Aliás, a gordura do coco nem sequer pode ser classificada como óleo para valer, devido ao seu alto teor de ácidos saturados.
Entre suas mais de 260 páginas para download gratuito — escritas pelas integrantes do nosso Departamento de Nutrição e por mais de 20 grandes pesquisadores convidados —, três são inteiramente dedicadas a esmiuçar a gordura de coco.
A gordura de coco é extraída da carne do coco maduro e se apresenta em duas versões, óleo refinado, clareado e desodorizado ou óleo virgem ou extravirgem, prensado a frio, forma de extração que conserva os polifenóis presentes na carne do coco. Apesar das diferenças na forma de extração, a composição de ácidos graxos é bastante similar.
A gordura de coco não pode ser classificada como óleo, em razão do seu alto teor da ácidos graxos saturados1. Os principais produtores de gordura de coco são Filipinas, Indonésia e Índia2, regiões onde o coco e seus derivados são importante fonte de renda e calorias para população local3. O seu uso é amplamente difundido na indústria de cosméticos, em razão de suas propriedades emulsificantes, bactericidas e cicatrizantes4.
Entretanto, nos últimos anos, o consumo da gordura de coco se tornou bastante popular na mídia e recomendações de uso foram proclamadas sem que estudos bem conduzidos e conclusivos tenham apresentado resultados que embasem suas indicações.
Dentre todas as gorduras (vegetal e animal), a de coco é a que apresenta maior percentual de ácidos graxos saturados (92%), sendo o láurico o que se encontra em maior concentração (50%), seguido de mirístico (16%), palmítico (8%) e, em pequenas quantidades, caprílico, cáprico e esteárico5,6.
Vale ressaltar que a gordura de coco oferece baixas concentrações de ácido linoleico (18:2-ω-6) e não contém ácido linolênico (18:3, ω-3), ambos ácidos graxos essenciais, que devem ser ofertados pela dieta, pois não são sintetizados endogenamente5,6.
Os ácidos graxos saturados estão naturalmente presentes na dieta, dentre eles o palmítico (16:0) é o que se encontra em maior abundância, seguido do esteárico (18:0), mirístico (14:0) e o ácido láurico (12:0), que tem a gordura de coco como sua fonte principal5. Os ácidos graxos saturados possuem funções biológicas importantes, atuam em vias de sinalização, compõem membranas celulares e são capazes de influenciar a transcrição de genes e a estabilidade de proteínas de membranas celulares7.
Todavia, o consumo excessivo de saturados pode ter efeitos deletérios sob o ponto de vista cardiometabólico. Já se demonstrou que o ácido graxo saturado é capaz de elevar as concentrações plasmáticas de LDL-colesterol (LDL-c)8,9 e aumentar a presença de componentes inflamatórios nas partículas de HDL, comprometendo a sua funcionalidade10.
Em 2015, a Biblioteca Cochrane conduziu extensa revisão sistemática, incluindo estudos de longa duração e mostrou que a redução do consumo de saturados reduziu em 17% os eventos cardiovasculares, efeito observado nos estudos que promoveram a substituição de saturados por poli-insaturados. Foi visto, ainda, que a redução nos eventos cardiovasculares se relacionou ao grau de redução das concentrações de colesterol total (CT)11.
Em 1992, Denke e Grundy12 demonstraram, em indivíduos saudáveis, que comparado ao consumo de fórmula rica em oleico, o consumo de láurico é capaz de elevar as concentrações plasmáticas de CT e LDL-c, todavia de forma menos acentuada que palmítico. Posteriormente, outros estudos corroboraram a ação hipercolesterolemiante do ácido láurico, tanto comparado ao óleo de cártamo13, como ao óleo de oliva14. Assim, recomenda-se a adequação do consumo de saturados para < 10% do valor calórico total da dieta (VCT) e redução adicional (<7% do VCT) para indivíduos com risco cardiovascular aumentado, substituindo as calorias provenientes de saturados por insaturados ou carboidratos complexos15.
Outra promessa atribuída pela mídia à gordura de coco é o seu uso como estratégia para perda de peso e aumento de saciedade. É possível que tais afirmações se apoiem erroneamente nas ações dos triglicérides de cadeia média (TCM), formados principalmente por ácidos capróico (6:0), caprílico (8:0) e cáprico (10:0), os quais são, quase na sua totalidade, absorvidos via sistema porta ligados à albumina e, por não necessitarem do transporte via quilomícrons, não elevam a trigliceridemia16,17.
Deve ficar claro que o TCM difere enormemente da gordura de coco, que contém mais de 60% da sua composição sob a forma de láurico e mirístico (12:0 e 14:0). Apesar de haver debate sobre a classificação do láurico como ácido graxo de cadeia média ou longa, em termos de absorção, este se comporta de forma similar aos ácidos graxos de cadeia longa.
Diferentemente dos TCM, o láurico é absorvido principalmente (70-75%) via quilomícrons18,19, especialmente quando se encontra em grandes concentrações. De toda forma, o efeito do consumo de TCM sobre o colesterol plasmático deve ser levado em conta.
