terça-feira, 9 de abril de 2024

Soroterapia - reportagem do fantástico

No domingo (07/04/2024) o programa Fantástico fez uma reportagem sobre o perigo da Soroterapia. Vale a pena assistir: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2024/04/09/deputado-estadual-pato-maravilha-relata-experiencia-de-intoxicacao-por-soroterapia-dor-insuportavel.ghtml

A reportagem foi interessante mas alguns pontos importantes (cruciais) ficam de fora:

  • As indicações de utilização de suplementos injetáveis: 1) somente quando há uma deficiência refratária ao tratamento via oral (Ex. Ferro muito baixo, associado a anemia, levando o paciente a ter sintomas e que não respondeu ao tratamento via oral ou que provavelmente não responderá mesmo as doseses altas de ferro via oral). 2) Quando o trato digestivo não está funcionante por algum motivo, ou seja, mesmo se a gente sondar o paciente, não conseguiremos nutri-lo. Nesse caso optamos pela via parenteral.
  • A maioria dos pacientes bariátricos não precisam se suplementos injetáveis, quando precisam, geralmente é Ferro endovenoso ou vitamina B12 intramuscular. Os planos de saúde cobrem o ferro endovenoso e a vitamina B12 custa de 15 a 20 reais, 3 ampolas. São raríssimas as exceções pós bariátrica que teremos que prescrever os seguintes nutrientes injetáveis: zinco, cobre, vitamina B1, Ácido fólico e principalmente vitamina D. Todos esses nutrientes, via de regra absorvem por via oral. Doses maiores, obviamente. 
  • A epidemia de prescrição de Vitamina D injetável, quando na verdade, raríssimas exceções precisam de vitamina D injetável. Vale lembrar que na indústria farmacêutica não temos formulação intramuscular de vitamina D. As disponíveis no mercado são manipuladas. Além disso, NENHUM guideline de vitamina D, recomenda essa via de reposição, mesmo nos casos mais graves, como vitamina D (25-OH-Vit D) abaixo de 5. Na indústria já temos apresentações de cápsulas de 100.000UI e temos também o Calcifediol (25OHD), apresentação esta já hidroxilada, ou seja, mais ativa e que sustenta os níveis por mais tempo. Diferente do colecalciferol (D3), o calcifediol não precisa passar pelo fígado. Além de ter uma absorção intestinal bem melhor que o colecalciferol.
No geral a reportagem foi boa, porém, pode ser que o tiro tenha sido no pé. Ontem o telefone da clínica tocou inúmeras vezes, perguntando se eu trabalho com soroterapia. Mesmo após uma reportagem com profissionais renomados explicando os riscos, as pessoas preferem acreditar em profissionais que vendem milagres. Que fazem reposições desnecessárias, não respeitando preceitos médicos básicos.

Para ler mais sobre o tema acesse:

Dr. Frederico Lobo

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Doutor, você é médico integrativo?

Essa é uma pergunta recorrente, principalmente nas redes sociais (instagram @dfrfredericolobo). Cansado de tanto responder essa pergunta, convidei uma grande amiga, Nutróloga e Conselheira do CRM-ES para responder comigo, através de um texto. 

Caso queira ler, clique aqui: https://www.ecologiamedica.net/2021/05/medicina-integrativa-serao-que-estao.html

domingo, 31 de março de 2024

Ajudando a prevenir o reganho de peso após a retirada dos agonistas do receptor de GLP-1

Os medicamentos para perda de peso se tornaram extremamente populares nos últimos anos, principalmente porque eles de fato funcionam. Pacientes que usam agonistas do receptor do peptídeo 1 glucagonoide (GLP-1), como liraglutida, semaglutida e tirzepatida — esta última também agonista do polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP) — podem perder 10%, 20% ou até mesmo 25% do peso corporal.

Entretanto, se esses pacientes pararem de tomar o agonista do receptor de GLP-1, eles tendem a recuperar grande parte desse peso em até um ano, segundo estudos.

“Esses fármacos atuam biologicamente no organismo levando à alteração do apetite”, disse o endocrinologista Dr. Robert Kushner, especialista em medicina da obesidade e professor vinculado à Northwestern University Feinberg School of Medicine, nos Estados Unidos. “Sendo assim, quando o medicamento é retirado, a doença retorna.” 

O tratamento contínuo pode parecer a solução óbvia, mas a realidade não é tão simples. Em muitos casos, os custos elevados, as falhas no abastecimento e a falta de cobertura pelos planos de saúde podem tornar esses medicamentos inacessíveis.


Frequentemente, "as seguradoras dizem aos pacientes que não cobrirão mais os agonistas do receptor de GLP-1 para o tratamento da obesidade", disse a Dra. Carolyn Bramante, que é médica, mestre em saúde pública e professora assistente na University of Minnesota Medical School, nos EUA. Ela também atende pacientes na clínica M Health Fairview, especializada no controle de peso.

Outras barreiras são os efeitos colaterais dos medicamentos, como náuseas, diarreia, dispepsia e vômitos. Além disso, alguns pacientes simplesmente não querem tomar um medicamento por toda a vida, optando por arriscar e tentar manter o peso reduzido sem o tratamento farmacológico.

Se o seu paciente precisar interromper o uso do agonista do receptor de GLP-1 ou desejar parar de tomar o medicamento, veja a seguir algumas dicas de como ajudá-lo.

Descubra o que está por trás do desejo de interromper o tratamento. Converse com o paciente e peça que ele te ajude a entender a situação, sugeriu o Dr. Jaime Almandoz, médico, professor associado de medicina interna e diretor clínico no Programa de Bem-Estar Relacionado ao Peso do University of Texas Southwestern Medical Center, nos EUA. Às vezes, o paciente ou seus familiares estão preocupados com aspectos relacionados à segurança do medicamento, disse o Dr. Jaime. “Eles podem estar preocupados com os riscos [do tratamento] e talvez não tenham tido a oportunidade de fazer perguntas.” O Dr. Jaime sempre analisa os dados de segurança dos medicamentos e relata que os estudos mostram que, em média, os pacientes recuperam dois terços do peso perdido em até um ano. Você não está tentando persuadi-los, mas, sim, capacitá-los para que façam uma escolha bem-fundamentada.

