar a eficácia dos mesmos. Tal monitoramento é regulado por quatro indicadores:
Iodação do sal, objetivando atingir um consumo efetivo em mais de 90% dos domicílios;
Excreção urinária de iodo: objetivando avaliar se a excreção urinária de iodo se mantém em níveis aceitáveis;
Volume da tireoide: objetivando constatar a presença de volume normal em mais de 95% de crianças entre 6 a 12 anos; e níveis de TSH neonatal, que devem estar adequados em 97% da população de recém-nascidos (3 a 7 dias).
Desde 1982, a população brasileira recebe uma quantidade mínima de iodo no sal, por conta de avanços na legislação. Em contrapartida, sabe-se que a recomendação de consumo máximo diário de sal, pela OMS, é de menos de cinco gramas por pessoa. Porém, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o consumo médio do brasileiro está em 12 gramas diários, valor que ultrapassa o dobro do recomendado. Por conta disso, uma determinação, publicada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no Diário Oficial da União (DOU) de 25 de Abril de 2013, alterou a faixa de iodação do sal utilizado no Brasil. De acordo com a nova regra, a adição do iodo no sal de cozinha foi reduzida para 15 - 45 miligramas por quilo (mg/kg) de sal. O mesmo equivale a 150-450 mcg por cada 10 gramas de sal. Os produtos com menos iodo começaram a ser produzidos no Brasil aproximadamente 90 dias a partir dessa publicação. Anteriormente, a adição poderia variar entre 20 a 60 mg/kg. A nova faixa foi resultado de avaliação e monitoramentos realizados pela CIPCDDI, coordenada pelo Ministério da Saúde, e seguida de consulta pública.
Estudos que avaliaram o status iódico, e consequentemente a eficácia do programa de iodação nacional, entre 1985-2013, foram resumidos em uma metanálise publicada por Campos e cols em 2015. Dentre esses estudos, 13 avaliaram crianças escolares, 3 avaliaram gestantes, 3 recém nascidos e 4 estudaram indivíduos adultos. Dentre os estudos com escolares observou-se que 2 foram conduzidos antes de 1996, em diferentes cidades e estados brasileiros, e demonstraram níveis de insuficiência iódica em 30 e 33% da amostra. Posteriormente, um estudo conduzido em Minas Gerais (n=280) evidenciou que 67,4% das crianças em escolas públicas tinham insuficiência iódica, contra 7,8% entre aquelas em escolas particulares (Nimer e cols).
Em contrapartida, estudos conduzidos após a criação da CIPCDDI demonstram que o excesso é mais comum do que a falta de iodo nessa população infantil. Um desses estudos incluiu 1563 escolares de 8 estados nas 5 regiões brasileiras (Prettel e cols). Outros estudos incluíram aproximadamente 1000 escolares e foram conduzidos no Mato Grosso do Sul (Saab e cols) e em São Paulo (Duarte e cols; Carvalho e cols). Os únicos resultados discrepantes foram reportados por Macedo e cols, em 2012, demonstrando alta prevalência de insuficiência iódica em 475 crianças no estado de Minas Gerais, e por Pontes e cols na Paraíba, onde frequente consumo de alimentos bociogênicos foi detectado em inquérito alimentar. Estudos em adultos, na região de São Paulo e do Rio Grande do Sul não demonstraram insuficiência iódica, havendo inclusive demonstração de excesso iódico, de acordo com os níveis de iodúria, no estudo conduzido em São Paulo, por Camargo e cols.
Em um dos estudos envolvendo 800 gestantes, referido na metanálise, e conduzido em São Paulo, por Barca e cols, evidenciou-se adequado status iódico. Porém mais recentemente, estudo conduzido em Ribeirão Preto, evidenciou que 57,1% das gestantes da região (n=109) apresentavam iodúria <150 19="" 2008.="" a="" apresentavam="" as="" cols="" concentra="" correla="" das="" demonstraram="" dica="" do="" e="" em="" entre="" es="" estudo="" gestantes="" grande="" hormonais="" houve="" i="" insufici="" iod="" n="" ncia="" no="" o="" p="" publicado="" que="" ria="" rio="" soares="" sul="" ug="">
Uma reanálise do status iódico em diferentes populações após a redução da concentração de iodo no sal ocorrida em 2013 é uma necessidade urgente. Em 2006, a American Thyroid Association (ATA) recomendou a suplementação de 150 μg/dia de iodo (em polivitamínicos ou iodeto de potássio) para toda gestante e lactante com o objetivo de se assegurar níveis de iodúria de 250 μg/ L. A partir de 2011, tal recomendação se estendeu para o período pré-conceptivo. Porém, até o presente momento não podemos estender tal recomendação para a população brasileira.