Em indivíduos hipertrigliceridêmicos, o consumo de TCM reduziu a concentração plasmática de TG. Por outro lado, elevou a colesterolemia17. Já em indivíduos hipercolesterolêmicos, comparado ao consumo de óleo de girassol, o consumo de TCM elevou as concentrações de CT, LDL-c, VLDL-c e TG20.
Em relação à perda de peso e gasto energético, o consumo de dieta suplementada com TCM induziu aumento do gasto energético e oxidação lipídica em homens e mulheres com sobrepeso. Além disso, induziu redução de tecido adiposo subcutâneo comparado à dieta rica em óleo de oliva, apenas em homens com sobrepeso21,22.
Por outro lado, já se demonstrou em ratos23 e em humanos24, que a oxidação de ácidos graxos saturados é inversamente relacionada ao tamanho da cadeia carbônica (láurico > mirístico > palmítico > esteárico), achado que contribui para a crença de que o láurico e, portanto, o óleo de coco, se prestaria ao tratamento da obesidade. Contudo, dados da literatura não suportam tais conclusões.
Estudo realizado em 15 mulheres com sobrepeso, comparou o efeito do consumo de uma refeição contendo 25ml de óleo de coco extravirgem (VCO) ou óleo de oliva extravirgem (OO) no gasto energético, oxidação lipídica, saciedade e marcadores de risco cardiometabólicos. O consumo de VCO induziu menor plenitude, saciedade total e supressão da fome, quando comparado ao OO.
Não houve diferença em relação a gasto energético, oxidação lipídica e efeito pós-prandial de parâmetros metabólicos entre VCO e OO25. Além disso, o consumo de refeições enriquecidas com óleo de coco não elevou termogênese ou saciedade quando comparado ao óleo de milho26 ou óleo de soja27. Estudo experimental em ratos wistar comparou o efeito do óleo de coco extravirgem (VCO), copra (óleo de coco refinado), óleo de oliva e de girassol no metabolismo lipídico.
Não houve diferença no consumo de dieta ou ganho de peso dos animais. Entretanto, comparado aos demais óleos, o consumo de VCO reduziu as concentrações plasmáticas e hepáticas de CT, TG e fosfolípides, bem como a atividade das enzimas lipogênicas hepáticas e aumentou a atividade de enzimas ligadas à oxidação lipídica (avaliado em tecido cardíaco). V
ale ressaltar que VCO e copra apresentavam o mesmo perfil de ácidos graxos, variando apenas na concentração de polifenóis28. Em camundongos C57/BL6, o consumo de óleo de coco induziu menor ganho de peso comparado ao consumo de óleo de soja29.
Todavia não foi estudado o perfil lipídico dos animais, desenvolvimento de lesão aterosclerótica e marcadores inflamatórios, parâmetros importantes para avaliar a segurança do óleo de coco, uma vez que perda de peso em animais também foi observada em trabalho com o uso de ácidos graxos trans, que promoveu severo desenvolvimento de aterosclerose, perfil inflamatório e diabetes30. Desta forma, resultados de estudos em animais devem ser interpretados com cautela.
Deve-se ressaltar, ainda, que dentre os saturados, o ácido láurico possui elevado potencial inflamatório31 em razão de sua ação sobre vias de sinalização envolvendo os receptores Toll-like (TLRs), especialmente TLR4 e TLR2. Esta família de receptores tem como função reconhecer padrões moleculares associados a patógenos, como o lipopolissacarídeo (LPS), e alertar o sistema imune, por meio de cascata de sinalização, que culmina com ativação do fator nuclear kappa B (NF-kB) e secreção de citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α, IL--1b, IL-632. O LPS contém lipídios em sua estrutura que interagem com TLR, sendo láurico (C12:0) > mirístico (C14:0) > palmítico (C16:0), os principais ácidos graxos nessa fração.
Conhecida como Lipídio A, esta estrutura é responsável pela ação endotóxica do LPS33. Em macrófagos, a incubação com ácido láurico levou à ativação da via TLR 2/4 - NF-κB, que culminou com aumento da expressão de cicloxigenase 2 (COX 2)34. Já em células dendríticas (CD), o ácido láurico estimulou sua maturação, induzindo aumento da expressão de citocinas pró-inflamatórias e ativação de células T naive35.
A ação inflamatória dos saturados, somada à sua ação hipercolesterolemiante, aumenta seu potencial aterogênico30.
Assim, é importante salientar que indivíduos com aumento do risco cardiovascular devem ser orientados a fazer uso de óleos vegetais ricos em ácidos graxos insaturados, fontes de ácidos graxos essenciais, como canola e soja em quantidades moderadas, evitando ou consumindo minimamente óleos tropicais como óleo de coco e palma, mantendo o consumo de ácidos graxos saturados < 7% do VCT.
Classe de recomendação I, Nível de evidência A.
Além disso, não há evidências científicas que suportem a indicação do óleo de coco como estratégia para perda de peso.
Classe de recomendação III, Nível de evidência B.
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