Não deixe o preconceito afetar as decisões terapêuticas. Os pacientes que usam agonistas do receptor de GLP-1 costumam perguntar: “Por quanto tempo vou ter de tomar esse remédio?”. O motivo por trás desse questionamento é que “tendemos a acreditar que [a obesidade] não é um estado patológico, mas uma falha de caráter”, disse o Dr. Sean Wharton, médico, doutor em farmacologia e diretor clínico na Wharton Medical Clinic, no Canadá, especializada no controle de peso. Lembre o seu paciente de que a obesidade não é uma falha pessoal, mas uma mistura complexa de fatores genéticos e biológicos.

Oriente sobre os aspectos biológicos básicos da obesidade. A ciência mostra que, quando perdemos peso, nosso corpo reage, tentando retornar ao estado de maior massa gorda. Mudanças em neuro-hormônios, hormônios intestinais, mecanismos de saciedade, metabolismo e função muscular convergem para promover a recorrência do ganho de peso, disse o Dr. Jaime. Para explicar esses processos aos pacientes, ele compara o ganho de gordura ao ato de depositar dinheiro em uma poupança. “Quando tentamos perder peso, não é tão simples como sacar dinheiro”, ele diz aos pacientes. “É quase como se o dinheiro que colocamos na poupança estivesse agora vinculado a investimentos e não pudesse ser resgatado tão facilmente.”

Prepare os pacientes para um aumento no apetite. Quando os pacientes param de tomar o agonista do receptor de GLP-1, a fome e a fissura por alimentos tendem a aumentar. “Eu explico que os medicamentos imitam um hormônio liberado pelo intestino quando ele ‘percebe’ que comemos”, disse o Dr. Jaime. Isso sinaliza ao cérebro e ao organismo que existe alimento no trato gastrointestinal, diminuindo o apetite e fissura por comida. Pergunte aos pacientes como é a sensação de fome e saciedade com o uso do medicamento, sugeriu o Dr. Jaime. “Muitos dirão que têm pouca fome e poucas fissuras, e que atualmente sentem indiferença em relação aos alimentos”, disse ele. Essas perguntas podem ajudar os pacientes a se tornarem mais cientes dos efeitos do agonista do receptor de GLP-1. “Isso proporciona um diálogo mais claro caso esses medicamentos sejam suspensos”, disse o Dr. Jaime.

Ajude o organismo dos pacientes a se ajustar. “Se possível, reduza lentamente a dose, para evitar um grande [efeito] rebote na fome”, disse a Dra. Carolyn. Se o seu paciente tiver tempo (digamos que ele recebeu uma carta do plano de saúde informando que a cobertura do medicamento será suspensa em três meses), use esse período para reduzir gradualmente a dose para o menor nível possível antes da retirada completa. Quanto mais lenta e gradual for a suspensão, melhor. O Dr. Jaime avalia os pacientes em intervalos de quatro a oito semanas. Se os indivíduos estiverem mantendo o peso, ele considera diminuir a dose novamente e continuar a redução em consultas de acompanhamento.

Substitua uma intervenção por outra. Em geral, manter o peso perdido exige alguma intervenção, disse o Dr. Sean. “Porém, essa intervenção não precisa ser a mesma que levou à perda de peso [inicial].” Se o paciente não puder continuar com o agonista do receptor de GLP-1, considere o uso de um medicamento alternativo, da terapia cognitivo-comportamental ou uma combinação dos dois. Em alguns casos, quando os pacientes perdem a cobertura dos agonistas do receptor de GLP-1, a Dra. Carolyn prescreve um medicamento mais antigo e mais barato, como fentermina, topiramato ou metformina. Além disso, em algumas situações, as seguradoras que não cobrem os agonistas do receptor de GLP-1 (como o Medicare, seguro-saúde pago pelo governo federal dos EUA a pacientes idosos ou vulneráveis) cobrem a cirurgia bariátrica, que pode ser uma opção, dependendo do índice de massa corporal, da saúde geral e das comorbidades do paciente, disse o Dr. Jaime.

Crie um ‘modelo de hábitos’. Normalmente, o Dr. Robert solicita aos pacientes que perderam peso de forma bem-sucedida que façam um diário de tudo o que estão fazendo, com o objetivo de apoiar seus esforços. O médico pede que eles descrevam como planejam sua dieta, que tipos de alimentos comem, quanto e quando. Além disso, ele também pergunta sobre atividade física, padrões de exercícios e sono. Em seguida, ele registra todos esses hábitos em uma lista e entrega uma versão impressa ao paciente antes do término da consulta. “Esse é o seu modelo”, ele diz. "É isso que você vai tentar manter da melhor forma possível, pois é o que funciona no seu caso."

Prescreva exercícios físicos. “O aumento da prática de exercícios normalmente não é eficaz na perda de peso inicial, mas é importante para manter a perda”, disse a Dra. Carolyn. Oriente os pacientes a começarem imediatamente, de preferência enquanto ainda estiverem tomando o medicamento. Em um estudo publicado em fevereiro de 2024, pacientes que tomavam liraglutida (Saxenda) e se exercitavam quatro dias por semana tinham muito mais chances de manter o peso após interromperem o uso do medicamento do que aqueles que não faziam exercícios. (O estudo foi parcialmente financiado pela Novo Nordisk Foundation, organização filantrópica vinculada à Novo Nordisk, fabricante do Saxenda e da semaglutida [Ozempic e Wegovy].) Ao estabelecer fortes hábitos relacionados ao exercício físico enquanto tomavam o medicamento, esses indivíduos conseguiram manter níveis mais elevados de atividade física após pararem de tomar o agonista do receptor de GLP-1. Peça ao paciente para identificar alguém ou algo para ajudá-lo a seguir o plano, “seja procurando um treinador ou se comprometendo com um amigo, um familiar ou consigo mesmo por meio de registros diários”, disse o Dr. Robert. Saiba mais sobre como prescrever exercícios para os seus pacientes.