Ensaios clínicos que avaliaram o efeito da suplementação de iodo em gestantes demonstraram um aumento da iodúria, porém sem confirmação de uma relação direta dose-dependente, bem como não demonstraram impactos nos níveis de TSH e dos hormônios tireoidianos (20-24). Mais estudos randomizados e controlados, com número expressivo de pacientes, são necessários para avaliar o impacto da suplementação de iodo em gestantes sobre a função tireoidiana, desfechos obstétricos e repercussões fetais. Tais considerações são especialmente importantes quando se considera insuficiências leves de iodo.
Em regiões ou países onde a suplementação de iodo é recomendada, tal medida deve objetivar atingir os níveis diários recomendados pela OMS, ou seja, 100-150 µg/dia, para a população geral e 250 µg/dia para gestantes e lactantes. A solução de Lugol não deve ser prescrita com o objetivo de suplementar iodo em nenhuma situação. A solução de Lugol 5%, que é composta por iodeto de potássio (10%), iodo elementar inorgânico (5%) e água destilada, contem 2500 µg de iodo em cada gota, ou seja, mais que 10 vezes a recomendação da OMS. As únicas situações clínicas onde seu uso é recomendado refere-se ao preparo pré-operatório de pacientes com hipertireoidismo por doença de Graves e à crise tireotóxica. No caso do preparo pré-operatório é prescrito por 10-15 dias anteriores à cirurgia com objetivo de gerar uma redução importante da vascularização glandular e minimizar complicações hemorrágicas peri-operatória. Na crise tireotóxica o objetivo é bloquear a produção hormonal em situação de urgência médica, sendo porém recomendável que anteriormente à administração do Lugol o paciente tenha recebido uma droga antitireoidiana (de preferência o Propiltiuracil) para não haver nenhum risco do efeito inverso, ou seja piora do hipertireoidismo por sobrecarga de iodo (efeito Jod-Basedow).
Por esses motivos, o Departamento de tireoide emite o seguinte parecer:
1 - É urgente a definição do status iódico na população brasileira, especialmente após a redução da concentração de iodo no sal em 2013.
2 - Tal necessidade é maior na população gestante onde há maiores necessidades de aporte ao iodo e onde o impacto da insuficiência iódica é altamente deletério.
3 - A insuficiência iódica traz malefícios à saúde humana, porém o excesso também está associado com complicações no funcionamento e desenvolvimento tireoidiano.
4 - Ainda não existem evidências suficientes para recomendação de reposição de iodo às gestantes brasileiras, como recomendado pela ATA, pela falta de definição do status iódico nas mesmas e pela falta de evidências de que a reposição trará benefícios em situações de insuficiência leve.
5 - A maioria dos suplementos vitamínicos oferecidos às gestantes contém pequenas quantidades de iodo que poderiam suplementar as necessidades das mesmas.
6 - Não se recomenda a prescrição de Lugol, que trata-se de solução contendo iodeto de potássio, com o objetivo de melhorar o funcionamento tireoidiano. A única recomendação para seu uso permanece no pré-operatório de pacientes com Doença de Graves, objetivando a redução da vascularização da glândula e consequentemente reduzindo sangramentos locais. Mesmo nessa situação, seu uso deve ser feito por curto período pelos riscos da sobrecarga do iodo sobre a glândula.
7 - Em áreas onde, sabidamente, há deficiência grave de iodo a suplementação de iodo deve ser oferecida a todas as gestantes, porém onde há uma insuficiência leve existem controvérsias quanto aos benefícios do início da suplementação depois de confirmada a gravidez .
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