Ajude-os a criar um ‘microambiente’ favorável. O Dr. Robert costuma perguntar aos pacientes quais dos hábitos alimentares recomendados para a perda de peso são mais difíceis de seguir: comer mais vegetais? Cortar ultraprocessados, alimentos gordurosos, fast food e/ou bebidas açucaradas? Dependendo das respostas do paciente, ele tenta recomendar estratégias — talvez ficar sem carne alguns dias por semana ou manter alimentos tentadores fora de casa. “Se o paciente parar de tomar o medicamento, os alimentos podem se tornar mais atraentes e ele pode não se sentir tão satisfeito comendo menos”, disse o Dr. Robert. "Certifique-se de que o que chamamos de microambiente, ou seja, o ambiente doméstico, esteja repleto de alimentos saudáveis."

Use a experiência multidisciplinar a seu favor. A obesidade é uma doença complexa e multifatorial, por isso chame reforços. “Quando atendo alguém, estou sempre avaliando quais outros membros da equipe poderiam ajudá-lo”, disse o Dr. Robert. Se o paciente não tiver um bom conhecimento nutricional, o médico o encaminha para o nutricionista. Se houver problemas relacionados a autoculpa, baixa autoestima e alimentação emocional, o indivíduo é encaminhado ao psicólogo. Isso pode fazer a diferença. Um estudo de 2023 mostrou que os pacientes que perderam peso e receberam o apoio de profissionais como treinadores físicos, nutricionistas e psicólogos recuperaram menos peso ao longo de dois anos, em comparação com aqueles que não receberam essa mesma assistência.

Tranquilize os pacientes e diga que você irá ajudá-los, não importa o que aconteça. Peça aos pacientes que retornem um mês após a suspensão do medicamento ou que entrem em contato antes disso se ganharem 2,5 kg. Os pacientes que param de tomar um agonista do receptor de GLP-1 geralmente relatam que estão menos satisfeitos ao comer ou que pensam mais em comida. É nesse momento que o Dr. Robert pergunta se eles querem voltar a tomar o medicamento ou preferem focar em outras estratégias. Às vezes, os pacientes que ganham peso ficam constrangidos e adiam as consultas de acompanhamento. Se isso acontecer, acolha esses indivíduos e diga a eles que todas as doenças crônicas vão e vêm. “Lembro os pacientes constantemente de que estou aqui para ajudá-los e que existem muitas ferramentas ou recursos que irão auxiliá-los”, disse o médico. "Além disso, busco desfazer o pensamento de que, de alguma forma, a culpa é deles."

O Dr. Robert Kushner informou atuar como membro do conselho consultivo ou consultor nas empresas Novo Nordisk, WeightWatchers, Eli Lilly and Company, Boehringer Ingelheim, Structure Therapeutics e Altimmune. Ele acrescentou que não possui ações de nenhuma dessas empresas nem participa de nenhum grupo de palestrantes. O Dr. Jaime Almandoz informou atuar como membro do conselho consultivo das empresas Novo Nordisk, Boehringer Ingelheim e Eli Lilly and Company. O Dr. Sean Wharton informou atuar como membro do conselho consultivo e receber remunerações para palestras acadêmicas e pesquisas clínicas das empresas Novo Nordisk, Eli Lilly and Company, Boehringer Ingelheim, Amgen, Regeneron e BioHaven.

sábado, 30 de março de 2024

Posicionamento da SBEM-GO sobre Implante de gestrinona

 

O que ninguém te conta sobra o Lipedema

 Post que minha afilhada Dra. Esthefania escreveu comigo.

Anabolizantes e suicídio

A postagem abaixo foi feita por um amigo psiquiatra. Há muitos anos estamos trocando experiências sobre efeitos dos Esteróides anabolizantes (EAAs) na saúde mental humana. E o que tenho percebido me assusta, ano após ano. 

Quando comecei a atender em 2009, jamais imaginaria que a situação chegaria ao ponto atual. Consigo relatar pelo menos uns 50 casos de pacientes que tiveram a vida devastada após uso de anabolizantes. Vi, ouvi, acolhi:

  • Pacientes com depressão que tiveram sintomas agravados, principalmente ao final de ciclos ou quando a droga vai decaindo na circulação.
  • Pacientes com quadro de ansiedade generalizada que após uso de EAAs abriram quadro de síndrome do pânico ou ficaram extremamente hiper-reativos, agressivos.
  • Pacientes borderline que após uso tiveram exacerbação dos sintomas, com consequências legais/criminais. 
  • Pacientes com transtorno bipolar que fizeram mania psicótica após início do uso.
  • Pacientes com transtorno bipolar que desencadearam mania e foram a falência ou se endividaram.
  • Pacientes com transtorno ansioso que começaram a ter ideação suicida e outros até tentaram suicídio. 
  • Pacientes com transtorno bipolar que passaram a ter compulsão sexual após o uso, levando ao término de casamentos de décadas. 
  • Pacientes previamente saudáveis que após o uso abriram quadro de esquizofrenia. 
  • Pacientes com TDAH que pioraram os sintomas após o uso e passaram a ter comportamentos de risco.
  • Pacientes bipolares que passaram a ter comportamento de risco e contraíram DSTs.
  • Paciente que com o uso tornou-se totalmente agressivo, destruindo o seio familiar, seja por agressão aos filhos ou violência doméstica contra a esposa. 
  • Pacientes que sob uso de EAAs tornam-se um perigo para a vida em sociedade, devido agravamento de transtornos psiquiátricos de base, favorecendo brigas de trânsito, agressões físicas contra terceiros e até mesmo a praticar crimes.
Conseguiria ficar aqui por horas, exemplificando situações que já ouvi no consultório, além das que ouço de amigos psiquiatras e psicólogos. A situação é muito mais grave do que se pensa. Sempre falo que é um problema de saúde mental, altamente negligenciado pelas autoridades. Com repercussões inclusive criminais. Então falo um apelo: se você usa, tente realizar o desmame com o prescritor. Caso ele não queira, procure um endocrinologista sério, que saiba manejar o uso de EAAs. 

Caso você apresente (as vezes o paciente nem percebe, mas as pessoas que convivem percebem) sintomas ansiosos com uso de EAAs, ideação suicida, agitação psicomotora, irritabilidade, agressividade, comportamentos de risco, procure auxílio de um psiquiatra e seja transparente sobre o uso. 

Além do texto abaixo, sugiro que leia:


att

Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 / CRM-SC 32949 - RQE 22416

Vitamina B3 e aumento do risco cardiovascular

Um estudo recente que relaciona um derivado da niacina a maior risco de eventos cardiovasculares levantou questões sobre a segurança dessa vitamina B, que é acrescentada a muitos alimentos básicos da alimentação ocidental e consumida na forma de suplementos.

Os achados, publicados no periódico Nature Medicine, também podem ajudar a explicar por que o uso da niacina — que reduz a lipoproteína de baixa densidade do colesterol (LDL) e aumenta a lipoproteína de alta densidade do colesterol (HDL) — não levou a redução dos eventos cardiovasculares em grandes ensaios clínicos.

Mas será que esse micronutriente essencial pode realmente ter um efeito adverso no risco cardiovascular? E quais são as consequência do seu consumo?

Médico e autor sênior do novo estudo, o Dr. Stanley Hazen, acredita que haja motivos para evitar a ingestão excessiva de niacina.

"Não estou sugerindo que devamos evitar completamente a niacina. Trata-se de um nutriente essencial, mas nossos resultados sugerem que seu excesso pode ser prejudicial", disse.

Os suplementos de niacina também são vendidos com a propaganda de supostos efeitos antienvelhecimento, alívio da artrite e melhora da função cerebral, embora nenhuma dessas alegações tenha sido comprovada. E a substância relacionada, a nicotinamida, é recomendada para prevenir o câncer de pele em pacientes de alto risco; no entanto, um estudo recente questionou essa orientação.

"Eu diria ao público que evitar suplementos que contenham niacina ou substâncias relacionadas pode ser uma atitude sensata neste momento, enquanto essas descobertas são investigadas mais a fundo."

Outros especialistas ainda não sabem se essa ação é justificada pelos resultados de um único estudo.

Risco cardiovascular residual

O Dr. Stanley, que também é presidente do Department of Cardiovascular & Metabolic Sciences da Cleveland Clinic, nos Estados Unidos, explicou ao Medscape que sua intenção inicial não era estudar a niacina.

"Tudo começou como um estudo para procurar novas vias envolvidas no risco residual de doenças cardiovasculares, ou seja, o risco de eventos cardiovasculares após o ajuste dos fatores de risco tradicionais, como colesterol, pressão arterial e diabetes mellitus."

Os pesquisadores começaram a procurar substâncias no plasma que indicassem futuros eventos cardiovasculares adversos nos pacientes em avaliação cardíaca diagnóstica eletiva. Dois dos principais candidatos identificados foram os derivados da niacina — 2PY e 4PY —, formados somente quando há excesso desse micronutriente.

Em seguida, os cientistas criaram ensaios para dosar 2PY e 4PY e fizeram outros estudos em duas coortes de validação, uma com 2.331 indivíduos dos EUA e outra com 832 participantes na Europa. Em ambas as coortes, altos níveis plasmáticos de 2PY e 4PY predisseram futuros eventos cardiovasculares adversos, com a duplicação do risco cardiovascular observado nas pessoas com níveis no quartil mais alto em comparação às do quartil mais baixo.

Para ir além desses estudos observacionais e explorar uma relação potencialmente causal, a equipe do Dr. Stanley realizou estudos de associação de todo o genoma e descobriu que as variantes genéticas que acompanhavam os níveis mais altos de 4PY também estavam ligadas aos níveis do marcador inflamatório, a molécula 1 de adesão às células vasculares (VCAM-1).

Na cultura de células e nos estudos em modelo animal, os pesquisadores descobriram que o 4PY era um deflagrador de inflamação, aumentando a regulação da VCAM-1 e provocando respostas de inflamação vascular.

"Portanto, mostramos de várias maneiras diferentes que o derivado da niacina, 4PY, está associado ao aumento do risco cardiovascular", comentou o Dr. Stanley.

Quais as consequências?

O Dr. Stanley acredita que essas descobertas possam ter implicações significativas para a saúde.

O pesquisador observou que as populações ocidentais têm consumido grandes quantidades de niacina desde a Segunda Guerra Mundial, quando começamos a fortificar muitos alimentos com vitaminas essenciais a fim de evitar doenças causadas por deficiências de vitaminas. A niacina foi acrescentada aos alimentos para prevenir pelagra, doença caracterizada por inflamação da pele, diarreia e demência, cujo curso era muitas vezes fatal.

"Eliminamos a pelagra, mas será que, como consequência, aumentamos a prevalência de doenças cardiovasculares muitos anos depois?", indagou o pesquisador.

Isso pode ser um indício do motivo pelo qual a niacina não diminui o risco cardiovascular tanto quanto seria esperado, em função do grau de redução do colesterol que ela proporciona. "Esse é o paradoxo da niacina e levou à ideia de que ela poderia causar algum efeito adverso. Acho que encontramos algo que talvez contribua para esclarecer essa contradição", disse o Dr. Stanley.

Entretanto, a via da niacina é complicada. A substância é a principal fonte de binucleotídeo de nicotinamida e adenina (NAD), molécula integral essencial para a produção de energia nas células. "Por ser tão importante, nosso corpo foi projetado para recuperar e reter os NAD, mas, quando a capacidade de armazenamento é excedida, esses derivados 4PY e 2PY são gerados", explicou o cientista. "Mas é preciso comer muitos alimentos ricos em niacina para que isso aconteça."

O pesquisador não está afirmando que a niacina causa doenças cardiovasculares. "É o 4PY que parece ser o indutor da inflamação vascular. Ele é um produto da degradação da niacina, mas há mais de uma via que pode levar à geração de 4PY. Há toda uma rede interconectada de compostos que se intercambiam entre si, conhecida como reserva da niacina. Qualquer um ou mais desses compostos pode ser ingerido e aumentar os níveis da reserva e, consequentemente, os níveis de 4PY. Entretanto, a niacina é de longe uma das principais fontes", comentou Dr. Stanley.

A alimentação hiperproteica também tem sua parcela de culpa?

Entre outras fontes de NAD, temos o triptofano, presente nas proteínas. E uma das variantes genéticas ligadas às mudanças dos níveis de 4PY está relacionada com a forma como a proteína alimentar é direcionada para a reserva de niacina, levantando a possibilidade de que uma alimentação hiperproteica também aumente o risco cardiovascular em algumas pessoas, observou Dr. Stanley.

Ele estimou que cerca de 3% da reserva de niacina em uma alimentação normal provém da ingestão de proteínas, mas que o percentual pode aumentar significativamente nas dietas hiperproteicas.

"Nossos dados corroboram a ideia de que, se diminuirmos nosso nível de 4PY em longo prazo, isso resultará na redução da incidência de doença cardiovascular. Mas isso ainda é apenas uma hipótese. Sabemos apenas que, se reduzirmos a ingestão de niacina, reduziremos o 4PY", afirmou Dr. Stanley.

O pesquisador disse que o estudo está em um estágio muito preliminar para gerar recomendações com fundamentação científica para o consumidor.

"Por nossas descobertas, eu orientaria as pessoas a evitar o uso de suplementos de niacina, ácido nicotínico ou nicotinamida, e a adotar uma alimentação equilibrada e sensata, talvez sem exagerar nas dietas hiperproteicas. Isso é tudo o que podemos dizer no momento."

Observando que a niacina também pode ser um dos principais componentes das bebidas energéticas, ele sugeriu que pode ser prudente limitar o consumo desses produtos.

Qual é a ingestão ideal?

Dr. Stanley observou que a dose alimentar diária recomendada para a niacina é bem conhecida — entre 14 e 18 mg —, mas que o estadunidense médio consome quatro vezes essa quantidade, e algumas pessoas têm ingestões significativamente mais altas, que chegam a até 50 vezes a recomendação diária, se estiverem tomando suplementos.

Embora o enriquecimento de alimentos com niacina possa ter sido útil no passado, o Dr. Stanley questionou se ainda deveria ser obrigatória.


"Nos EUA, não se pode comprar farinha, cereais ou arroz que não sejam enriquecidos [com essa substância]. E, se observarmos com atenção, alguns produtos têm níveis muito mais altos do que os recomendados. As empresas alimentícias anunciam isso como um benefício, mas não há dados confiáveis que comprovem essa afirmação. E se várias décadas de ingestão de niacina em excesso tiverem levado ao aumento das doenças cardiovasculares?"

O pesquisador não preconiza o fim do enriquecimento com niacina, "mas talvez pudéssemos ter a alternativa de escolher uma opção sem esse nutriente", disse.

Relação de causalidade não comprovada

Comentando para o Medscape, o Dr. John Guyton, médico e professor emérito de medicina no Duke University Medical Center, nos EUA, que participa da pesquisa sobre niacina há muitos anos, disse que o estudo publicado no periódico Nature Medicine mostrou "resultados interessantes e importantes", mas que até agora não provam uma relação de causalidade entre a ingestão de niacina e o risco de doença cardiovascular.

"Essas descobertas precisam ser investigadas mais a fundo, e mais estudos são certamente indicados, mas não acho que esse estudo, por si só, seja um argumento adequado para restringir a ingestão de niacina ou pensar em interromper o enriquecimento de alimentos com a substância", disse Dr. John.

Observando que a niacina está presente em abundância em muitos alimentos ultraprocessados, o comentarista sugeriu que os pesquisadores podem ter apenas percebido as consequências de uma alimentação pouco saudável.

"Se observarmos os alimentos que contêm grandes quantidades de niacina, a carne vermelha está no topo da lista. E se pensarmos em um hambúrguer, a niacina está presente em quantidades relativamente grandes tanto na carne quanto no pão. Portanto, essas descobertas podem ser apenas um reflexo de uma alimentação pouco saudável em geral", comentou.

Dr. John também destacou que os principais ensaios clínicos com niacina apresentaram resultados heterogêneos, e seu efeito sobre o risco cardiovascular ainda não é totalmente compreendido. Embora os ensaios clínicos HPS2-THRIVE e AIM-HIGH não tenham demostrado seus benefícios na redução de eventos cardiovasculares, um estudo anterior, o Coronary Drug Project, no qual a niacina foi administrada com alimentos, teve alguns efeitos positivos. Esta pesquisa mostrou reduções substanciais do infarto do miocárdio e do acidente vascular cerebral, e sugeriu uma redução da mortalidade em longo prazo no grupo da niacina vários anos após o término do estudo.

Nicotinamida na prevenção do câncer de pele

E quanto ao uso da nicotinamida na prevenção do câncer de pele?

Ao abordar essa questão, a Dra. Kristin Bibee, médica e professora assistente de dermatologia na Johns Hopkins University School of Medicine, nos EUA, indicou que a nicotinamida, embora intimamente relacionada com a niacina, pode ter efeitos diferentes. "Este estudo não aborda especificamente a suplementação de nicotinamida e os níveis de 4PY", disse a professora.

A Dra. Diona Damian, médica e professora de dermatologia na University of Sydney, na Austrália, disse ao Medscape que é difícil extrapolar essas descobertas sobre os níveis iniciais de niacina em uma coorte de pacientes com cardiopatia para recomendações sobre a administração de doses suprafisiológicas de nicotinamida usadas para a prevenção do câncer de pele.


Pode haver efeitos diferentes da complementação de niacina em comparação à nicotinamida, que não tem os efeitos vasodilatadores observados com a niacina, disse Dra. Diona. Ela acrescentou que seria interessante ver os resultados de doses terapêuticas mais altas de nicotinamida em pacientes com e sem doença cardíaca.

A médica destacou que os níveis baixos e altos de suplementação de nicotinamida podem ter efeitos diferentes e até mesmo opostos nos processos celulares, como a modulação positiva ou a inibição das enzimas de reparo do DNA. Em altas doses, a nicotinamida é anti-inflamatória na pele.

A Dr. Diona observou que dois estudos de fase 3 (ONTRAC e ONTRANS) com 500 mg de nicotinamida duas vezes ao dia para a prevenção do câncer de pele não encontraram aumento significativo dos eventos cardiovasculares em comparação ao placebo ao longo de 12 meses.

"Foi demonstrado que a nicotinamida oral reduz a incidência de câncer de pele — exceto o melanoma — em cerca de um quarto em pacientes com imunidade normal e vários tipos de câncer de pele. As doses usadas para a prevenção do câncer de pele estão bem acima dos níveis diários da alimentação, e o tratamento precisa ser contínuo para que os efeitos protetores se mantenham. A nicotinamida não deve ser recomendada como agente preventivo para pessoas que não tiveram diversos tipos de câncer de pele, mas deve ser reservada para quem tem alta carga desses tumores", comentou.

"Por enquanto, seria razoável equilibrar os benefícios da redução do câncer de pele com os possíveis efeitos sobre os marcadores inflamatórios em pacientes com fatores de risco cardíaco, ao auxiliar os pacientes a decidir se o tratamento com nicotinamida é ou não apropriada para eles", acrescentou.

Ao mesmo tempo, Dr. Stanley disse que a parte mais empolgante dessa nova pesquisa é a descoberta de uma nova via que contribui para a doença cardiovascular e, possivelmente, um novo alvo para tratar o risco cardiovascular residual.

"Nossos resultados mostram que devemos medir os níveis de 4PY e que as pessoas com altos níveis precisam ser mais vigilantes para reduzir o risco cardiovascular."

A próxima etapa será confirmar esses resultados em outras populações e, em seguida, criar um teste diagnóstico para identificar pessoas com 4PY alto, disse o pesquisador.


sexta-feira, 29 de março de 2024

Hormonologia não é especialidade médica e nem área de atuação segundo Nota da Associação Médica Brasileira (AMB)

 


Fonte: https://amb.org.br/noticias/nota-amb-hormonologia-inexistencia-da-especialidade-ou-area-de-atuacao/

Várias sociedades médicas ligadas à AMB se posicionaram favorável à Nota, entre elas:


Associação Brasileira de Nutrologia: https://abran.org.br/publicacoes/posicionamento/nota-de-apoio-ao-posicionamento-da-amb-sobre-a-hormonologia

Implantes hormonais de gestrinona - A verdade

 

quarta-feira, 20 de março de 2024

CREMESP se posiciona sobre Soroterapia e Soro da beleza

 









Fadiga x Síndrome da Fadiga crônica: Qual a diferença ?

É comum os pacientes e leitores aqui do blog me perguntarem a diferença entre Fadiga e Síndrome da Fadiga crônica (SFC ou doença de intolerância ao esforço sistêmico - DIES). Como tem texto sobre ambos os temas aqui, postarei abaixo os links mas antes deixarei alguns ensinamentos.

Fadiga é um sintoma. SFC é um conjunto de sinais e sintomas que tem como peça central o sintoma fadiga, combinado com mal-estar após esforço e sensação de sono não reparador. Toda Síndrome da fadiga crônica (DIES) tem fadiga no seu quadro clínico, mas nem toda fadiga se encaixa na Síndrome da fadiga crônica. 

Na maioria dos casos, o diagnóstico de síndrome de fadiga crônica é um diagnóstico de exclusão, no qual a fadiga persiste por pelo menos 6 meses e de acordo com a Academia Nacional de Medicina, o diagnóstico de SFC requer a presença dos 3 sintomas abaixo e a intensidade dos sintomas deve ser moderada ou grave por pelo menos 50% do tempo:

  • Fadiga: diminuição ou prejuízo perceptível na capacidade de um paciente de se envolver em atividades que desfrutava antes do início da doença, com esse prejuízo continuando por mais de 6 meses e associado a fadiga grave de início recente, não relacionada ao esforço e não aliviado pelo repouso.
  • Mal-estar pós-esforço (PEM): Os pacientes apresentam piora dos sintomas e função após exposição a estressores físicos ou cognitivos que foram previamente bem tolerados.
  • Sono não reparador: Os pacientes se sentem tão cansados ​​após uma noite de sono.

O cumprimento do critério para o diagnóstico requer todos os 3 sintomas acima, juntamente com um dos   sintomas abaixo: 

  • Comprometimento cognitivo - Problemas com o pensamento ou função executiva, agravados por esforço, esforço ou estresse ou pressão do tempo.
  • Intolerância ortostática - Agravamento dos sintomas ao assumir e manter a postura ereta. Os sintomas são melhorados, embora não necessariamente eliminados, deitando-se ou elevando os pés.

Para ler mais sobre causas de fadiga, acesse esse texto: https://www.ecologiamedica.net/2022/03/conteudo-exclusivo-para-medicos-cansaco.html

terça-feira, 19 de março de 2024

SBD se manifesta sobre a prática de Soroterapia


A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) vem a público se manifestar quanto a prática da SOROTERAPIA devido aos inúmeros questionamentos que temos recebido de veículos de imprensa e dos próprios pacientes nos consultórios dermatológicos.

Nos últimos anos, observamos uma crescente divulgação entre a população de novos métodos terapêuticos baseados no emprego de suplementos (como vitaminas, minerais, aminoácidos e outros compostos) para fins estéticos, de melhora da imunidade e desempenho esportivo, além de tratamentos, que deveriam ser prescritos por médicos dermatologistas, como o tratamento de alopecias (calvície). É importante dizer que esses métodos não possuem evidências clínico-científicas consistentes que comprovem a sua segurança e eficácia.

A soroterapia não faz parte do rol de procedimentos médicos. A prática da soroterapia com fins dermatológicos carece de estudos científicos na literatura médica.

Os medicamentos e nutrientes endovenosos podem ser muito úteis em casos específicos de prescrição para reposição em pacientes com deficiências. A reposição de vitaminas e minerais endovenosa deve ser realizada apenas quando o paciente não responde à reposição oral, sendo um procedimento aplicado em pacientes crônicos portadores de má absorção intestinal, além de outras condições e doenças clinicas e laboratorialmente diagnosticadas. O emprego de doses em excesso pode ser tóxico ao organismo do paciente, causando uma série de efeitos adversos indesejáveis.

As intervenções médicas sempre devem ter por base as melhores evidências clínico-epidemiológicas disponíveis, que indiquem que o efeito terapêutico benéfico é superior a potenciais efeitos adversos, preferencialmente através de estudos prospectivos e controlados. É vedado ao médico usar experimentalmente qualquer tipo de terapêutica ainda não liberada para uso em nosso país sem a devida autorização dos órgãos competentes e sem o consentimento do paciente ou de seu responsável legal, que devem estar devidamente informados da situação e das possíveis consequências.

terça-feira, 12 de março de 2024

Educação continuada em Nutrologia

Criei com meus afilhados um grupo de Educação continuada em Nutrologia (EDUCONUTRO) no telegram, totalmente gratuito. 

O espaço é destinado ao envio de artigos, divulgação de eventos na Nutrologia. Aqueles que quiserem contribuir com artigos serão bem-vindos. 

Link do grupo: https://t.me/+2PuF9mZ6DbxhN2Qx

Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo Goiânia - Joinville
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sexta-feira, 1 de março de 2024

Lipedema: conceito, diagnóstico, tratamento e enganações


sábado, 24 de fevereiro de 2024

Como o vinho tinto perdeu seu ar de bebida saudável


Por uma ou duas décadas gloriosas, a bebida foi elogiada como boa para o coração. O que aconteceu?

Em um segmento de 1991 do "60 Minutes", o correspondente da CBS Morley Safer perguntou como poderia ser que os franceses desfrutassem de alimentos ricos em gordura como patê, manteiga e Brie triplo creme, mas tivessem taxas mais baixas de doenças cardíacas do que as pessoas nos Estados Unidos.

"A resposta ao enigma, a explicação do paradoxo, pode estar neste copo convidativo", disse o Sr. Safer, levantando um copo de vinho tinto para os telespectadores.

Os médicos acreditavam, disse o Sr. Safer, que o vinho tinha "um efeito de lavagem" que impedia que as células formadoras de coágulos sanguíneos se agarrassem às paredes das artérias. Isso, segundo um pesquisador francês que foi destaque no segmento, poderia reduzir o risco de bloqueio e, portanto, o risco de um ataque cardíaco.

Na época, vários estudos apoiavam essa ideia, disse Tim Stockwell, epidemiologista do Instituto Canadense de Pesquisa sobre o Uso de Substâncias. E os pesquisadores estavam descobrindo que a dieta mediterrânea, que tradicionalmente incentivava um ou dois copos de vinho tinto com as refeições, era uma maneira saudável de comer, acrescentou.

Mas não foi até o segmento do "60 Minutes" que a ideia de vinho tinto como uma bebida saudável e virtuosa se tornou "viral", disse ele.

Dentro de um ano após a exibição do programa, as vendas de vinho tinto nos Estados Unidos aumentaram 40 por cento.

Levaria décadas para o brilho do halo de saúde do vinho desaparecer.

• Como nossa compreensão sobre álcool e saúde evoluiu

A possibilidade de que um ou dois copos de vinho tinto pudessem beneficiar o coração era "uma ideia adorável" que os pesquisadores "abraçaram", disse o Dr. Stockwell. Isso se encaixava no corpo maior de evidências na década de 1990 que relacionava o álcool à boa saúde.

Em um estudo de 1997 que acompanhou 490.000 adultos nos Estados Unidos por nove anos, por exemplo, os pesquisadores descobriram que aqueles que relataram consumir pelo menos uma bebida alcoólica por dia tinham de 30 a 40 por cento menos probabilidade de morrer de doença cardiovascular do que aqueles que não bebiam. 

Eles também tinham cerca de 20 por cento menos probabilidade de morrer por qualquer causa.

Até o ano 2000, centenas de estudos haviam chegado a conclusões semelhantes, disse o Dr. Stockwell. "Eu pensei que a ciência estava estabelecida", disse ele.

Mas alguns pesquisadores vinham apontando problemas com esse tipo de estudo desde a década de 1980, questionando se o álcool era responsável pelos benefícios observados.

Talvez os bebedores moderados fossem mais saudáveis do que os não bebedores, eles diziam, porque tinham mais probabilidade de serem educados, ricos e fisicamente ativos, e mais probabilidade de terem seguro saúde e comerem mais vegetais.

Ou talvez, acrescentavam esses pesquisadores, fosse porque muitos dos "não bebedores" nos estudos na verdade eram ex-bebedores que haviam parado porque desenvolveram problemas de saúde.

Kaye Middleton Fillmore, pesquisadora da Universidade da Califórnia, São Francisco, estava entre aqueles que instavam uma análise mais cuidadosa da pesquisa. "É incumbência da comunidade científica avaliar cuidadosamente essa evidência", ela escreveu em um editorial publicado em 2000.

Em 2001, a Dra. Fillmore convenceu o Dr. Stockwell e outros cientistas a ajudá-la a analisar novamente os estudos anteriores e reanalisá-los de maneiras que pudessem considerar alguns desses viéses.

"Eu vou trabalhar com você nisso", lembrou-se o Dr. Stockwell de ter dito à Dra. Fillmore, que faleceu em 2013. Mas "eu estava realmente cético em relação a tudo isso", disse ele.

Como se viu, a equipe encontrou um resultado surpreendente: em sua nova análise, os benefícios anteriormente observados da ingestão moderada de álcool haviam desaparecido. Suas descobertas, publicadas em 2006, foram manchetes por contradizerem a sabedoria predominante: "Estudo Derruba a Crença de que um Pouco de Vinho Ajuda o Coração", relatou o Los Angeles Times.

"Isso perturbou muita gente", disse o Dr. Stockwell. "A indústria do álcool deu passos enormes e gastou muito dinheiro para combater essa mensagem um tanto incômoda que estava surgindo", acrescentou. 

Em questão de meses, um grupo financiado pela indústria organizou um simpósio para debater a pesquisa e convidou a Dra. Fillmore.

Em notas que o Dr. Stockwell guardou, a Dra. Fillmore escreveu que a discussão foi "acalorada e intensa, a ponto de eu sentir que precisava tirar meu sapato e bater na mesa com ele".

E quando dois organizadores do congresso publicaram um resumo do simpósio que dizia que "o consenso do congresso" era que o consumo moderado de álcool estava associado a uma melhor saúde, o Dr. Stockwell disse que a Dra. Fillmore "ficou furiosa" por suas opiniões não terem sido representadas.

Desde então, muitos estudos adicionais, incluindo um que o Dr. Stockwell e seus colegas publicaram em 2023, confirmaram que o álcool não é a bebida saudável que um dia se acreditou ser.

Em 2022, pesquisadores relataram notícias mais graves: não apenas não havia benefício cardiovascular em beber álcool, mas também poderia aumentar o risco de problemas cardíacos, disse a Dra. Leslie Cho, cardiologista da Clínica Cleveland.

Hoje, cada vez mais pesquisas mostram que até mesmo uma bebida por dia pode aumentar suas chances de desenvolver condições como pressão alta e ritmo cardíaco irregular, ambos os quais podem levar a derrame, insuficiência cardíaca ou outras consequências para a saúde, disse ela.

E as conexões do álcool com o câncer são claras - algo que a Organização Mundial da Saúde vem afirmando desde 1988.

Esta é uma mensagem muito diferente daquela que os pacientes podem ter ouvido de seus médicos por anos, reconheceu a Dra. Cho. Mas o consenso mudou.

Nenhuma quantidade de álcool é segura, afirmaram a OMS e outras agências de saúde, independentemente de você estar bebendo vinho, cerveja ou destilados.

• Então, o vinho acabou?

Ao aconselhar seus pacientes com câncer, Jennifer L. Hay, cientista comportamental e psicóloga da saúde no Memorial Sloan Kettering Cancer Center, na cidade de Nova York, disse que muitos ficam "absolutamente chocados" ao descobrir que o álcool, incluindo o vinho, é um carcinógeno. 

Em um estudo de 2023, pesquisadores entrevistaram quase 4.000 adultos dos EUA e descobriram que apenas 20 por cento estavam cientes de que o vinho poderia causar câncer - em comparação com 25 por cento que sabiam que a cerveja poderia e 31 por cento que sabiam que os destilados poderiam.

Os pacientes cardíacos da Dra. Cho muitas vezes ficam surpresos quando ela sugere que devem reduzir o consumo de álcool, incluindo o vinho. 

"Eles ficam tipo, 'O quê? Eu pensei que deveria proteger contra doenças cardíacas'", ela disse.

O vinho tinto contém compostos chamados polifenóis, alguns dos quais podem ter propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias.

Mas nenhum estudo, incluindo décadas de pesquisa sobre um polifenol chamado resveratrol, ligou definitivamente as quantidades obtidas do vinho tinto à boa saúde, disse a Dra. Cho.

E não há evidências sólidas de que o vinho seja menos prejudicial do que outros tipos de álcool, acrescentou.

"Isso pode ser realmente difícil de ouvir", reconheceu a Dra. Hay.

Sempre que ela diz às pessoas que estuda os riscos do álcool, "um clima pesado se instala na sala", ela disse.
Mas a Dra. Hay e outros pesquisadores não estão sugerindo uma "proibição" do álcool, acrescentou a Dra. Hay. 

Ela apenas quer que as pessoas estejam informadas sobre os riscos.

E para a maioria das pessoas, está tudo bem aproveitar um copo de vinho de vez em quando, disse a Dra. Cho.

Mas não ajuda o coração, disse ela. "É hora de abandonar essa crença."